Meu coração é a liberdade… Gerônimo e a canção “Eu sou Negão” (Macuxi Muita Onda)

O verão de 1984/85 mudou a história da música brasileira. Foi quando surgiu aquilo que se chamava, na época, de fricote, de deboche, de ti-ti-ti, e que na década seguinte passou a se chamar de axé. 

Mas a consolidação veio em 1986. A Banda Mel soltava seu “Faraó”, e quase que por acaso, Gerônimo acabou fazendo ecoar um grito, que desde a década de 70 o Ilê Aiyê já soltava como bloco afro no carnaval da Bahia: “Eu sou negão”. 

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A música surgiu de um improviso de Gerônimo, na barraca de Juvená em Itapuã, para os congressistas da convenção de uma gravadora que acontecia em Salvador. Na hora da apresentação, Gerônimo improvisou e criou uma cena-dialógo entre o cantor de trio elétrico e o cantor de um bloco afro no Carnaval da Bahia, que faz referência à presença dos negros na Bahia. Sobretudo no carnaval da Bahia, e vem a sua picardia….

O eu-lírico é um cantor de bloco afro em cima de um carro de som… O Ilê Aiyê é uma evidente inspiração.

E o recado é bem dado na parte conversada da canção: 

“E aí chegaram os negros com toda sua beleza, com toda sua cultura, com sua tradição, com toda sua religião, tentada, motivada a ser mutilada pelos heróis brancos da história, e estamos aqui, eles sobreviveram”.

E a partir daí há o conflito sugerido entre as duas grandes forças do carnaval da Bahia: os blocos afro e o trio elétrico (vale lembrar que na década de 80 havia uma queixa dos blocos afro que diziam ter os piores horários para desfilar se comparados com os blocos de trio, questão que remonta ao século XIX…). 

Aparece na música o trio elétrico, com sua música que invade e ocupa todo o espaço… e aí vem o diálogo, em que há o contraste do discurso meio óbvio do cantor do trio e a resposta de afirmação do cantor do bloco afro… e vem daquelas frases típicas… “é nenhuma, rapaz, aqui é boca de zero-nove!” 

“No bum bum bum do seu tambor, e o negão vai cantando assim, pega a Rua Chile desce a ladeira, tá na praça Castro Alves, fazendo seu deboche, transando o corpo, e o negão assume o microfone e na beirada da multidão em cima do caminhão ele fala:

“- Alô rapaziada do bloco esse é o nosso bloco afro vamos curtir agora o nosso som, a nossa levada que é a nossa cultura e segura comigo, eu sou negão, eu sou negão meu coração é a Liberdade/ sou do Curuzu, Ilê, igualdade nagô essa é a minha verdade”.

E de repente aparece ao longe um carro todo iluminado é um trio elétrico.

“-Que é isso meu irmão? Venha devagar, calma, segura essa ai”.

E o cara do trio lá de cima olha:

“-Legal massa, pessoal do bloco afro é uma beleza estar aqui com vocês, vamos levar o som”

E o negão lá de baixo falando. “-Qual é meu irmão, é nenhuma rapaz, aqui é boca de zero nove, é o suíngue da gente, vá, pegue seu caminhão e siga seu caminho que a gente vai seguindo o nosso, e na levada, eu sou negão, meu coração é a Liberdade, eu sou negão, eu sou negão”

A baianidade da música é manifesta e evidente. E o refrão: “Eu sou negão, meu coração, é a liberdade”, de uma simplicidade e de uma beleza, cantado pelo branco, preto e mulato Gerônimo, viria a ser um eco de assunção da Bahia como negra. “Igualdade na cor – essa é a nossa verdade”…

O radialista Baby Santiago, diretor artístico da rádio Itaparica FM, havia gravado o improviso de Gerônimo com pouco mais de 6 minutos de duração.Baby Santiago”executou com exclusividade essa fita na rádio, o que a fez passar, em questão de duas horas, do quinto para o segundo lugar na audiência local, criando uma situação inusitada, na qual os ouvintes ligavam e  manifestavam o desejo de ouvir a composição, enquanto os demais radialistas, surpresos, queriam obter cópia da gravação”.

E de repente a maioria dos baianos, sobretudo aqueles do Recôncavo, viram em si mesmo e na sua terra uma negritude que ultrapassa a cor da pela. A negritude da cultura que perpassa cada esquina da Bahia, na música, na culinária, na linguagem, no carnaval, e os blocos afro são o símbolo dessa manifestação.

A música foi o maior sucesso e virou tema de dissertações e teses. Em depoimento a Marcos Joel de Melo Santos, Gerônimo disse:

E eu quase preto e quase branco, eu senti essa discriminação, talvez com desprezo. Eu estava num momento em que eu não significava nada, para totalmente nada, eu não era nada. Eu não era nem um rádio ligado, eu tava tocando pra a parede, foi então que aí me veio a inspiração, num improviso, e aí eu gritei: – “Eu sou negão!”

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O refrão de Gerônimo mudou a forma de se compreender a expressão “negão”. De pejorativa a orgulhosa, passou a definoir a identidade do negro baiano. E não apenas do negro. 

E o resto é história… 

Fontes: 

http://www.overmundo.com.br/overblog/macuxi-muita-onda-eu-sou-negao

http://tempomusica.blogspot.com.br/2008/12/1980-1989.html

 http://livros01.livrosgratis.com.br/cp133192.pdf

quarta 26 novembro 2014 19:18 , em Musica Baiana

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