A Massa – o grande sucesso do festival MPB80 Raimundo Sodré em parceria com Jorge Portugal

O ano: 1980. A Rede Globo resolve reeditar os festivais da canção, com o denominado MPB 80. Um cantor baiano contagia o público com sua canção, e fica classificado em terceiro lugar. A composição até hoje ecoa… Raimundo Sodré, cantando a sua música, feita em parceria com Jorge Portugal. Seu nome: A MASSA. 

Quando se ouve a introdução, universal e regional, com samba-de-roda e de chula, já se percebe tratar-se de uma canção diferenciada.

A massa é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, a nossa dor é a dor do menino acanhado, do menino bezerro que vira massa no curral do mundo. A mão que amassa a comida, também molda e amassa “a massa dos homens normais”. 

A canção tem uma série de interpretações, desde a crítica social dos meninos marcados que amassama a mandioca em casas de farinha, bem como a desindividualização do homem, que como jerimum amassado, é colocado como parte de uma massa, massa de meninos…

Essa dor se revela num gemido calado, que salta aos olhos, mas parece não haver alternativa a viver nesse moinho de homens, que amassam e são amassados, e a massa amassada é mansa (reparem na aliteração da massa que amassa e mansa é amassada), e que, quando se lembra da massa da mandioca, o que acontece???   

Raimundo Sodré, numa entrevista ao site http://aqueimaroupa.com.br, disse, sobre a canção e sua apresentação no maracanãzinho, em 1980: : 

– Ver aquele mundo de gente cantando A Massa foi muito especial pra mim, lá na frente meu pai pulando e cantando, segurando as bolsas de todo mundo e vibrando comigo! Ficamos em terceiro lugar, atrás de Oswaldo Montenegro e Amelinha. A música já era um verdadeiro sucesso, tocava em todas as rádios do país”, pontua Sodré.

Sobre a inspiração que o levou a compor a música “A Massa”, Raimundo Sodré conta que estava assistindo a um telejornal, ao lado da sua então esposa, a francesa Danielle, e viu uma notícia sobre determinada reivindicação da classe média e uma outra sobre a mandioca, quando deu o “estalo”:

No noticiário em questão, foi exibida uma matéria segundo a qual a classe média brasileira já estava reclamando muito. “E eu disse: ‘Imagine o pessoal da mandioca!’, o pessoal que planta mandioca, porque passa, que não tem nem direito de chorar. Aí, então, nasceu isso: ‘Quando eu lembro da massa da mandioca, mãe/Da massa’. Fiquei com esse refrão desde 1976, até 1977. Foi quando Portugal colocou a letra”, recordou.

– Fui dormir, quando acordei no outro dia, já estava com o refrão da música na minha cabeça, ‘quando eu lembro da massa da mandioca mãe, a massa…’ (cantarola). Ainda falei com minha mulher, imagine o Maracanãzinho cantando essa música… Dito e certo, previ o sucesso! Mas, antes, gravei a música, em 1976, e levei pra Jorge Portugal fazer a letra, aí ele fez e quando eu ouvi, me emocionei demais. Essa música foi coisa de Deus, porque quando peguei o violão para fazer os acordes, eles casavam perfeitamente com o refrão, acho que Deus colocou no meu ouvido… mas, minha maior tristeza é saber que minha mãe não acompanhou o sucesso da Massa, uma pena! – revela o artista.

Ao começar a escrever A massa, Jorge Portugal relatou que se dirigiu à escrivaninha por volta das 11 h e, em pouco mais de dez minutos, já tinha feito a letra. Sodré, quando recebeu o telefonema de Jorge Portugal, se emocionou: “Quando eu peguei a letra, rapaz, eu chorei. Juro que as lágrimas vieram”.

E o que acontece quando a gente lembra da massa da mandioca?? Fazendo referências em inglês e francês, a “massa” pode ser lembrada como uma referência à maconha, quando fala que “nunca mais me fizeram aquela presença“, em que “massa” e “presença” eram gírias referentes ao consumo…

Mas ele deixa claro que a massa que fala “é a que passa fome“, para, em seguida, fazer referências a sambas-de-roda e chulas do Recôncavo Baiano.

Em 23 de agosto de 1980, veio a consagração. Final do festival MPB 80, promovido pela Rede Globo, no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Cenário lotado, uma apresentação que deixou o público de pé, como se pode ver no vídeo. Raymundo Sodré, de macacão branco e sem camisa, de chapéu e seu violão, fez uma apresentação inesquecível. Ficou em terceiro lugar, atrás de Foi Deus quem Fez Você, de Luiz Ramalho, interpretado por Amellinha, e a campeã foi Agonia, de Mongol, na voz de Oswaldo Montenegro.

A dor da gente é dor de menino acanhado
Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar
Que salta aos olhos igual a um gemido calado
A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar

Moinho de homens que nem jerimuns amassados
Mansos meninos domados, massa de medos iguais
Amassando a massa a mão que amassa a comida
Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais

Quando eu lembro da massa da mandioca mãe, da massa
When I remember of “massa” of manioc
Nunca mais me fizeram aquela presença, mãe
Da massa que planta a mandioca, mãe

A massa que eu falo é a que passa fome, mãe
A massa que planta a mandioca, mãe
Quand je rappele de la masse du manioc, mére
Quando eu lembro da massa da mandioca

Lelé meu amor lelé no cabo da minha enxada não conheço “coroné”
Eu quero mas não quero (camarão).
Minha mulher na função (camarão)
Que está livre de um abraço,
mas não está de um beliscão

Torno a repetir meu amor: ai, ai, ai!
É que o guarda civil não quer a roupa no quarador
Meu Deus onde vai parar, parar essa massa
Meu Deus onde vai rolar, rolar essa massa

No canal de Danilo Ribeiro no Youtube, Jorge Portugal contou de onde veio a inspiração da letra:

A dor da gente é dor de menino acanhado

“É aquela dor que nunca se expressa. Um menino acanhado é um menino tímido, um menino que está oprimido. Todos nós estávamos sob o regime militar, a ditadura militar.”

Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar/Que salta aos olhos igual a um gemido calado

“Aquele gemido do menino acanhado, que não expressa”, e que salta aos olhos da sociedade.

A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar

“Mal-assombrado era a ditadura.”

Moinho de homens que nem jerimuns amassados/Mansos meninos domados, massa de medos iguais

Nessa parte, Portugal descreveu, em algumas frases, a opressão recorrente na ditadura.

Amassando a massa a mão que amassa a comida

“Que distribui a comida, a sobrevivência.”

Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais

“São aqueles que não se rebelam, aqueles que não questionam, aqueles que estão em estado de letargia, de alienação, e que, portanto, são manobrados por aqueles que, na verdade, amassam a massa e têm toda a riqueza em suas mãos.”

Quando eu lembro da massa da mandioca, mãe/Da massa… (refrão)

A partir do “Lelé, meu amor, Lelé/No cabo da minha enxada/Não conheço o coroné”, é um pot-pourri dos sambas e chulas.

Fonte: http://aqueimaroupa.com.br/2010/07/25/sodre-o-cantador-das-dores-e-amores-da-massa/

https://hugogoncalvesjor.blogspot.com/2020/07/raimundo-sodre-e-jorge-portugal-contam.html

Quando lembro da massa da mandioca, mãe…

Rede Globo e as 30 músicas do século XX

 

No ano 2000, na virada do século, a Rede Globo promoveu um especial para escolher as mais importantes músicas do Século XX, no especial “100 anos de música”. Eu assistia o programa com minha irmã, e tentava adivinhar as músicas que seriam escolhidas. Não era uma escolha pelas melhores músicas, mas sim daquelas que tiveram uma significativa importância musical.

Eu tinha certeza que “Aquarela do Brasil” ganharia, sabia que lá estaria “Chega de Saudade”, “Carinhoso” e “Asa Branca”. Imaginava “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo. Apesar de entender a importância de Tom Jobim, achei em certa medida exagerada a inclusão de 8 músicas suas entre as 30 (que, na verdade, são 31).

Senti a ausência de referências a músicas tropicalistas, parece que não houve Rock no Brasil no século XX (talvez Secos e Molhados, Rita Lee ou Raul Seixas, pelo menos um deles mereceria uma referência, ou, para o fim do século, Renato Russo ou Cazuza).

Não acho que Sampa seja a mais importante de Caetano, nem  O que será  a mais importante de Chico (embora estivesse também presente Retrato em branco e preto, em parceria com Tom Jobim). Novos Baianos, Nação Zumbi, Assis Valente, todos mereceriam menções honrosas. Mas toda lista desse estilo é polêmica.

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São 8 músicas de Tom Jobim, 4 de Vinícius de Moraes; 2 de Chico Buarque, Ary Barroso, Noel Rosa, Vadico e Dorival Caymmi. Os demais têm uma música. A lista:

Campeã: Aquarela do Brasil

1: “Carinhoso” (Pixinguinha e João de Barro)
2: “Garota de Ipanema” (Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes)
3: “Asa branca” (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira)
4: “Águas de março” (Antônio Carlos Jobim)
5: “Chega de saudade” (Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes)
6: “As rosas não falam” (Cartola)
7: “Travessia” (Milton Nascimento e Fernando Brant)
8: “Desafinado” (Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça)
9: “Eu sei que vou te amar” (Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes)
10: “Chão de estrelas” (Orestes Barbosa e Sílvio Caldas)
11: “Se todos fossem iguais a você” (Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes)
12: “Luar do sertão” (Catulo da Paixão Cearense)
13: “Samba do avião” (Antônio Carlos Jobim)
14: “Brasileirinho” (Waldir Azevedo)
15: “Retrato em branco e preto” (Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque)
16: “O que será” (Chico Buarque de Holanda)
17: “Saudade da Bahia” (Dorival Caymmi)
18: “Manhã de carnaval (Luiz Bonfá e Antônio Maria)
19: “No rancho fundo” (Ary Barroso e Lamartine Babo)
20: “O bêbado e o equilibrista” (João Bôsco e Aldir Blanc)
21: “Tico-tico no fubá” (Zequinha de Abreu)
22: “Feitiço da Vila” (Noel Rosa e Vadico)
23: “Feitiço de oração” (Noel Rosa e Vadico)
24: “Marina” (Dorival Caymmi)
25: “A noite do meu bem” (Dolores Duran)
26: “Foi um rio que passou em minha vida” (Paulinho da Viola)
27: “Aquele abraço” (Gilberto Gil)
28: “Sampa” (Caetano Veloso)
29: “Detalhes” (Roberto Carlos e Erasmo Carlos)
30: “Meu bem querer” (Djavan)

 

Fontes http://redeglobo.globo.com/videos/t/variedades/v/especial-100-anos-de-musica-escolheu-a-maior-cancao-brasileira-do-seculo-xx/3860555/