Fogueira: De Ângela Ro Ro para Zizi Possi

Histórias de amor deixam marcas e músicas. Algumas músicas, como algumas histórias de amor, são óbvias e não possuem muita coisa de especial. Outras músicas marcam, ficam definitivamente marcadas, como certas e especiais histórias de amor.

Toda história verdadeira de amor tem sua canção ou sua trilha sonora, e sorte de quem consegue traduzir numa bela letra, harmonia e melodia os encantos e desencantos do amor vivido.

Falo isso para analisar uma das músicas mais belas, senão a mais bela, gravada por Ângela Ro Ro. Esta música é Fogueira, cuja letra segue abaixo.

Por que queimar minha fogueira?
E destruir a companheira
Por que sangrar o meu amor assim?
Não penses ter a vida inteira
Para esconder teu coração
Mas breve que o tempo passa
Vem num galope o teu perdão

Porque temer a minha fêmea?

Se a possuis como ninguém
A cada bem do mal do amor em mim
Não penses ter a vida inteira
Para roubar meu coração
Cada vez é a primeira
Dou fé também serás ladrão

Deixa eu cantar
Aquela velha história, o amor
Deixa penar, a liberdade está também na dor

Eu vivo a vida a vida inteira
A descobrir o que é o amor
Leve pulsar do sol a me queimar
Não penso ter a vida inteira
Pra guiar meu coração
Sei que a vida é passageira
E o amor que eu tenho não!

Quero ofertar
A minha outra face à dor
Deixa eu sonhar com a tua outra face, amor

 A música foi composta para Zizi Possi, com quem Ângela vivia um romance (ambas moravam juntas), e algumas histórias não bem esclarecidas fizeram com que o romance terminasse. As fontes – nem sempre confiáveis – dão conta de que Ângela teria sido acusada de agredir Zizi, outra, que Ângela teria feito um escândalo num show de Zizi, a ponto de precisar ser retirada pela polícia do teatro onde Zizi se apresentava.

Numa entrevista, Angela Afirmou:

“Eu nunca bati em ninguém nem naquela cantora em 1981. Nunca dei um tapa nela e nem ela em mim. E até hoje eu carrego essa cruz de infâmia e calúnia”, contou, em entrevista ao portal ‘Gay Blog’.

“Admiro muito o canto dela, quero o bem dela, não desejo mal nenhum. Foi imperdoável e continua sendo a omissão. Ela simplesmente poderia ter dito a qualquer hora, desde aquele ano até hoje: ‘Olha, a Ro Ro nunca me bateu’. Não custava nada”, continuou.

“Ela calou, e quem cala consente. Eu fiquei com essa má fama, mas só acredita nessa fama quem não presta”, finalizou a cantora

Uma situação, que causou mais impacto, foi quando, após o rompimento, Ângela compareceu a um show de Zizi. Na voz de Ângela:

Mandei comprar ingressos e fiquei em casa, com o meu amigo Claudio conversando e bebendo vinho. Como tivesse sobrado meia garrafa, botamos na mochila dele e saímos. Quando entramos no teatro, as luzes já estavam apagadas. Sentamos, no maior silêncio. Mas comecei a participar do espetáculo, como uma espectadora comum que estivesse adorando o que se passava no palco, cantei junto, aplaudi e gritei “Zizi Possi, eu te amo!”. Acontece que eu sou extrovertida e essa é minha maneira de opinar, tanto para elogiar quanto para protestar. A primeira parte do show terminou com My sweet lord que eu adoro e cantei interinha, do meu lugarzinho. foi quando as luzes se acenderam para o intervalo.”  

No entanto, esta interferência não teria agradado Zizi, que, segundo a mídia da época, teria retrucado:

 “Eu gostaria muito que você entendesse…Usasse toda a sua inteligência e percebesse que é com você que eu estou falando agora. As suas vibrações me incomodam, sua presença me perturba… Você nunca me ajudou, por favor não me atrapalhe, não se interponha em minha vida pois você não me é mais uma pessoa querida. Levanta, levanta por favor vai embora! Levanta, saia do teatro agora! Eu preciso de paz pra tocar e cantar!”

Ângela acabou sendo retirada do Teatro pela polícia. Disse ter sido traída:

Zizi me traiu. e quando falo em traição, não me refiro a infidelidade. Traição é aquilo que Tiradentes sofreu e eu, que não sou dada a usar coroas de espinhos, não estou afim de entrar nessa… mas não esquento não. Nunca vi um monte de formigas derrubar Gibraltar, a ambição dessa mulher, de ser Sara Bernhardt, já esta quase preenchida, falta chegarmos ao tribunal. Aí sim, a pobre moçoila seduzida pela terrível bêbada e perigosa homossexual”

O fato é que a mídia da época, no início dos anos 80, tratava a relação de ambas como um tabu, sendo feitas diversas referências preconceituosas sobre a homossexualidade.

 As razões do rompimento são questões menores e que devem ficar para as revistas de fofocas. O fato é que Ângela fez uma música confessional, uma declaração de amor e de incredulidade por alguém que está magoando o eu lírico, alguém que está machucando, se escondendo, decepcionando um amor profundo, mas que, apesar de tudo, o amor resiste.

 É uma canção que oferece um perdão em nome do amor, que tenta dizer que nem sempre haverá outra oportunidade para vivê-lo e ganhá-lo a cada revés, mas que ao mesmo tempo se contradiz, dizendo ser o amor eterno, não passageiro, que está sempre disposto a perdoar se o objeto do sentimento puder, ainda que brevemente, estender a mão.

 “Fogueira” foi gravada também por Bethania em 1983, mas seu caráter absolutamente confessional a faz mais bonita quando interpretada por Ângela Ro Ro, cuja voz rouca e o estilo de cantar lembra um pouco a cantora Maysa (e a intensidade dos sentimentos, também).   

 Essa musica foi gravada no seu terceiro LP, “Escândalo”, de 1981, título de uma das músicas do LP, de autoria de Caetano, como que uma tradução daquele momento em que vivia a cantora, logo após a separação de Zizi Possi, ocorrida de modo traumático e coberta do modo naturalmente sensacionalista pela imprensa da época.   

 A capa do disco traz o nome “escândalo” como se fora uma manchete de jornal, parodiando as notícias escandalosas que saíram na imprensa por conta de seu rompimento com a cantora Zizi Possi.

 Muitos anos depois, em entrevista ao Jornal “Gazeta do Povo”, Ângela esclareceu:  

  Não quero ser indelicado, mas o desafeto com a Zizi Possi continua?

Com a Zizi Possi? Não há o menor desafeto. Eu tive uma profunda tristeza da gente. Ela e eu fomos vítimas de manipulações, de más línguas. As pessoas foram muito maliciosas. Muita maldade, muita truculência física e psicológica contra mim. Eu nunca bati em ninguém, muito menos na Zizi e ela sabe disso. Eu acho a Zizi uma pessoa muito bacana. Nunca mais fizemos amizade. Ela tem uma filha linda que canta tão bem quanto ela. Zizi é uma grande artista. Pena que nunca mais fizemos amizade porque eu poderia pedir dinheiro emprestado a ela, né?

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Mentiras – Adriana Calcanhotto

Existem músicas que são inspiradas em outras canções. Às vezes uma frase, uma sequência de acordes, uma ideia presente numa canção serve como centelha para o surgimento de uma nova música. E este foi o mote que fez surgir a canção Mentiras, o primeiro grande sucesso de Adriana Calcanhotto, gravada no seu segundo álbum Senhas (1992). A canção se tornou um sucesso, impulsionado pela sua inclusão na novela global Renascer (1993)

E a inspiração da canção, como Adriana recentemente disse no seu canal no Youtube, se inicia com uma canção de Cazuza: “O Nosso Amor a Gente Inventa (Uma Estória Romântica)”, gravada em 1987, no disco “Só se for a dois”.

A canção de Cazuza, contada a partir de uma desilusão amorosa, já no final, relata uma relação que, ao acabar, “ficou tudo fora do lugar, café sem açúcar, dança sem par”.

Este ficar “tudo fora do lugar” inspirou a primeira frase da canção, em que “nada ficou no lugar”

Em seguida, são listadas alguns tipos de vinganças amorosas, de desforras que se fazem como resposta ou revanche em decorrência de mágoas de amor. E também como forma de chamar a atenção do ser amado. E a canção lista algumas destas represálias:

Eu quero quebrar essas xícaras
Eu vou enganar o diabo
Eu quero acordar sua família
Eu vou escrever no seu muro
E violentar o seu gosto
Eu quero roubar no seu jogo
Eu já arranhei os seus discos

E, na segunda estrofe, continua:

Eu quero entregar suas mentiras
Eu vou invadir sua aula
Queria falar sua língua
Eu vou publicar seus segredos
Eu vou mergulhar sua guia
Eu vou derramar nos seus planos
O resto da minha alegria

E todo o resultado desta desilusão tem um sentido, uma lógica. As “maldades” são o amor pelo avesso (numa referência à canção “Artrás da Porta”, de Chico Buarque). Enfim, uma forma de, com as vinganças, esboçar uma reação da pessoa amada.

No Video, Adriana conta a história:

Era um verão muito chuvoso no Rio de Janeiro e eu fiquei sozinha no apartamento…Eu estava ouvindo muito Cazuza, ele tinha morrido e eu continuava ouvindo, como uma voz, como um poeta que foi embora, que não vai ter nada parecido… E eu lembro de estar ouvindo uma música que dizia: “Mas ficou tudo fora do lugar /café sem açúcar”; a melodia não é essa mais a ideia é essa: ficou tudo fora do lugar e eu estava fazendo as canções, fiquei com isso na cabeça, provavelmente fui a cozinha fazer um café voltei, peguei o violão e ai saiu um “Nada ficou no lugar” que é “ficou tudo fora do lugar”.

Nada ficou no lugar/ eu quero quebrar essas xícaras/ eu vou enganar o diabo/ eu quero acordar sua família”.

Começou assim, a partir dessa coisa do Cazuza “ficou tudo fora do lugar”, me veio uma imagem dessas maldades amorosas que se faz assim… se faz, não, que algumas pessoas fazem quando estão com raiva, quando estão com ciúme.

E eu lembrei da história de uma amiga minha que ela era bem mais velha do que eu, casada com filhos e tudo, e descobriu em um determinado momento que o marido tinha uma amante. Então ela teve um ataque em casa e quebrou tudo o que tinha na casa, menos as coisas que ela tinha dado para ele. A memória dela eram quadros, assim quebrados no chão, os vidros espatifados dos quadros que ela quebrou; os quadros que ela deu ficaram na parede, mas os que ela não deu, os que ela não sabia a origem que ele já tinha qualquer coisa assim….

Então a imagem – ela falava – era um tapete assim de vidro, cacos de vidro e terra das plantas, terra arrasada realmente ficou o apartamento – isso ela contando, eu não vi. Mas aí eu me dei conta dessa coisa passional, dessas reações assim e elaborei uma lista de maldades de vinganças: “eu vou publicar seus segredos, chegando ao ponto de “eu já arranhei os seus discos” e tudo isso eu fui fazendo a lista de maldades, inventando, pensando nas maldades, pensando no Cazuza, pensando na Tânia com o apartamento destruído e chegou um determinado momento: com uma lista maravilhosa de maldades eu pensei pô mas e ai?

Não pode ficar implícito o motivo dessas maldades né? Uma pessoa não é não está fazendo maldades porque quer, porque é da natureza dela. A culpa não é de quem destrói apartamento. Era isso que a canção queria. Então o jeito de dizer isso foi dizer “Que é para ver se você volta/ que é pra ver se você vem/ que é pra ver se você olha pra mim.

E eu fiquei lembrando assim de várias canções que tem esste tipo de apelo, lembrei do Roberto Carlos dizendo “Só me falta ficar nu para chamar sua atenção” (Pra Chamar Sua atenção -1976)

Enfim, a música narra o desespero e o anúncio de vingança de uma pessoa magoada, e o caráter explícito de que é uma forma de chamar atenção.

“Não se afobe não, que nada é pra já…”

Somente Chico Buarque conseguiria transformar a palavra “escafandristas” numa poesia. A ideia de se encontrar vestígios daquele amor não vivido nas ruínas submersas da cidade, em que o passado das águas vai resgatar um amor que não morreu, mas que também não foi plenamente vivido.

Esse é o mote da canção “Futuros Amantes”, de Chico Buarque, gravada no disco “Paratodos”, em 1993. Na história de um amor que não é vivido no presente, mas que pode esperar, haja vista sua eternidade. Um amor recôndito, em silêncio…

Na verdade, ele deseja ser vivido, quer ser vivido, mas termina por esperar, em silêncio, escondido,e que deixará um legado nas ruínas da cidade submersa, que ensejarão discussões sobre o significado deste amor, e que inspitrarão futuros amantes, assim como hoje ainda o fazem  Romeu e Julieta, Abelardo e Heloísa, Tristão e Isolda, Lancelote e Guinevere.

O amor que não é vivido preserva o consolo de eternizar-se em amantes do futuro, o amor que ficou guardado.

Chico, falando no DVD Romance, explicou a inspiração da canção… (Publicado no Livro Chico Buarque- História de Canções – Wagner Homem. Leya, p. 271) 

Eu estava mexendo no violão,  comecei a fazer a melodia,  e a primeira coisa que apareceu foi exatamente cidade submersa,  isolada de tudo…  Porque cantarolando parecia cidade submersa, parecia que a música queria dizer isso. E eu tinha que ir atrás depois,  tinha que explicar essa cidade submersa,  tinha que criar uma história.  

Aí eu coloquei esses escafandristas e esse amor adiado,  esse amor que fica pra sempre, né? 

Essa ideia do amor que existe como algo que pode ser aproveitado mais tarde, que não desperdiça. Passa-se o tempo, passam-se milênios, e aquele amor vai ficar até debaixo d’água e vai ser usado por outras pessoas.

Amor que não foi utilizado. Porque não foi correspondido, ele ficou ímpar, pairando ali, esperando que alguém o apanhe e complete a sua função de amor.” 

Trata-se, portanto, de um amor incompleto, não realizado – ou, pelo menos, não realizado na sua integralidade – mas que permanece latente. Trata-se quase de um consolo, uma resignação com o fato de que este amor, de alguma forma, ficará preservado e será, de alguma forma, concretizado.

quinta 15 agosto 2013 10:26 , em canções de amor

“Prova de carinho”: Uma aliança feita com a corda de Cavaquinho. De Adoniran Barbosa para Mathilde

Gestos de amor romântico podem ser grandiosos ou singelos. Há quem goste daqueles gestos exagerados, superlativos, ou há quem goste de algo mais simples, mas com um significado simbólico mais particular.

A história que vou contar aqui mais se adequa ao segundo caso. No Livro “Adoniran: dá licença de contar”, Ayrton Mugnaini jr. conta que o grande amor da vida de Adoniran Barbosa,  talvez o maior representante do samba paulistano, foi sua segunda mulher Mathilde de Lutiss.

Assim, Adoniran pegou a corda “mi” do cavaquinho (uma curiosidade, as cordas do cavaquinho são 4 – ré/si/sol/ré. Logo, não existe a corda “mi”) e fez uma aliança e ofereceu para Mathilde, em 1942.

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Assim, tendo por mote esta oferta, Adoniran pôs a letra na melodia do maestro Hervé Cordovil, mineiro de Viçosa, que então trabalhava com Adoniran na Rádio Record.

O Eu-lírico conta a história de alguém que tira uma corda de um cavaquinho e forja uma aliança, como prova de amor. A canção reflete uma situação típica de meados do século passado, quando havia um conflito entre o casamento e a boemia. Na canção, são relatados os sacrifícios feitos por ter escolhido a aliança (a mulher amada) em detrimento da boemia (as serenatas que se deixou de fazer pela corda ausente no instrumento).

Assim, na canção, o sujeito tira a corda do cavaquinho como prova de amor.

No texto disco póstumo de Adoniran, denominado o sambista – ‘Documento Inédito’ -, Mathilde relatou : “Ele fez a aliança com a corda do cavaquinho, e eu tenho essa aliança até hoje, que é verdade, ele fez uma aliança pra mim com a corda do cavaquinho”. Ima

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A aliança foi divulgada pela filha do compositor, Maria Helena Rubinato, e faz parte do acervo de Adoniran Barbosa…..

Com a corda mi
Do meu cavaquinho
Fiz uma aliança pra ela
Prova de carinho

Quanta serenata
Eu tenho que perder
Pois meu cavaquinho
Já não pode mais gemer

Quanto sacrifício
Eu tive que fazer
Para dar a prova pra ela
Do meu bem querer

Cheiro de amor. Jingle de Motel que virou Sucesso na voz de Bethânia

Em 1979, Duda Mendonça gravou um jingle para o Motel Le Royale, em Salvador, numa campanha para o dia dos namorados.

Certo dia, Maria Bethânia estava na Bahia e escutou o jingle:

Esta música era um jingle do Duda Mendonça. A primeira coisa que eu faço quando chego na Bahia é ligar logo o rádio. É diferente de qualquer outro lugar que eu vá. Não sei que impulso é esse. aí, naquele dia liguei e começou a tocar isso.Eu achei a música linda e vi que era uma propaganda de motel. Eu perguntei: ‘Mas que motel?’ Então me mostraram e pensei: ‘isto é lindo’. No percurso até minha casa tocou isso umas dez vezes. Como na época eu gravei um filme para a empresa de Duda, numa fase que queriam dividir a Bahia, quando estive com ele acabei sabendo que a música era dele com ´Paulo Sérgio Valle. Pedi sua permissão, ele me deu, e eu gravei.  (História sexual da MPB, p. 218

Bethânia encomendou a Jota Moraes e a Paulo Sérgio Valle uma segunda parte da canção. No final, “Cheiro de Amor” solidificou-se com dois refrões diferentes e duas estrofes iguais, uma antes de cada um. A letra reflete um momento na música popular brasileira, em que a mulher se libertava de tabus e cantava seu amor de forma mais liberal. Maria Bethânia incluiu a canção no seu álbum Mel, um disco de sucesso, que conta com outras canções com apelo sensual, temas que faziam parte desse momento na carreira da cantora

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Duda Mendonça conta sua versão da história no livro Casos e Coisas:

Mas, sem duvida, o jingle de maior sucesso da minha carreira não tem nada haver com campanha política. Foi o que fiz em parceria com a turma da produtora carioca Zurana, para um motel baiano, chamado “Le Royale”. E estourou na Bahia. Tivemos que providenciar cópias da musica para dar de presente, como brinde aos frequentadores do motel:

De repente fico rindo à toa

Sem saber por quê

E vem a vontade de sonhar

De novo te encontrar

Foi tudo tão de repente

Eu não consigo me esquecer…

O jingle, aliás, não dizia o nome do motel. Falava de uma situação amorosa. Só. A assinatura “Le Royale” aparecia apenas no final, capitalizando toa a emoção da música.

E aí veio a surpresa, num belo dia recebi o telefonema de Maria Bethânia. Ela perguntava se eu a autorizava a gravar aquele jingle em seu novo disco, Mel. Quase caí da cadeira. É claro que sim Bethânia, com todo prazer. Foi o que consegui balbuciar. E foi assim que a música “Cheiro de Amor” entrou para as paradas de sucesso.

Houve um momento até engraçado. Quando Bethânia lançou o disco, eu ao estava no Brasil. Um mês depois, saltei no aeroporto do Galeão, no Rio, e fui para uma filmagem. Ao entrar no táxi, o rádio anunciava: “Em primeiro lugar, Maria Bethânia com a música ‘Cheiro de Amor’. Não resisti e eufórico, disse ao motorista: “Essa música é minha”. Ele olhou para trás e deu uma risadinha marota, carioca, como se estivesse pensando: esta profissão de taxista é fogo, pego cada doido..

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Fontes: Faour, Rodrigo. História Sexual da MPB. 4ª Ed. São Paulo, Record, 2011.

Mendonça, Duda. Casos & Coisas. ed. Globo, 2001.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cheiro_de_Amor_(can%C3%A7%C3%A3o)

Todas as canções de Amor – o filme

Era um dia de semana qualquer em Brasília. O meu compromisso de trabalho se encerrara pouco depois das 14 horas. Havia um voo às 19 horas e pouca coisa  afazer naquele momento. Fui ao cinema e uma das poucas opções disponíveis no horário era o filme “Todas as canções de amor”, de Joana Mariani, estrelado por Bruno Gagliasso, Marina Ruy Barbosa, Luiza Mariani e Julio Andrade.

Num primeiro momento, pensei que seria um daqueles filmes óbvios, mas não. Há uma história por detrás dele. Um casal recém casado aluga um apartamento em São Paulo. Entre as coisas antigas ali encontradas, um som 3 em 1, daqueles antigos, com vitrola, rádio e cassete. Dentro do aparelho há uma fita, com o título “Todas as canções de amor”, gravadas por Clarice para Daniel

E a história acaba voltando 20 anos no tempo, em que Clarice grava uma fita para Daniel, num momento de separação. E a história passa pelo questionamento: Como uma coletânea de músicas de separação pode ser intitulada como “todas as canções de amor?”

E toda a trajetória é contada por canções: dois casais, de um casal se unindo, e outro se separando, vivendo no mesmo espaço, separados por 20 anos no tempo, unidos pelo mesmo apartamento e pelas mesmas canções.

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O filme se passa quase todo ele dentro do apartamento, e as músicas conduzem a dinâmica de aproximações e afastamentos que conduzem a trama.

Tendo a participação especial de Gilberto Gil, o filme conta duas histórias, e faz justamente recordar como toda história de amor é marcada por uma trilha sonora. E a história é contada por músicas que fizeram história no fim do século passado, passando pela delicada “Drão”, de Gil, até “Não aprendi dizer adeus” , de Leandro e Leonardo.

Sob  a direção musical de Maria Gadu, a seleção de músicas conta as duas histórias  conduzidas pela trilha sonora, que no final das contas, é a grande protagonista da história. No curso do fime, é possível ouvir: 1 – Baby; 2 – Samba do grande amor; 3 – Eu sei que vou te amar; 4 – Menino Bonito; 5 – Eu não sei dançar; 6 – Não aprendi dizer adeus; 7 – ne me quitte pas; 8 – I will survive; 9 – Esotérico; 10 – Drão; 11 – Codinome Beija Flor 13 – Chorando se foi.

 

 

 

 

 

 

Outra Vez…

Diz a lenda que, na época que se lançavam LP’s (hoje chamados de vinil), a música de trabalho seria a terceira do lado A (sim, os discos tinham lado A e lado B). Ninguém apostaria que a música de sucesso, que ficaria na história, seria a penúltima música do lado B. Mas essa é a história da música “Outra Vez”…

Segundo Paulo César Araújo, no livro “Roberto Carlos em Detalhes (Ed. Planeta, 2006), Roberto Carlos já gravara algumas músicas dos irmãos Isolda e Milton Carlos, como “Pelo avesso” e “Um jeito estúpido de te amar”, em 1976. No entanto, Milton Carlos morrera em 1977, num acidente de carro.

Pouco tempo depois, em julho de 1977, Isolda estava reunida com amigas, num bar, e estavam relembrando velhos amores do passado, quando Isolda lembrou de um caso de amor antigo, que se chama Nilson Mucini. Narra Paulo César de Araújo:

Lá pelas tantas, as meninas começaram a falar sobre ex-namorados. “Qual foi o maior caso de amor de sua vida?”, perguntou uma delas para Isolda. “Quer mesmo saber? Foi o meu primeiro namorado, o Nilson”, respondeu. Uma outra amiga, que conhecia o caso, provocou: “Se fosse você, já teria telefonado pra ele. Você está solteira e guarda o número dele há muito tempo na sua bolsa. Por que não liga?”. De fato, desde que o namoro dos dois terminara, havia sete anos, eles não mais se haviam falado. Ao longo desse tempo, Isolda casou, descasou e teve dois filhos. Agora estava solteira, e o que teria acontecido com Nilson?

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Pois Isolda apostou com a amiga que tinha coragem de ligar sim.E que ligaria naquele momento do telefone do bar. Isolda ligou, mesmo já tendo passado da meia-noite.O próprio Nilson atendeu e, quando quis saber quem estava falando, Isolda respondeu com outra pergunta: “Qual foi o seu caso mais complicado?”. Nilson não pensou um segundo para responder:”Isolda! Caramba, há quanto tempo!

A música  teria surgido durante do diálogo entre Isolda e Nilson, começando logo pela famoso trecho: “Você foi o maior dos meus casos”… a música foi gravada sem nenhuma pretensão de que fosse um dos dez maiores sucessos de Roberto Carlos, como disse, a penúltima música do lado B.

A canção trata de um amor passado e presente, e por isso absolutamente antitético, em que as dificuldades lembradas apenas reforçam o sentimento de amor. A canção remete a algo proibido, complicado, mas absolutamente prazeroso, sincero e intenso, como todo grande amor deve ser.

É uma canção sem refrão, com letra longa, confessional, e que marcou o disco de Roberto Carlos em 1977.

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Numa entrevista ao site http://www.gumarc.com, Isolda conta um pouco da história da canção:

Isolda

CE – Vamos agora falar de uma música especial na carreira de Roberto Carlos, “Outra vez”.

Is – Outra vez” foi feita logo depois da morte do Milton. Eu fiz a canção e fui para o estúdio com o Sérgio Sá, para gravarmos uma fita demo, para mostrar ao Roberto. Nessa fita havia algumas coisas antigas que eu havia feito com o Milton um pouco antes de ele morrer e apenas uma musica só minha, que era “Outra vez”. Deixei a fita no escritório do Roberto e algum tempo depois liguei para saber se havia alguma novidade. Foi aí que soube que ele havia gravado “Outra vez”. Sinceramente, eu não esperava que o Roberto gravasse essa música, porque é uma letra muito comprida, não tem refrão e não é nem um pouco comercial. Eu quase não mandei “Outra vez” naquela fita. E não é que virou um enorme sucesso!

CE – Foi difícil compor “Outra vez”, esse marco da Música Popular Brasileira?
Is – Não. Até que foi fácil compor “Outra vez”. Um certo dia saí com alguns amigos e começamos a conversar sobre amores antigos. Cada um ia falando do maior romance que teve na vida e eu me lembrei do meu. Aí começou a pintar a letra e também a melodia. Fiz a música até com certa facilidade.

CE – Então você concorda quando Roberto fala, nos shows, que todo mundo já passou por aquela situação?
Is – Com certeza. Acho que todo mundo.

CE – “Outra vez” foi uma música feita para Roberto Carlos gravar?
Is – Não, nenhuma das músicas que faço visa um determinado artista para gravá-la. Eu faço o que sinto naquele momento. São coisas que já passei ou que estou passando, mas tudo é muito sincero. Minhas canções são sempre inspiradas em fatos verídicos. É difícil falar que não se conhece. Acho que usamos a música como terapia, desabafamos no violão, na letra… Quando à “Outra vez”, eu nunca pensei que ela fosse estourar. Eu acho a letra muito pessoal, muito íntima, e que só eu iria entendê-la. Com sinceridade, eu mandei essa música para o Roberto Carlos ouvir apenas porque havia sobrado espaço na fita. Para mim não havia nenhuma chance de ele gravar e é claro que nunca imaginei tal sucesso. Por isso acho que de intuição sou horrorosa.

CE – Para você, “Outra vez” é uma história de amor triste ou alegre?
Is – Algumas pessoas acham que é uma música de fossa mas a letra não fala de separação. A canção conta a história de um grande amor que existiu, e eu a acho feliz, é a saudade que eu gosto de ter, é uma saudade legal, como diz a letra. É uma saudade feliz.

CE – Algumas pessoas até acham que “Outra vez” é do Roberto e Erasmo. Como a autora encara isso?
Is – Sem o menor problema. Nem ligo! Só de ouvir Roberto cantando a minha música já está ótimo, é maravilhoso!

CE – Roberto Carlos mexeu na letra ou na melodia de “Outra vez”?
Is – Alguma coisa na melodia, mas bem pouca coisa. Na letra não mexeu, não tirou nenhuma vírgula. Isso é incrível, perto do que ele costuma fazer.

Você foi…
O maior dos meus casos
De todos os abraços
O que eu nunca esqueci

Você foi…
Dos amores que eu tive
O mais complicado
E o mais simples pra mim

Você foi…
O maior dos meus erros
A mais estranha história
Que alguém já escreveu
E é por essas e outras
Que a minha saudade
Faz lembrar
De tudo outra vez.

Você foi…
A mentira sincera
Brincadeira mais séria
Que me aconteceu

Você foi…
O caso mais antigo
E o amor mais amigo
Que me apareceu
Das lembranças
Que eu trago na vida
Você é a saudade
Que eu gosto de ter
Só assim!
Sinto você bem perto de mim
Outra vez…

Me esqueci!
De tentar te esquecer
Resolvi!
Te querer, por querer
Decidi te lembrar
Quantas vezes
Eu tenha vontade
Sem nada perder…
Ah!

Você foi!
Toda a felicidade
Você foi a maldade
Que só me fez bem

Você foi!
O melhor dos meus planos
E o maior dos enganos
Que eu pude fazer…
Das lembranças
Que eu trago na vida
Você é a saudade
Que eu gosto de ter
Só assim!
Sinto você bem perto de mim
Outra vez….

http://www.gumarc.com/entrevista009.html

domingo 03 abril 2011 16:00 , em canções de amor