Back in the USSR. Quando os Beatles se inspiraram nos Beach Boys e chegaram a ser acusados de comunistas.

Back in the USSR, que integra o famoso álbum branco dos Beatles, em 1968, é uma canção escrita sobretudo por Paul McCartney e tem uma série de homenagens e curiosidades.

 

Resultado de imagem para back in the ussr

O título foi inspirado numa canção de de Chuck Berry, “Back in the USA”, e surgiu a partir de uma influência dos Beach Boys, banda californiana contemporânea ao Beatles.

Resultado de imagem para back in the usa chuck berry

Como conta Steve Turner, no livro “The Beatles:a História por Trás de Todas as Canções”,

 

“em fevereiro de 1968, os quatro Beatles e suas parceiras viajaram para Rishikesh, Índia, para estudar meditação transcendental com o Maharishi Mahesh Yogi. Outros três músicos profissionais participavam do mesmo curso – o cantor escocês Donovan, o flautista americano Paul Horn e o Beach Boy Mike Love. Eles acabaram passando muito tempo juntos, conversando, tocando e compondo.

Uma das músicas que surgiu desse encontro é “Back In The USSR”, escrita por Paul como um pastiche dos Beach Boys e de Chuck Berry. A gênese da canção foi um comentário de Love para Paul feito durante um café da manhã. “Não seria divertido fazer uma versão soviética de ‘Back In The USA’?”, Love sugeriu, referindo-se ao single chauvinista de 1959 em que Berry declara como está feliz por voltar aos civilizados EUA, com seus cafés, drive-ins, arranha-céus, hambúrgueres e juke boxes. Os Beach Boys tinham usado “Back In The USA” e “Sweet Sixteen”, de Berry, como inspiração para “California Girls” e “Surfin’ USA”, em que exaltam as virtudes das garotas e das praias locais.

Resultado de imagem para california girls beach boys

Paul seguiu a sugestão de Love e criou uma paródia que fazia pela USSR o que Berry tinha feito pelos EUA, e pelas mulheres soviéticas o que os Beach Boys tinham feito pelas garotas da Califórnia.

 

 

Então, vê-se a sequência: os Beach Boys haviam sido influenciados por “Back in the USA”  para criar “California Girls” e “Surfin Usa”. E Paul se inspirou nos Beach Boys para Fazer Back in the USSR

Resultado de imagem para turner beatles todas as canções

Prossegue Turner: Após uma década de canções que faziam poesia com lugares como no rock’n’roll. “Eu simplesmente gostei da ideia de garotas da Geórgia falando de lugares como a Ucrânia como se fossem a Califórnia disse Paul. Em homenagem a Love, a gravação final dos Beatles imitou os backing vocal dos Beach Boys.

Em uma entrevista de rádio em novembro de 1968, Paul declarou:

“Na minha cabeça, é só sobre um espião (russo) que ficou muito tempo nos EUA e se tornou muito americano, mas quando volta para a União Soviética diz ‘deixe para desfazer minha mala amanhã, querida, desligue o telefone’, e tudo o mais, mas para mulheres russas”.

A letra realmente fala sobre garotas de várias partes da URSS (Ucrânia, Moscou e Geórgia), inspirando-se como o ‘California Girls’ do Beach Boys falam das garotas da California.

 

Uma curiosidade: durante as gravações, Ringo desentendeu-se e brigou com a banda. Conta o site undiscovermusic:

Embora a concepção da música possa ter sido relativamente direta, sua apresentação foi menos fácil. Como muitas das músicas do “White Album” escritas na Índia, o grupo gravou uma demo de ‘Back In The USSR’ no esher de George Harrison , Kinfauns, em maio de 1968, logo após retornar à Inglaterra. Mas quando eles gravaram a música no Abbey Road, já era meados de agosto e as tensões estavam aumentando.

Ringo estava se sentindo infeliz com a maneira como as coisas estavam indo. “Eu senti que não estava tocando muito bem, e também senti que os outros três estavam realmente felizes e eu era um estranho, disse ele mais tarde. Durante a sessão de ‘Back In The USSR’, o baterista decidiu que já bastava e saiu, passando algumas semanas no iate de Peter Sellers no Mediterrâneo antes de retornar ao redil depois que os outros o asseguraram de seu valor. para o grupo.

Nesse meio tempo, McCartney assumiu funções de percussão e, juntamente com John Lennon e George Harrison, a banda completou ‘Back In The USSR’ em apenas dois dias (22 e 23 de agosto de 1968), adicionando efeitos sonoros de um avião de passageiros, ao que era uma parede surpreendentemente pesada de bateria latejante, guitarras trituradas, baixo de condução, piano batendo e uma escalada de rock’n’roll. Então, acenando com a inspiração inicial, como Paul colocou: “Adicionamos harmonias no estilo Beach Boys”. E com isso, um dos mais famosos álbuns duplos da história pop teve sua faixa de abertura.

Resultado de imagem para back in the ussr

O curioso é que a canção foi taxada pelos mais conservadores americanos como uma apologia comunista. Prossegue SteVe Turner: 

“Back In The USSR” perturbou os americanos conservadores porque, em tempos de Guerra Fria e conflito no Vietnã, parecia celebrar o inimigo. Depois de admitir o uso de drogas, os rapazes de cabelo comprido estavam abraçando o comunismo?

O ativista antirrock americano David A. Noebel, autor de Communism, Hypnotism and the Beatles, mesmo não tendo conseguido encontrar as carteirinhas da banda de membros do partido, jurava que eles estavam promovendo a causa revolucionária do socialismo. “John Lennon e os Beatles eram parte integrante do meio revolucionário e receberam grandes elogios da imprensa comunista, especialmente pelo White Album, que continha ‘Back In The USSR’ e ‘Piggies’. Um trecho da ‘Back In The USSR’ deixou os anticomunistas sem palavras: ‘You don’t Know how lucky you are boy/Back in the USSR, ele escreveu.

Tivesse feito uma pesquisa mais cuidadosa, Noebel teria descoberto que o discurso oficial soviético era que os Beatles eram a prova da decadência do capitalismo. Assim como os nazistas declaram que o jazz e a pintura abstrata eram “degenerados”, os comunistas atacaram o maligno rock’ n’ roll e promoveram o folk, que enaltecia as virtudes do Estado.

Os jovens da União Soviética ficavam tão animados com a música dos Beatles quanto os jovens do lado ocidental da cortina de ferro, mas tinham de se contentar com gravações piratas, contrabandos e transmissões de rádio dos EUA e da Inglaterra.

Em 1988, com a Guerra Fria prestes a se transformar em mais um episódio da história mundial, Paul fez um tributo aos fãs soviéticos gravando um álbum de standards do rock pela gravadora oficial do governo, Melodia. Em maio de 2003 ele fez um show na Praça Vermelha e teve uma reunião particular no Kremlin com Vladimir Putin, que contou a ele que ouvia os Beatles na adolescência. “Era muito popular. Mais do que popular, era um sopro de ar fresco, uma janela para o mundo lá fora”, ele disse a Paul.

Falando sobre a música na revista Playboy em 1984, McCartney disse: “Também foram as mãos sobre a água, das quais ainda estou consciente. Porque eles gostam de nós lá fora, mesmo que os chefes do Kremlin não gostem. As crianças fazem. E isso para mim é muito importante para o futuro. ”

 

Na verdade, quando a cortina de ferro caiu, restou claro que, no Leste Europeu, a música Back in the USSR era uma das preferidas do público e item obrigatórios nas apresentações de Paul McCartney.

 Quando Paul finalmente tocou a música ao vivo na Praça Vermelha, em 2003, a pura alegria nos rostos dos fãs mostrou o quão longe as coisas haviam chegado desde que foi escrita, nos dias mais frios da Guerra Fria. A frase “garotas de Moscou me fazem cantar e gritar” recebeu a maior alegria da noite.

Paul McCartney disse à revista Mojo , em outubro de 2008, a música contém uma paródia dos Beach Boys que antecederam Pet Sounds . Ele acrescentou: “O resto é (canta as primeiras barras da linha de melodia do verso de abertura) mais Jerry Lee (Lewis). E o título é Chuck Berry, de Back in the USA , e a música em si é mais uma tentativa de Chuck. Você traria esses soldados de volta da Coréia ou do Vietnã, onde quer que seja, e Chuck estava entendendo isso. Eu pensei que era uma ideia engraçada falsificar isso com a coisa mais improvável do caminho de volta na Sibéria.

E fica bem engraçado quando no refrão se fala “Back in the US (referência a United States) , Back in the US, Back in the USSR….

 

https://www.songfacts.com/facts/the-beatles/back-in-the-ussr

‘Back In The USSR’: The Story Behind The Beatles’ Song

Turner, Steve. Beatles: A história por trás de todas as canções

Cheiro de amor. Jingle de Motel que virou Sucesso na voz de Bethânia

Em 1979, Duda Mendonça gravou um jingle para o Motel Le Royale, em Salvador, numa campanha para o dia dos namorados.

Certo dia, Maria Bethânia estava na Bahia e escutou o jingle:

Esta música era um jingle do Duda Mendonça. A primeira coisa que eu faço quando chego na Bahia é ligar logo o rádio. É diferente de qualquer outro lugar que eu vá. Não sei que impulso é esse. aí, naquele dia liguei e começou a tocar isso.Eu achei a música linda e vi que era uma propaganda de motel. Eu perguntei: ‘Mas que motel?’ Então me mostraram e pensei: ‘isto é lindo’. No percurso até minha casa tocou isso umas dez vezes. Como na época eu gravei um filme para a empresa de Duda, numa fase que queriam dividir a Bahia, quando estive com ele acabei sabendo que a música era dele com ´Paulo Sérgio Valle. Pedi sua permissão, ele me deu, e eu gravei.  (História sexual da MPB, p. 218

Bethânia encomendou a Jota Moraes e a Paulo Sérgio Valle uma segunda parte da canção. No final, “Cheiro de Amor” solidificou-se com dois refrões diferentes e duas estrofes iguais, uma antes de cada um. A letra reflete um momento na música popular brasileira, em que a mulher se libertava de tabus e cantava seu amor de forma mais liberal. Maria Bethânia incluiu a canção no seu álbum Mel, um disco de sucesso, que conta com outras canções com apelo sensual, temas que faziam parte desse momento na carreira da cantora

Resultado de imagem para bethania mel

Duda Mendonça conta sua versão da história no livro Casos e Coisas:

Mas, sem duvida, o jingle de maior sucesso da minha carreira não tem nada haver com campanha política. Foi o que fiz em parceria com a turma da produtora carioca Zurana, para um motel baiano, chamado “Le Royale”. E estourou na Bahia. Tivemos que providenciar cópias da musica para dar de presente, como brinde aos frequentadores do motel:

De repente fico rindo à toa

Sem saber por quê

E vem a vontade de sonhar

De novo te encontrar

Foi tudo tão de repente

Eu não consigo me esquecer…

O jingle, aliás, não dizia o nome do motel. Falava de uma situação amorosa. Só. A assinatura “Le Royale” aparecia apenas no final, capitalizando toa a emoção da música.

E aí veio a surpresa, num belo dia recebi o telefonema de Maria Bethânia. Ela perguntava se eu a autorizava a gravar aquele jingle em seu novo disco, Mel. Quase caí da cadeira. É claro que sim Bethânia, com todo prazer. Foi o que consegui balbuciar. E foi assim que a música “Cheiro de Amor” entrou para as paradas de sucesso.

Houve um momento até engraçado. Quando Bethânia lançou o disco, eu ao estava no Brasil. Um mês depois, saltei no aeroporto do Galeão, no Rio, e fui para uma filmagem. Ao entrar no táxi, o rádio anunciava: “Em primeiro lugar, Maria Bethânia com a música ‘Cheiro de Amor’. Não resisti e eufórico, disse ao motorista: “Essa música é minha”. Ele olhou para trás e deu uma risadinha marota, carioca, como se estivesse pensando: esta profissão de taxista é fogo, pego cada doido..

Resultado de imagem para duda mendonça casos e coisas

 

Fontes: Faour, Rodrigo. História Sexual da MPB. 4ª Ed. São Paulo, Record, 2011.

Mendonça, Duda. Casos & Coisas. ed. Globo, 2001.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cheiro_de_Amor_(can%C3%A7%C3%A3o)

Fevereiros… um documentário sobre Bethania, Mangueira,Música e Sincretismo…

Maria Bethânia é uma destas cantoras singulares. Cantora cujo estilo é admirado por outras cantoras, difícil de ser comparado. E o documentário “Fevereiros”, de Marcio Debellian, aborda uma destas peculiaridades, fazendo uma ponte entre o desfile da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, em 2016, e as festas populares e religiosas entre janeiro e fevereiro em Santo Amaro.

Resultado de imagem para fevereiros maria bethania santo amaro

Bethânia, no logo no início, diz que as coisas mais importantes para ela acontecem no mês de fevereiro, entoando os versos da canção de Dona Edith do Prato (1916-2009) “trabalhei o ano inteiro na estiva de São Paulo só pra passar fevereiro em Santo Amaro”. 

A partir de então, o documentário relata dois “fevereiros”: o da escola de samba, campeã com o desfile em homenagem a Bethânia, no ano de 2016, e a festa da Purificação, que ocorre dia 1º de fevereiro em Santo Amaro.

A história, relatada no modelo de entrevista com imagens de arquivo, desvela a religiosidade e o sincretismo de Bethânia, em que a devoção à Nossa Senhora transita de forma harmônica com o fato de ser filha de Iansã. O sincretismo é tratado de uma forma bonita, em que convivem bem o cerimonial católico e a ancestralidade das heranças africana e indígena (faz referência tanto ao candomblé africano quanto ao candomblé de caboclo).

Resultado de imagem para fevereiros maria bethania

E o retrato da tradição de fevereiro em Santo Amaro, com seu sincretismo, vai ser a inspiração do desfile da Mangueira. O documentário retrata a preparação da Escola, o samba enredo, as alegorias, as baianas, ao mesmo tempo em que conta a história de Bethânia em Santo Amaro, as tradições, a fé católica, e o interesse pelos orixás.

Leandro Vieira, carnavalesco da Mangueira, ressalta a importância de representar o Brasil mestiço, lembrando como a religiosidade popular foi perseguida.

E fica claro que foi nos terreiros da Bahia o samba de roda nasceu, e logo em seguida migrou para o Rio, com o fim da escravidão, o que já tratamos aqui  .

“Só podia ter sido aquela apoteose na avenida, porque era o centenário do samba e celebrar Bethânia era colocar o povo no desfile.

Resultado de imagem para fevereiros maria bethania

 O filme conta com depoimentos de Maria Bethânia, Caetano Veloso, Chico Buarque, Leandro Vieira (carnavalesco da Mangueira), Luiz Antonio Simas (historiador), Mabel Velloso (poeta e irmã de Bethânia e Caetano) e Squel Jorgea (porta-bandeira da Mangueira).

E, nos momentos simples que o documentário ganha em beleza. Na casa de Santo Amaro, no Barracão da Mangueira, nas ruas de Santo Amaro, cantando com Chico Buarque (num dos momentos divertidos do documentário), na igreja, junto à Mãe Menininha, e na Sapucaí, em que Bethânia disse não querer se fantasiar de nada. Foi dela mesma…

É contada a história de como o povo negro de Santo Amaro comemora, desde 1889, o fim da escravidão, e por trás da música e da religiosidade o documentário é uma voz de de resistência – do samba, das religiões afro –  que se personifica em Maria Bethânia, que, citando Mãe Menininha, diz, que quanto mais se dá, mais se tem, pois se trata de uma fonte, de um manancial que nunca seca.