30 anos da Guerra dos Carnavais

Em 24 de fevereiro de 1993, A Revista Veja publicava uma reportagem de capa intitulada “A Bahia Ganhou”, quando, capitaneada pelo sucesso de Daniela Mercury, o carnaval da Bahia “ousou” desafiar a hegemonia do carnaval carioca no gosto popular. 

Na época, o então prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, numa infeliz declaração, afirmara, quatro dias antes do Carnaval, que o turista que fosse para a Bahia teria “100% de chance de ser assaltado e uma grande possibilidade de ser violentado”. Em resposta, a então prefeita de Salvador, Lídice da Mata, provocou ao afirmar que o Carnaval baiano “não é para inglês ver”, e que o baiano tinha 100% de chance de ser feliz. 

Na época, discutia-se dois modelos de carnaval: o espetáculo promovido pelas escolas de samba, mais bonitos de ser ver pela televisão, e a festa hedonista do Carnaval da Bahia, em que cada folião é parte integrante da festa, na qual se prioriza o carnaval de rua, então monopolizado pelo trio elétrico, e os blocos de carnaval.  

A reportagem da Veja ironizava a postura dos cariocas “irados com a audácia nordestina de roubar da Cidade Maravilhosa o título da dona do maior espetáculo da terra”. 

A reportagem mencionava também a relativa independ|ência da música baiana em relação à indústria fonográfica nacional, e já fazia referência à Timbalada e ao Olodum. 

Naquele momento, a Bahia mais uma vez se reafirmava como pólo independente do carnaval. Centenas de blocos com suas então mortalhas aplaudia suas principais estrelas (Olodum, Daniela Mercury, Chiclete com Banana, Asa de Águia, Cheiro de Amor, Banda Mel, Banda Beijo), e o orgulho do Carnaval da Bahia atingia os Píncaros.  Na época, se destacava que a Bahia não seguia as regras tradicionais da indústria fonográfica, pois o que fazia sucesso eram as músicas locais e os artistas locais.

Na reportagem, pode se destacar o trecho: “É certo que todos os Estados Brasileiros, assim como todas as tribos e nações do mundo, se consideram especiais, de um modo geral. Só que os baianos se consideram especiais mesmo e ponto final

Isto foi quase uma resposta a uma reportagem do Jornal O Globo, ouvindo apenas representantes do Rio de Janeiro, que considerava um acinte, uma ofensa, a discussão sobre o título de melhor carnaval do mundo.

Por trás da guerra de carnavais, tinha a guerra da TV ( A Manchete iria transmitir o carnaval da Bahia para todo o Brasil, sendo seguida anos depois pela BAND), das cervejarias (Daniela Mercury era garota propaganda da Cerveja Antarctica) e de patrocinadores.

Tudo isso se refletia num pano de fundo musical: o carnaval carioca é, inegavelmente, o carnaval do samba.

O carnaval de Recife-Olinda é o carnaval do Frevo.

Na Bahia, o samba esteve sempre presente. Também o frevo, só que o frevo “trieletrizado”, a partir da criação do Trio elétrico de Dodô & Osmar, seguido de Moraes Moreira, Caetano Veloso, Novos Baianos, Baby, pepeu e etc.

Ocorre que o protagonismo dos tambores dos blocos afro de Salvador colocou um novo tempero à mistura, daquilo que depois se convencionou chamar de Axé Music, ou samba-reggae, mas que antes também era chamada de fricote, deboche, ou genericamente “música baiana”.

Assim, com o samba, o trio e os tambores, a Bahia assumia um ritmo pra chamar de seu, o como intitula do documentário “Axé: canto do povo de um lugar”, de Chico Kertesz. O Axé passou a ser o ritmo da Bahia, o canto dos baianos. Embora o samba – que tem origens na Bahia- e o Frevo – que está nas origens do trio elétrico – se mantivessem presentes, o novo ritmo passava a contagiar e tomar conta do Brasil.

Este movimento marcou uma mudança de patamar do carnaval baiano, e se contrapôs como um modelo viável de carnaval diferente do carnaval do Rio.

Curiosamente, em 1994, a Mangueira fez um desfile de carnaval homenageando os Doces Bárbaros (Caetano, Gal, Gil e Bethânia). No entanto, ficou num modesto 11o lugar.

30 anos depois, pode-se dizer que o modelo baiano se espalhou. Ao mesmo tempo em que se fala de crise do carnaval da Bahia. Curioso é que o carnaval de rua no Rio de Janeiro ganha cada vez mais força, enquanto na Bahia os blocos perdem força para os camarotes. Um caminho inverso que parece não ter feito bem ao carnaval daqui, e que se recupera com a retomada de blocos menores, em que há espaço para a criatividade e o improviso.  

Nossos ídolos ainda são os mesmos, como dizia Belchior, havendo pouca renovação no chamado Axé Music de 30 anos para cá. A alegria, sim continua a mesma.