Polêmicas de Carnaval – Lobo Mau e Chapeuzinho Vermelho no carnaval de 2010

Lobo mau e Chapeuzinho vermelho

 “Eu sou o lobo mau,
Lobo mau, lobo mau
Eu pego as criancinhas
Pra fazer mingau”

Praticamente toda criança já ouviu esse trecho da música do Lobo mau, da autoria de Braguinha. Não conheço quem, em defesa das pobres criancinhas, defenda a proibição de tal canção, sob o argumento de que é um estímulo à violência contra crianças (aliás, inúmeras canções infantis são recheadas de toques de crueldade – como o “boi da cara preta” que pega o “menino que tem medo de careta” ou a conhecida “atirei o pau no gato” que ainda assim “não morreu”).

 A história de Chapeuzinho Vermelho é, em si mesmo, ambígua: a imagem da inocente garota que é enganada por um lobo inicialmente gentil, e que depois devora a inocente Chapeuzinho na cama da vovó gera discussões psicanalíticas intermináveis, pela carga sexual presente desde a escolha da cor vermelha, notoriamente associada ao sexo, passando pela sedução do lobo, de olhos e mãos tão grandes (No aspecto, conferir “PSICANÁLISE DOS CONTOS DE FADAS, de BRUNO BETTELHEIM)

 Por causa dessa ambiguidade explícita, não foram poucas vezes que a história do lobo mau (representando um homem sedutor, o típico “cafajeste”) procura seduzir uma inocente Chapeuzinho (a jovem inocente) foi utilizada na música popular, com certo fetichismo, é claro, quase sempre com picardia…

Na sexta-feira do carnaval de 2010, em Salvador, não se falava de outra coisa, senão a polêmica criada pelo cantor Tatau, ex-vocalista da banda  Ara Ketu, recusando-se a cantar a música “Lobo Mau”, sob o argumento de que, tendo ele participado de uma campanha contra a violência sexual contra crianças e adolescentes. A declaração de Tatau:

“Estou numa campanha do Ministério Público contra a pedofilia. Me perdoem, mas não vou cantar essa música, pois ela estimula a pedofilia.”

A Dançarina Carla Perez seguiu o embalo e se recusou a cantar a música “Lobo Mau”,

“Desculpem, eu trabalho com as crianças, sou mãe, tenho filhos. Quero cantar músicas que vocês pedem, mas tenho respeito pelas crianças.”

As crianças, alheias a tudo isso, cantam bastante a música do Lobo mau, como dançavam as coreografias de Carla Perez quando ela integrava o Gera Samba, depois rebatizado de É o Tchan. O mais engraçado é que a mesma Carla Perez cantou músicas como “libera geral”, de Xuxa, que num trecho da letra diz “Libera o corpo pra poder sentir/Os desejos, as vontades, o que pedir”. Parece contraditório, não?

Qual é, enfim, a letra da música:

 Chapeuzinho pra onde você vai, diz aí menina que eu vou atrás
Chapeuzinho pra onde você vai, diz aí menina que eu vou atrás
Chapeuzinho pra onde você vai, diz aí menina que eu vou atrás
Eu sou o lobo mau, hau, hau
Eu sou o lobo mau, hau, hau
Eu sou o lobo mau, hau, hau
Eu sou o lobo mau
E o que você vai fazer

vou te comer, vou te comer, vou te comer,
vou te comer, vou te comer, vou te comer,
vou te comer, vou te comer, vou te comer,
vou te comer, vou te comer, vou te comer,

Merenda boa, bem gostozinha
quem preparou foi a vovozinha.
êta danada, êta!
Merenda boa, bem gostozinha
quem preparou foi a danadinha
êta danada, êta!

 Não estou aqui para discutir o gosto ou a qualidade da música, que nada mais é do que uma bobagem de carnaval. No entanto, a seriedade (desprovida de qualquer fundamento) com a qual a mesma música foi levada apenas faz chamar atenção para as polêmicas que ano após ano se instala no carnaval. Já se disse que a música “Xô Satanás”, do Asa de Águia, estimulava a intolerância religiosa, a música Tapa na Cara, da banda Pagod’art, estimulava a violência contra a mulher, e a música Lança, Lança, da Banda Jammil, era uma apologia às drogas.

Na verdade, a música Lobo Mau,  da até então desconhecida banda chamada O Báck estimula a pedofilia na mesma medida em que a história de Chapeuzinho Vermelho o faz. Deve-se perguntar se Tatau ou Carla Perez contam a “inocente” história de chapeuzinho vermelho a seus filhos. Talvez sim. O certo é que o carnaval não é exatamente o momento do politicamente correto, mas, ainda assim, não vejo intenções criminosas na canção. Até porque incitação ou apologia à pedofilia é crime, previsto nos artigos 286 e 287 do Código Penal.

E não vejo nada de criminoso (no máximo, um crime contra o bom gosto – mas o que é bom gosto?) numa canção que apenas reproduz, de maneira explicitamente sexual, o que já está implícito na história.

Menções ao lobo mau estão pulverizadas na Música Popular Brasileira, e a primeira lembrança que me veio quando da polêmica, bem lembrada por Ivete Sangalo no domingo de Carnaval, a música Lobo Bobo, de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli (dois compositores das origens da bossa nova), gravadas por João Gilberto, e cujas primeiras frases são “

 

Era uma vez um lobo mau

Que resolveu jantar alguém

Estava sem vintém, mas arriscou

E logo se estrepou

Um Chapeuzinho de maiô

Ouviu buzina e não parou

Mas Lobo Mau insiste e faz cara de triste

Mas Chapeuzinho ouviu os conselhos da vovó

Dizer que não pra lobo, que com lobo não sai só

Lobo canta, pede, promete tudo até amor

E diz que fraco de lobo é ver um Chapeuzinho de maiô

Mas Chapeuzinho percebeu

Que Lobo Mau se derreteu

Pra ver você que lobo também faz papel de bobo

Só posso lhes dizer, Chapeuzinho agora traz

Um lobo na coleira que não janta nunca mais

 

Mas são inúmeras canções que fazem referência ao “lobo mau”. Basta citar as conhecidas canções Lobo Mau  da Jovem Guarda (Me chamam lobo mau, me chamam lobo mau, eu sou o tal, tal, tal, tal, tal), Sandra de Sá (Gosta mais do que não presta/E não presta atenção/É o lobo da floresta/Quer ter tudo na mão/Tem os dentes afiados/E não mede a tentação)  e Sampa Crew (Eu sou o lobo mau eu sou o lobo mau/Só quero as garotas pra ficar legal).

O certo é que o patrulhamento ideológico de músicas sempre produz o efeito contrário. E, por mais simplória que a música seja, rotulá-la, associando-a com uma conduta criminosa em nada ajuda no combate à pedofilia.

terça 16 fevereiro 2010 19:26