Moraes Moreira no Museu de Arte da Bahia

O dia 8 de novembro de 2023 é o último dia em que está em exposição, no Museu de Arte da Bahia, a mostra Mancha de Dendê Não Sai – Moraes Moreira, que apresenta a trajetória musical de Moraes Moreira, um dos mais relevantes artistas baianos e brasileiros.

A trajetória de Moraes é contada desde sua história em Ituaçu, quando se interessava pela sanfona; a vinda para Salvador, quando foi apresentado a um de seus maiores parceiros musicais (Galvão), que foi a gênese dos Novos Baianos.

Narra a influência de João Gilberto para a sonorização do grupo, quando ele e Pepeu Gomes “roubavam” acordes de João quando ele ia tocar violão com os Novos Baianos.

Conta sua trajetória como primeiro cantor do Trio Elétrico, e sua parceria com Armandinho, Dodô e Osmar.

Trata de suas inúmeras parcerias musicais, de Fausto Nilo a Marisa Monte; Paulo leminski a Antonio Risério; Pepeu Gomes, Armandinho, Galvão, seu filho Davi.

A exposição começa contando a história de Moraes Moreira, com os textos pulverizados em plaquinhas de madeira trançadas, que conta sua trajetória pessoal e musical. A cenografia é de Renata Mota, a direção-geral é de Fernanda Bezerra.

Um dos destaques é sua releância e importância para o carnaval da Bahia. Nos anos 70 e prineira metade dos anos 80, Moraes Moreira era o verdadeiro rei do Carnaval da Bahia, e seus frevos trieletrizados, ijejás, sua mistura de ritmos foi fundamental para a grandeza da festa carnavalesca.

A mostra ainda contempla depoimentos de muitos parceiros de Moraes, contando histórias sobre experiências e composições, tem imagens de Moraes em cima do trio elétrico, tem áudios com suas poesias e literatura de cordel, e uma imagem marcante de seu violão cercado de microfones em volta.

É uma mostra que homenageia Moraes para quem o admira, e também interessanete para quem ainda não o conhecia. Importante legado de um dos artistas mais completos do Brasil.

Eu também quero beijar… ou Béjart?

Um dos grandes sucessos de Pepeu Gomes, “Eu também querio Beijar”, com um daqueles riffs  de guitarra que terminam por identificar a música, tem uma história bem curiosa.

A letra da canção, que trata de coisas boas, que eu lírico também quer beijar. Só que a origem não tem nada a ver com a ideia de beijo, mas da visita de um coreógrafo ao Brasil depois de quase 20 anos. 

Tratava-se de Maurice Béjart, que fazia sucesso no mundo inteiro (a sua coreografia do Bolero de Ravel é uma referência em todo mundo), e que, depois de muito tempo, viria ao Brasil. 

A história da letra é contada por Ruy Godinho, no terceiro volume do Livro “Então, foi assim? Os bastidores da criação musical brasileira” 

Estávamos em 1981. O general João Baptista Figueiredo, último presidente militar a governar o país, reafirmava o projeto de abertura política iniciado no governo anterior. Mais uma vez, o Rio de Janeiro teria o privilégio de receber o balé do famoso coreógrafo francês Maurice Béjart, da Opera National de Belgique. Béjart tinha uma grande ligação com o Brasil. Havia se apresentado aqui em 1963. Apesar do êxito da apresentação de sua companhia e a afeição que sentiu pelo país, só aceitou retornar em 1979, com o processo de abertura. Não concordava com o regime autoritário imposto pela ditadura. Naquele ano, o público lotou o Teatro Municipal do Rio de Janeiro para ver Béjart ao lado da bailarina brasileira Laura Proença. Ele não dançava havia dez anos.

No Rio, não se falava noutra coisa. Nos lares, nos bares, nas ruas. Ninguém queria perder Béjart. Todos queriam ver Béjart. Era Béjart pra cá, Béjart pra lá.

 Segundo Pepeu: “A gente fez essa música quando o Maurice Béjart, aquele coreógrafo, dançarino, estava no Rio de Janeiro. Eu estava andando muito com o Moraes na época. Mesmo pós-final dos Novos Baianos, a gente sempre teve uma ligação grande, a gente é meio padrinho dos filhos [um] do outro. E quando a gente ia ao Baixo Leblon, as pessoas ficavam dizendo: ‘Poxa, vamos ver o Béjart, eu também quero Béjart’. Aí a gente ficou com essa ideia na cabeça e fez Eu também quero beijar [risos]. E a música tornou-se um grande sucesso, foi uma alegria, foi o meu primeiro disco de ouro e tudo”, conclui Pepeu Gomes.

 O mote surgiu da presença de Béjart no Brasil. Porém, o letrista Fausto Nilo, convidado a participar da parceria, foi buscar elementos do folclore de Quixeramobim, no interior do Ceará, sua cidade natal, na contribuição que deu para o desenvolvimento da letra.

“Eu morava em Copacabana, na Tabajaras, ali perto do Teatro Opinião. O Moraes morava numa travessinha no Jardim Botânico, perto do Parque Lage”, começa seu relato o letrista cearense. “E, um dia, ele me ligou dizendo: ‘Cara, tô eu e Pepeu aqui. Estamos fazendo uma melodia interessante, não quer vir pra cá’? E eu fui. Quando cheguei, a música já estava quase pronta, eles estavam cantando com muito entusiasmo. Já estava bem-avançada. E eu, com o meu caderninho, comecei a anotar umas palavras. Normalmente eu conduzia, mas eles estavam participando, o Moraes dava palpite e tal. E fizemos. Deu certo, fizemos tudo, mas o refrão ninguém encontrava uma boa solução. Essa é minha versão”, preocupa-se Fausto com a fidelidade do relato.

Fausto Nilo

“O refrão, o Moraes disse assim:

‘– Eu tive uma ideia aqui. Eu fui ontem ver o Béjart, o bailarino, rapaz, no Teatro Municipal’!

E elogiou muito:

‘– Que coisa fantástica, aquilo é sensacional’.

E nessa conversa ele sugere:

‘– Por que a gente não põe assim: eu também quero Béjart’?

E como a loucura era grande, a gente cantou, achou bom, e ficou Eu também quero Béjart. A flor do desejo do maracujá… Já na parte que diz: haja fogo, haja guerra, isso é uma música lá da minha terra, de domínio público, do reisado. Só que lá a melodia tem outra forma: haja fogo, haja guerra, haja guerra que há/haja fogo, haja guerra, haja guerra que há/morreu secretário chegou general/haja fogo, haja guerra, haja guerra que há [Fausto canta com outra melodia]. E foi ficando uma coisa louca: haja fogo, haja guerra… eu também quero Béjart. E aí terminamos, a música ficou pronta e fomos tomar um cafezinho. Quando voltamos e pegamos de novo, eu falei assim:

‘– Cara, vamos ver uma ideia aqui porque não sei se o povo vai sacar essa história de Béjart, né? Essa música é muito popular e tal. Vamos simplificar pra Eu também quero beijar’. Como todo mundo quer beijar, pronto, ficou isso aí”, conta Fausto Nilo.

Maurice Béjart

Eu também quero beijar foi registrada originalmente no LP Pepeu Gomes (WEA, 1981); posteriormente, no CD Moraes e Pepeu no Japão (WEA, 1991); no CD Meu Coração – Pepeu Gomes (Trama,1999); e no CD Hits e Dubs – Cidade Negra (Epic/Sony Music,1999).

Fogueira: De Ângela Ro Ro para Zizi Possi

Histórias de amor deixam marcas e músicas. Algumas músicas, como algumas histórias de amor, são óbvias e não possuem muita coisa de especial. Outras músicas marcam, ficam definitivamente marcadas, como certas e especiais histórias de amor.

Toda história verdadeira de amor tem sua canção ou sua trilha sonora, e sorte de quem consegue traduzir numa bela letra, harmonia e melodia os encantos e desencantos do amor vivido.

Falo isso para analisar uma das músicas mais belas, senão a mais bela, gravada por Ângela Ro Ro. Esta música é Fogueira, cuja letra segue abaixo.

Por que queimar minha fogueira?
E destruir a companheira
Por que sangrar o meu amor assim?
Não penses ter a vida inteira
Para esconder teu coração
Mas breve que o tempo passa
Vem num galope o teu perdão

Porque temer a minha fêmea?

Se a possuis como ninguém
A cada bem do mal do amor em mim
Não penses ter a vida inteira
Para roubar meu coração
Cada vez é a primeira
Dou fé também serás ladrão

Deixa eu cantar
Aquela velha história, o amor
Deixa penar, a liberdade está também na dor

Eu vivo a vida a vida inteira
A descobrir o que é o amor
Leve pulsar do sol a me queimar
Não penso ter a vida inteira
Pra guiar meu coração
Sei que a vida é passageira
E o amor que eu tenho não!

Quero ofertar
A minha outra face à dor
Deixa eu sonhar com a tua outra face, amor

 A música foi composta para Zizi Possi, com quem Ângela vivia um romance (ambas moravam juntas), e algumas histórias não bem esclarecidas fizeram com que o romance terminasse. As fontes – nem sempre confiáveis – dão conta de que Ângela teria sido acusada de agredir Zizi, outra, que Ângela teria feito um escândalo num show de Zizi, a ponto de precisar ser retirada pela polícia do teatro onde Zizi se apresentava.

Numa entrevista, Angela Afirmou:

“Eu nunca bati em ninguém nem naquela cantora em 1981. Nunca dei um tapa nela e nem ela em mim. E até hoje eu carrego essa cruz de infâmia e calúnia”, contou, em entrevista ao portal ‘Gay Blog’.

“Admiro muito o canto dela, quero o bem dela, não desejo mal nenhum. Foi imperdoável e continua sendo a omissão. Ela simplesmente poderia ter dito a qualquer hora, desde aquele ano até hoje: ‘Olha, a Ro Ro nunca me bateu’. Não custava nada”, continuou.

“Ela calou, e quem cala consente. Eu fiquei com essa má fama, mas só acredita nessa fama quem não presta”, finalizou a cantora

Uma situação, que causou mais impacto, foi quando, após o rompimento, Ângela compareceu a um show de Zizi. Na voz de Ângela:

Mandei comprar ingressos e fiquei em casa, com o meu amigo Claudio conversando e bebendo vinho. Como tivesse sobrado meia garrafa, botamos na mochila dele e saímos. Quando entramos no teatro, as luzes já estavam apagadas. Sentamos, no maior silêncio. Mas comecei a participar do espetáculo, como uma espectadora comum que estivesse adorando o que se passava no palco, cantei junto, aplaudi e gritei “Zizi Possi, eu te amo!”. Acontece que eu sou extrovertida e essa é minha maneira de opinar, tanto para elogiar quanto para protestar. A primeira parte do show terminou com My sweet lord que eu adoro e cantei interinha, do meu lugarzinho. foi quando as luzes se acenderam para o intervalo.”  

No entanto, esta interferência não teria agradado Zizi, que, segundo a mídia da época, teria retrucado:

 “Eu gostaria muito que você entendesse…Usasse toda a sua inteligência e percebesse que é com você que eu estou falando agora. As suas vibrações me incomodam, sua presença me perturba… Você nunca me ajudou, por favor não me atrapalhe, não se interponha em minha vida pois você não me é mais uma pessoa querida. Levanta, levanta por favor vai embora! Levanta, saia do teatro agora! Eu preciso de paz pra tocar e cantar!”

Ângela acabou sendo retirada do Teatro pela polícia. Disse ter sido traída:

Zizi me traiu. e quando falo em traição, não me refiro a infidelidade. Traição é aquilo que Tiradentes sofreu e eu, que não sou dada a usar coroas de espinhos, não estou afim de entrar nessa… mas não esquento não. Nunca vi um monte de formigas derrubar Gibraltar, a ambição dessa mulher, de ser Sara Bernhardt, já esta quase preenchida, falta chegarmos ao tribunal. Aí sim, a pobre moçoila seduzida pela terrível bêbada e perigosa homossexual”

O fato é que a mídia da época, no início dos anos 80, tratava a relação de ambas como um tabu, sendo feitas diversas referências preconceituosas sobre a homossexualidade.

 As razões do rompimento são questões menores e que devem ficar para as revistas de fofocas. O fato é que Ângela fez uma música confessional, uma declaração de amor e de incredulidade por alguém que está magoando o eu lírico, alguém que está machucando, se escondendo, decepcionando um amor profundo, mas que, apesar de tudo, o amor resiste.

 É uma canção que oferece um perdão em nome do amor, que tenta dizer que nem sempre haverá outra oportunidade para vivê-lo e ganhá-lo a cada revés, mas que ao mesmo tempo se contradiz, dizendo ser o amor eterno, não passageiro, que está sempre disposto a perdoar se o objeto do sentimento puder, ainda que brevemente, estender a mão.

 “Fogueira” foi gravada também por Bethania em 1983, mas seu caráter absolutamente confessional a faz mais bonita quando interpretada por Ângela Ro Ro, cuja voz rouca e o estilo de cantar lembra um pouco a cantora Maysa (e a intensidade dos sentimentos, também).   

 Essa musica foi gravada no seu terceiro LP, “Escândalo”, de 1981, título de uma das músicas do LP, de autoria de Caetano, como que uma tradução daquele momento em que vivia a cantora, logo após a separação de Zizi Possi, ocorrida de modo traumático e coberta do modo naturalmente sensacionalista pela imprensa da época.   

 A capa do disco traz o nome “escândalo” como se fora uma manchete de jornal, parodiando as notícias escandalosas que saíram na imprensa por conta de seu rompimento com a cantora Zizi Possi.

 Muitos anos depois, em entrevista ao Jornal “Gazeta do Povo”, Ângela esclareceu:  

  Não quero ser indelicado, mas o desafeto com a Zizi Possi continua?

Com a Zizi Possi? Não há o menor desafeto. Eu tive uma profunda tristeza da gente. Ela e eu fomos vítimas de manipulações, de más línguas. As pessoas foram muito maliciosas. Muita maldade, muita truculência física e psicológica contra mim. Eu nunca bati em ninguém, muito menos na Zizi e ela sabe disso. Eu acho a Zizi uma pessoa muito bacana. Nunca mais fizemos amizade. Ela tem uma filha linda que canta tão bem quanto ela. Zizi é uma grande artista. Pena que nunca mais fizemos amizade porque eu poderia pedir dinheiro emprestado a ela, né?

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Dez razões para admirar Gal Costa

 Existem muitas razões para admirar Gal Costa. E tantas outras para considerá-la a maior cantora do Brasil. Gal poderia, ao longo de sua vida, ter se conformado com sua voz, que não é uma “mera voz”, como ela reconheceu recentemente numa entrevista dada juntamente com Caetano Veloso a Jô Soares. Já foi chamada, justamente por isso, de “João Gilberto de saias”.

Mas Gal Costa foi além. Como disse na sua entrevista no Roda Viva, em 1995: “Quem conhece a minha história sabe que eu sou ousada e que eu faço essas coisas. Eu sei que elas têm um preço, mas eu encaro”.

E ela, no decorrer da sua história arriscou, e arriscou bastante, e justamente por sua capacidade de arriscar e não se conformar com sua voz fenomenal que a coloca no patamar mais alto de qualquer lista de grandes cantoras do Brasil. 

Faço aqui uma lista de dez momentos e razões para considerar Gal genial. 

1 – Divino Maravilhoso. Quando Gal apresentou a canção “Divino Maravilhoso”, em novembro de 1968, no 4º Festival de música Brasileira, da TV Record, todos se surporeenderam: ela, considerada um João Gilberto de saias, por sua voz suave, Gal cantou a música com um cabelo estilo black power, com um enorme colar de espelhos no pescoço comportando-se de maneira agressiva e explorando os agudos, num estilo totalmente chocante e anti-bossa nova. Entre aplausos e vaias,  a música ficou em 3º lugar no festival. 

2 – FA-TAL. Gal a Todo vapor. Um marco na carreira de Gal. Gravado a partir de uma turnê de shows entre 1971 e 1972. Com um repertório que passava por Roberto Carlos e Caetano Veloso, ao estrondoso lançamento de Pérola Negra, de Luiz Melodia, e Vapor Barato, de Jards Macalé e Waly Salomão,  Com passagens de samba-de-roda, Jorge Ben, Ismael Silva, Geraldo Pereira e Luiz Gonzaga,  é overdadeiro disco solo tropicalista de Gal, que, novamente, não teve medo de arriscar.

3 – Índia. Em 1973, no auge da ditadura militar, Gal arrisca-se mais uma vez. A capa do disco contém a foto em close da região do umbigo às coxas de Gal, que veste somente uma pequena tanga vermelha.  Na contracapa, duas fotos de Gal fantasiada como índia, com os seios a mostra. O resultado foi o disco ser um dos censurados do ano, tendo sido vendido nas lojas coberto por um invólucro preto. E a própria gravação de Índia, uma versão em português da guarânia paraguaia “Índia”, clássico sertanejo gravado originalmente pela dupla Cascatinha e Inhana, mostra que ela não tinha medo de flertar com o chamado “brega”, numa época de patrulhamento ideológico musical.  

4 – Folhetim. Wagner Homem conta, no livro que escreveu sobre as canções de Chico, que a  música “Folhetim”,  foi composta entre 1977/78 para a peça “Ópera do Malandro”.  Mas Chico disse que a música tinha a cara de Gal. E quando ela canta: “Se acaso me quiseres, sou destas mulheres que só dizem sim“, parece que ela se veste no eu-lírico da canção, ela se transforma naquela mulher que na manhã seguinte, vira a página do folhetim. Gravado no disco “Água Viva”, de 1978. 

5 –Tom, Caymmi, Ary, Chico, Caetano. Ao mesmo tempo em que se arrisca, Gal consegue reeternizar clássicos gravando discos com canções de grandes compositores. Foi com Caymmi (1976), Ary Barroso (1980) Tom Jobim (1999), Chico e Caetano (1995). Algumas músicas parecem ter sido feitas para Gal gravar. Talvez seja dela a versão definitiva de Aquarela do Brasil…

6 –O Convite a Elis Regina. Diziam que gal e Elis eram rivais. O que Gal fez:  convidou Elis para seu especial da série Grandes Nomes, e para quem se lembra foi um dos melhores momentos da televisão, Elis cantava de olhos fechados,  não conseguia encarar os olhares carinhosos de Gal. 

7. Brasil. No show O sorriso do Gato de Alice, idos de 1993/94, Durante a música Brasil (Brasil, mostra a tua cara / Quero ver quem paga pra gente ficar assim), de Cazuza, Gal, que cantava com algo que parecia um pijama, abriu a blusa e cantou com os seios à mostra. Foi praticamente capa de todos os jornais do Brasil. Vieram inúmeras críticas, piadas; alguns, mais moralistas, indignados; outros, fãs de Gal, aturdidos.

8. Autotune autoerótico. Já consagrada, conseguiu explorar os limites de sua voz em Autotune Autoerótico,sem medo de brincar com música eletrônica. 

9. Um dia de domingo. No show ao vivo do álbum Recanto, ela consegue cantar “um dia de domingo”, primeiro, com sua voz; em seguida, com a voz de Tim Maia. Imitando os trejeitos de Tim Maia. Não é para qualquer um. 

10 – Sua voz. Não se trata de uma mera voz. Cada um desses itens mereceria uma postagem por si só. Alguns já viraram, outros virão. Mas a voz de Gal Costa é única e inconfundível. Quando ela canta, não há dúvida de que se trata dela. Pela voz e por muito mais. 

domingo 21 abril 2013 13:52 , em Listas

O Mestre-sala dos Mares (João Bosco/Aldir Blanc). Homenagem ao Almirante Negro, João Cândido

Algumas músicas se tornam mais interessantes quando se descobre a história por trás da canção. As musas, as inspirações, as circunstâncias em que uma música surgiu podem torná-la mais bonita. É o caso, sem sombra de dúvida, da canção “O mestre-sala dos mares“, de João Bosco e Aldir Blanc, em 1975, em homenagem ao marinheiro João Cândido, conhecido como “O Almirante Negro“, que liderou a “Revolta da Chibata”, em 1910. 

Para quem não sabe, a Revolta da Chibata foi um movimento idealizado por Francisco Dias Martins, o “Mão Negra” e os cabos Gregório e Avelino, e depois liderado pelo cabo da Marinha João Cândido, o “Almirante Negro”,  semi-analfabeto, que se insurgia contra os desmandos na marinha: o descontentamento com os baixos soldos, a alimentação de má qualidade e, principalmente, os humilhantes castigos corporais (chibatadas), que tinham sido reativados pela Marinha como forma de manter a disciplina a bordo.Por isso a revolta, iniciada em novembro de 1910, ficou conhecida como Revolta da Chibata.

Os marinheiros assumiram o comando de navios, ameaçando bombardear o Rio de Janeiro, inclusive o Palácio do Governo, caso os castigos corporais não fossem suprimidos. Em Princípio, o governo de Hermes da Fonseca cedeu. Foram aprovadas  medidas que acabam com as chibatadas, bem como  um projeto que anistia os amotinados. 

Mas a anistia não durou dois dias. Em 28 de novembro, os marinheiros foram surpreendidos pela publicação do decreto número 8400, que autorizava demissões, por exclusão, dos praças do Corpo de Marinheiros Nacionais “cuja permanência se torne inconveniente à disciplina“. O Governo traiu os revoltosos, que foram presos, perseguidos, e encaminhado para uma prisão subterrânea na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Quase todos morreram sufocados, pois a cela era subterrânea, sem ventilação e estava cheia de cal. Apenas João Cândido sobreviveu, juntamente com o soldano Naval João Avelino. João Cândido foi perseguido, considerado louco e morreu aos 89 anos, em 1969, quase no anonimato, como vendedor de peixes.

João Cândido

No auge da ditadura militar, João Bosco e Aldir Blanc fizeram uma música em homenagem ao “Almirante Negro”. Numa entrevista, Aldir Blanc afirmou:  

“Tivemos diversos problemas com a censura. Ouvimos ameaças veladas de que a Marinha não toleraria loas e um marinheiro que quebrou a hierarquia e matou oficiais, etc. Fomos várias vezes censurados, apesar das mudanças que fazíamos, tentando não mutilar o que considerávamos as idéias principais da letra. Minha última ida ao Departamento de Censura, então funcionando no Palácio do Catete, me marcou profundamente. Um sujeito, bancando o durão, (…) mãos na cintura, eu sentado numa cadeira e ele de pé, com a coronha da arma no coldre há uns três centímetros do meu nariz. Aí, um outro, bancando o “bonzinho”, disse mais ou menos o seguinte:

 – Vocês não então entendendo… Estão trocando as palavras como revolta, sangue, etc. e não é aí que a coisa tá pegando…

– Eu, claro, perguntei educadamente se ele poderia me esclarecer melhor. E, como se tivesse levado um “telefone” nos tímpanos, ouvi, estarrecido a resposta, em voz mais baixa, gutural, cheia de mistério, como quem dá uma dica perigosa:

– O problema é essa história de negro, negro, negro…”

Decidimos dar uma espécie de saculejo surrealista na letra para confundir, metemos baleias, polacas, regatas e trocamos o título para o poético e resplandecente “O Mestre-Sala dos Mares”, saindo da insistência dos títulos com Almirante Negro, Navegante Negro, etc. O artifício funcionou bem e a música fez um grande sucesso nas vozes de Elis Regina e João Bosco. Tem até hoje dezenas de regravações e foi tema do enredo “Um herói, uma canção, um enredo – Noite do Navegante Negro”, da Escola de Samba União da Ilha, em 1985.

Noutra ocasião, Aldir Blanc disse:

O João [Bosco] no início da carreira era da [gravadora] RCA. Havia um funcionário lá, muito malandro, que levava de presente dezenas de LPs para aqueles caras da censura. Um dia, ele encosta na gente e diz assim: “Eles estão pedindo a tua ida lá pra falar sobre ‘Almirante Negro'”.

Aí eu fui ao Palácio do Catete, para onde tinha se mudado a censura, procurei o setor.

Vi uma coisa cômica. Logo na entrada, tinha três escrivaninhas iguais, com três sujeitos já bem idosos, de cabelo branco. Aí eu sentei na primeira escrivaninha, onde mandaram eu sentar, o cara me fez algumas perguntas e disse: “Passa para a segunda escrivaninha”.

O cara me fez exatamente as mesmas perguntas e disse: “Passa para a terceira escrivaninha”.

Outra vez a mesma merda, e o cara falou “pode entrar”. Ou seja, aquilo era um tremendo cabide para policial aposentado ou qualquer coisa assim. Eu entro -aí é que eu acho um negócio revoltante-, vem um cara de paletó e gravata, com o paletó aberto com o coldre aparecendo, andando de um lado para o outro. A coronha do revólver só faltava passar no meu nariz.

João Bosco e Aldir Blanc

O cara de repente diz para mim assim: “Mas, então… Vocês estão errando o foco. Vocês estão mudando a letra, insistindo, insistindo e o problema é ó…”. E esfregava o dedo na pele do braço. Eu não entendi. “Toda hora esse troço na letra aí, o negro isso, o negro aquilo.”

Isso me deu um mal-estar tremendo. E eu fui salvo por um escândalo. Um cara na sala ao lado começa a gritar que tinham que matar o Ney Matogrosso. Porque ele tinha entrado em casa e encontrado um neto dançando com uns panos imitando o Ney Matogrosso.

Eu nunca consegui saber se aquilo era verdade ou se era um processo de intimidação para sobrar para mim, porque era meio teatral demais, meio armado demais.

Aí o cara volta, fica parado assim, abre o paletó, coloca a coronha quase dentro da minha narina e diz: “Acho que deu para entender, né, cara? Esse negócio do negro tá pegando!”. Aí eu saio de lá zonzo, tomo uma cerveja a um quilômetro dali, falo com o João sobre esse troço e a gente transforma em “O Mestre-Sala dos Mares”.​

A música, para ser aprovada pela censura, sofreu várias modificações, que podem ser vistas na tabela abaixo:

Fonte: http://www.cefetsp.br/edu/eso/patricia/revoltachibata.html; http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/canhoes-chibata-433714.shtml

https://www.folhape.com.br/diversao/diversao/musica/2020/06/01/NWS,142441,71,581,DIVERSAO,2330-ALDIR-BLANC-ENTREVISTA-COMPOSITOR-LEMBRA-COMO-VERTEU-HISTORIAS-REAIS-CANCOES.aspx

quinta 15 setembro 2011 06:21 , em MPB

20 canções que falam de Salvador

Dizem que nenhuma cidade foi tão cantada quanto a Cidade do Salvador, da Bahia de Todos os Santos, primeira capital do Brasil. Fundada em 29 de março de 1549, onde já habitavam os índios Tupinambás, Salvador, muitas vezes também chamada de “Cidade da Bahia” pode ser descrita por suas inúmeras canções.

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Há autores, inclusive, que cantam a Bahia em muitas canções (talvez Caymmi seja o maior exemplo); outros cantam a Bahia sem mesmo serem baianos (como o mineiro Ary Barroso), o fato é que as canções sobre Salvador fazem a cidade entrar no imaginário coletivo, em cada pedacinho de letra, em cada nota de canção.

Não é por acaso que Salvador é uma cidade essencialmente musical. Como diz Carlinhos Brown, num jingle que fez para a prefeitura de Salvador:

Cidade miscigenada / Arrodeada de água / De alma boa e batucada / Felicidade aqui não custa nada / Uma cidade é seu povo / E o povo somos nós / Pra ela todos cantam juntos em uma só voz / Nasci aqui e aqui / Não canso de viver/ Somos movidos pela força do dendê / E de você / Felicidade Salvador / Não custa nada / A cidade mais feliz do mundo voltou a sorrir

Assim, segue uma lista de 20 canções que cantam a Bahia e que atravessam o tempo:

  1. São Salvador – Dorival Caymmi

São São Salvador, Bahia de São Salvador/ A terra de Nosso Senhor/ Pedaço de terra que é meu / São Salvador, Bahia de São Salvador/A terra do branco mulato/ A terra do preto doutor

São tantas músicas de Caymmi sobre a Bahia. Mas, para escolher uma, vale aquela simples e genial:

2. Na Baixa do Sapateiro – Ary Barroso

Oi, Bahia, ai, ai/Bahia que não me sai do pensamento, ai, ai

Ary Barroso cantou muito a Bahia. De tantas canções, talvez a mais emblemática seja aquela em que o amor pela Bahia se confunde com o amor da morena “frajola” que foi encontrada na Baixa dos Sapateiros

3. Bahia com H – Denis Brean

E já disse um poeta/Que terra mais linda não há/Isso é velho e do tempo/Em que já se escrevia Bahia com H!

Augusto Duarte Ribeiro, paulista de Campinas, escreveu em 1955 um samba que se tornou imortal na voz de João Gilberto. Bahia com H

4. Eu vim da Bahia – Gilberto Gil

Eu vim da Bahia cantar/Eu vim da Bahia contar/Tanta coisa bonita que tem/Na Bahia, que é meu lugar

Gilberto Gil, faz uma canção saudosa sobre a Bahia, da festa de rua, do samba de roda, do mar…

5. Você já foi à Bahia – Dorival Caymmi

Nas sacadas dos sobrados/Da velha São Salvador/Há lembranças de donzelas/Do tempo do Imperador/Tudo, tudo na Bahia/Faz a gente querer bem/A Bahia tem um jeito/Que nenhuma terra tem!

Salvador durante muito tempo era chamada de Cidade da Bahia. Esta música de Caymmi virou um clássico, cuja letra Caetano pegou um pedaço para incluir na canção “Terra”

6. Retrato da Bahia – Riachão

Quem chega na praça Cayru/E olha pra cima, o que é que vê?/Vê o Elevador Lacerda/
Que vive a subir e a descer

Um clássico de Riachão, que começa com a Praça Cayru, talvez a imagem mais icônica da cidade…

7. Salvador é um Porto Seguro – Moraes Moreira

É um porto, é um porto sete portas/Sempre abertas pra magia/De todos os santos/
Que vem baixar na Bahia

Moraes Moreira compôs uma ode à Salvador, dizendo ser um Porto Seguro de portas abertas… bela gravação com participação de Gilberto Gil,

8. A Bahia te espera – Chianca de Garcia/Herivelto Martins

A Bahia da magia, dos feitiços e da fé/Bahia que tem tanta igreja, que tem tanto candomblé

Composição do português Chianca de Garcia e fluminense Herivelto Martins, destaca tanto o sincretismo quanto os saveiros… Tornou-se imortal na voz de Dalva de Oliveira

9. É D’Oxum – Gerônimo

Nessa cidade todo mundo é d’Oxum/Homem, menino, menina, mulher/Toda essa gente irradia magia

Um clássico instantâneo. a canção de Gerônimo se tornou atemporal e sempre citada como um dos hinos da cidade

10. Chame GenteMoraes Moreira, Armandinho

Ah! Imagina só que loucura essa mistura/Alegria, alegria é um estado que chamamos Bahia

Certamente o hino do carnaval da Bahia, o sagrado e o profano, a mistura, todos os santos, encantos e Axé….

11. We are the world of carnavalNizan Guanaes

Ah! Que bom você chegou/Bem-vindo a Salvador/Coração do Brasil

Em 1988, a Ótica Ernesto fez uma campanha institucional que reuniu artistas e personalidades baianas de destaque da época. O clipe teve a participação de muitos artistas baianos. Virou um clássico

12. Raiz de Todo Bem – Saulo Fernandes

Salvador, Bahia/Território africano/Baiano sou eu, é você, somos nós/Uma voz de tambor

A canção de Saulo, do ano de 2013, transformou-se numa obrigatória referência de música sobre a cidade. Ressalta as raízes africanas e o locus nordestino de Salvador, cheio de imagens e referências próprias da baianidade

13. Duas Cidades – Russo Passapusso – Baiana System

Diz em que cidade que você se encaixa/Cidade Alta/Cidade Baixa

Os contrastes entre as duas cidades de Salvador, e o que elas significam. falar em Cidade Alta e Baixa quer falar das muitas divisões e segregações que ocorrem na Cidade da bahia

14. Bahia, Minha Preta – Caetano Veloso

Ê ô, Bahia, fonte mítica, encantada/Ê ô, expande o teu axé, não esconde nada/Ê ô, eu grito de alegria ecoa longe, tempo e espaço/Ê ô, Rainha do Atlântico

Feita por Caetano para Gal Gravar, Caetano homenageia muitos que personificam a Bahia, e ao Chamar de Bahia, Minha Preta, fala tanto das raízes africanas da Bahia quanto uma forma carinhosa de se chamar alguém em Salvador

15. Rebentão – Carlos Pita

Moro numa cidade cheia de ritmos/Que sobe e que desce ao som da maré

A música de Carlos Pita exalta o povo de Salvador, uma cidade cheia de ritmos, que “faz samba na porta do ônibus” e que “dança com a lata na cabeça”

16. Cidade Voa – Carlinhos Brown

Minha cidade é linda de ver/Seja bem-vindo ao nosso QG/São Salvador nasceu pra você

Canção feita por Carlinhos Brown para comemorar o aniversário de 450 anos de Salvador, em 1999. Música alegrem, que ressalta a felicidade de estar em salvador

17. Igual a Salvador Não HáLuiz Caldas

Pode procurar que um lugar igual em Salvador no mundo não há

Luiz Caldas destaca o caráter único, de raiz e de felicidade da Cidade de Salvador…

18. Solvador Bahia de Caymmi – Tom Zé

Aqui em Solvador Bahia tudo/capitalista ou vagabundo/tênis, gravata ou cabelo branco/todo mundo tem um santo

Tom Zé faz um ensaio sobre a cidade da Bahia, de Caymmi e da usura, a quem chama de “Solvador”

19. Vu – Saulo Fernandes

Todo mundo igual, todos de tambor/Todo mundo junto Rubro negro – Tricolor/So-te-ro-po-li-ta-no, Salvador!

Saulo faz um passeio pela cidade de Salvador, seus bairros e gírias…

20 . Cidade Elétrica – Jorge Zarath e Manno Goes

Chuveiro de água benta pra lavagem de escada/Alma lavada de fé/Um choque de alegria/Na força da fantasia/Axé, axé, axé

A música de Jorge Zarath e Manno Goes ressalta uma série de imagens e conexões de uma cidade elétrica…

Parabéns, Salvador!!!!!

Chico e Caetano falam sobre Elza Soares

No dia 20 de janeiro de 2022 falece Elza Soares. Talvez seja impossível classificar seu estilo, sua voz, sua vida. A história de Elza é única. De tantas homenagens que recebeu, vale aqui a transcrição dos textos de Chico Buarque e Caetano Veloso sobre a cantora, quando ela fez 90 anos:

Músicas, vídeos, estatísticas e fotos de Elza Soares | Last.fm

Se acaso você chegasse a um bairro residencial de Roma e desse com uma pelada de meninos brasileiros no meio da rua, não teria dúvida: ali morava Elza Soares com Garrincha, mais uma penca de filhos e afilhados trazidos do Rio em 1969. Aplaudida de pé no Teatro Sistina, dias mais tarde Elza alugou um apartamento na cidade e foi ficando, ficando e ficando.

Se acaso você chegasse ao Teatro Record em 1968 e fosse apresentado a Elza Soares, ficaria mudo. E ficaria besta quando ela soltasse uma gargalhada e cantasse assim: “Elza desatinou, viu.”

Se acaso você chegasse a Londres em 1999 e visse Elza Soares entrar no Royal Albert Hall em cadeira de rodas, não acreditaria que ela pudesse subir ao palco. Subiu e sambou “de maillot apertadíssimo e semi-transparente”, nas palavras de um jornalista português.

Elza Soares: Chico Buarque e Caetano Veloso escreveram textos inéditos nos  90 anos da cantora - Jornal O Globo

Se acaso você chegasse ao Canecão em 2002 e visse Elza Soares cantar que a carne mais barata do mercado é a carne negra, ficaria arrepiado. Tanto quanto anos antes, ao ouvi-la em “Língua’’ com Caetano.

Se acaso você chegasse a uma estação de metrô em Paris e ouvisse alguém às suas costas cantar ‘Elza desatinou’, pensaria que estava sonhando. Mas era Elza Soares nos anos 80, apresentando seu jovem manager e os novos olhos cor de esmeralda.

Se acaso você chegasse a 1959 e ouvisse no rádio aquela voz cantando “Se acaso você chegasse’’, saberia que nunca houve nem haverá no mundo uma mulher como Elza Soares.

Caetano, por sua vez, fez a seguinte homenagem:

Elza Soares é uma das maiores maravilhas que o Brasil já produziu. Quando apareceu cantando no rádio, era um espanto de musicalidade. Logo ficaríamos sabendo que ela vinha de uma favela e desenvolvera seu estilo rico desde o âmago da pobreza.

Elza Soares: Caetano Veloso lamenta morte da cantora e amiga: 'Fui fã'

Ela cresceu, brilhou, quis sumir, não deixei, ela voltou, seguiu e prova sempre, desde a gravação de “Se acaso você chegasse’’ até os discos produzidos em São Paulo por jovens atentos, que o Brasil não é mole não.

Celebrar os 90 anos e Elza é celebrar a energia luminosa que os tronchos monstros não conseguirão apagar da essência do Brasil.

Depois de tão belas homenagens, só se pode dizer que Elza sempre será uma estrela da música e da vida.

De Palavra em Palavra – Uma homenagem de Paulo César Pinheiro a João Gilberto (e que foi acusada de plágio)

Paulo César Pinheiro é um grande compositor e que se notabilizou por muitas parcerias que construiu na vida. Uma delas é Miltinho, violonista do MPB-4.

Eles se conheceram em torno de 1970, durante uma gravação de um álbum com parcerias de Paulo César Pinheiro com Baden Powell, e na ocasião, Miltinho lhe entregou uma fita com dois sambas de sua autoria. Uma delas tornou-se um belo samba, “Cicatrizes”, lançada por Roberto Ribeiro e mais recentemente gravada por Roberta Sá.

Miltinho e Paulo César Pinheiro

A segunda transformou-se na canção “De palavra em palavra”, a qual, como Pinheiro conta no seu Livro “História das Minhas Canções” (Leya, 2010, p.181-2), remete a João Gilberto e acabou gerando uma certa polêmica. Conta Paulo César:  

A estrutura melódica (do samba que Miltinho lhe enviou numa fita cassete) remeteu-me a João Gilberto, a quem eu já adorava, e resolvi homenageá-lo. Foi uma tarefa complicada e insana. Cismei de construir um mosaico. A letra seria uma colagem de letras do repertório do João. Só que pra isso tinha que caber os versos de Antônio Maria, Vinícius, Tom, Caymmi, Bôscoli, Ary Barroso, Haroldo Barbosa, na música que se me apresentava. E, lógico, o papo tinha que fazer sentido. Destrinchei os discos do cantor. Decorei-os. E partir pra montagem. Fui conseguindo e me empolgando. Termino com um carinhoso abraço no João, motivo de minha admiração maior. Batizar foi relativamente fácil. Um dos grandes sucessos do baiano era o samba de Lucio Alves e Haroldo Barbosa, “De conversa em conversa”, e pra fechar o tributo saquei o “De palavra em palavra” do penúltimo verso. Me deu muito trabalho essa invencionice, mas ficou um primor.

De palavra em palavra

Manhã tão bonita a manhã (Manhã de Carnaval – Luiz Bonfá/Antônio Maria)
E muita calma pra pensar (Corcovado – Tom Jobim)

Eu amei ai de mim muito mais do que devia amar (Amor em Paz – Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
Sim fiz projetos pensei (Só em teus braços – Tom Jobim)
Mas esse mundo é cheio de maldade e ilusão (Saudade da Bahia – Dorival Caymmi)
Pra que trocar sim por não se o resultado é solidão (Discussão – Tom Jobim/Newton Mendonça)

O amor o sorriso e a flor (Meditação – Tom Jobim/Newton Mendonça)
Meu sabiá, meu violão
O que ficou pra machucar meu coração (Pra machucar meu coração – Ary Barroso)

Pois é tantos versos eu fiz (A Primeira vez – Alcebíades Barcelos e Armando Marçal)
Dizendo a todo mundo o que ninguém diz (Saudade da Bahia – Dorival Caymmi)
Alimentei a ilusão de ser feliz (A Primeira vez – Alcebíades Barcelos e Armando Marçal)

O amor é a coisa mais triste quando se desfaz (Amor em Paz – Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
Dói no coração de quem sonhou demais (Este seu olhar – Tom Jobim)
Eu vivo sonhando, ai que insensatez (Vivo Sonhando – Tom Jobim/ Insensatez – Tom Jobim/Vinícius de Moraes)

Até você voltar outra vez (Outra Vez – Tom Jobim)

Eu tenho esse amor para dar (Só em teus braços – Tom Jobim)
Agora o que é que eu vou fazer (Doralice – Dorival Caymmi)
Porque esse é o maior que você pode encontrar (Desafinado – Tom Jobim/Newton Mendonça)


Mas de conversa em conversa (De conversa em conversa – Lúcio Alves e Haroldo Barbosa)
Eu só quis dizer de palavra em palavra
João Gilberto um abraço a você
Oba-la-lá (Hô-Ba -La-Lá – João Gilberto)

Historia das minhas canções - Paulo César Pinheiro | Amazon.com.br

Percebe-se, portanto, que a letra é um mosaico  de trechos de canções gravadas por João Gilberto no decorrer da vida. Trata-se de uma samba, estilo bossa nova, mas que não deixou de causar uma polêmica, relatada por Paulo César Pinheiro   

 Tempos depois, Miltinho inscreveu a composição num festival de Juiz de Fora. Um jornalista membro do júri, influenciando a opinião dos outros, desclassificou o samba alegando plágio. Depois de tamanho esforço pra o que eu considero um achado, a visão torta de um crítico soa como uma imbecilidade sem propósito. Porém, são essas as pedras que Drummond detectou no nosso caminho de criação. Já me acostumei com os antolhos alheios.

E pra concluir, o parceiro de Miltinho na música era Maurício Tapajós que eu nem conhecia pessoalmente, e com quem só vim esbarrar em outro momento. Com esse encontro noutra ocasião.

Poema. A canção póstuma de Cazuza…

Cazuza tinha um grande amor por sua avó paterna, Maria José. Segundo conta Lucinha Araújo, mãe do cantor (Só as mães são felizes , Globolivros, 2004) ela era uma das válvulas de escape do artista, em cuja casa de Vassouras ele passou as férias dos 3 aos 15 anos. Relata que na casa da avó Cazuza era era tratado como um príncipe, cercado de todos os mimos.

A avó materna de Cazuza, a Vó Lice, morreu quando Cazuza tinha 17 anos. Ele, então, fez um poema, cujos versos estão gravados hoje no túmulo de sua avó:

Você foi embora

deixou vazia a casa

o riso num álbum de fotografias

e aquela imagem de Santa Rita…

e eu fiquei lá fora

brincando de cidade deserta

chupando manga

pedindo um beijo…

e agora é a velha história

você virou saudade

daqueles tempos de carochinha

daquela vida que eu inventei

daquela reza que decorei…

agora eu vou vivendo

no mundo sem sonho ou lenda

e só de noite, quando me lembro

eu sinto um troço no meu peito

e durmo…

Seu neto

Lucinha Araújo, tanto no Livro “O Tempo Não Para – Viva Cazuza”, quanto em entrevista a Pedro Bial (https://globoplay.globo.com/v/6643455), conta que a avó paterna de Cazuza disse, então, que ele não esperasse que ela morresse para que recebesse um poema dele, pediu para que ele desse a ela um poema enquanto ela estivesse viva. Numa tarde, Cazuza presenteou sua avó com este poema.

Depois da morte de Cazuza, sua mãe (Lucinha Araújo) começou a fazer um acervo com o material pertencente ao filho. Ela sabia que sua sogra guardava com carinho o poema escrito pelo neto, e pediu a ela o poema, para que fizesse parte do acervo. Mas a avó de Cazuza recusou, pois disse que não poderia entregar um presente.

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Após o falecimento de Maria José, as cunhadas, filhas de Maria José, ´perguntaram se Lucinha desejaria alguma lembrança dela. Lucinha pediu então as fotos que ela tinha com Cazuza e alguns LP’s autografados, e tinha um papel dobrado, escrito “poema para Maria”.

Tornada conhecida 23 anos depois, Lucinha ligou para Roberto Frejat (parceiro musical de Cazuza com quem fazia parte na Barão Vermelho), perguntando se ele aceitava idealizar uma música a partir do poema. Frejat atravessou uma noite e transformou o poema em música.

A pessoa escolhida para cantar não poderia ser outra senão Ney Matogrosso, grande responsável pelo boom da carreira do Barão vermelho, com “pro dia nascer feliz”, em 1985. Ney gravou a canção em 1999, no seu álbum “Olhos de Farol”. É, inclusive, a canção mais tocada na voz de Ney.

Eu hoje tive um pesadelo

E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com o seu carinho
E lembrei de um tempo

Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo

Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim

De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás

Poemas de Arnaldo Antunes para Cássia Eller e para Marisa Monte

Marisas Monte e Cassia Eller são as maiores cantoras de sua geração. A década de 90 não seria a mesma se não houvesse o contraste entre a suave voz de soprano de Marisa, e o rascante timbre vocal de Cassia. Me deparei então com dois textos de Arnaldo Antunes, um para cada cantora, ambos encontrados em “Música Popular Brasileira”, de Mário Luiz Thompson, editora Bem Te Vi, São Paulo, 2001″. Vale a pena ver o trecho para cada uma delas: 

A relação musical de Arnaldo Antunes com Cassia, do ponto de vista das músicas gravadas, é escassa. Cassia Eller Gravou “Socorro”, música de Arnaldo Antunes para um poema de Alice Ruiz, em 1994.

Tributo a Cássia Eller na primeira noite do Rock In Rio | VEJA

Cássia Eller
Arnaldo Antunes
2001

O rugido do mar. A rocha. A lambida da fera. A guitarra. O raio surdo antes do trovão. A faísca que escapa do fio. 
Tudo ali no canto de Cássia Eller.
A brasa do cigarro brilhando na tragada, com a intensidade do que não dura, como a nota; sílaba.
Tudo sob controle sobre descontrole sob controle.
Sua voz parece um corpo material, de carne e osso e músculo e sexo. Um corpo opaco, massa compacta de graves e agudos soando juntos como um soco, um trago, uma onda de éter na cabeça.

Com Marisa Monte a relação é muito mais próxima. Além de formarem os Tribalistas, junto de Carlinhos Brown, a primeira música gravada por Marisa Monte no seu primeiro álbum é “Comida”, parceria de Arnaldo, Sérgio Britto e Marcelo Frommer, na época dos Titãs. E Arnaldo acompanha a trajetória Musical de Marisa, com duas músicas em “Mais”, três músicas em “Verde Anil Amarelo Cor de Rosa e Carvão” (duas em parcerias coma própria Marisa), parceria que se repete em “Memórias, Crônicas e Declarações de Amor“. “Infinito Particular”, “Universo ao meu redor” “O que você quer saber de verdade”

Bahia Notícias / Cultura / Notícia / Arnaldo Antunes e Marisa Monte  processam Doria por usar música sem autorização - 31/07/2018

Marisa Monte
Arnaldo Antunes
2001

Marisa Monte expressa uma consciência impressionante do que está cantando, quando canta. Como se dissesse ao máximo aquilo que a canção está dizendo. Seu canto é esclarecedor. Revela significados ocultos nas palavras. E essa é para mim sua maior qualidade, como é para mim a maior e mais rara qualidade de uma intérprete. 
A inflexão certa, a intenção justa, o timbre adequado. A pronúncia, a duração, o gesto. Tudo ali parece trabalhar junto e com muita naturalidade para carregar ainda mais de sentidos as canções.
E essa consciência se expande inevitavelmente ao som, à banda, ao repertório, aos arranjos e, principalmente, às composições próprias, de algumas das quais eu me orgulho em ser seu parceiro.

Como pode isso emocionar assim?

Interessante reparar que as referências a Marisa são prosa, enquanto Cassia é poesia. Enquanto Arnaldo destaca a capacidade de Marisa esclarecer ao cantar, ressalta a capacidade de Cassia emocionar. O preciso e o impreciso.  Vale o registro.