Eu também quero beijar… ou Béjart?

Um dos grandes sucessos de Pepeu Gomes, “Eu também querio Beijar”, com um daqueles riffs  de guitarra que terminam por identificar a música, tem uma história bem curiosa.

A letra da canção, que trata de coisas boas, que eu lírico também quer beijar. Só que a origem não tem nada a ver com a ideia de beijo, mas da visita de um coreógrafo ao Brasil depois de quase 20 anos. 

Tratava-se de Maurice Béjart, que fazia sucesso no mundo inteiro (a sua coreografia do Bolero de Ravel é uma referência em todo mundo), e que, depois de muito tempo, viria ao Brasil. 

A história da letra é contada por Ruy Godinho, no terceiro volume do Livro “Então, foi assim? Os bastidores da criação musical brasileira” 

Estávamos em 1981. O general João Baptista Figueiredo, último presidente militar a governar o país, reafirmava o projeto de abertura política iniciado no governo anterior. Mais uma vez, o Rio de Janeiro teria o privilégio de receber o balé do famoso coreógrafo francês Maurice Béjart, da Opera National de Belgique. Béjart tinha uma grande ligação com o Brasil. Havia se apresentado aqui em 1963. Apesar do êxito da apresentação de sua companhia e a afeição que sentiu pelo país, só aceitou retornar em 1979, com o processo de abertura. Não concordava com o regime autoritário imposto pela ditadura. Naquele ano, o público lotou o Teatro Municipal do Rio de Janeiro para ver Béjart ao lado da bailarina brasileira Laura Proença. Ele não dançava havia dez anos.

No Rio, não se falava noutra coisa. Nos lares, nos bares, nas ruas. Ninguém queria perder Béjart. Todos queriam ver Béjart. Era Béjart pra cá, Béjart pra lá.

 Segundo Pepeu: “A gente fez essa música quando o Maurice Béjart, aquele coreógrafo, dançarino, estava no Rio de Janeiro. Eu estava andando muito com o Moraes na época. Mesmo pós-final dos Novos Baianos, a gente sempre teve uma ligação grande, a gente é meio padrinho dos filhos [um] do outro. E quando a gente ia ao Baixo Leblon, as pessoas ficavam dizendo: ‘Poxa, vamos ver o Béjart, eu também quero Béjart’. Aí a gente ficou com essa ideia na cabeça e fez Eu também quero beijar [risos]. E a música tornou-se um grande sucesso, foi uma alegria, foi o meu primeiro disco de ouro e tudo”, conclui Pepeu Gomes.

 O mote surgiu da presença de Béjart no Brasil. Porém, o letrista Fausto Nilo, convidado a participar da parceria, foi buscar elementos do folclore de Quixeramobim, no interior do Ceará, sua cidade natal, na contribuição que deu para o desenvolvimento da letra.

“Eu morava em Copacabana, na Tabajaras, ali perto do Teatro Opinião. O Moraes morava numa travessinha no Jardim Botânico, perto do Parque Lage”, começa seu relato o letrista cearense. “E, um dia, ele me ligou dizendo: ‘Cara, tô eu e Pepeu aqui. Estamos fazendo uma melodia interessante, não quer vir pra cá’? E eu fui. Quando cheguei, a música já estava quase pronta, eles estavam cantando com muito entusiasmo. Já estava bem-avançada. E eu, com o meu caderninho, comecei a anotar umas palavras. Normalmente eu conduzia, mas eles estavam participando, o Moraes dava palpite e tal. E fizemos. Deu certo, fizemos tudo, mas o refrão ninguém encontrava uma boa solução. Essa é minha versão”, preocupa-se Fausto com a fidelidade do relato.

Fausto Nilo

“O refrão, o Moraes disse assim:

‘– Eu tive uma ideia aqui. Eu fui ontem ver o Béjart, o bailarino, rapaz, no Teatro Municipal’!

E elogiou muito:

‘– Que coisa fantástica, aquilo é sensacional’.

E nessa conversa ele sugere:

‘– Por que a gente não põe assim: eu também quero Béjart’?

E como a loucura era grande, a gente cantou, achou bom, e ficou Eu também quero Béjart. A flor do desejo do maracujá… Já na parte que diz: haja fogo, haja guerra, isso é uma música lá da minha terra, de domínio público, do reisado. Só que lá a melodia tem outra forma: haja fogo, haja guerra, haja guerra que há/haja fogo, haja guerra, haja guerra que há/morreu secretário chegou general/haja fogo, haja guerra, haja guerra que há [Fausto canta com outra melodia]. E foi ficando uma coisa louca: haja fogo, haja guerra… eu também quero Béjart. E aí terminamos, a música ficou pronta e fomos tomar um cafezinho. Quando voltamos e pegamos de novo, eu falei assim:

‘– Cara, vamos ver uma ideia aqui porque não sei se o povo vai sacar essa história de Béjart, né? Essa música é muito popular e tal. Vamos simplificar pra Eu também quero beijar’. Como todo mundo quer beijar, pronto, ficou isso aí”, conta Fausto Nilo.

Maurice Béjart

Eu também quero beijar foi registrada originalmente no LP Pepeu Gomes (WEA, 1981); posteriormente, no CD Moraes e Pepeu no Japão (WEA, 1991); no CD Meu Coração – Pepeu Gomes (Trama,1999); e no CD Hits e Dubs – Cidade Negra (Epic/Sony Music,1999).

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