Crônicas do Carnaval da Bahia – Os Filhos de Gandhy

Poucos imaginariam que um dos símblos do carnaval da Bahia – o Afoxé Filhos de Gandhy teria se originado de um bloco carnavalesco denominado “Comendo Coentro”, tudo isso no ano de 1949. 

Na verdade, a origem dos Filhos de Gandhy vem, como sabido, dos estivadores de Salvador. A estiva representava um polo de manifestações políticas, sendo histórica a sua participação no boicote ao fascismo, e sua estreita ligação com o partido comunista.

Segundo narra Anísio Félix, no seu livro “Filhos de Gandhi – A história de um afoxé”,

Antes da Segunda Guerra Mundial, os estivadores sempre participaram ativamente das festas populares da Bahia. Eles fundaram o Terno de Reis “Robalo” e se faziam presentes, sobretudo nos festejos da Lapinha e do Bonfim. Posteriormente fundaram o “Comendo Coentro” para o carnaval. Era um bloco com instrumentos de sopro que saía num caminhão alugado. Os relatos da época dão conta de que os estivadores em sua quase totalidade, só vestiam roupas dos mais caros linhos importados e usavam chapéus “Panamá”

Fase 1 – A fundação 

No dia 18 de fevereiro de 1949, os estivadores do porto de Salvador, estavam sentados ao pé de uma mangueira perto da sede do Sindicato dos Estivadores, preocupados com a falta de trabalho nos portos e a política de arrocho salarial,  gerada pela crise do pós-guerra. A ideia original de botar um “careta” na rua, partiu de Durval Marques da Silva (Vavá Madeira), tido como o maior festeiro da turma, que também foi o responsável pelo nome em homenagem a Gandi. 

Como o dinheiro era pouco, os estivadores fizeram uma “vaquinha” para a compra de barris de mate, lençóis e couro para fazer os tamborins. 

Para evitar represálias, já que o fundador Almir Fialho deu a ideia para mudar a grafia do nome Gandi, inserindo as letras “dh” e trocou o “i” por “y”, ficando Gandhy. 

No primeiro dia, saíram apenas 36 participantes A fantasia foi um lençol branco torso de toalha felpuda, nos pés um tamanco de couro cru chamado “Malandrinha”. 

Ficou estabelecido no pimeiro momento uma decisão que se tornou decisiva no futuro: mulher não podia entrar e era terminantemente proibido o uso de bebidas alcoólicas. A explicação para as proibições era de que onde havia bebida e mulher, haveria briga e o lema do afoxé era a paz. Em relação à bebida, a tese não vingou, mas em relação às mulheres, fontes oficiosas contam que alguns membros tinham muitas namoradas, mulheres, amantes, e que se elas pudessem participar, daria confusão. 

Em 1951, foram admitidos trabalhadores de outras classes, e adotado o símbolo do camelo, símbolo da resistência e que Antonio Risério, na sua obra “Carnaval Ijexá”, associa a Xangô. 

O Filhos de Gandhy nos primeiros anos saiu cantando marchinhas até se dedicar especialmente ao ijexá

 Fase 2 – A decadência e a reconstrução

Na década de 1970, o bloco passou por seu momento mais difícil. Em 1974, o Afoxé Filhos de Gandhy chegou a fechar , por problemas administrativos e financeiros, chegando o bloco a ser despejado de sua sede. Em 1974 e 1975, o bloco não desfilou no carnaval de Salvador.

Devido a várias campanhas de incentivo de radialistas, principalmente de Gérson Macedo (Rádio Excelsior), o bloco voltou a desfilar, sob o patrocínio de alguns dos seus participantes. Sob a presidência de Camafeu de Oxóssi e com o apoio de artistas baianos, dentre eles Gilberto Gil, o afoxé retornou às ruas, no ano de 1976, desfilando com cerca de 80 homens.

Gilberto Gil, em depoimento a Antonio Risério, fala de sua ajuda ao bloco:

Só quando voltei de Londres, dentro daquele processo de retomada, de redescoberta, de sofisticação de gosto, é que fui procurar especificamente os afoxés, por que mesmo no carnaval da minha infância, eles me pareciam bálsamos, oásis de paz naquele caos da rua. Me lembro que assim que voltei, no meu primeiro carnaval aqui, me disseram que os afoxés não existiam mais. E, de fato fui encontrar uns vinte Filhos de Gandhi, com os tambores no chão , num canto da Praça da Sé. Eles não tinham mais recursos, mais força para ocupar um espaço no carnaval baiano. Fui procurá-los para entrar no afoxé. Foi como uma coisa devocional, uma promessa, uma vontade de pôr o meu prestigio para funcionar em prol daquela coisa bonita que é o afoxé. E aí saí seis anos no Filhos de Gandhi, fazendo todo o percurso das 12 horas, cantando e tocando, parando nos pontos de devoção, obedecendo à disciplina, que é muito rigorosa. E no ano passado(1980), já eram mil Filhos de Gandhi (…).

 Fase 3 – A consolidação

Atualmente, os Filhos de Ghandy são uma instituição na Bahia. É comum fazer referência ao tapete branco que se forma todas as vezes que o bloco sai nas ruas. Já é tradição ver no carnaval os famosos trajes: uma saia, uma bata, colares azul e branco e um adorno de cabeça que é costurado e ajustado em cada participante. A toalha usada na cabeça é acompanhada de um broche azul e branco no meio da testa.

Tradicionalmente, o traje é branco com detalhes em azul; o turbante, branco (com exceção de 2006, quando o turbante foi azul, e 2019, em que se incluiu o dourado no traje em homenagem aos 70 anos do bloco). Costuma-se dizer que, para ganhar um colar é preciso dar um beijo em um Gandhy. Já a alfazema que eles levam consigo também é compartilhada com quem pedir.

Segundo J. Adeilson, “Os colares, nas cores azuis e brancas, são uma reverência aos orixás Oxalá e Ogum. Durante o desfile, os colares têm um significado além daquele de simplesmente compor um figurino ou vestir uma fantasia. Tradicionalmente, os colares são oferecidos aos admiradores, simbolizando uma maneira dos Filhos de Gandhy desejarem paz durante o carnaval e no restante do ano.”

Enfim, uma das tradições mais perenes do inquieto carnaval da Bahia.

 4 – Músicas que Falam dos Filhos de Ghandy

Há diversas músicas que fazem referência ao Bloco. Vale a pena fazer uma pequena lista aqui:

  1. Filhos de Gandhi (Gilberto Gil) – Gilberto Gil/Jorge Benjor (1975)
  2. Patuscada de Gandhi – Gilberto Gil (1977)
  3. Viva os Filhos de Gandhi (Paulinho Camafeu) – Eliana Pittman (1978)
  4. Axé do Gandhi – (Moraes Moeria/Pepeu Gomes) – Moraes Moreira (1981)
  5. Alô Filhos de Gandhi (Armandinho Macedo/André Macedo) – Armandinho e Trio elétrico Dodô e Osmar (1981)
  6. Ijexá (Edil pacheco) – Clara Nunes (1982)
  7. Filho de Gandhi Afoxé (Rey Zulu/ Jaguaracy Esserre) – Banda Tomalira (1988)
  8. Grande Gandhi (Luiz Caldas/Paulinho Camafeu) – Luiz Caldas (1989)
  9. Na Luz do Gandhi (Carlinhos Brown/Alain Tavares) – Os Tropicais (1989)
  10. Olha o Gandhi aí (Tonho Matéria/Jô Vieira) – Danniela Mercury (2006)

Fontes:

“Filhos de Gandhi – A história de um afoxé”, sem editora: Salvador 1987. Anísio Félix

HISTÓRIA DO AFOXÉ FILHOS DE GANDHY J. Adeilson Repertório, Salvador, nº 19, p.215-220, 2012.2

http://alemdoqsev.blogspot.com/2011/01/historia-do-afoxe-filhos-de-gandhy_06.html

Carnaval Ijexá. . Antonio Risério. Corrupio, 1981 – Bahia

domingo 02 fevereiro 2014 16:31 , em Carnaval

103 Músicas do Carnaval da Bahia de Todos os tempos

Toda lista é polêmica. Toda lista contém injustiças e imperfeições. Toda lista contém a marca e o olhar de quem a elabora. Mas não resisti. Estava fazendo uma retrospectiva musical do carnaval da Bahia e caí na tentação (segundo Oscar Wilde, a única maneira de acabar com a tentação é cedendo a ela) de fazer uma lista das músicas baianas de carnaval.

A lista pode ser coné composta por músicas de trio elétrico. Músicas para se tocar na rua, em cima de um caminhão, com tudo acontecendo, no Campo Grande, no Farol da Barra, na Praça Castro Alves, em Ondina, na Avenida Sete, na subida do Cristo, na Casa D’Itália. Roteiros misturados de uma festa de rua.

Seria pretensioso dizer que é uma lista das mais relevantes músicas de carnaval de todos os tempos. O certo é que o recorte histórico parte de 1950, quando o bloco pernambucano Vassourinhas passou pelas ruas de Salvador e inspirou a dupla Dodô e Osmar a tocar tais frevos nas ruas com seus “paus elétricos”, no carnaval de 1951. E quando o “Passo-Double” de Dodô e Osmar, dos anos 50, transformou-se em “Pombo Correio” na voz de Moraes Moreira.

Temos frevos oriundos da dupla Dôdo & Osmar, passando por canções de Caetano Veloso, Moraes Moreira (o primeiro cantor de trio), Armandinho, retratando as diversas fases da chamada “Axé-Músic” em todas as suas variantes: samba-reggae, fricote, deboche, merengue, lambada, samba, até as mais recentes manifestações musicais do carnaval, o novo pagode baiano, as canções “arrochadas” e a inclassificável Baiana System.

Obviamente, a maior parte das canções se concentram nas duas últimas décadas do Século XX e a primeira década do Século XXI e não é por acaso: foi nos anos 80 e, sobretudo, nos anos 90 do Século passado, que a música baiana adquiriu um protagonismo nacional em matéria de música. Claro, a Bahia sempre foi protagonista em termos de música. Caymmi, Assis Valente, João Gilberto, Gil, Caetano, Gal, Bethânia, Novos Baianos, Moraes Moreira. Mas aqui estamos falando de um tipo de protagonismo diferente. Em que há um estilo musical escancaradamente alegre, para dançar. Os trios elétricos se espalharam pelo Brasil em centenas de micaretas, e a festa de rua se espalhou

Então, na busca de um critério (que nunca é objetivo), fui buscar não só os maiores sucessos de cada época, mas também aquelas músicas que permaneceram na memória afetiva de tanta gente. Conversando com pessoas, algumas delas colocavam como indispenáveis músicas que eu certamente deixaria de fora da lista. Mas a lista de 100 virou 103. Achei injusto excluir algumas musicas na lista. embora algumas outras certamente poderiam estar aqui.

Vai se buscar uma ordem (aproximadamente) cronológica. Cada música mereceria um comentário à parte, mas para não deixar a postagem muito longa, segue a lista com nome da canção, ano (que pode ser o de lançamanto ou quando tocou no carnaval), seus compositores, intérpretes, e um trecho da canção.

Elaborei uma playlist com as canções. Infelizmente, nas plataformas de streaming, duas delas não foram encontradas. E algumas outras não estão disponíveis nas versões originais. mas vale escutar

  1. Pombo Correio  (1952/1975) – Música de Dodô e Osmar em 1952. Letra de Moraes em 1975 Dodô, Osmar e Moraes Moreira – Moraes Moreira  “Pombo Correio, Voa depressa, e esta carta leva para o meu amor
  2. Atrás do Trio Eletrico (1969) Caetano Veloso – Caetano Veloso “Atrás do Trio Elétrico só não vai quem já morreu
  3. Frevo Novo (1973) Caetano Veloso – Caetano Veloso “A Praça Castro Alves é do povo, como o céu é do avião” 
  4. A Filha da Chiquita Bacana  (1977) Caetano Veloso – Caetano Veloso “Eu sou a filha da Chiquita Bacana, nunca entro em cana porque sou família demais”  
  5. Chão Da Praça (1979) Moraes Moreira/Fausto Nilo – Moraes Moreira, Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar  “Olhos negros, cruéis, tentadores, das multidões sem cantor
  6. Bloco do Prazer (1979) Moraes Moreira/Fausto Nilo – Moraes Moreira, Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar  “Vem meu amor feito louca que a vida está pouca e eu quero muito mais
  7. Eu sou o Carnaval  (1979) Moraes Moreira/Anônio Risério – Moraes Moreira, Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar  “Eu sou o carnaval em cada esquina do seu coração” 
  8.  Assim Pintou Mocambique  (1979) Moraes Moreira/Anônio Risério  – Moraes Moreira   “Assim pintou Moçambique, nesse tique nesse taque, nesse toque, nesse pique
  9. Vassourinha Elétrica (1980) Moraes Moreira – Moraes Moreira, Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar    “Varre Varre Varre Vassourinhas, varreu um dia as ruas da Bahia
  10. Vida Boa (1983) Armandinho/Fausto Nilo – Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar -“Tá na luz que passa pelo ar, passa também pelo seu olhar
  11. Cometa Mambembe  (1983) Carlos Pitta/Edmundo Caruso – Carlos Moura  “Quando a estrela brilhar na cabeleira e o galope acordar na beira-mar” 
  12. O Beijo (1983) Luiz Caldas/João Batera – Luiz Caldas e Acordes Verdes “Acordes Verdes Leva o povo atrás do trio Essa dança lance lança E o beijo há mais de mil”  
  13. Chame Gente (1985) Armandinho/Moraes Moreira – Moraes Moreira, Caetano Veloso, André Macedo  “É um verdadeiro enxame chame chame gente E a gente se completa Enchendo de alegría  A praça e o poeta
  14. Magia  (1985) Luiz Caldas – Luiz Caldas  “Magia, Mente de marfim, pele de cetim
  15. Fricote  (1985) Luiz Caldas  Luiz Caldas   “Pega ela aí, pra que? Pra passar batom, Que cor?
  16.  É D’Oxum (1985) Gerônimo/Vevé Calasans – Gerônimo  “Nessa cidade todo mundo é D’Oxum”  
  17. Macuxi Muita Onda (1985) Gerônimo – Gerônimo “Eu sou negão, Eu sou negão, meu coração é a liberdade” 
  18. Tiete do Chiclete (1985) Missinho – Chiclete com Banana  “Maluquete, de quem você é tiete? Eu sou, sou tiete do Chiclete
  19. Sabor de Pecado (1986) Hercules Amorim – Banda Papaléguas (Zé Honório)  “Me dá um beijo lambuzado, amor, assim, com gosto de pecado” 
  20. Merengue do Flerte (1986) Carlos Neto – Carlos Neto  “Foi só te ver, e o dia Clareou ioiô”  
  21. Tema do Cheiro de Amor (1986) Heládio/Jorge Nunes Banda – Cheiro de Amor “Sim, é um jardim mui delirante, com mil e um lances de brilho e de cor” 
  22. Frenesi (1986) Ricardo Chaves/Ademar Ricardo – Chaves, Ademar e Banda Furta-Cor   “Frenesi balançando a massa, haja folia no trio”  
  23. Crença e Fé (1991) – Beto Jamaica/Ademario – Banda Mel – “Vou dar a volta no mundo eu vou, vou ver o mundo girar
  24. Madagascar Olodum (1987) Rey Zulu  Banda Reflexu’s “Madagascar, ilha, ilha do amor” 
  25.   Gritos de Guerra (1986) Bell Marques/Vadinho Chiclete com Banana  “A esperança é uma flecha de fogo/Que faz arder no meu coração/Eu canto e grito de novo/Paz nesse mundo e união”  
  26.  A Roda (1987) Sarajane / Robson de Jesus / Alfredo Moura Sarajane “Vamos abrir a roda, Enlarguecer, Tá ficando apertadinha, por favor, Abre a rodinha, por favor
  27.  Faraó: Divindade do Egito (1987) Luciano Gomes – Olodum; Banda Mel  “Eu falei Faraó ó ó… ê faraó
  28. Haja amor (1987) Luiz Caldas/Chocolate da Bahia – Luiz Caldas “Eu queria ser uma abelha pra pousar na tua flor”    
  29. Eva (1988) Umberto Tozzi e Giancarlo Bigazzi. Versão – Marcos Fiorelli – Ricardo Chaves;  Banda Eva “Meu amor, olha só hoje o sol não apareceu” 
  30. Protesto Olodum (1988) Tatau – Olodum; Banda Mel  “Força e pudor, liberdade ao povo do Pelô, Mãe que é mãe no parto sente dor, e lá vou eu…
  31. Olodum, a Banda do Pelô (1988) Jaguaracy/Esseerre – Olodum; Banda Mel  “A banda do Pelô, arrasou no carnaval
  32. Dois neguinhos (1988) Celso Bahia/Carlão – Celso Bahia “Tem, tem, tem, tem dois neguinhos” 
  33. Beijo na Boca (1989) George Dias/João Guimaraes – Banda Beijo (Netinho) “Foi sem querer que eu beijei a sua boca, menina tão louca, eu quero te beijar
  34. Pot-Pourri Gererê/Cesta de Ovos/Tou melado (1989) Valfredo Reluzente/Adal – Gera Samba; É o Tchan “Uma cesta de ovos, 700 galinhas” 
  35. Céu da Boca  (1989) Ronaldo Marcell – Frutos Tropicais; Ivete Sangalo  “Eu vou enfiar uva no céu da sua boca, e aí, chupa toda” 
  36. A força do Ilê (1989) Paulinho Laranjeira – Ilê Ayê “Que brilho é esse, negro, me diz que é o da paz” 
  37. Eu vou no Eva (1989) Ricardo Chaves/Durval Lelys – Ricardo Chaves “Foi difícil te encontrar, morena, nas ruas de Salvadro, fissura” 
  38. Dá Licença  (1989) Buk Jones – Gente Brasileira “Bate pandeiro, cala tristeza, abre um sorriso, plante uma canção” 
  39. Pra Acabar com a solidão (1989) Carlos Neto – Cheiro de Amor  “Essa é pra acabar com a solidão, pra tocar no rádio do seu coração” 
  40. Prefixo de Verão  (1990) Beto Silva – Banda Mel “Quando você chegar, numa nova estação, te espero no verão” 
  41. Baianidade Nagô (1991) Evandro Rodrigues – Banda Mel  “Eu vou Atrás do trio elétrico vou, Dançar ao negro toque do agogô, Curtindo a minha baianidade nagô
  42. We are The world of Carnaval (1991) Nizan Guanaes – Vários artistas  “Ah, que bom você chegou, bem-vindo a Salvador, Coração do Brasil” 
  43. Swing da Cor  (1991) Luciano Gomes  – Daniela Mercury  “Não não me abandone, não me desespere, porque eu não posso ficar sem você
  44. Jeito Faceiro (1991) Jau/Pierre Onassis – Olodum “O mar, um abrigo que lá está, no ser a felicidade
  45. Me sinto só (1991) Valdir Carvalho – Banda Papaléguas  “Só me sinto só, estou sentindo a falta do teu calor” 
  46. Canto ao pescador (1991) Jau/Pierre Onassis – Cheiro de Amor; Olodum – “Jogou sua rede, ó pescador” 
  47. Doce Obsessão (1992) Cabral/Carlinhos Dias – Cheiro de Amor  “Eu quero te beijar, Te abraçar, Preciso desse amor
  48. Nossa Gente (Avisa lá)  (1992) Roque Carvalho – Olodum “Avisa lá que eu vou chegar mais tarde” 
  49. O canto da cidade (1992) Tote Gira/Daniela Mercury – Daniela Mercury  “A cor dessa cidade sou eu, o canto dessa cidade é meu
  50. Estrela Primeira (1992) Jau/Pierre Onassis – Banda Beijo (Netinho) “To na varanda, amor, me pega nos braços me leva pra cama que eu vou” 
  51. Vem meu amor (1992)  Silvio/Guio – Olodum   “Vem, meu amor, me tirar da solidão
  52. O Bicho (1993) Ricardo Chaves – Ricardo Chaves “É o bicho é o bicho Vou te devorar Crocodilo eu sou”  
  53. Rosa (1993) Pierre Onassis – Olodum “Ah se não me desse seu calor, o que seria de mim” 
  54. Menina me dá seu amor (1994) Bell Marques/Vadinho – Chiclete com Banana  “Daqui do alto eu te vejo, eu te vejo” 
  55. Requebra (1994) Pierre Onassis/Nego – Olodum “Requebra sim, pode falar, pode rir de mim” 
  56. Dia dos Namorados  (1994) Durval Lelys/Tonho Matéria – Asa de Águia  “”Todo dia no mar do Farol, vejo você num banho de sol
  57. Araketu bom demais (1994) Dinha – Araketu “Não dá pra esconder, o que sinto por você Ara” 
  58. Foi por esse amor 1995 Bell Marques Chiclete com Banana  “Foi por esse amor, Teu corpo é tudo que brilha, é a única ilha no oceano do meu desejo
  59. Se você se for (1995) Armandinho/Edney/Zinho – Timbalada  “Não vá, não me deixe nessa solidão”   
  60. Tiete Vips chegou (1995) Cid Guerreiro – Tiete Vips “Tiete vips chegou, êa êa ô” 
  61. Desejo de Amar (1995) Alex André Lelis “Na primeira vez que eu te vi”  
  62. Margarida Perfumada (1996) Carlinhos Brown/Cícero Menezes Timbalada  “Encontrei Margarida perfumada, como dava risada
  63. É o Tchan  (1996) Cicinho Dantas/Bieco – É o Tchan “Segure o Tchan, amarre o tchan, segure o tchan, tchan tchan tchan tchan tchan
  64. Mimar Você (1996) Alain Tavares/Gilson Babilônia – Timbalada  “Eu te quero só pra mim, você mora em meu coração
  65. Milla (1994-1996) Manno Goes – Jheremmias/Netinho “Ô Milla, mil e uma noites de amor com você” 
  66. Beleza Rara (1997) Ed Grandão/Nego John – Banda Eva (Ivete Sangalo) “Hoje sou feliz e canto, só por causa de você” 
  67. Rapunzel (1997) Carlinhos Brown/Alain Tavares – Daniela Mercury  “Love as suas transas de mel, Rá-Punzel, Rá-punzel” 
  68. Água Mineral  (1997) Carlinhos Brown – Timbalada  “Bebeu água? Tá com sede? Olha Olha Olha a água mineral
  69. Minha História (1997) Xexéu/Luizinhoi SP – Timbalada  “A minha história de amor começou, era carnaval, era Salvador” 
  70. Maria Joaquina (1997) Osmarinho e Jorge Moreno – Pimenta N’Ativa “Maria Joaquina de Amaral Pereira Góes, você ‘contriboe’ para o meu viver
  71. Pipoca (1998) Alain Tavares/Gilberto Timbaleiro – Araketu ”O Araketu o Araketu quando toca, deixa todo mundo pulando que nem pipoca
  72. Liberar Geral (1998) Edybinho/Reinaldo Nascimento – Terra Samba “Nada Mal, curtir o terra Samba não é nada mal” 
  73. Dança do Vampiro (1999) Durval Lelys – Asa de Águia  “Levante a mão, entre no clima, batendo palma, na levada do axé” 
  74. Trio Metal (1999) Daniela Mercury/Alfredo Moura/Marcelo Porciúncula/Renan Ribeiro – Daniela Mercury  “Quero ver ô, som do trio elétrico de Osmar e de Dodô
  75. Desafio (2000) Duller/Tonho Copque/Fabio Alcântara/Xanddy – Harmonia do Samba “Se você aceitar o desafio, eu vou cantar um samba pra você dançar
  76. Cabelo Raspadinho (2000) Edu CasaNova/Tenison Delrey – Chiclete com Banana  “Cabelo raspadinho, estilo Ronaldinho, cabelo pintado ou V.O.” 
  77. Bomba (2001) Fabio Zambrana Marchetti. Versão Jorge Zarath – Bragaboys “O movimento é sensual (sensual)
  78. Xibom Bombom (2001) W. Rangel / Rogério Gaspar  – As Meninas “Bom xibom xi bom bom bom”   
  79. Bate lata (2001) Gal Sales/Ivan Brasil/Fábio Nolasco) – Banda Beijo (Gilmelândia) ” Quer aprender, pegue uma latinha e bate uma na outra
  80. Diga que Valeu (2002) Fredson – Chiclete com Banana  “Então diga que valeu, o nosso amor valeu demais” 
  81. Festa (2002) Anderson Cunha – Ivete Sangalo  “E vai rolar a festa, vai rolar, o povo do Gueto mandou avisar
  82. Sorte Grande (2003) Lourenço – Ivete Sangalo  “Poeira, poeira, poeira, Levantou poeira
  83. Voa Voa (2003) Beto Garrido/ Alexandre Peixe – Chiclete com Banana  “Voa Voa Vem direto pros meus braços Quero ter os seus amassos Vem voando pra me ver
  84. Praieiro (2003) Manno Goes – Jammil e uma Noites “”Sou praieiro, Sou guerreiro, To solteiro, Quero mais o quê?
  85. Dandalunda (2003) Carlinhos Brown – Margareth Menezes “Dandalunda, maimbanda, coquê
  86. Maimbê Dandá (2004)  Carlinhos Brown/Mateus – Daniela Mercury  “Vou cantar Maimbê, Pra você se acabar, Maimbê, Maimbê, Dandá”  
  87. 100% você (2005) Beto Garrido/Alexandre Peixe – Chiclete com Banana  “Não dá  pra ficar sem te ver, sou 100% você
  88. Café com Pão (2006) Jau – Afrodisíaco (Jau/Pierre Onassis)  “Vixe mainha, ó neguinha tudo é tão bom”  
  89. Quebra aê (2007) Durval Lelys Asa de Águia  “Quebra aê, Quebra aê olha o Asa aê
  90. Cidade Elétrica (2008) Manno Goes/Jorge Zarath – Claudia Leitte/Daniela Mercury “Cidade elétrica, Nova, antiga Ginga, toca, liga, liga, liga
  91. Cadê Dalila (2009) Carlinhos Brown/Alain Tavares – Ivete Sangalo  “Vai buscar Dalila, ligeiro
  92. Rebolation (2010) Leo Santana e Nenel – Parangolé (Leo Santana) “Rebolation é bom
  93. Liga da Justiça (2011) J.Teles – Leva Noiz “Foge, Foge Mulher Maravilha, Foge, foge com Superman
  94. Parará (2011) Diego Nascimento/Tomate – Tomate “Parará Pará papá
  95. Inventando Moda (2012) Magary Lord, Fábio Alcântara e Kalinde Mayara – Magary Lord  “Colar de negão, luva na mão do jeito Michael Jackson Estranho, hein
  96. Circulou 2012 Magary Lord/ Fábio Alcântara/Leonardo Reis) – Banda Eva (Saulo Fernandes) “Circulou Circulou Circulou É Tão Maravilhoso O Nosso Amor
  97. Raiz de todo bem (2013) Saulo Fernandes – Saulo Fernandes “Salvador, Bahia, território africano Baiano sou eu, é você, somos nós uma voz, um tambor
  98. Lepo Lepo (2013)  Filipe Escandurras/Magno Santana – Psirico (Márcio Vitor)  “Eu não tenho carro, não tenho teto” 
  99. Largadinho (2013) Duller/Fabinho Alcantara/ Samir – Claudia Leitte “Se você quiser pode dançar Largadinho, Largadinho, Largadinho
  100. Forasteiro (2016) Roberto Barreto/Mahal Pita – BaianaSystem  – instrumental 
  101. Santinha (2017) Léo Santana e Rafinha Queiróz Leo Santana  “A santinha perdeu o juízo tomou uma e já ficou louca
  102. Várias Queixas (2012/2020)  Narcizinho Santos/Afro Jhow/Germano Meneghel – Olodum;Gilsons “Várias queixas de você, por que fez isso comigo” 
  103. Zona de Perigo (2023) Adriel Max/Fella Brown/Lukinhas Pierrot Junior / Rafa Chagas / Yvees Santana Leo Santana  “É sensacional o jeito que ela faz comigo, É fora do normal, eu tô na zona de perigo

Que seja uma lista sempre em construção…

Moraes Moreira no Museu de Arte da Bahia

O dia 8 de novembro de 2023 é o último dia em que está em exposição, no Museu de Arte da Bahia, a mostra Mancha de Dendê Não Sai – Moraes Moreira, que apresenta a trajetória musical de Moraes Moreira, um dos mais relevantes artistas baianos e brasileiros.

A trajetória de Moraes é contada desde sua história em Ituaçu, quando se interessava pela sanfona; a vinda para Salvador, quando foi apresentado a um de seus maiores parceiros musicais (Galvão), que foi a gênese dos Novos Baianos.

Narra a influência de João Gilberto para a sonorização do grupo, quando ele e Pepeu Gomes “roubavam” acordes de João quando ele ia tocar violão com os Novos Baianos.

Conta sua trajetória como primeiro cantor do Trio Elétrico, e sua parceria com Armandinho, Dodô e Osmar.

Trata de suas inúmeras parcerias musicais, de Fausto Nilo a Marisa Monte; Paulo leminski a Antonio Risério; Pepeu Gomes, Armandinho, Galvão, seu filho Davi.

A exposição começa contando a história de Moraes Moreira, com os textos pulverizados em plaquinhas de madeira trançadas, que conta sua trajetória pessoal e musical. A cenografia é de Renata Mota, a direção-geral é de Fernanda Bezerra.

Um dos destaques é sua releância e importância para o carnaval da Bahia. Nos anos 70 e prineira metade dos anos 80, Moraes Moreira era o verdadeiro rei do Carnaval da Bahia, e seus frevos trieletrizados, ijejás, sua mistura de ritmos foi fundamental para a grandeza da festa carnavalesca.

A mostra ainda contempla depoimentos de muitos parceiros de Moraes, contando histórias sobre experiências e composições, tem imagens de Moraes em cima do trio elétrico, tem áudios com suas poesias e literatura de cordel, e uma imagem marcante de seu violão cercado de microfones em volta.

É uma mostra que homenageia Moraes para quem o admira, e também interessanete para quem ainda não o conhecia. Importante legado de um dos artistas mais completos do Brasil.

30 anos da Guerra dos Carnavais

Em 24 de fevereiro de 1993, A Revista Veja publicava uma reportagem de capa intitulada “A Bahia Ganhou”, quando, capitaneada pelo sucesso de Daniela Mercury, o carnaval da Bahia “ousou” desafiar a hegemonia do carnaval carioca no gosto popular. 

Na época, o então prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, numa infeliz declaração, afirmara, quatro dias antes do Carnaval, que o turista que fosse para a Bahia teria “100% de chance de ser assaltado e uma grande possibilidade de ser violentado”. Em resposta, a então prefeita de Salvador, Lídice da Mata, provocou ao afirmar que o Carnaval baiano “não é para inglês ver”, e que o baiano tinha 100% de chance de ser feliz. 

Na época, discutia-se dois modelos de carnaval: o espetáculo promovido pelas escolas de samba, mais bonitos de ser ver pela televisão, e a festa hedonista do Carnaval da Bahia, em que cada folião é parte integrante da festa, na qual se prioriza o carnaval de rua, então monopolizado pelo trio elétrico, e os blocos de carnaval.  

A reportagem da Veja ironizava a postura dos cariocas “irados com a audácia nordestina de roubar da Cidade Maravilhosa o título da dona do maior espetáculo da terra”. 

A reportagem mencionava também a relativa independ|ência da música baiana em relação à indústria fonográfica nacional, e já fazia referência à Timbalada e ao Olodum. 

Naquele momento, a Bahia mais uma vez se reafirmava como pólo independente do carnaval. Centenas de blocos com suas então mortalhas aplaudia suas principais estrelas (Olodum, Daniela Mercury, Chiclete com Banana, Asa de Águia, Cheiro de Amor, Banda Mel, Banda Beijo), e o orgulho do Carnaval da Bahia atingia os Píncaros.  Na época, se destacava que a Bahia não seguia as regras tradicionais da indústria fonográfica, pois o que fazia sucesso eram as músicas locais e os artistas locais.

Na reportagem, pode se destacar o trecho: “É certo que todos os Estados Brasileiros, assim como todas as tribos e nações do mundo, se consideram especiais, de um modo geral. Só que os baianos se consideram especiais mesmo e ponto final

Isto foi quase uma resposta a uma reportagem do Jornal O Globo, ouvindo apenas representantes do Rio de Janeiro, que considerava um acinte, uma ofensa, a discussão sobre o título de melhor carnaval do mundo.

Por trás da guerra de carnavais, tinha a guerra da TV ( A Manchete iria transmitir o carnaval da Bahia para todo o Brasil, sendo seguida anos depois pela BAND), das cervejarias (Daniela Mercury era garota propaganda da Cerveja Antarctica) e de patrocinadores.

Tudo isso se refletia num pano de fundo musical: o carnaval carioca é, inegavelmente, o carnaval do samba.

O carnaval de Recife-Olinda é o carnaval do Frevo.

Na Bahia, o samba esteve sempre presente. Também o frevo, só que o frevo “trieletrizado”, a partir da criação do Trio elétrico de Dodô & Osmar, seguido de Moraes Moreira, Caetano Veloso, Novos Baianos, Baby, pepeu e etc.

Ocorre que o protagonismo dos tambores dos blocos afro de Salvador colocou um novo tempero à mistura, daquilo que depois se convencionou chamar de Axé Music, ou samba-reggae, mas que antes também era chamada de fricote, deboche, ou genericamente “música baiana”.

Assim, com o samba, o trio e os tambores, a Bahia assumia um ritmo pra chamar de seu, o como intitula do documentário “Axé: canto do povo de um lugar”, de Chico Kertesz. O Axé passou a ser o ritmo da Bahia, o canto dos baianos. Embora o samba – que tem origens na Bahia- e o Frevo – que está nas origens do trio elétrico – se mantivessem presentes, o novo ritmo passava a contagiar e tomar conta do Brasil.

Este movimento marcou uma mudança de patamar do carnaval baiano, e se contrapôs como um modelo viável de carnaval diferente do carnaval do Rio.

Curiosamente, em 1994, a Mangueira fez um desfile de carnaval homenageando os Doces Bárbaros (Caetano, Gal, Gil e Bethânia). No entanto, ficou num modesto 11o lugar.

30 anos depois, pode-se dizer que o modelo baiano se espalhou. Ao mesmo tempo em que se fala de crise do carnaval da Bahia. Curioso é que o carnaval de rua no Rio de Janeiro ganha cada vez mais força, enquanto na Bahia os blocos perdem força para os camarotes. Um caminho inverso que parece não ter feito bem ao carnaval daqui, e que se recupera com a retomada de blocos menores, em que há espaço para a criatividade e o improviso.  

Nossos ídolos ainda são os mesmos, como dizia Belchior, havendo pouca renovação no chamado Axé Music de 30 anos para cá. A alegria, sim continua a mesma.  

Deus, o Diabo, o carnaval e a censura

Em 1973, a censura fazia parta do cotidiano dos artistas brasileiros. Depois do AI-5, decretado em 13 de dezembro de 1968, institucionalizou a censura, vetando, mutilando e reprimindo qualquer manifestação que pudesse ser interpretada como sendo nociva ao Regime.

Mas se engana quem pensa que a censura se limitava a questões político-partidárias. Havia censura por questões morais, por questçoes de “bom gosto” ou até mesmo por ignorância, pura e simples.

Uma das canções que pode ilustrar como a atuação da censura no Brasil, para além do alinhamento com a ditadura militar, beirava o moralismo ou mesmo a paranoia é a marcha carnavalesca, “Deus e o Diabo”, de Caetano Veloso, composta em 1973, mas somente gravada em 1977.

A música é uma ode ao carnaval. Uma marcha simples, que alude ao carnaval como antítese do medo e do pavor, e que se manifesta nas ruas do Rio e da Bahia.

Você, tenha ou não tenha medo

Nego, nega, o carnaval chegou

Mais cedo ou mais tarde acabo

De cabo a rabo com essa transação de pavor

O carnaval é invenção do diabo

Que Deus abençoou

Deus e o diabo no Rio de Janeiro

Cidade de São Salvador

Não se grile

A rua Chile sempre chega pra quem quer

Qual é! qual é! qual é!

Qual é! qual é!…

Quem pode, pode

Quem não pode vira bode

Foge pra Praça da Sé

Cidades maravilhosas

Cheias de encantos mil

Cidades maravilhosas

Os pulmões [bofes] do meu Brasil

No entanto, a música incomodou a censura No livro “Mordaça: Histórias de Música e censura em tempos autoritários” (João Pimentel e Zé McGill. Sobnora, 2021), narra-se um pouco do episódio:

Voltando ao tempo das vacas gordas da censura, em 1973, a marchinha “Deus e o Diabo” foi outra composição de Caetano a gerar atrito com os censores, que muitas vezes se colocavam na condição de educadores, tutores da sociedade – como se esta fosse uma criança indefesa que precisa ser protegida da realidade. A música foi vedada e, no verso do documento oficial com o parecer do censor, há a seguinte justificativa:

  1. Conteúdo desrespeitoso à imagem da pátria (por conta do verso ´Dos bofes do meu Brasil`);
  2. Figura semântica insurrecional (´A Rua Chile sempre chega pra quem quer`);
  3. Possível distorção da pronúncia em ´Quem pode, pode.”

Além da justificativa, estão marcados com um X os versos “Dos bofes do meu Brasil”, “A rua Chile sempre chega pra quem quer” e “O carnaval é a invenção do Diabo que Deus abençoou”.

Neste último caso, não é difícil supor que o verso tenha se tornado antipático aos censores por motivos de religião. Já no verso da rua Chile, a suposta “figura semântica insurrecional” estaria ligada ao fato de que a ditadura de Pinochet havia se instalado no Chile no mesmo ano de 73. Por tanto, o censor julgava que aquela seria uma metáfora em alusão à insurreição contra a ditadura chilena. Quanto à “possível distorção da pronúncia” em Quem pode, pode”, podemos presumir que havia um receio de que, na gravação, Caetano contasse o verso no passado, mudando a conjugação do verbo de “pôde”, ou, quem sabe, trocando a letra p pela letra f…

Nota-se, também os grifos aos versos “mais cedo ou mais tarde acabo com essa transação de pavor”, o que pode ser uma alusão ao fim da ditadura militar.

Manchete de O Globo, 21/12/73

Voltando ao Livro de João Pimentel e ZÉ McGill:

Conversando sobre a censura a “Deus e o Diabo”, Caetano se lembra do contratempo com a palavra “bofes”, mas não com os outros versos: “Eles falaram que não poderia ficar o verso Os bofes do meu Brasil; e eu disse:Mas bofe quer dizer pulmão. Eu estou dizendo que são os pulmões do Brasil.Eles achavam que “bofe” era uma palavra chula. As atrizes de teatro rebolado chamavam os homens, os caras que elas pegavam, de bofes e as bichas adotaram essa gíria das vedetes. Eu botei Os bofes do meu Brasil’ na letra, que tem um ar de conversa de bicha, mas, ao mesmo tempo, era porque eu estava dizendo: Rio de Janeiro/Cidade de São Salvador/ os pulmões do meu Brasil. Então, eu falei: Se vocês estão grilados com a palavrabofes, eu boto pulmões’ mesmo... E tem uma vantagem: do ponto de vista da prosódia, pulmões’ fica até melhor, porquebofestem um defeito de prosódia. Sobre os outros versos nunca me disseram nada. Pode ser que eles tivessem essas questões lá entre eles, mas nunca chegarem até mim. Só chegou o bofe. Eu mudei pra pulmões’ e a música foi liberada. Agora, ´O carnaval é invenção do Diabo que Deus abençoou` é uma coisa subversiva para o lado católico que eles tinham, mas não me pediram pra mudar isso, não.”    

Ainda assim, segundo reportagem do Globo, de 30/12/73, ainda assim a expressão “pulmões” foi desaconselhada, porque eventualmente ela poderia ser substituída pelo populares por algum terno chulo… O censor certamente desconhece Salvador e a Rua Chile, umas das ruas famosas do circuito do carnaval baiano, sobretudo nos anos 70. O censor, todavia, pensava referir-se à situação política do Chile, quando o General Pinochet instituiu uma ditadura após a deposição de Salvador Allende, em detembro de 1973.

Mas a música acabou liberada com a substituição de “bofes” por “pulmões”, e foi gravada no álbum “Muitos carnavais”, em 1977

Revista Amiga 15/01/1974

Meu coração é a liberdade… Gerônimo e a canção “Eu sou Negão” (Macuxi Muita Onda)

O verão de 1984/85 mudou a história da música brasileira. Foi quando surgiu aquilo que se chamava, na época, de fricote, de deboche, de ti-ti-ti, e que na década seguinte passou a se chamar de axé. 

Mas a consolidação veio em 1986. A Banda Mel soltava seu “Faraó”, e quase que por acaso, Gerônimo acabou fazendo ecoar um grito, que desde a década de 70 o Ilê Aiyê já soltava como bloco afro no carnaval da Bahia: “Eu sou negão”. 

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A música surgiu de um improviso de Gerônimo, na barraca de Juvená em Itapuã, para os congressistas da convenção de uma gravadora que acontecia em Salvador. Na hora da apresentação, Gerônimo improvisou e criou uma cena-dialógo entre o cantor de trio elétrico e o cantor de um bloco afro no Carnaval da Bahia, que faz referência à presença dos negros na Bahia. Sobretudo no carnaval da Bahia, e vem a sua picardia….

O eu-lírico é um cantor de bloco afro em cima de um carro de som… O Ilê Aiyê é uma evidente inspiração.

E o recado é bem dado na parte conversada da canção: 

“E aí chegaram os negros com toda sua beleza, com toda sua cultura, com sua tradição, com toda sua religião, tentada, motivada a ser mutilada pelos heróis brancos da história, e estamos aqui, eles sobreviveram”.

E a partir daí há o conflito sugerido entre as duas grandes forças do carnaval da Bahia: os blocos afro e o trio elétrico (vale lembrar que na década de 80 havia uma queixa dos blocos afro que diziam ter os piores horários para desfilar se comparados com os blocos de trio, questão que remonta ao século XIX…). 

Aparece na música o trio elétrico, com sua música que invade e ocupa todo o espaço… e aí vem o diálogo, em que há o contraste do discurso meio óbvio do cantor do trio e a resposta de afirmação do cantor do bloco afro… e vem daquelas frases típicas… “é nenhuma, rapaz, aqui é boca de zero-nove!” 

“No bum bum bum do seu tambor, e o negão vai cantando assim, pega a Rua Chile desce a ladeira, tá na praça Castro Alves, fazendo seu deboche, transando o corpo, e o negão assume o microfone e na beirada da multidão em cima do caminhão ele fala:

“- Alô rapaziada do bloco esse é o nosso bloco afro vamos curtir agora o nosso som, a nossa levada que é a nossa cultura e segura comigo, eu sou negão, eu sou negão meu coração é a Liberdade/ sou do Curuzu, Ilê, igualdade nagô essa é a minha verdade”.

E de repente aparece ao longe um carro todo iluminado é um trio elétrico.

“-Que é isso meu irmão? Venha devagar, calma, segura essa ai”.

E o cara do trio lá de cima olha:

“-Legal massa, pessoal do bloco afro é uma beleza estar aqui com vocês, vamos levar o som”

E o negão lá de baixo falando. “-Qual é meu irmão, é nenhuma rapaz, aqui é boca de zero nove, é o suíngue da gente, vá, pegue seu caminhão e siga seu caminho que a gente vai seguindo o nosso, e na levada, eu sou negão, meu coração é a Liberdade, eu sou negão, eu sou negão”

A baianidade da música é manifesta e evidente. E o refrão: “Eu sou negão, meu coração, é a liberdade”, de uma simplicidade e de uma beleza, cantado pelo branco, preto e mulato Gerônimo, viria a ser um eco de assunção da Bahia como negra. “Igualdade na cor – essa é a nossa verdade”…

O radialista Baby Santiago, diretor artístico da rádio Itaparica FM, havia gravado o improviso de Gerônimo com pouco mais de 6 minutos de duração.Baby Santiago”executou com exclusividade essa fita na rádio, o que a fez passar, em questão de duas horas, do quinto para o segundo lugar na audiência local, criando uma situação inusitada, na qual os ouvintes ligavam e  manifestavam o desejo de ouvir a composição, enquanto os demais radialistas, surpresos, queriam obter cópia da gravação”.

E de repente a maioria dos baianos, sobretudo aqueles do Recôncavo, viram em si mesmo e na sua terra uma negritude que ultrapassa a cor da pela. A negritude da cultura que perpassa cada esquina da Bahia, na música, na culinária, na linguagem, no carnaval, e os blocos afro são o símbolo dessa manifestação.

A música foi o maior sucesso e virou tema de dissertações e teses. Em depoimento a Marcos Joel de Melo Santos, Gerônimo disse:

E eu quase preto e quase branco, eu senti essa discriminação, talvez com desprezo. Eu estava num momento em que eu não significava nada, para totalmente nada, eu não era nada. Eu não era nem um rádio ligado, eu tava tocando pra a parede, foi então que aí me veio a inspiração, num improviso, e aí eu gritei: – “Eu sou negão!”

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O refrão de Gerônimo mudou a forma de se compreender a expressão “negão”. De pejorativa a orgulhosa, passou a definoir a identidade do negro baiano. E não apenas do negro. 

E o resto é história… 

Fontes: 

http://www.overmundo.com.br/overblog/macuxi-muita-onda-eu-sou-negao

http://tempomusica.blogspot.com.br/2008/12/1980-1989.html

 http://livros01.livrosgratis.com.br/cp133192.pdf

quarta 26 novembro 2014 19:18 , em Musica Baiana

“Por duas polegadas a mais…” A marchinha em homenagem a Martha Rocha

No último dia 4 de julho o Brasil perdeu Martha Rocha, a primeira Miss Brasil, em 1954, e que se tornou fruto, na época, de uma grande polêmica no concurso de Miss Universo daquele ano.

Martha Rocha ficou em segundo lugar no concurso, e se atribuiu, na época, que o motivo da americana Miriam Stenvenson ter ganho o troféu seria o fato de que Martha ter duas polegadas a mais de quadril.

Reportagem de O Globo em julho de 1954

A versão se tornou mais divertida que os fatos, terminou por ser fruto de uma onda nacionalista que valorizava os quadris da mulher brasileira.  

Por duas polegadas”, Martha Rocha perde o Miss Universo ...

Quem inventou a história foi o jornalista João Martins, da revista O Cruzeiro, do Rio de Janeiro,[7] para consolar o orgulho brasileiro. Tudo foi combinado com os demais jornalistas brasileiros que estavam em Long beach, onde se realizava o concurso A própria Martha autorizou a versão, conforme consta em sua autobiografia (Martha Rocha, Uma Biografia em depoimento a Isa Pessoa, Objetiva, 1993). “Nos Estados Unidos, nunca ninguém me tirou as medidas”, disse ela.

Outra especulação é que haveria a necessidade de que uma americana ganhasse, pois o Miss Universo estaria perdendo audiência nos Estados Unidos. Mas nada ficou provado.

A polêmica fez bem a Martha. Ela passou a ser cultuada no Brasil, passou a ser capa de revista, virou receita de bolo e passou a fazer campanhas publicitárias.

E isso virou marchinha de carnaval. Isso inspirou canções em homenagem ao episódio.  A marchinha “Duas Polegadas”, de Pedro Caetano, Alcyr Pires Vermelho e Carlos Renato, exaltou a beleza da baiana e as controvertidas duas polegadas a mais de quadril.

Há 65 anos, falsa versão tentava explicar a derrota de Martha ...
Miriam Stevenson e Martha Rocha

A letra da música fazia referência ao violão: : “Por duas polegadas a mais, passaram a baiana pra trás/Por duas polegadas, e logo nos quadris/Tem dó, tem dó, seu juiz!”. Martha, Martha, não ligue mais pra isso, não/ Martha, Martha, ninguém tem o seu violão.

Fontes;

http://www.missnews.com.br/historia/ha-65-anos-falsa-versao-tentava-explicar-a-derrota-de-martha-rocha-no-miss-universo

https://brasil.elpais.com/cultura/2020-07-05/morre-martha-rocha-a-primeira-miss-brasil.html

https://jacarezinho.portaldacidade.com/noticias/cidade/o-dia-em-que-a-primeira-e-mais-conhecida-miss-brasil-visitou-jacarezinho-5934

Martha Rocha, uma Biografia. Depoimentoa Isa

https://pt.wikipedia.org/wiki/Martha_Rocha

Moraes Moreira e o Carnaval da Bahia

 

“Olhos negros cruéis, tentadores das multidões sem cantor”... Esse é um trecho de Chão da Praça, de Moraes Moreira, que ele cantou no seu último carnaval em Salvador, em 2020.

Engraçado que, para uma geração que chega aos 40, durante muito tempo o carnaval da Bahia estava órfão. Órfão de seu primeiro cantor, aquele que primeiro colocou sua voz no trio elétrico e tem uma série de canções voltadas para tocar nas ruas, em cima de um trio elétrico. Como diz Moraes em Cantor de trio:

 

Cenas de Carnaval: Moraes Moreira - Jornal CORREIO | Notícias e ...

“Eu sou um cantor do Brasil/que canta em cima do trio/jogando através do fio/uma energia pra massa”. (Cantor do Trio)

Moraes cantava, e uma multidão o seguia na pipoca. Para os baianos, Moraes Moreira é muito, muito mais do que o cantor/compositor que integrava os Novos Baianos, responsável por uma revolução musical na década de 70: Moraes Moreira é o rei do trio, que inspirou os cantores de trio que estão aí desde sempre, o cantor que tem uma série de canções maravilhosas que celebram a alegria, o prazer que é estar na rua pulando ao som de música de carnaval.

“Lá vem o trio/na contramão/um caminhão de alegria/ pelas ruas da Bahia/da Bahia de São Salvador”(Ligação, de Osmar e Moraes Moreira)

Moraes Moreira lança box "Anos 70" em alusão aos 40 anos de ...

 

Quando Moraes Moreira desfilava sua coleção de músicas de Carnaval, como Pessoal do Aló, Chame Gente, Ligação, Assim pintou Moçambique, Festa do Interior, o público que acompanhava o trio estava numa verdadeira catarse, pulando muito, cantando a todos os pulmões as músicas de carnaval compostas e que compunham os verdadeiros hinos do Carnaval nas décadas de 70 e 80, quando a voz de Moraes Moreira, aliado à inigualável guitarra baiana de Armandinho reinventaram o frevo pernambucano com um toque baiano, como bem dizia a famosa música Vassourinha Elétrica.

 

Moraes conta sua incursão no trio elétrico no seu livro “A história dos Novos Baianos e outros versos”

“Em 1975 resolvi botar meu bloco na rua

Iniciando a carreira solo, grande parte das novas composições tinham como tema o carnaval.

Logo no primeiro disco, tive a felicidade de contar com Armandinho, genial instrumentista que, já naquela altura, era a grande estrela do trio elétrico. Comecei no ato a frequentar a escola Dodô e Osmar, ou seja, a escola dos criadores do trio, porque não dizer, do carnaval da Bahia”.

 

SONHOS ELETRICOS - Moraes Moreira: Livro

O certo é que Moraes se reinventou muitas vezes. Formava uma parceria de composição com Galvão nos Novos Baianos, e teve inúmeras parcerias das mais variadas; de fausto Nilo a Marisa Monte; de Paulo Leminski a Antônio Cícero; de Evandro Mesquita a seu filho Davi.

Mas se Dodô e Osmar são os pais do trio elétrico, Moraes é o primogênito. Foi quem ensinou uma geração o que era ser cantor de trio. Contou isso no seu livro sonhos elétricos:

Modéstia à parte, eu cantei em cima do trio elétrico quando ninguém o fazia e criei um repertório de sucesso de músicas que continuam até hoje no coração e na alma do povo baiano e, por que não dizer, brasileiro. Então, realmente se criou uma escola de cantores a partir desse momento em que foi viabilizada a voz em cima do Trio Elétrico Dodô & Osmar. Praticamente fui adotado por eles”. 

 

Tudo o que se pode dizer, depois do último carnaval de Moraes Moreira, é fazer referência a uma música que ele compôs inspirada no fim do Carnaval, na Quarta-Feira de Cinzas, no encontro de Trios, na praça Castro Alves. Quando o carnaval termina, as pessoas cantavam. “Por que parou? Parou por que?”

Virou um grande sucesso no Carnaval de 1988.

E hoje, Moraes, seus fãs perguntam: “Por que parou? Parou por que?”

Vai deixar muitas saudades…

 

 

 

 

Aliás…. a história de Zanzibar….

Imaginar Calcutá, Zanzibar e Paracuru numa musica imagética, que remete a cores, a um azul que reluz no corpo “dela”, o objeto de desejo, que, por sua vez, usa um “tricolor colar”.

Esta é Zanzibar, que tem por subtítulo “As cores”, uma feliz parceria entre Fausto Nilo e Armandinho, na virada de 1979 para 1980, que remete a um jogo de palavras que termina remetendo sempre a um tom de azul, do céu, do mar, da estrela.

A canção fez um enorme sucesso, e foi narrada por Fausto Nilo e Armandinho, no terceiro volume do livro de Ruy Godinho,”Então foi assim?”

Narra Armandinho:

Eu fui às coisas da minha avó. Foi uma música que me remeteu a outros ares, outro tempo. E eu já tinha o compromisso de fazer uma parceria com o Fausto. Eu mandei a melodia e ele levou um tempo fazendo, até que concluiu. A gente já estava praticamente na boca. E eu disse: ‘Fausto, essa música já está praticamente gravada e eu preciso da letra pra gente sacramentar o negócio.’ E ele rebuscando rebuscando, rebuscando… Porque o Fausto faz uma alquimia, ele sabe captar o som em forma de letra, ele sabe extrair a letra da música. E a música tem todo um colorido, um céu azul, uma história tropical. O interessante é que quando ele me mostrou a letra eu não entendi nada.”

Não podemos tirar a razão do baiano diante da colagem de expressões de palavras soltas apresentadas pelo letrista.

Aí eu disse: ‘Fausto, eu gosto muito dos sons: Jezebel, Calcutá, Alah meu only you… Eu adoro isso, mas me explica um pouco o significado. Ele falou: ‘Rapaz, não tem uma explicação específica. Da forma que você entender é que é. Na verdade, eu viajei num trópico que tem o mesmo clima, o mesmo vento, o mesmo ar. Aí eu disse: ‘Realmente, essa música eu fiz no terraço da casa do meu pai, lá no Bomfim. Quando eu estava compondo, tive uma viagem muito espiritual, astral, eu sentia essa música assim, num clima inexplicável’. E ele fez uma letra um tanto inexplicável. Ficaram coisas assim [como] bazar da coisa azul”, diverte-se.

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Mar azul de Zanzibar

 

Fausto recebeu a melodia de Armandinho numa fita cassete, num dos inúmeros carnavais que passo na Bahia. “Eu voltei pro Rio num domingo de carnaval. Fiquei uns dias na praia, encontrei muito o Moraes, o Armandinho… Eles iam todo dia pro Rio Vermelho e, num desses dias, o Armandinho me deu uma fita e disse ‘Olha, tem aqui uma melodia’. 

“Tinha uma pichação em Salvador que era Zanziblue. Onde eu passava, eu via. E na hora em que fui ao aeroporto, eu vi repetidas vezes a Zanziblue. Quando entrei no avião, peguei meu fone de ouvido e o gravador e fiquei ouvindo a música que Armandinho tinha me dado. A primeira coisa que eu notei é que Zanziblue caía muito bem numa parte da música. Mas, ao mesmo tempo, eu não gostava, não era uma palavra, eu achava uma invenção assim meio…Eu rejeitei. Interessou-me a sonoridade, a métrica estava boa, mas decidi não escrever. Quando cheguei ao Rio, ouvindo de novo, vendo umas anotações que eu tinha, eu tive a ideia de fazer uma letra cheia de coisas do Oriente. Eu vi muito na Bahia aqueles blocos com coisas da África, imitando coisas do Marrocos. Aí misturei essas coisas todas e nasceu Zanzibar. Onde era Zanziblue eu botei Zanzibar”, que é o nome de um arquipélago localizado na costa da Tanzânia, formado por duas ilhas Unguja e Pemba. Os árabes chamavam Unguja de Zanj-Bar, que significa Costa dos Zanj (negros), depois adaptada ao jeito que se pronunciava, Zanzibar. E assim ficou conhecida.

 

“Aí escrevi a letra cheia de coisas engraçadas porque tive muita dificuldade de encontrar uma palavra com a prosódia boa e com a colocação certa naquele Paracuru, no azul da estrela… Aí me ocorreu uma praia aqui do Ceará, Paracuru.” O suficiente para que, com o sucesso da música, o prefeito da cidade convidasse Fasto Nilo para ser homenageado e pleno carnaval. Ele foi, Claro

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Curioso foi como “aliás” entrou na letra. Fausto Nilo Conta:

“Tinha uma frase que eu não encontrava a solução para ela. Ele gravaram tudo deixaram só o vazio dessa frase. Ficaram esperando. Eles estavam muito ansiosos. Todo dia eles cobravam: ‘Cara, cadê a frase? E eu respondia: ‘Prometo que hoje eu resolvo’. Eu virava a noite caçando a frase e não achava. Um dia, eu fui à avenida Jardim Botânico, perto da Tevê Globo, onde tem um boteco e um ponto de ônibus e fica muita gente na calçada. Eram seis, sete horas da noite. Eu fui cantarolando. Exatamente na hora dessa frase que eu não tinha, um sujeito que estava tomando umas biritas, saiu do bar, deu uma cusparada na calçada e disse assim: ‘Aliás’! E voltou para dentro do bar para continuar a conversa. E aí eu mandei: Aliás,bazar da coisa azul, meu only you… Fui ao orelhão e liguei pro Armandinho:

‘- Achei a palavra’! 

‘- Qual é’?

‘- Aliás’!

‘- Aliás’???

 

Meio surpreso, ele chamou os outros e disse: ‘Olha, ele falou aliás! Alguém perguntou:

‘- Bicho é, aliás’?

‘-É, aliás, ele confirmou’.

Depois de algum tempo, eles aceitaram: ‘Pô! Ficou legal’! E eu terminei a letra. Às vezes acontece isso. Eu trabalho com essas coisas, vou colando”, concluiu.

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Armandinho jura que não deu nenhuma dica para letra, porém…

“Essa coisa da letra sempre fica a cargo dele. Mas, por exemplo: No azul de Jezebel no céu do Ceará…Ele adorava isso. Aí eu disse: ‘Pô, Fausto, se você fizer isso, a música vai deixar de ser Bahia e vai ser Ceará’. Só que ele tirou o calcutá da manga:

‘- Olha aí Calcutá”!

‘- É! Calcutá’!

É mais interessante porque universaliza a música”, justifica o melodista.

 

Zanzibar, que recebeu o subtítulo de As cores, foi registrada pelo grupo A Cor do Som, no LP transe Total (Elektra/WEA, 1980), no CD Ao Vivo no Circo (Movieplay, 1996) e no CD a Cor do som – Acústico (BMG, 2005; Pelo trio Elétrico Dodô e Osmar, no LP Vassourinha Elétrica (Elektra, 1980); por Fausto Nilo, no CD Fausto Nilo – 12 Letras de Sucesso (Songs/CBS,1987); Por Elba Ramalho, no CD Baioque (BMG Brasil, 1997), entre outras regravações.

“Depois me veio o prefeito de outra cidade querendo que eu fizesse uma letra com o nome da praia dele. E eu tive de explicar que aquilo foi um acidente”, revela Fausto.

“O mais engraçado é que essa música fez um sucesso danado. Eu via todo mundo cantando a letra errada, cantava de outro jeito, mas o som estava ali. É o som das coisas, das palavras, que ele foi buscando na música e se transformou no que é”, decreta Armandinho.

 

 

 

O carnaval da Bahia num jornal do Paraná em 1987

 

Em março de 1987, o crítico musical paranaense Aramis Millarch fez uma interessante crônica sobre o carnaval da Bahia e o recém-lançado álbum “Aí eu liguei o rádio“, do Trio Elétrico de Armandinho e Dodô e Osmar, publicado no jornal Estado do Paraná. É um belo artigo, que posto aqui em homenagem ao cronista, precocemente falecido em 1992.

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O Texto faz refletir sobre os carnavais de rua da Bahia há 30 anos, e o que mudou no carnaval de hoje…

Atrás do Trio Elétrico, só não vai quem já morreu…

A música carnavalesca tradicional pode ter desaparecido em termos de novas produções (embora os clássicos continuem a ser os mais cantados nos salões), o samba-de-enredo transformou-se num gênero de alta rentabilidade, algumas gravações de artistas famosos (ou não) conseguem ultrapassar o sucesso temporário e serem cantados nos carnavais.

Mortalha do Pinel Carnaval 1987

E ao lado de tudo isto, no verão de cada ano, especialmente com a força e vibração nordestina, surgem grupos, conjunto e intérpretes que caem no agrado popular. Veja-se o caso do baiano Luís Caldas, que com seu “Fricote” vendeu no ano passado mais de 100 mil cópias sem deixar Salvador. Salvador, que se orgulha de ter o mais animado Carnaval do Brasil – e que conforme as imagens da televisão mostram, estende-se não só até quarta-feira de cinzas, mas até o próximo domingo (como o de Olinda e Recife, onde o frevo come solto), exportou o Trio Elétrico, inventado há quase quatro décadas por Dodô e Osmar, para vários outros Estados – com adaptações de acordo com a imaginação de cada um.

Fonograficamente, o Trio Elétrico, com seu som de muitos decibéis tem mais de 50 registros, aos quais acrescenta-se agora “Aí Eu Liguei O Rádio” (RCA, janeiro/87), o 12º elepê do grupo que leva o nome de seus fundadores – Dodô e Osmar. Como diz o release desta produção de Guti, “o disco nem precisa explicação: é o próprio retrato de um fenômeno que reverteu todo o panorama da execução musical nas emissoras de rádio na Bahia”.

 

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Na Bahia, ao contrário do que acontece em Curitiba, há um sadio nacionalismo por parte das emissoras que chegam a programar até 90% de música popular, especialmente carnavalesca. E o Trio Elétrico Dodô e Osmar tem a ver com essa história, pois a grande maioria dos cantores, compositores e músicos baianos que hoje fazem sucesso na Bahia – e muitos em todo o Brasil – iniciou sua formação musical num Trio Elétrico. E praticamente todos os conjuntos musicais baianos que tocam no rádio são ou foram bandas de trios elétricos.

“Aí Eu Liguei O Rádio”, é um disco vibrante, bem ao estilo do trio e do som que hoje se faz na Bahia (e que se procura imitar em outros Estados). Isso fica demonstrado logo na faixa título, no deboche afoxé merengue de Walter Queiroz (já sucesso no Nordeste). Em “Depois Que O Ilê Passar” (Miltão), a marcação das batidas de mão, característica dos afoxés, é feita por guitarras, confirmando a força inovadora do grupo. “Além Mar” (Armandinho, Fred Goés e Beu Machado) e “Arregace A Manga” (Aroldo Macedo/Fred Goés) trazem um ritmo sincopado com pintadas de reggae. A galope, vem “Coração Aceso” (Carlos Moura/Carlos Pita”), outra que deve estar explodindo neste Carnaval. Abrindo o lado B, Moraes Moreira assina “A Vida É Um Pernambuco”, um frevo que une a beleza da letra com o ritmo alucinante e a competência instrumental que consagrou o conjunto. “Brilho Da Cor” (Carlos Moura/Pita) e “Tem Dendê” (Armandinho/Moraes Moreira) são bons exemplos de composições para se ouvir e gostar em qualquer época do ano. Ligeiros sopros de funk e reggae renovam o arranjo de “Cocachabamba” (Aroldo Macedo/Moraes Moreira), agora regravada. “Natal Como Te Amo” (Osmar Macedo) é uma definitiva prova de amor que une o Trio Elétrico Dodô e Osmar e o povo nordestino. Hoje não só o nordestino, mas de todo o País.