Poucos imaginariam que um dos símblos do carnaval da Bahia – o Afoxé Filhos de Gandhy teria se originado de um bloco carnavalesco denominado “Comendo Coentro”, tudo isso no ano de 1949.
Na verdade, a origem dos Filhos de Gandhy vem, como sabido, dos estivadores de Salvador. A estiva representava um polo de manifestações políticas, sendo histórica a sua participação no boicote ao fascismo, e sua estreita ligação com o partido comunista.
Segundo narra Anísio Félix, no seu livro “Filhos de Gandhi – A história de um afoxé”,
Antes da Segunda Guerra Mundial, os estivadores sempre participaram ativamente das festas populares da Bahia. Eles fundaram o Terno de Reis “Robalo” e se faziam presentes, sobretudo nos festejos da Lapinha e do Bonfim. Posteriormente fundaram o “Comendo Coentro” para o carnaval. Era um bloco com instrumentos de sopro que saía num caminhão alugado. Os relatos da época dão conta de que os estivadores em sua quase totalidade, só vestiam roupas dos mais caros linhos importados e usavam chapéus “Panamá”
Fase 1 – A fundação
No dia 18 de fevereiro de 1949, os estivadores do porto de Salvador, estavam sentados ao pé de uma mangueira perto da sede do Sindicato dos Estivadores, preocupados com a falta de trabalho nos portos e a política de arrocho salarial, gerada pela crise do pós-guerra. A ideia original de botar um “careta” na rua, partiu de Durval Marques da Silva (Vavá Madeira), tido como o maior festeiro da turma, que também foi o responsável pelo nome em homenagem a Gandi.
Como o dinheiro era pouco, os estivadores fizeram uma “vaquinha” para a compra de barris de mate, lençóis e couro para fazer os tamborins.
Para evitar represálias, já que o fundador Almir Fialho deu a ideia para mudar a grafia do nome Gandi, inserindo as letras “dh” e trocou o “i” por “y”, ficando Gandhy.
No primeiro dia, saíram apenas 36 participantes A fantasia foi um lençol branco torso de toalha felpuda, nos pés um tamanco de couro cru chamado “Malandrinha”.
Ficou estabelecido no pimeiro momento uma decisão que se tornou decisiva no futuro: mulher não podia entrar e era terminantemente proibido o uso de bebidas alcoólicas. A explicação para as proibições era de que onde havia bebida e mulher, haveria briga e o lema do afoxé era a paz. Em relação à bebida, a tese não vingou, mas em relação às mulheres, fontes oficiosas contam que alguns membros tinham muitas namoradas, mulheres, amantes, e que se elas pudessem participar, daria confusão.
Em 1951, foram admitidos trabalhadores de outras classes, e adotado o símbolo do camelo, símbolo da resistência e que Antonio Risério, na sua obra “Carnaval Ijexá”, associa a Xangô.
O Filhos de Gandhy nos primeiros anos saiu cantando marchinhas até se dedicar especialmente ao ijexá
Fase 2 – A decadência e a reconstrução
Na década de 1970, o bloco passou por seu momento mais difícil. Em 1974, o Afoxé Filhos de Gandhy chegou a fechar , por problemas administrativos e financeiros, chegando o bloco a ser despejado de sua sede. Em 1974 e 1975, o bloco não desfilou no carnaval de Salvador.
Devido a várias campanhas de incentivo de radialistas, principalmente de Gérson Macedo (Rádio Excelsior), o bloco voltou a desfilar, sob o patrocínio de alguns dos seus participantes. Sob a presidência de Camafeu de Oxóssi e com o apoio de artistas baianos, dentre eles Gilberto Gil, o afoxé retornou às ruas, no ano de 1976, desfilando com cerca de 80 homens.
Gilberto Gil, em depoimento a Antonio Risério, fala de sua ajuda ao bloco:
“Só quando voltei de Londres, dentro daquele processo de retomada, de redescoberta, de sofisticação de gosto, é que fui procurar especificamente os afoxés, por que mesmo no carnaval da minha infância, eles me pareciam bálsamos, oásis de paz naquele caos da rua. Me lembro que assim que voltei, no meu primeiro carnaval aqui, me disseram que os afoxés não existiam mais. E, de fato fui encontrar uns vinte Filhos de Gandhi, com os tambores no chão , num canto da Praça da Sé. Eles não tinham mais recursos, mais força para ocupar um espaço no carnaval baiano. Fui procurá-los para entrar no afoxé. Foi como uma coisa devocional, uma promessa, uma vontade de pôr o meu prestigio para funcionar em prol daquela coisa bonita que é o afoxé. E aí saí seis anos no Filhos de Gandhi, fazendo todo o percurso das 12 horas, cantando e tocando, parando nos pontos de devoção, obedecendo à disciplina, que é muito rigorosa. E no ano passado(1980), já eram mil Filhos de Gandhi (…).
Fase 3 – A consolidação
Atualmente, os Filhos de Ghandy são uma instituição na Bahia. É comum fazer referência ao tapete branco que se forma todas as vezes que o bloco sai nas ruas. Já é tradição ver no carnaval os famosos trajes: uma saia, uma bata, colares azul e branco e um adorno de cabeça que é costurado e ajustado em cada participante. A toalha usada na cabeça é acompanhada de um broche azul e branco no meio da testa.
Tradicionalmente, o traje é branco com detalhes em azul; o turbante, branco (com exceção de 2006, quando o turbante foi azul, e 2019, em que se incluiu o dourado no traje em homenagem aos 70 anos do bloco). Costuma-se dizer que, para ganhar um colar é preciso dar um beijo em um Gandhy. Já a alfazema que eles levam consigo também é compartilhada com quem pedir.
Segundo J. Adeilson, “Os colares, nas cores azuis e brancas, são uma reverência aos orixás Oxalá e Ogum. Durante o desfile, os colares têm um significado além daquele de simplesmente compor um figurino ou vestir uma fantasia. Tradicionalmente, os colares são oferecidos aos admiradores, simbolizando uma maneira dos Filhos de Gandhy desejarem paz durante o carnaval e no restante do ano.”
Enfim, uma das tradições mais perenes do inquieto carnaval da Bahia.
4 – Músicas que Falam dos Filhos de Ghandy
Há diversas músicas que fazem referência ao Bloco. Vale a pena fazer uma pequena lista aqui:
- Filhos de Gandhi (Gilberto Gil) – Gilberto Gil/Jorge Benjor (1975)
- Patuscada de Gandhi – Gilberto Gil (1977)
- Viva os Filhos de Gandhi (Paulinho Camafeu) – Eliana Pittman (1978)
- Axé do Gandhi – (Moraes Moeria/Pepeu Gomes) – Moraes Moreira (1981)
- Alô Filhos de Gandhi (Armandinho Macedo/André Macedo) – Armandinho e Trio elétrico Dodô e Osmar (1981)
- Ijexá (Edil pacheco) – Clara Nunes (1982)
- Filho de Gandhi Afoxé (Rey Zulu/ Jaguaracy Esserre) – Banda Tomalira (1988)
- Grande Gandhi (Luiz Caldas/Paulinho Camafeu) – Luiz Caldas (1989)
- Na Luz do Gandhi (Carlinhos Brown/Alain Tavares) – Os Tropicais (1989)
- Olha o Gandhi aí (Tonho Matéria/Jô Vieira) – Danniela Mercury (2006)
Fontes:
“Filhos de Gandhi – A história de um afoxé”, sem editora: Salvador 1987. Anísio Félix
HISTÓRIA DO AFOXÉ FILHOS DE GANDHY J. Adeilson Repertório, Salvador, nº 19, p.215-220, 2012.2
http://alemdoqsev.blogspot.com/2011/01/historia-do-afoxe-filhos-de-gandhy_06.html
Carnaval Ijexá. . Antonio Risério. Corrupio, 1981 – Bahia
domingo 02 fevereiro 2014 16:31 , em Carnaval