Dois pra lá, dois pra cá, um bolero clássico de Aldir Blanc

Aldir Blanc faleceu em 04 de maio de 2020. Médico psiquiatra, foi como compositor e cronista que ele se notabilizou. Dentre as parcerias musicais – que não foram poucas – a que formou com João Bosco gerou pérolas da música brasileira, que se tornaram eternas. Uma delas é o bolero “Dois pra lá, dois pra cá”, marcado pela interpretação de Elis Regina, em 1974.

A canção, notadamente um bolero, se passa em dois momentos: o primeiro, em que o eu-lírico, tímido, “sentindo um frio n’alma”, convida alguém para uma dança. Parece que o eu-lírico não dança bolero, mas o parceiro de dança acalma: “são dois pra lá, dois pra cá”.

A partir de então a música passa a ser sinestésica, em que há uma série de comparações… o coração treme de forma descompassada, ao contrário do bongô e das maracas que animam a música.

A cabeça roda, como que numa vertigem, em que sobressaem as notas de gardênia do perfume, e as costas macias, cuja lembrança em certa medida atormenta o eu-lírico até o presente.

O bolero torna-se um condutor dos outros sentidos. A sensualidade da cena está na música, no perfume, nas costas macias e na mão no pescoço, e na embriaguez sugerida no “dois pra lá, dois pra cá”

E não há nenhum texto sobre a canção que não faça alusão ao “band-aid no calcanhar”, que protege do atrito do calçado barato, que juntamente com o “falso brilhante” e aos ‘brincos iguais ao colar”, fornecem uma imagem dramática e decadente daquela cena

E a ponta de um torturante band-aid no calcanhar | Elis Regina em Dois Pra Lá, Dois Pra Cá por pedroluiss

E a música termina num presente melancólico, em que o eu-lírico, embriagando-se de uísque com guaraná, relembra a voz dizendo, “São dois pra lá, dois pra cá”

Em diversas entrevistas, Aldir Blanc relatou ter sido uma das letras mais complicadas para colocar na música de João Bosco. Disse, todavia, que a letra veio toda de uma vez depois de uma “esbórnia”, num táxi, de madrugada.

“Não pego lápis nem papel. Escuto, e uma hora a letra começa a vir … Um dia, voltando da casa do Mello (Menezes), tô num táxi e veio: “Sentindo frio em minha alma, te convidei pra dançar”. Aí abre bolsa e não tem papel, não tem lápis, entrei correndo no cafofo da Maracanã (onde morava na época), anotei aquilo tudo, fui desesperado ouvir e tava em cima, do começo à ultima palavra. Dei aquela respirada. Comecei a escrever do primeiro verso e fui até o fim direto.

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Merece também referência à coda que homenageia e cita o bolero “La puerta”, do compositor mexicano Luis Demetrio, acrescentada como coda em fade out nos versos “dejaste abandonada la ilusión que había en mi corazón por ti”.

Enfim, um clássico eter

Sentindo frio em minha alma
Te convidei pra dançar
A tua voz me acalmava
São dois pra lá, dois pra cá

Meu coração traiçoeiro
Batia mais que o bongô
Tremia mais que as maracas
Descompassado de amor

Minha cabeça rodando
Rodava mais que os casais
O teu perfume, gardênia
E não me perguntes mais

A tua mão no pescoço
As tuas costas macias
Por quanto tempo rondaram
As minhas noites vazias

No dedo, um falso brilhante
Brincos iguais ao colar
E a ponta de um torturante
Band-aid no calcanhar

Eu hoje me embriagando
De whisky com Guaraná
Ouvi tua voz murmurando
São dois pra lá, dois pra cá

Dejaste abandonada la ilusión
Que había en mi corazón por ti

Fontes:

http://365cancoes.blogspot.com/2010/12/354-dois-pra-la-dois-pra-ca.html#:~:text=Definitivamente%2C%20%22Dois%20pra%20l%C3%A1%2C,das%20nossas%20can%C3%A7%C3%B5es%20mais%20sensuais.&text=O%20%22dois%20pra%20l%C3%A1%2C%20dois,e%20emparelhado%20dos%20amantes%20bailando.

https://extra.globo.com/tv-e-lazer/em-entrevista-aldir-blanc-revelou-bastidores-de-cancoes-famosas-como-bebado-a-equilibrista-escritas-por-ele-rv1-1-24408959.html