Eu sou o que?

Obviamente as músicas revelam muito quem você é. Entre muitas coisas que podem definir alguém, uma delas é o gosto musical, seu repertório de músicas, que muitas vezes podem te definir, e mostrar a si mesmo e aos outros quem você é.

E por mais eclético que você seja, há um conjunto de músicas ou um certo estilo que melhor te identifica, que mais reflete aquilo que você é.

A partir daí, resolvi fazer uma pequena brincadeira, para saber quais das canções que constam do meu Ipod que tem no seu titulo a frase “eu sou”, ou a frase “sou eu”.

O resultado é curioso, acaba dizendo um pouco daquilo que você é.

Interessante que essa escolha acaba já delimitando aquilo que se busca encontrar, pois o resultado seria bem diferente se eu escolhesse a expressão “I am” em inglês

O que encontramos em português:

  1. Eu sou Free (Sempre livre)
  2. Eu sou o Carnaval (Moraes Moreira, Armandinho e Dodô e Osmar);
  3. Eu sou o caso deles (Marisa Monte e Novos Baianos)
  4. Eu sou Negão (Gerônimo)
  5. Eu sou Neguinha (Caetano Veloso)
  6. Eu sou o Forró (Eliezer Setton)
  7. Eu sou Soteropolitano (Chiclete com Banana)
  8. Acontece que Eu sou Baiano (Dorival Caymmi)
  9. Minha Tribo Sou Eu (Zeca Baleiro)

E você, é o que?

Beth Carvalho canta o samba da Bahia

Beth Carvalho é a personificação do samba carioca. Quando se pensa em uma cantora de samba no Rio de Janeiro, poucas conseguem essa identificação tão automática, talvez D. Ivone Lara. Embora surgida com influência da bossa nova, Beth Carvalho consagrou-se como grande sambista, trazendo consigo a tradição de muitos sambistas com quem gravou, como, por exemplo, Nelson Cavaquinho (Folhas Secas) e Cartola (As Rosas Não Falam).

Quando, em 2007, soube do lançamento do CD/DVD Beth Carvalho canta o samba da Bahia, parece que se estabelece um elo entre duas das mais tradicionais e brasileiras manifestações musicais: o samba do Rio e o samba de roda da Bahia. Não é à toa que dois dos momentos mais marcantes do DVD são de samba de roda: quando, juntamente com Gilberto Gil, faz um pout purri de sambas-de-roda da Bahia, com “Eu Não Tenho Onde Morar/ Marinheiro Só/ O Guarda Civil/ Tava Na Beira Do Rio / O Galo Cantou/ Moinho Da Bahia Queimou”. Quem assiste o DVD dificilmente consegue ficar parado, e encantado com a participação das Baianas do Gantois e do Grupo Nicinha de Samba de Roda.

Outro momento alto, na linha do samba de roda, é a gravação de Raiz, ao lado de Mariene de Castro, de Roberto Mendes e J. Velloso. Mariene mostra uma verdadeira reverência a Beth Carvalho, num samba que foi gravado por Gal Costa num disco de 1992. Roberto Mendes também participa da gravação, e, para quem não sabe, ele é de Santo Amaro, e representa a mais rica da tradição do samba de roda do recôncavo.

Outro momento marcante é a participação de Bethânia e Caetano, cantando inicialmente o samba É de manhã, a primeira música de Caetano gravada em disco, seguida de um trecho da Suíte dos Pescadores, de Caymmi, e Desde que o samba é samba, de Caetano.

O especial é dedicado a Caymmi, que Beth diz ser parecido fisicamente com seu pai, o responsável por apresentar-lhe a música de Caymmi. De Caymmi, Beth canta três músicas: Maracangalha, Oração de Mãe Menininha (que encerra o show) e João Valentão. É muito interessante ver como a música João Valentão, um samba atípico de Caymmi (pois tem características de samba praieiro e sacudido) ganha admiração de tantos artistas, na riquíssima obra de Caymmi (ver, por exemplo, a gravação de Oswaldo Montenegro no disco “Letras Brasileiras” em 1999.

Trata-se, sem dúvida, de uma bela antologia..

Publicado originalmente no http://www.musicaemprosa.musicblog.com.br em fevereiro de 2010

Back in Bahia

Estamos no fim do ano de 1971. Depois de quase 3 anos de exílio em Londres, Gilberto Gil e Caetano Veloso retornam ao Brasil, e retornam fazendo barulho.

Blog de musicaemprosa : Música em Prosa, Back in BahiaGil e Caetano em Londres

No começo de 1972, realizou-se, em Santo Amaro, a festa da Nossa Senhora da Purificação, como acontece tradicionalmente até hoje. Gilberto Gil estava lá, com Caetano, e o contraste entre a vida londrina e aquela festa popular inspirou Gilberto Gil a escrever Back in Bahia, a sua canção de retorno do exílio.

Gil relata a inspiração no seu livro “Todas as Letras” (Rennó, 1996):

Blog de musicaemprosa : Música em Prosa, Back in Bahia

Era o primeiro verão na Bahia depois que eu tinha voltado de Londres, e eu fui à festa de Nossa Senhora da Conceição em Santo Amaro da Purificação. Eu estava na casa onde Canô, mãe de Caetano, estava dando a festa; vendo as pessoas queridas e a alegria que amava delas, da lembrança da saudade que eu sentia dessas e outras coisas em Londres veio o impulso para escrever a canção – que eu comecei ali, letra e música juntas, de cabeça, e complementei no dia seguinte, já na casa de Sandra, na Graça, em Salvador.

A canção parece uma antítese musical de Aquele Abraço, samba-despedida que relata as coisas bonitas do Rio de Janeiro enquanto ele está indo para o exílio.

Antítese, pois enquanto Aquele Abraço é um samba (“dedicado a Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso”), musicalmente Back in Bahia é uma fusão de rock com repente, do mundo londrino com as raízes bem nordestinas que caracterizava sua canção.

Em Back in Bahia Gil relata os contrastes entre a vida de Londres e a saudade da Bahia, e a falta de cor (as cores da Bahia são muito mais vivas e vívidas do que as de Londres), de calor, de sol, de sal, do verde do mar que lembrava e distinguia o verde dos gramados londrinos, mas todo esse tempo visto como necessário para valorizar tudo aquilo que encontrou na volta.

Carlos, Calado, no livro Tropicália – a História de uma revolução musical (Ed.34, 1997, p. 289), relata uma entrevista de Gil ao Jornal do Brasil, quando do seu retorno:

“Vi tudo, vivi tudo, o sonho acabou, os anos 60 passaram, a música levou tudo às últimas consequências. Bem, então agora eu vou ver o que é que sobrou, o que é que eu sou, o que é que eu posso (…) Encontrei as raízes? Sim. E eu diria que estou mais próximo. Sou muito mais nordestino, sou muito popularsou bem pop, sou cantor de feira, sou cantador. A distância do Brasil me ajudou a chegar a isso. A distância ampliou o quadro e eu pude ver melhor. Eu pude entender mais profundamente”

Blog de musicaemprosa : Música em Prosa, Back in Bahia

Assim, diferentemente da exaltação de Aquele Abraço, Back in Bahia é um relato em primeira pessoa, quase uma confissão, sem as sutilezas costumeiras das letras de Gil. Não por acaso, a canção é construída em apenas 3 acordes, relativamente simples. Gil retoma a explicação em Todas as Letras: 

“Back in Bahia” se baseia em motivos musicais muito íntimos, nordestinos – improviso, embolada, galope, martelo –, e em modos cordélicos, com rimas rítmicas [e também internas], típicas do versejar nordestino, e versos simétricos [ quase todos de dezesseis sílabas]: entre eles, o ‘de vida mais vivida dividida pra lá e pra cá’, de que eu mais gosto: poesia pura, concreta, como o ‘fazer o canto, cantar o (cântaro) cantar’, em ‘Palco’.

A letra, gravada no disco Expresso 2222:

Blog de musicaemprosa : Música em Prosa, Back in Bahia

Lá em Londres, vez em quando me sentia longe daqui
Vez em quando, quando me sentia longe, dava por mim
Puxando o cabelo nervoso, querendo ouvir Celly Campelo pra não cair
Naquela fossa em que vi um camarada
Meu de Portobello cair
Naquela falta de juízo que eu não
Tinha nem uma razão pra curtir
Naquela ausência de calor, de cor, de sal

De sol, de coração pra sentir
Tanta saudade preservada num velho baú de prata dentro de mim
Digo num baú de prata porque prata é a luz do luar
Do luar que tanta falta me fazia junto do mar
Mar da Bahia cujo verde vez em quando me fazia bem relembrar
Tão diferente do verde também tão lindo dos gramados campos de lá
Ilha do norte onde não sei se por sorte ou por castigo dei de parar

Por algum tempo que afinal passou depressa, como tudo tem de passar
Hoje eu me sinto como se ter ido fosse necessário para voltar
Tanto mais vivo de vida mais vivida, dividida pra lá e pra cá

S’imbora. O musical que conta a história de Simonal

A história de Simonal tem tanta beleza quanto tristeza. Tanto alegria quanto drama. A ascensão e queda de uma dos maiores cantores pop do Brasil, que na década de 60 rivalizava com Roberto Carlos como uo maior cantor do Brasil. Tinha sucesso, carisma, marra, e que, a partir de um grande erro, foi relegado ao ostracismo, e acusado injustamente de ser um delator de artistas durante a ditadura militar.

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A trajetória acabou sendo contada – e muito bem contada, em “S’imbora, o Musical – a História de Wilson Simonal”, uma produção de altíssimo nível, desde o texto de Nelson Motta e Patrícia Andrade, a direção de Pedro Brício, e muito bem ambientado por Ícaro Silva, que incorpora muito bem a “pilantragem” de Simonal.

Contando com 16 atores, uma banda de alta qualidade, a peça tem como fio condutor Carlos Imperial (interpretado por Thelmo Fernandes), que foi quem descobriu Simonal. Os principais episódios de sua vida são contados: o começo da carreira, o sucesso, o acompanhamento da seleção brasileira no tricampeonato no México, o dueto com Sarah Vaughan, seu casamento – um pouco romantizado na peça – com Tereza, e seu declínio.

A direção musical de Alexandre Elias e os arranjos de Max de Castro conseguem ser fiéis à obra de Simonal, e seus principais sucessos são interpretados. Trata-se de uma produção de excelência, que faz jus – sem julgá-lo – a um grande showman e um cantor sem par na música brasileira.

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O diretor da peça faz bem esse relato:  “Ele é um mistério, não é um herói romântico, pelo contrário. É uma figura contraditória, com múltiplas facetas, mas a peça não faz um julgamento. O espetáculo tem essa riqueza, essa multiplicidade: vai da ascensão absoluta do primeiro artista negro pop à sua total decadência”,