Genival Lacerda – “LP” O senador do Rojão (1968) – Texto da contracapa

Genival Lacerda fez nasceu em 1931. Em campina Grande, na Paraíba. E faleceu em 2021. É um daqueles cantores inconfundíveis, dono de um estilo de forró escrachado, bem humorado, cheios de duplo sentido que parecem inocentes diante de algumas pseudomúsicas nas quais se abre mão de trocadilhos e tudo é explícito…

Sucessos como Severina Xique-Xique, Caldo de Mocotó, Radinho de Pilha (Ela deu o Rádio), Galeguim dos Zóio Azul, entre outros, colocam Genival Lacerda no panteão do forró.

E, pesquisando aqui em acolá, encontrei um disco de Genival Lacerda, gravado em 1968, chamado “O Senador do Rojão”. Nesse disco, achei muito interessante o texto da contracapa, que segue abaixo:

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Bahia: berço da cultura musical típica do Brasil. Presentes incontestáveis foram trazidos pelas “pratas negras” (mulheres de pele preta e dentes de marfim), como também, pelo couro cor de azeviche – homens de pele preta, nossos irmãos dos pântanos africanos. 

Lundus, pontos, cocos, etc. acalentaram nossos primeiros patrícios num período de quase trezentos anos. Mucamas, babás, cantarolavam e balançavam as redes de ouro branco, no ritmo de sua música nativa. O bebê dormia… e dormiu para despertar séculos após, com sua música metramorfoseada.

O batuque rude do negro transformou-se. Hoje, no século XX – baião, forró, arrasta-pé, não passam de reminiscências exatas daquela música gostosa. O maestro, o compositor, o intérprete, a trouxeram para outros moldes de uma outra civilização.

GENIVAL LACERDA.  O “Rei do Munganga” puro cantor desse gênero que bem transmite com excentricidade, além de ser o criador de uma série de passos e trejeitos, formando com isso um todo harmônico e agradável, é um artista ímpar na beleza de representar. Num bate-coxa, num alvoroso ( sic – o texto original tem ‘alvoroço’ escrito assim mesmo, com “s” em vez de “‘ç”) de pernas, num sestro de todo corpo, Genival objeta sua força mental no ângulo da coreografia absolutamente original. Por isso, tornou-se o espelho de quase todos os artistas do Gênero. Dançar coco, é Genival; Baião, é Genival; Forró, é Genival. Dizer o que ele faz não é possível. É preciso assisti-lo. Ver e ouvir o excepcional astro, é um momento de terapia.

E é por isso mesmo que a Chantecler o contratou. Em suas mãos, a chapa musical de o rei da munganga GENIVAL LACERDA 

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 O texto é curioso, primeiro, por fazer uma referência à Bahia, já que Genival é paraibano de Campina Grande (embora Genival homenageie a Bahia em diversas músicas, como Bahia de todos os nomes, Alô, Bahia e Fiquei na Bahia). Segundo, por fazer uma associação do Forró com a música negra (relação que existe, mas que tem também influxos da música indígena, portuguesa e até holandesa), e por fazer uma quase justificativa da contratação de Genival, que somente se tornaria conhecido nacionalmente em 1975, com a música “Severina Xique-Xique“. Por isso, ele, chamado de Rei da Munganga (que significa gestos ou trejeitos excêntricos, uma expressão nordestina).

Um elo de tudo isso pode ser a referência ao coco, um ritmo que tem parentesco tanto com o samba-de-roda como com o forró, e que deita raízes também africanas e indígenas.  Uma pérola, quando Genival tinha apenas 27 anos…

Mentiras sinceras me interessam… Por trás da canção “Maior Abandonado”, de Cazuza/Frejat, no auge do Barão Vermelho

“Maior abandonado” é uma das músicas mais significativas do Barão Vermelho . Composta em 1984, a música retrata, à primeira vista, uma pessoa maior “que está solta no mundo, precisa da proteção do governo e não tem” (Cazuza, Preciso dizer que te amo, Org. Lucinha Araújo, Globo, 2001).

 

No entanto, a letra é mais do que isso. Para além de uma espécie de denúncia sobre os maiores abandonados, que se interessam pelas “migalhas dormidas do teu pão“, das “raspas e restos“, a canção retrata em certa medida um abandono afetivo quando chega a maioridade, e, com ela, a responsabilidade.

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Cazuza e Frejat já trataram disso, no  livro organizado por Lucinha Araújo:

 

Cazuza: “É também aquele que está vivendo o trauma dos 18 anos.É quando você fica mais carente, porque sabe que está ficando mais velho e ainda não é muito safo (…) ‘mentiras sinceras me interessam’ , um verso da letra, é uma discreta e candente referência ao estertor da carência afetiva. parece um cara, às cinco horas da madrugada, andando pelas ruas, sozinho, atrás de uma mulher. E que dali saia um grande amor. O amor da sua vida. Pura ilusão  

  Frejat: “quase todos somos ´maiores abandonados’ no sentido afetivo, nessa de querer ficar com qualquer pessoa, só para não ficarmos sozinhos. Porque 99,9% da população é, ou já foi, algum dia, maior abandonado” 

 

A letra, então, transita pelas duas questões: o abandono material e o abandono afetivo. O primeiro deles é retratado nas raspas e nos restos, nas migalhas do pão; o segundo, nas “mentiras sinceras”, nas “porções de ilusão”  de alguém que está absolutamente carente do ponto de vista afetivo.

 

Assim, pode-se dizer que o maior abandonado é uma canção sobre carência. Primeiramente, carência daquele que está perdido e sozinho no mundo, sem nenhum amparo material. E também carência afetiva. O eu-lírico aceita qualquer coisa do outro, como um cachorro faminto que aceita qualquer coisa do seu dono. O maior abandonado, nesta visão, seria quase como um vira-lata querendo ser adotado, material ou afetivamente.

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Assim, a letra usa a imagem de alguém sozinho, carente, pedindo a proteção do outro. E a utilização de elementos de humor, em que em vez que o ato de pedir a mão tem um duplo sentido: como um pedido de casamento, pelo ato do noivo pedir a mão da noiva, mas também usando aquele ditado popular “você dá a mão, mas te pedem o braço”. O eu-lírico assume que, ao pedir a mão, quer mais do que isso. A utilização do advérbio “pouquinho” indica a submissão, mas o desejo de alguém que está perdido e quer um norte… (“me leve para qualquer lado”)

Numa entrevista a Danilo Gentilli, Frejat relatou uma discussão com Cazuza sobre um verso que acabou sendo excluído:

 

 

Segundo Frejat, havia um verso que ele considerava muito agressivo: “eu tô baixando o calção por qualquer trocado” . Frejat achava que a letra estava completa.  Cazuza acusou Frejat de ser careta, ao que este ponderou que não era questão de caretice, mas que este verso iria limitar a quantidade de pessoas que iriam se identificar com a música. Cazuza teria concordado, contrariado

 

Fonte: ARAÚJO, L. Preciso dizer que te amo: todas as letras do poeta. Rio de Janeiro: Globo, 2001, p-78

Esperando na janela

O forró clássico, tradicional, à moda de Luiz Gonzaga, tem algo de nostálgico, inocente… os ritmos juninos fazem a malícia ficar mais singela no friozinho aquecido pelas fogueiras de São João.  Com as festas juninas, parece que a canção de amor em ritmo de xote é mais singela, a saudade do baião é mais intensa, a alegria do xaxado é mais pura.

Não é por acaso que no mês de junho termina sendo inevitável falar de Forró, e com o forró falar um pouco daquela música de Targino Gondim que virou um clássico instantâneo na voz de Gilberto Gil: Esperando na janela. 

Targino Gondim – Ritmo Melodia

Targino Gondim é pernambucano, nascido em Salgueiro, e criado músico em Juazeiro-BA, começando a tocar sanfona desde os 12 anos, e sua inspiração, óbvia, era Luiz Gonzaga.

E foi inspirado em Gonzagão que surgiu seu maior sucesso, a música “esperando na Janela”, cuja história ele contou numa entrevista:

Esperando na Janela foi feita em agosto de 1998, enquanto eu tomava banho. Estava cantarolando uma música de Luiz Gonzaga e me veio a inspiração.  Completei a composição com versos de meus parceiros, Manuca e Raimundo do Arcodeon. Essa música está gravada no disco de 1999 e coincidiu com as filmagens de Eu, Tu, Eles, que acontecia em Juazeiro. Fui fazer um teste para participar do filme e o diretor me cortou, dizendo que eu não tinha cara de sanfoneiro, mas um dia estava fazendo um forró e os artistas foram lá e a Regina Case me reconheceu. Eles começaram a pedir músicas de Luiz Gonzaga e eu aproveitei para tocar também Esperando na Janela, que acabou virando a trilha sonora e carro-chefe do filme.

A música tem todas as receitas de um forró típico de São João: uma certa nostalgia, uma idealização da pessoa amada, a saudade do jeito, no cheiro, da mulher que não vem, mas cuja saudade faz com que ele vá atrás dela e vá declarar seu sentimento.

A canção venceu o Grammy Latino em 2001 (Targino Gondim \ Raimundinho do Acordeon \ Manuca Almeida), que também ganhou a voz de Gilberto Gil e deu ao artista espaço no filme “Eu, Tu, Eles”

Gil explicou como a canção passou a fazer parte do filme, no seu sítio digital:


É uma música de um menino lá, Targino Gondim, sanfoneiro da região onde o filme foi feito, no sertão. A direção do filme precisava de uma banda para tocar forró ao vivo, na locação. O sanfoneiro apareceu, cantou essa música e encantou todo mundo. Porque essa música é uma pérola”.

Uma canção singela, que, na hora certa, e impulsionada pela gravação de Gilberto Gil,  virou história…. Targino costuma dizer que ela é a sua “Asa Branca”

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A letra:

Ainda me lembro do seu caminhar
Seu jeito de olhar eu me lembro bem
Fico querendo sentir o seu cheiro
É da daquele jeito que ela tem
O tempo todo eu fico feito tonto
Sempre procurando mais ela não vem
E esse aperto no fundo do peito
Desses que o sujeito não pode aguentar
E esse aperto aumenta o meu desejo
E eu nao vejo a hora de poder lhe falar

Por isso eu vou na casa dela
Falar do meu amor pra ela vai
Tá me esperando na janela
Não sei se vou me segurar

Targino Gondim

https://www.uai.com.br/app/noticia/musica/2015/07/19/noticias-musica,169726/conheca-o-sanfoneiro-responsavel-pelo-refrao-mais-famoso-do-forro.shtml

quarta 20 junho 2012 17:52 , em Forró