“Totalmente demais”

As mulheres e suas canções… às vezes as canções são inspiradas numa mulher real, que tem nome. 

Outras, inspiradas em mulheres fictícias, imaginadas. 

Parece que Totalmente Demais, letra de Tavinho Paes para música de Arnaldo Brandão e Robério Rafael, não foi feita para mulher nenhuma, ou para muitas mulheres. Ou pelo menos essa é a visão do autor. 

A música, gravada inicialmente pela banda Hanói Hanói em 1986, e gravadea em seguida (no mesmo ano) por Caetano Veloso, descreve uma mulher, linda, andrógina, poderosa, impusliva, de sexualidade fluida e que sabe jogar o jogo da vida, da sexualidade e sedução, e joga para ganhar…

Ela curte a vida, agita um “broto” a mais (“broto” é (expressão típica entre os anos 60 e 80, que indica uma pessoa jovem e bonita), que curte “só pra relaxar”, que “transou um Rolling Stone no Canadá”.

Há insinuações sobre dinheiro e consumo de drogas, de alguém que frequenta a alta sociedade. essa é a mulher “totalmente demais”.

Num depoimento ao Portal Cronópios, Tavinho Paes, o autor da letra (ele é poeta, compositor, escritor, roteirista, jornalista e artista visual) fala um pouco da canção: 

 A INSPIRAÇÃO

Como se tratava de uma fotografia de uma época (e não uma descrição detalhada de um personagem único na vida real da cidade), não teve uma única musa inspiradora, mas um conjunto de detalhes colhidos na paisagem louca do final dos anos 70, no período da ditadura que ficou conhecido como o da Anistia Lenta e Gradual, geopoliticamente engendrada pelo General Golbery do Couto e Silva.

Sem prejuízo do ideal produzido pela mídia, a tal TOTALMENTE DEMAIS pode ser literalmente comparada a um Frankenstein. Suas musas inspiradoras contribuiram para que esta vestal existisse, totalmente ideal como os poderes do Santo Graal, emprestando-lhe características de suas personalidades (incuíndo o atualmente tão badalado componente narcísico), índícios dos seus carateres (volúveis ou não); fragmentos de suas vontades e desejos (todos meio alucinados)...

Foram mulheres de idades diferentes, destinos incompossíveis e vidas sem nenhuma conexão entre si. Foram fotografadas em bailes, bares da noite e festas. Estavam todas compromissadas e satisfeitas com as hoje intoleráveis liberdades sexuais conquistadas pelos hippies e outsiders das décadas de 60 e 70 (coisa que favoreceu muito os psicopatas). Conheceram seus corpos e mentes, por dentro e por fora, com desaconselháveis e poderosas doses de ácido lisérgico, além de suaves baforadas de cannabis e haxixe e fungadas numa cocaína inca que desapareceu do mercado há muito tempo. Todas:…maravilhosas!!!

O ERRO DE DIGITAÇÃO E A CENSURA 

Nesta primeira versão, um erro de digitação no material enviado para a Censura Federal, inviabilizou sua presença nas rádios e tvs. Logo no primeiro verso, ao invés de “LINDA COMO UM NENÉM…”, a datilógrafa escreveu: “LINDA COMO UM HOMEM…”.

Meu Deus! De onde tiraram aquela infâmia! Deveria ter processado a gravadora por lucros cessantes! Afinal, a musa inspiradora dos dois primeiros versos era nada mais nada menos que minha filha, Dianna Rosa, então com 2 anos de idade, que, por acaso, passava pelo corredor da casa, enquanto eu e Arnaldo compunhamos as primeiras linhas da melodia e ele não identificou o sexo dela, tomando-a por meu filho…

Quem foi a pessoa responsável por esse descuido, até hoje, ninguém sabe; mas, o resultado deste deslize foi conhecido uma semana depois: a música acabou sendo proibida de frequentar qualquer emissora de rádio ou televisão. O laudo do Censor, outro nobre desconhecido, foi taxativo: PROIBIDA EXECUÇÃO PÚBLICA POR CONTER APOLOGIA AO HOMOSSEXUALISMO.

A CENSURA, PELA SEGUNDA VEZ

Acreditávamos que os satãs de Brasília já tinham esquecido a consulta prévia, feita em 84. Com a abertura caminhando sob o tacão do General Figueiredo e o êrro datilográfico devidamente recauchutado, acreditávamos que, finalmente teríamos outra chance. Santa ingenuidade! Mais uma vez quebramos a cara. Desta vez, o laudo do legista apontou Incitação e Apologia ao Uso de Drogas! Mesmo recorrendo, nenhum dos recursos que tentamos passaram no Conselho Superior de Censura(colegiado que resolvia alguns casos semelhantes).

A VERSÃO DE CAETANO 

A versão que isentou a TOTALMENTE DEMAIS de suas implicações com as leis de exceção do regime militar e a retirou de seu incomodo ostracismo, só chegou anos depois, através de Caetano Veloso, num álbum apócrifo, que ele declarou inúmeras vezes que não gosta, registrado num projeto acústico gravado ao vivo, no Copacabana Palace, batizado de… TOTALMENTE DEMAIS. 

ONDE ANDAM TAIS MUSAS? 

..digamos que, com a máquina do tempo triturando a história, a musa da canção perdeu sua identidade polimorfa. Ficou muito tempo mofando na geladeira da morgue. Quando se tornou popular, as várias musas que montaram aquele Frankstein cubista já haviam evaporado. Algumas resistem até hoje e outras apareceram com as novas versões remixadas (como a da cantora Perlla, que ressuscitou o tipo e o introduziu na seara do hip-hop).
Na verdade, as verdadeiras musas desta canção foram aqueles tempos que nem a nostalgia mais saudosista restaurará. As musas que deram charme e montaram a fotografia daquela Cleópatra virtual são os pequenos registros dos tempos em que as paixões entravam em combustão espontânea, incendiavam a libido das pessoas e a AIDS ainda não era uma ameaça.

Uma história interessante, o retrato de um pedaço da realidade de uma época, por intermédio dessas mulheres… tidas como “totalmente demais…” 

É algo que ultrapassa os limites de apologia ao amor livre (o que, na época da canção, tinha algo de revolucionário em épocas em que o HIV matava, e os grupos de risco estavam ligados ao comportamento sexual). Uma mulher (ou muitas) que representam uma liberdade sem culpa , e um poder que se revela no seu interesse desapegado…

Linda como um neném
Que sexo tem, que sexo tem?
Namora sempre com gay
Que nexo faz tão sexy gay

Rock´n´roll?
Pra ela é jazz
Já transou
Hi-life, society
Bancando o jogo alto

Totalmente demais, demais

Esperta como ninguém
Só vai na boa
Só se dá bem
Na lua cheia tá doida
Apaixonada, não sei por quem

Agitou um broto a mais
Nem pensou
Curtiu, já foi,
Foi só pra relaxar

Totalmente demais, demais

Sabe sempre quem tem
Faz avião, só se dá bem
Se pensa que tem problema
Não tem problema
Faz sexo bem

Seu carro é do ano
Seu broto é lindo
Seu corpo, tapete, do tipo que voa
É toda fina
Modelito design

Se pisca, hello
Se não dá, bye-bye

Seu cheque é novinho, ela adora gastar
Transou um Rolling Stone no Canadá

Fazendo manha
Bancando o jogo
Que mulher

Totalmente demais, demais
Totalmente demais, demais

Fonte: http://cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=4728

quarta 04 dezembro 2013 15:56 , em Mulheres e suas canções