De Palavra em Palavra – Uma homenagem de Paulo César Pinheiro a João Gilberto (e que foi acusada de plágio)

Paulo César Pinheiro é um grande compositor e que se notabilizou por muitas parcerias que construiu na vida. Uma delas é Miltinho, violonista do MPB-4.

Eles se conheceram em torno de 1970, durante uma gravação de um álbum com parcerias de Paulo César Pinheiro com Baden Powell, e na ocasião, Miltinho lhe entregou uma fita com dois sambas de sua autoria. Uma delas tornou-se um belo samba, “Cicatrizes”, lançada por Roberto Ribeiro e mais recentemente gravada por Roberta Sá.

Miltinho e Paulo César Pinheiro

A segunda transformou-se na canção “De palavra em palavra”, a qual, como Pinheiro conta no seu Livro “História das Minhas Canções” (Leya, 2010, p.181-2), remete a João Gilberto e acabou gerando uma certa polêmica. Conta Paulo César:  

A estrutura melódica (do samba que Miltinho lhe enviou numa fita cassete) remeteu-me a João Gilberto, a quem eu já adorava, e resolvi homenageá-lo. Foi uma tarefa complicada e insana. Cismei de construir um mosaico. A letra seria uma colagem de letras do repertório do João. Só que pra isso tinha que caber os versos de Antônio Maria, Vinícius, Tom, Caymmi, Bôscoli, Ary Barroso, Haroldo Barbosa, na música que se me apresentava. E, lógico, o papo tinha que fazer sentido. Destrinchei os discos do cantor. Decorei-os. E partir pra montagem. Fui conseguindo e me empolgando. Termino com um carinhoso abraço no João, motivo de minha admiração maior. Batizar foi relativamente fácil. Um dos grandes sucessos do baiano era o samba de Lucio Alves e Haroldo Barbosa, “De conversa em conversa”, e pra fechar o tributo saquei o “De palavra em palavra” do penúltimo verso. Me deu muito trabalho essa invencionice, mas ficou um primor.

De palavra em palavra

Manhã tão bonita a manhã (Manhã de Carnaval – Luiz Bonfá/Antônio Maria)
E muita calma pra pensar (Corcovado – Tom Jobim)

Eu amei ai de mim muito mais do que devia amar (Amor em Paz – Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
Sim fiz projetos pensei (Só em teus braços – Tom Jobim)
Mas esse mundo é cheio de maldade e ilusão (Saudade da Bahia – Dorival Caymmi)
Pra que trocar sim por não se o resultado é solidão (Discussão – Tom Jobim/Newton Mendonça)

O amor o sorriso e a flor (Meditação – Tom Jobim/Newton Mendonça)
Meu sabiá, meu violão
O que ficou pra machucar meu coração (Pra machucar meu coração – Ary Barroso)

Pois é tantos versos eu fiz (A Primeira vez – Alcebíades Barcelos e Armando Marçal)
Dizendo a todo mundo o que ninguém diz (Saudade da Bahia – Dorival Caymmi)
Alimentei a ilusão de ser feliz (A Primeira vez – Alcebíades Barcelos e Armando Marçal)

O amor é a coisa mais triste quando se desfaz (Amor em Paz – Tom Jobim/Vinícius de Moraes)
Dói no coração de quem sonhou demais (Este seu olhar – Tom Jobim)
Eu vivo sonhando, ai que insensatez (Vivo Sonhando – Tom Jobim/ Insensatez – Tom Jobim/Vinícius de Moraes)

Até você voltar outra vez (Outra Vez – Tom Jobim)

Eu tenho esse amor para dar (Só em teus braços – Tom Jobim)
Agora o que é que eu vou fazer (Doralice – Dorival Caymmi)
Porque esse é o maior que você pode encontrar (Desafinado – Tom Jobim/Newton Mendonça)


Mas de conversa em conversa (De conversa em conversa – Lúcio Alves e Haroldo Barbosa)
Eu só quis dizer de palavra em palavra
João Gilberto um abraço a você
Oba-la-lá (Hô-Ba -La-Lá – João Gilberto)

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Percebe-se, portanto, que a letra é um mosaico  de trechos de canções gravadas por João Gilberto no decorrer da vida. Trata-se de uma samba, estilo bossa nova, mas que não deixou de causar uma polêmica, relatada por Paulo César Pinheiro   

 Tempos depois, Miltinho inscreveu a composição num festival de Juiz de Fora. Um jornalista membro do júri, influenciando a opinião dos outros, desclassificou o samba alegando plágio. Depois de tamanho esforço pra o que eu considero um achado, a visão torta de um crítico soa como uma imbecilidade sem propósito. Porém, são essas as pedras que Drummond detectou no nosso caminho de criação. Já me acostumei com os antolhos alheios.

E pra concluir, o parceiro de Miltinho na música era Maurício Tapajós que eu nem conhecia pessoalmente, e com quem só vim esbarrar em outro momento. Com esse encontro noutra ocasião.

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