Há duas semanas, Vander Lee morreu surpreendente e repentinamente. Seu estilo romântico, suas canções à flor da pele, em carne viva, deixaram um legado. Mesmo as suas canções mais suaves possuem por trás delas uma carga dramática.
Uma de suas músicas mais conhecida é “Esperando Aviões”, que foi composta para sua mulher, Regina. Certa feita, Vander Lee disse como teria sido feita a música:

“Fiz esperando aviões para minha mulher. Tava em Montes Claros assim meio sozinho, cheguei de avião e vendo aquela pista naquele deserto, no norte de Minas, seco, pouca vegetação, aquele cerrado… Me deu uma saudade danada da minha mulher. De noite no hotel, aquela imagem ficou na minha cabeça.. Me soou poetico aquela pista vazia esperando aviões… E aí queria falar dessa saudade, da distância,de sexo e ai as imagens vão se formando e entrando coisas que não são veridicas… Me lembro de ter ligado pra ela as 4 da manha e tocado..ela quase morreu do coração e chorou a noite toda, nem dormiu mais..“ (Vander Lee)
Meus olhos te viram triste
Olhando pro infinito
Tentando ouvir o som do próprio grito
E o louco que ainda me resta
Só quis te levar pra festa
Você me amou de um jeito tão aflito
Que eu queria poder te dizer sem palavras
Eu queria poder te cantar sem canções
Eu queria viver morrendo em sua teia
Seu sangue correndo em minha veia
Seu cheiro morando em meus pulmões
Cada dia que passo sem sua presença
Sou um presidiário cumprindo sentença
Sou um velho diário perdido na areia
Esperando que você me leia
Sou pista vazia esperando aviões
Sou o lamento no canto da sereia
Esperando o naufrágio das embarcações

Quem lê a letra de esperando aviões pode pensar que o eu-lírico está num estado de tristeza, de saudade, mas de uma saudade amarga, de ter encontrado uma pessoa triste, aflita, “tentando ouvir o som de um próprio grito”, em que o amor e o sexo, representados de modo aflito, parecem ser uma verdadeira fuga…
No entanto, Vander Lee, em entrevista a Ruy Godinho, no livro “Então, foi assim? Vol. 3”, dá á canção uma carga sexual bem mais forte…
“Pois é, essa música é bacana porque ela tem uma história. Eu estava indo de avião para Montes Claros [MG] fazer um show e me lembro da paisagem, da pista vazia, cercada por uns montinhos verdes, pequenas árvores. Era uma época seca, em volta tinham aqueles montes claros, aquele clima de Cerradão do Norte de Minas. Aquilo visto de longe me lembrou um órgão genital. Começou na brincadeira, tirei uma foto e tal. Parecia um paraíso, Aquela imagem, o avião descendo, pra mim foi mais pornográfica ainda, né? Então fiquei com essa imagem na cabeça. À noite, no hotel, depois do show, na madrugada, veio o santo, o cavaleiro veio. E me pediu emprestado essa imagem ‘Pô, faça alguma coisa com isso’. E eu fiz”, revela.
O eu-lírico procura, através do canto “incantável” e do dizer “indizível” aquele sentimento e necessidade de plenitude que existem entre casais por determinados momentos (que jamais duram para sempre, ou, aliás, são para sempre, mais ainda assim, momentos), e por isso a necessidade de ver o sangue do ser amado correndo nas veias, o cheiro percorrendo os pulmões, mas, que ao final, se vê perdido e solitário sem o seu amor. o diário perdido cheio de história para serem lidas, e o mote da canção: a pista vazia esperando aviões, pois são os aviões que dão sentido à pista, assim como o ser amado acaba conferindo sentido ao amante, numa metáfora tipicamente idealizadora e romântica do século XIX.
Da inspiração sexual veio a canção, como Vander Lee arrematou: “A canção não é de distância, é de penetração”
“Eu estava meio assim com a minha mulher, mais ou menos. Aí eu quis falar pra ela. E fiz a música pra ela, tentando pegar no traço o nosso encontro. Foi isso. E a imagem da pista vazia, esperando aviões. Pra mim é puro sexo, é quase uma mulher esperando um homem. O próprio lamento no canto da sereia, esperando o naufrágio das embarcações, pra mim é sexo também. As pessoas leem mitologia, tem gente que acha que tem tudo ali, mas pra mim é puro sexo. Só Freud explica isso, né? As pessoas sempre pensam que é uma música de distância. E ela é de penetração. O assunto do refrão é todo penetração: Sou um velho diário perdido na areia/ esperando que você me leia.. Para mim eu vejo uma mulher nua, me esperando: Eu sou uma pista vazia esperando aviões … É pura sensualidade. As pessoas veem mais do que eu digo, na verdade. Eu fui fazendo, tecendo imagens de amor, do encontro amoroso com a mulher e, ao mesmo tempo, a música parece extremamente triste. Parece que o cara vai morrer de amor. Mas é o encontro, não o desencontra”, desvenda.
Fontes: osvanderloucos.blogspot.com/…/sobre-esperando-avies.html ”
Godinho, RUY. “Então, foi assim?”. Vol. 3 Abravideo.
Maravilhoso
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Nos tempos atuais vejo uma extrema carência de poesias.
A nossa mpb esta um desastre. E ver um poeta assim com V.L . é algo que renova as esperânças que a boa música vai continuar.
pena que se foi.
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