Recentemente, li o livro “Eles e Eu”, que conta as memórias de Ronaldo Bôscoli. Para quem não sabe, Ronaldo Bôscoli foi um dos principais corifeus da Bossa Nova, compositor, produtor, namorou Nara Leão, Maysa, foi casado com Elis Regina e tem muita história para contar.
Uma delas diz respeito a João Gilberto. João, no final da década de 50 e começo de 60, era o verdadeiro guru da bossa nova, ritmo que criou com sua inigualável batida de violão. Bôscoli (que João chamava de “Ronga”), então, conta no livro o quanto João é persuasivo, inclusive, como ele usou o suéter de Bôscoli na foto do famoso álbum “Chega de saudade”.

Uma das histórias bem divertidas, contadas por Bôscoli, foi quando João Gilberto pediu a ele para intermediar um encontro com Elza Soares, pelo telefone, num trem do Rio Para São Paulo. Transcrevo aqui um pequeno trecho, na narrativa de Bôscoli:
Fomos a São Paulo, para um programa do Tom, chamado o Bom Tom, na TV Tupi, nós três – Tom, João e eu. Fomos de trem porque o Tom tinha pavor de avião. Fizemos até uma música bem bonita, que depois se perdeu. Tom estava de olho na Elza Soares, uma mulata boa paca. Foi o que bastou para João entrar na disputa. Estávamos no mesmo quarto de hotel e João chegou pra mim:
– Ronaldo, você conhece a Elza Soares?
– Conheço. Por quê?
– Eu tinha vontade de ficar com ela.
– Tudo bem. Te dou o telefone, te ponho em contato com ela.
– Não, rapaz. Não sou carioca, sou burrão, sou tímido. Não sei falar com as pessoas. Não sei cantar ninguém, só música.
– O que você quer, então?
– Quero que você cante ela pra mim.
-Mas João, vai pegar mal…

Não houve jeito. O João me convenceu a cantar a Elza Soares pra ele, imaginei. Parti pra esse ridículo. Liguei pra Elza.
– Elza, você conhece o João Gilberto?
– Conheço. Acho simpático, gostoso.
– Ele queria falar com você.
– Então chama ele aí.
– Não, Elza. Eu tenho que falar…
– Que é isso, está me gozando?
Durante o papo, João me dava instruções. Minha missão era realmente facílima. Eu tinha que cantar a Elza pra ele convencê-la a esperar por ele na cama, debaixo das cobertas, já despida, com a luz apagada. Ela devia ficar esperando até ele chegar. Ele falava pra mim, eu falava pra ela, ela respondia, eu falava pra ele, ele pra mim, etc. Acabamos convencendo a Elza daquela loucura.

João voltou do apartamento dela e só voltou de manhã, encantado.
– Puxa Ronga. Que mulher maravilhosa!
Tempos depois, expliquei tudo pra Elza. Ela era uma mulher fantástica e compreendeu perfeitamente.
Mais uma das idiossincrasias de João Gilberto….
sexta 12 agosto 2011 05:14 , em Bossa Nova