Vira Virou… A história de um fado brasileiro

Kleiton Ramil, o irmão mais velho da dupla Kleiton e Kledir, tem uma composição que é, ao mesmo tempo uma homenagem a Portugal, à liberdade e à mulher portuguesa.

 

Talvez seja efetivamente um dos mais belos fados brasileiros, e representa uma inegável e bela conexão com Lisboa.

A canção, escrita no final da década de 80 tem uma bela história, contada por Kleiton a Ruy Godinho, no voilume 3 de seu livro “Então, foi assim?”

 

A Almôndegas, a minha primeira banda, tinha acabado em 1978, 79. Eu namorava uma menina que havia viajado para a Europa e me convidou pra ir junto, já que os pais dela moravam lá. Não lembro bem como é que foi, mas o namoro acabou e eu fui viajar sozinho. Fiquei uns dois meses e pouco viajando com um violão a tiracolo. Foi muito enriquecedor, eu nunca tinha ido à Europa. No meu retorno, o último País que passei foi Portugal. Lá, conheci uma cantora, que não era profissional ainda. Ela tinha uma voz muito bonita e eu fiquei falando: “Ah! Por que você não canta, não faz alguma coisa com música”? Quando voltei pro Brasil, ela me pediu pra compor uma canção”, relata.

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“Então, Vira virou foi feita para essa cantora que era muito novinha, devia ter uns vinte e poucos anos. Mas a música – isso que eu acho mais interessante – fala de Lisboa, fala do passaredo, que eu realmente vi enquanto tomava uma cervejinha, vendo os pássaros voando, muito bonito. A música, na sua essência representa não só a história de Lisboa. Eu escrevi falando de Lisboa porque era uma cantora portuguesa e eu achava interessante o argumento. Mas o conteúdo emocional, fala de uma paixão pela Europa. Até porque meu avô era espanhol e eu fiquei maravilhado.

A música tem uma força particular porque essa viagem me deixou magnetizado com algo muito bonito que eu não sei explicar com palavras. É como se a minha aura tivesse triplicado nessa viagem. Eu fiquei muito feliz, o meu coração estava cheio de felicidade”, regozija-se.

 

E agora a história interior, que segundo Kleiton é a parte musical.

“Eu a compus em Porto Alegre, em 1979. Lembro que estava desenvolvendo um encadeamento de acordes onde uma nota era mantida fixa para passar pro acorde seguinte, ou seja, coisas que eu estava experimentando há muito tempo em composição e funcionou com perfeição. Depois de muitos anos tentando, chegou. E a outra coisa interessante é que eu criei a melodia e a harmonia juntas. A melodia começava num acorde e penetrava de forma dissonante no acorde seguinte. Os músicos entendem isso com facilidade. Eram notas que se eu fosse usar de uma maneira simples, podia não funcionar bem. Mas como eram notas de passagem, o final de uma frase melódica entrava no acorde seguinte. 

 

Então, quando escrevi: Quero ver o passaredo/ pelos portos Lisboa/ voa,voa, que eu chego já a rima não está no final, está no meio da frase. Eu fiquei muito atento a isso na letra inteira”, explica.

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Numa interpretação mais apurada, Kleiton nos reserva outras abordagens sobre a criação desta música.

 

“E tem também, além dessa questão técnica, uma questão mais espiritual. Eu sempre fui uma pessoa, até certa idade, bastante… não digo pessimista, mas muito fechada, muito pesada. E eu lutava contra isso. Quando criei a letra de Vira virou me coloquei o compromisso de não escrever a palavra “não”, nem escrever palavras negativas: “nunca”, “jamais”. Eu me policiava pra não escrever. Então a música tem todos os elementos. Por isso que eu tenho o maior carinho por essa canção, Eu percebi que ali eu atingi uma maturidade como compositor. O que seria um presente pra uma cantora de Lisboa, voltou pra mim como um dos maiores presentes na minha vida”, conta emocionado.

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Mas não é só. Assim como Chico Buarque compôs “Tanto Mar”, mais explicitamente dedicada à revolução dos Cravos, em 1974, há esse componente também em “Vira Virou”. Numa entrevista ao Portal Lusa, Kleiton afirmou:  

“Quando falo a frase ‘Levo terra nova daqui’, significa em parte que estamos juntos nessa luta de renovação. Aprendemos com Portugal e desejamos que nossas experiências positivas, as lutas no Brasil, também tenham reflexos”, 

Ramil revelou que escreveu a canção após conhecer Lisboa, em 1979.

“Para um brasileiro, pisar pela primeira vez em terras lusitanas é, no mínimo, mágico” e “senti a necessidade de criar algo que eternizasse essa experiência que mudou a minha vida. A canção está ancorada no amor declarado a Lisboa, mas foi elevada acima disso, como símbolo de amor à liberdade”.

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Por fim, a inspiração. A cantora que pediu a música foi Eugenia Melo e Castro, portuguesa que já tem mais de 35 anos de carreira….

E foi na voz do MPB4 que “Vira Virou” se tornou sucesso

 

Artigo publicado no portal da Lusa(link is external) dedicado aos 40 anos do 25 de Abril.

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