Ary Barroso é um dos personagens míticos da música brasileira. Locutor esportivo, apaixonado pelo flamengo, ele tinha um programa de calouros na Rádio Tupi, em que ele inicialmente entrevistava o candidato. Em seguida, fazia algumas brincadeiras, piadas, sendo célebre a apresentação de Elza Soares, lançada por Ari no seu programa.
Quando o intérprete cantava e desafinava, soava um gongo que desclassificava o calouro. Era comum que alguns, envergonhados, saíssem chorando do auditório.
O humorista José Vasconcelos, no show no qual se consagrou (“Eu sou o espetáculo”) fazia uma imitação de Ary às voltas com um calouro, não esclarecendo se é fato, mito ou piada.
No auditório da Rádio Mayrink Veiga, no Rio, Ary apresentava o programa “Calouros em Desfile”, que, segundo ele, procurava revelar valores para a música nacional.
Conta o episódio que num certo dia, ele recebeu um calouro que se intitulava José Maria Chiado, torcedor do Fluminense (Ary Barroso era Flamengo).
“Eu nasci no Estado do Rio, não é seu Ary? Quem nasce no Rio não é Fluminense? Campeão e tal.”
Já aborrecido, Ary mudou de assunto e perguntou o que o seu Chiado ia cantar.
“Eu vou cantar um sambinha”, disse o calouro.
Barroso reclamou de novo: “? É o tal negócio, vai cantar música brasileira é sambinha. Se ele viesse aqui cantar um mambo, ele diria vou cantar um mambo, não era mambinho não, era mambo no duro. Mas vai cantar música brasileira é sambinha, na base do deboche”.
E indagou: “Muito bem seu Chiado, qual é o sambinha que o senhor vai cantar?”
E a resposta: “Aquarela do Brasil”. (Composição de Ary Barroso)
Nova bronca do Ary que, afinal, mandou o Chiado cantar.
E ele: “Brasil, meu Brasil brasileiro…, vou cantar-te nos meus velsos“…
Foi o suficiente. Soou o gongo e Ary Barroso detonou: “Pode parar, seu Chiado. O senhor pode cantar nos seus velsos, nos meus verrrrsos o senhor não vai cantar, não. Vá aprender português, seu Chiado. Sambinha é o diabo que o carregue!
Em 1945, fazia sucesso no Brasil uma marchinha de carnaval, de autoria de Roberto Martins e Erastótenes Frazão e gravada pelo conjunto “Anjos do Inferno”. A música se chamava “O cordão dos puxa-saco”. No início da letra, chegam a mencionar uma música de 1909, chamada “No bico da chaleira”, também em homenagem ao tema “puxa-saquismo”.
Vamos voltar no tempo e analisar esta crônica que parece eterna dos costumes brasileiros. O hábito de bajular os poderosos já era uma realidade no Brasil. Segundo o sítio digital recanto das letras, o general José Gomes Pinheiro Machado, senador pelo Rio Grande do Sul, presidente do Partido Republicano Conservador, era um homem forte do Legislativo brasileiro e por 20 anos, entre 1895 e 1915, exercendo grande influência sobretudo no governo de Afonso Pena (1906-1909), Nilo Peçanha (1909-1910) e Hermes da Fonseca (1910-1914).
Consta que o senador mantinha no seu gabinete uma pequena chaleira com água quente para alimentar sua bomba do chimarrão. Quando políticos iam visitá-lo, disputavam o privilégio de segurar a chaleira para o chimarrão que o caudilho tomava, poupando ao senador o trabalho de preparar ou servir sua bebida preferida.
Na ânsia de serem os primeiros, seguravam a chaleira por onde melhor calhasse: pelo cabo, pelo bojo e até pelo bico – amiúde queimavam os dedos. Tudo para cair nos favores do senador.
O hábito acabou gerando o verbo chaleirar, praticado pelo chaleirador, o adulador, puxa-saco, etc. Isto dito da moda deu ensejo ao surgimento de uma canção carnavalesca da autoria de um famoso mestre de bandas que se ocultava sob o pseudônimo de Juca Storoni e foi o maior sucesso do Carnaval de 1909.
Senador José Gomes Pinheiro Machado
Iaiá me deixe subir esta ladeira, Que eu sou do grupo do pega na chaleira, Iaiá me deixe subir esta ladeira, Que eu sou do grupo do pega na chaleira.
Na casa do Seu Tomaz/Quem grita é que manda mais
Que vem de lá, Bela Iaiá, Ó abre alas, Que eu quero passar, Sou Democrata, Águia de Prata, Vem cá mulata, Que me faz chorar…
Já em 1945, depois do fim da ditadura e do Estado Novo, houve uma maior abertura em relação às letras de músicas, controladas e censuradas pelo então departamento de censura da época, o DIP.
O Cordão dos Puxa-saco, então, fazendo expressa referência à canção de 1909, tem como mote a crítica àqueles que bajulam os homens políticos e públicos, ou seja, os famosos puxa-sacos.
“Vossa Excelência / Vossa Eminência /Quanta referência nos cordões eleitorais!”.
E fica bem clara a hipocrisia quando se diz: “Mas se o “Doutor” cai do galho e vai pro chão/ A turma logo evolui de opinião”, mostrando que os bajuladores mudam logo de opinião a cada pleito eleitoral.
Na letra, conta-se e critica-se as homenagens e as circunstâncias, o apego ao poder e não ás pessoas, e o caráter volátil dos “puxa-saco” que evoluem de opinião sempre que há uma mudança do poder. Continua … muito atual…Segue a letra.
O refrão “Eu quero você como eu quero” pode enganar. A expressão “como eu quero” pode ser interpretada como intensidade, mas na verdade acaba querendo dizer “do meu jeito”
O Eu-lírico feminino, em primeira pessoa, estabelece os pedidos (ordens) para promover o retoque para o seu parceiro de relacionamento. Ela estabelece quais são as condições para que ele se torne uma pessoa melhor, sendo que o “melhor” é que ele seja do jeito dela.
No começo, já fala um pouco da postura do parceiro. “Diz pra eu ficar muda” e “cara de mistério” revela que ele deve ter uma atitude mais dominadora e inacessível.
Em seguida, quando afirma “tira essa bermuda, Que eu quero você sério”, é uma sugestão de que o parceiro abandone a informalidade da bermuda e traje algo mais compatível com um homem.
Os meros “solos de guitarra” não são suficientes para ela…
Durante todo o tempo, ela desvaloriza o “rascunho” que é seu parceiro e valoriza a “arte final” que é a forma com a qual ela acha que ele deve ser.
Assim, o refrão quando diz: “Eu quero você como eu quero”, quer dizer que ela não o quer do jeito que ele é, tanto que, longe do seu domínio, ele vai de mal a pior… e ela ensina como ele deve ser melhor.
No site http://decifrandoamusica.blogspot.com.br há um manuscr
Paula Toller e Leoni, em entrevistas, falaram um pouco da música:
“Como eu quero nunca passou pra mim como a relação nociva de um casal, mas sim de uma música que falava daquele cara que tenta, mas não consegue enganar a mulher, pois ela com seu olhar ´raio x’ consegue ver tudo que ele tenta esconder ou suas gracinhas para conquistá-la ou distraí-la.”
“a ideia da letra surgiu por causa de um amigo meu e da Paula que tinha sérios problemas com a namorada. Ela queria transformá-lo, que parasse de tocar e de compor para fazer uma coisa “mais séria”. E a música fala exatamente disso: “de como eu quero”, “você tem que ser do jeito que eu quero” e não “te desejo tanto” como muita gente confunde”, conta Leoni. Por isso que Paula Toller considera essa música muito tirana.
Como eu quero começou com uma ideia da Paula. Eu me lembro dela ter umas frases, dela me dizer estas frases, a gente andando de carro, ela meio falando coisas, quase oral, depois tinha que anotar pra não esquecer. Depois a terminou a música em casa, violão e voz
Muita gente descobre essa musica em camadas, muita gente acha que é uma música de amor e não é… a gente vivia num meio de músicos, e tinha essa menina que vivia no nosso meio mas ela não queria que o namorado dela fosse músico, queria que o namorado dela fosse sério, “eu quero você como eu quero” , era essa a brincadeira que a gente achava que era muito fácil das pessoas perceberem …”eu quero você como eu quero que você seja”
Consta que a inspiradora da canção seria a namorada de Beni Borja, então baterista da banda
Esse começo: Seja autoritário comigo, seja macho, não seja uma pessoa doce, sensível, adulto, nada de bermuda, “solos de guitarra não vão me conquistar”, vá fazer outra coisa,
E ela denuncia: você está numa cilada, fala claramente e as pessoas fazem questão em não perceber isso: você está por mim, eu estou por mim, estamos todos por mim, é só eu que interessa, e as pessoas ainda acham que é uma canção de amor”
Interessante que a Durante a produção do álbum discutia-se qual seria a música de trabalho. A gravadora (Warner Music) insistia para que fosse Alice (Não me escreva aquela carta de amor), mas a banda fincou pé e resolveu trabalhar em cima da música Pintura Íntima.
Pouco antes de fechar o álbum, faltando ainda uma música, Como Eu Quero, que havia sido descartada pelo produtor, foi escolhida para completar o LP, numa decisão pessoal de Leoni e Paula.
“Tivemos que bater o pé para entrar ‘Como eu quero’. Faltava uma música e o Liminha foi escutar o que a gente tinha. Na época, a gente achava que balada não tinha nada a ver” PAULA TOLLER
Diz-se que Liminha (produtor do disco) não gostou muito do refrão original, que seria meio triste, e Leoni mudou no dia seguinte e gravou e acabou sendo a grande balada do disco, talvez o maior sucesso.
Poucas Músicas de Dorival Caymmi são tão conhecidas quanto Maracangalha. Na verdade, trata-se de uma letra simples, uma melodia também simples, que faz da música uma daquelas que parece ter sido feita desde sempre… Stella Caymmi, neta do compositor, contou assim a história da música, no seu livro “Dorival Caymmi: o mar e o tempo“
“O samba foi feito na tarde do dia 29 de julho de 1955, uma sexta-feira, em São Paulo, enquanto pintava um auto-retrato, em seu apartamento. De repente, veio em sua mente uma frase de Zezinho, seu amigo de infância em Salvador: ‘Eu vou pra Maracangalha’. Dorival se lembra que ‘toda vez que eu dava a ideia dele vir ao Rio, ele desconversava. Isso me intrigava’. Mas logo depois o amigo se abriu. Zezinho tinha uma amante em Itapagipe, Áurea, e com ele tinha quatro filhos.
– Como é que você sustenta essa filharada? – O compositor perguntou espantado
– Eu me viro. Respondeu Zezinho.
Mas Dorival queria saber mais
– Como é que você faz para vê-la sem que Damiana desconfie?
– Eu forjo um telegrama para mim mesmo e digo: ‘Eu vou pra Maracangalha’. É lá que eu compro saco de encher açúcar para embarcar, e ela não desconfia. – Explicou Zezinho.
“Maracangalha saiu por isso. Fiquei apaixonado pela sonoridade da palavra. Agradeço tanto a Zezinho” – Comenta o compositor, revelando a fonte de sua inspiração.
É importante salientar que Maracangalha é um distrito do município de São Sebastião do Passé (BA).
Por causa da música, há no distrito uma Praça Dorival Caymmi (em forma de violão, construída em 1972). Além disso, há a Usina Cinco Rios (1912), e que chegou a produzir 300 mil sacas de açúcar por ano. Era lá que Zezinho comprava as supostas sacas de encher açúcar.
Numa entrevista, Caymmi conta também que recebeu uma “sugestão” para que o nome de Anália fosse modificado:
Caymmi conta a história no vídeo abaixo:
Daí, comecei a cantarolar a música e a letra nascendo ao mesmo tempo. Eu vou pra Maracangalha/Eu vou!/Eu vou de liforme branco/Eu vou!/Eu vou de chapéu de palha/Eu vou!. Estava bom eu estava gostando, Então continuei e quando cheguei à parte que diz: “Eu vou convidar Anália’, uma vizinha, dona Cenira, perguntou lá na janela pra minha mulher: – Dona Stela, o que é que seu Dorival está cantando aí, tão bonitinho? E Stela, “Caymmi, diona Cenira quer saber o que você está cantando. Respondi. Estou fazendo uma música que fala de um sujeito, que sai de casa feliz pra se divertir. Ele vai pra Maracangalha, vai convidar Anália, ao que interrompa a vizinha:
– E por que o senhor não põe Cenira, em lugar de Anália?
– Fica para outra vez, Dona Cenira, eu lhe disse, me desculpando.
Eu vou pra Maracangalha
Eu vou!
Eu vou de uniforme branco,
Eu vou!
Eu vou de chapéu de palha,
Eu vou!
Eu vou convidar Anália,
Eu vou!
Se Anália não quiser ir,
Eu vou só!
Eu vou só!
Eu vou só!
Se Anália não quiser ir,
Eu vou só!
Eu vou só!
Eu vou só sem Anália
Mas eu vou!…
Fonte: Caymmi, Stella. Dorival Caymmi. O mar e o tempo, São paulo, Ed. 34, 2001, p. 329.