Em 1963, Carlos Lyra e Vinícius de Moraes escreveram uma das canções icônicas, com uma temática diferente daquela levada a cabo pela ala jovem da Bossa Nova; a Marcha da Quarta-Feira de Cinzas.
Carlos Lyra foi o responsável pela melodia, e a letra ficou a cargo de Vinícius.
Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, no volume 2 de sua canção no tempo, fazem um comentário sobre as canção:
“Composta antes de 1964, a “Marcha da quarta-feira de cinzas” é assim uma espécie de protesto premonitório contra a realidade imposta pela ditadura militar. Pertence àquela fase inicial do CPC (Centro Popular de Cultura) em que Carlos Lyra incorpora à sua obra uma temática político-nacionalista, tendo sido feita no mesmo dia em que ele e Vinícius haviam concluído o “Hino da UNE” (“De pé a jovem guarda / a classe estudantil / sempre na vanguarda / trabalha pelo Brasil…”).

Mas, com sua mensagem disfarçada no lirismo melancólico de uma marcha-rancho, a composição pode ser considerada um belo exemplar do gênero música de protesto: “Acabou nosso carnaval / ninguém ouve cantar canções / ninguém passa mais brincando feliz / e nos corações / saudades e cinzas foi o que restou…” A passagem com o acorde de sétima maior de dó antecedendo a frase “e no entanto é preciso cantar”, após a pungente primeira parte, cria um momento mágico, na medida em que envolve a plateia inteira e a faz cantar suavemente embalada por um simples violão.
Um clássico de seu tempo, a “Marcha da quarta-feira de cinzas” é uma daquelas raras canções capazes de encerrar com elevada dose de emoção um espetáculo musical. Embora consagrada pela voz de Nara Leão, teve sua gravação inicial por Jorge Goulart em fevereiro de 1963 .
A canção, feita em 1963, permitiu que, nos anos seguintes, se fizesse interpretar como uma alegoria sobre a ditadura militar, que eclodiu em 1964, quando se dizia que “acabou nosso carnaval” , e que ninguém cantava feliz e restavam apenas saudades e cinzas.
Vinícius e Carlos Lyra
Mas, ao mesmo tempo, incita de que “no entanto é preciso cantar”, como se fosse uma incitação à resistência política.
Assim, a música ficou registrada no imaginário popular como uma canção de resistência ao golpe de 1964. Mas, segundo Carlos Lyra, “a música não tinha implicação política, a melodia não conta nada dessas coisas”.
Lyra explica que a letra, no entanto, “levou muita gente a pensar que fosse uma resposta ao golpe. Era uma canção de premonição”, afirma, especulando que talvez seu parceiro, Vinicius de Moraes, “tivesse bola de cristal”. As duas pessoas da bossa nova que eram ligadas à esquerda “éramos eu e Vinicius”, assegura.
https://noticias.uol.com.br/politica/2009/03/31/ult5773u927.jhtm