Em 1955, Octávio Henrique de Oliveira, nascido em 1919 e falecido em fevereiro de 1983, foi apelidado de “Blecaute” ou também “General da Banda”, com´pôs uma das canções natalinas brasileiras mais conhecidas: “Natal das crianças”.
Blecaute era um compositor conhecido pelas canções carnavalescas, e também fazia parte das famosas chanchadas da Atlântida (estilo cinematográfico nacional em que há um humor ingênuo, popular.
Mas ele surpreendeu o público com uma canção singela que recebeu mais de 40 regravações. Uma letra simples, que celebra as crianças, e os símbolos natalinos, desde o nascimento de Jesus, a estrela guia, Papai Noel, as orações pela felicidade do mundo, em que um clima de bondade impera, em que todos são incluídos, até “Vóvó e Vovô”.
Há um contraste entre esta canção, alegre, ingênua, com a outra canção brasileira de Natal conhecida: “Boas Festas“, de Assis Valente, em que há uma crítica à seletividade do “Papai Noel”.
“Natal das Crianças” é uma valsa feliz, uma canção de alegria e inspiração que virou um clássico natalino
Natal, Natal das crianças
Natal da noite de luz
Natal da estrela-guia
Natal do Menino Jesus
Blim, blão, blim, blão,
blim, blão…
Bate o sino na matriz
Papai, mamãe rezando
Para o mundo ser feliz
Blim, blão, blim, blão,
blim, blão…
O Papai Noel chegou
Também trazendo presentes
Para Vovó e Vovô
Chico Buarque por diversas vezes já homenageou seu parceiro e amigo Tom Jobim. Apenas para citar, muitos conhecem a expressão “Maestro Soberano”, cunhada por ele no disco “Paratodos”. Chico disse, no documentário “Meu caro amigo”, que as várias composições deixadas por Jobim continuam sem letras. Chico diz que gostaria de fazê-las, mas sem as “implicâncias” de Tom Jobim não teria sentido.
Chico sempre falou brincando amistosamente desse jeito dele compor com Jobim, de estabelecer uma correspondência entre as sílabas e as notas, a prosódia musical e o sentido, e de como Jobim, músico exigente, discutia com ele sobre tais coisas.
Um dos episódios divertidos da parceria entre Chico Buarque e Tom Jobim (há muito a falar sobre isso, mas vou deixar para outras postagens), diz respeito à canção “Retrato em Branco e Preto”.
A melodia foi composta por Jobim em 1965, e se chamava Zíngaro (e foi com esse título que João Gilberto a gravou, em 1977, no disco Amoroso). Em 1968, a música foi para Chico colocar a letra. E aí Wagner Homem, no Livro Chico Buarque – História das canções (Ed. Leya, 2009), conta um pouco dessas “implicâncias” na composição da música.
Uma delas, quando o Quarteto em Cy foi gravar a canção, Chico Buarque teria decidido substituir a expressão “Trago o peito tão marcado” por “peito carregado”, sob o argumento de que o “tão” funcionou como uma muleta para completar as sílabas da canção. No entanto, Tom Jobim, que aceitara relutantemente a mudança, ligou para Chico pedindo a manutenção da versão original, porque a expressão “peito carregado” tinha a conotação de tosse. Ponto para Tom.
Mas o episódio mais engraçado da música foi sobre a expressão “
“vou colecionar mais um soneto
outro retrato em branco e preto
a maltratar meu coração”
Assim narrada por Wagner Homem:
“Em outra ocasião Tom teria dito a Chico que ninguém fala ‘retrato em branco e preto’ e que a expressão correta seria ‘retrato em preto e branco’. Ao que Chico teria respondido: ‘Então tá. Fica assim. ‘vou colecionar mais um tamanco/outro retrato em preto e branco’. Diante de uma tamancada tão convincente, Tom entregou os pontos.
E das implicâncias surgiu uma das mais belas músicas…
Lamartine Babo foi um dos principais compositores de marchinhas carnavalescas do Brasil. Bem-humorado e irreverente, tornou-se também conhecido por ser o compositor dos hinos dos clubes de futebol do Rio de Janeiro, inclusive o do América, seu clube de coração.
Lamartine nasceu em 1904, e morreu de infarto, em 1963. Ele Lamartine Babo nunca se casou. No entanto, celebrizou, na década de 30, uma curiosa história que acabou sendo imortalizada numa canção. Serra da Boa Esperança.
De acordo com Áurea Netto Pinto, no princípio da década de 1930, seu irmão, o dentista Carlos Alves Netto (chamado “Caro”, pelos amigos) colecionava fotos de celebridades do rádio. Para conseguir as fotos, “Caro” costumava escrever aos artistas no Rio, chegando, às vezes, a adotar um um pseudônimo feminino.
Uma das “vítimas” foi justamente Lamartine Babo, que estava no auge do prestígio, pela composição de marchinhas carnavalescas. Assim, Carlos Netto escreveu a Lamartine Babo, fazendo se passar por uma certa “Nair Oliveira Pimenta”, mineira de Dores da Boa Esperança, distrito do Município de Boa Esperança, em Minas Gerais (que fica a 450 km do Rio de Janeiro e 280 Km de Belo Horizonte)
Com o tempo, Lamartine e “Nair” passaram a se corresponder com mais frequência. Eles se comunicavam em verso e prosa, e Lamartine estava admirado com a inteligência da sua correspondente, enviou as fotos e mantiveram contato por cerca de um ano.
Certo dia, a “Nair” interrompeu as cartas, alegando que iria se casar com um primo e que “tudo não se passava de um sonho impossível”.
Assim, diante da notícia, Lamartine resolve, em 1937, ir a Boa Esperança para conhecer Nair e dissuadi-la do casamento com o primo.
Segundo Áurea, Lamartine, ao chegar na cidade, era “magro, feio e desdentado; porém, um sultão orgulhoso de seu harém”.
Procurou a jovem Nair,mas ninguém a conhecia. A única Nair da cidade era uma menina de 6 anos de idade. Decepcionado, não desistiu e continuou sua busca pela cidade, até que a verdade lhe fora revelada: “Nair” na verdade era o dentista Carlos Alves Netto, que era o efetivo remetente das cartas.
Sebastião Nunes conta como teria sido a chegada de Lamartine, recepcionado por Carlos Alves Neto, no Jornal GGN:
O sol estava alto quando Lalá desembarcou na estação de pouco movimento. Não conhecia ninguém, claro. Olhou para os lados. Viu, no meio da pracinha em frente, um sujeito de terno, gravata e chapéu, que parecia esperar por ele.
– Não tenho nada a perder – resmungou mais uma vez. – Já que estou aqui, vamos em frente. Aquele camarada deve conhecer Nair.
– Boa tarde – disse, tirando o próprio chapéu. – O senhor é da cidade?
– Perfeitamente – concordou o outro. – Nascido e criado aqui. Só estive fora, na capital, estudando odontologia. Sou dentista. Meu nome é Carlos Alves Netto.
– Ah, bom – fez Lamartine, confuso. – Já que é assim, teria a bondade de me indicar um bom hotel?
– Pois não – disse o dentista, atencioso. – Logo ali, do outro lado da praça, está vendo? O Hotel Central é o melhor da cidade.
– Ora, quem diria! – espantou-se Lalá. – Tão pertinho!
– O senhor está chegando do Rio, não é?
– Estou – respondeu Lalá. – Como adivinhou?
– Ora, quem não reconheceria o grande Lamartine Babo? Sou seu fã!
– Obrigado – disse Lalá. – Estou com uma sede danada depois dessa longa viagem. Aceitaria beber uma cerveja comigo?
– Certamente, senhor Lamartine. Puxa vida, com o maior prazer. O melhor bar e restaurante da cidade fica também no hotel.
– Vamos lá – moveu-se Lalá, desenferrujando com alegria as pernas. – Não precisa me chamar de senhor. Lamartine tá bom. E queira me desculpar o interesse, mas por acaso conhece uma moça chamada Nair? Nair Oliveira Pimenta?
SAINDO DA ENCRENCA
O dentista ficou vermelho. Pigarreou. Passou um lenço na testa.
– Então é só Lamartine, obrigado – desconversou. – Que tal a gente beber a cerveja e conversar um pouco? Temos muito que conversar.
Só passados dois dias, sempre enrolado pelo dentista, Lalá ficou sabendo que a verdadeira Nair tinha seis anos de idade e era irmã de Carlos. Tudo não passava de uma farsa do dentista para arrancar fotos, cartas e autógrafos dos compositores que admirava. Lamartine Babo era um deles, e foi o único a fazer uma viagem por nada.
Ao saber de tudo, Lamartine capitulou. Ficou na cidade, e terminou fazendo amizade com Carlos Netto. Lamartine virou atração na cidade. A juventude e os músicos do lugar passaram a se reunir, diariamente, com ele.
Depois de alguns dias, foi marcado um piquenique para sua despedida e retorno ao Rio, quando Lamartine, olhando a Serra da Boa Esperança que emoldurava a paisagem, começou a solfejar as notas, que eram postas num pedaço de jornal improvisados por Carlos Netto. E com as notas, foi saindo a letra.
A canção popularizou Boa esperança, tanto que, na cidade, há um monumento a Lamartine Babo.
Lamartine Babo
Serra da Boa Esperança,
Esperança que encerra
No coração do Brasil
Um punhado de terra
No coração de quem vai,
No coração de que vem,
Serra da Boa Esperança,
Meu último bem
Parto levando saudades,
Saudades deixando,
Murchas, caídas na serra,
Bem perto de Deus
Oh, minha serra,
Eis a hora do adeus
Vou-me enbora
Deixo a luz do olhar
No teu luar
Adeus!
Levo na minha cantiga
A imagem da serra
Sei que Jesus não castiga
Um poeta que erra
Nós, os poetas, erramos
Porque rimamos, também
Os nossos olhos nos olhos
De alguém que não vem
Serra da Boa Esperança,
Não tenhas receio,
Hei de guardar tua imagem
Com a graça de Deus!
Oh, minha serra,
Eis a hora do adeus,
Vou-me embora
Deixo a luz do olhar
No teu olhar
Adeus!
A canção “Olhos Coloridos”, que se tornou sucesso na voz de Sandra de Sá em 1982, é o resultado de um episódio de racismo vivenciado pelo seu compositor, Macau, na década de 70.
Macau era morador da Cruzada São Sebastião, na Zona Sul do Rio, onde muitos moradores tinham origem na Favela da Praia do Pinto, na mesma região, que foi destruída por um incêndio em 1969.
Macau já era cantor e compositor na década de 70. Ele foi com seu amigo Jamil, no começo da tarde, para ver um evento escolar no Estádio de Remo da Lagoa. Negros, eles estavam com roupas simples e cabelo black, quando foram abordados foi interpelado por um policial militar, considerados e convidado a passar por uma averiguação.
Ele, inicialmente, se recusou a ir, pois disse que não estava fazendo nada errado. O policial, então, disse que se ele não fosse, seria levado á força.
Conduzido para uma sala, foi ofendido por um sargento. “Ele me levou para um escritório. E tinha um sargento, baixinho, que quando eu cheguei ele ficou rindo e disse: ‘eu estou vendo você lá de baixo, você não é fácil, hein? Você ri demais, fala demais’”, conta Macau.
Macau e Sandra de Sá
As ofensas continuaram: “esse cabelo enrolado, esse sorriso, essa roupa, ao cabelo, a roupa que ele vestia e ao local onde ele morava, quando Macau alegou, em sua defesa, que era morador da Cruzada São Sebastião.
“O policial disse: ‘Você mora naquela lama ali, cheia de bandido’. Eu disse que bandido não, ali não tem bandido. Eles são moradores da Cruzada São Sebastião.
Macau, então, começou a discutir com o policial, dizendo que não tinha feito nada de errado: “Mas qual é o problema do meu cabelo, da minha roupa? O cabelo é meu, eu uso como eu quero, a roupa eu uso como eu quero….
Nas palavras de Macau:
Olhos Coloridos surgiu de uma repressão policial que sofri em um evento escolar realizado pelo Exército, no Estádio de Remo da Lagoa. Eu e meu amigo Jamil estávamos vendo as crianças brincarem na roda-gigante, quando um policial militar veio até a mim e me obrigou a acompanhá-lo até a coordenação do evento. Me recusei porque não entendi o motivo pelo qual tinha que me afastar de onde estávamos. Acabei acompanhando o PM, que me levou até o Sargento e, a partir daí, sofri todos os tipos de discriminação: fui chamado de “nego abusado”, agredido com palavras e força física, zombaram da minha cor, da minha pele, do meu cabelo e de minha roupa, riram até do meu sorriso. O impressionante é que o policial também era “sarará crioulo”.
Aí Macau chegou para o policial e disse a frase que acabou acarretando sua prisão:
Eu sou negro e você também é , você é sarará crioulo, o sangue que corre nas minhas veias é o mesmo que o seu, então somos da mesma origem e você é sarará….
O sargento ficou furioso, deu um tapa em Macau e mandou que ele fosse conduzido.
Macau foi preso e colocado em um camburão no meio da tarde. O veículo circulou por toda a cidade, vários “suspeitos” foram também colocados ali dentro e, no fim das contas, ele só chegou à delegacia à 1h do dia seguinte. “Era uma escuridão, eu sendo esmagado de gente, eu me senti dentro de um porão. Eu fiquei muito mal, fragmentado, com a alma ferida”.
Ele e todos os homens que estavam aglomerados foram colocados em uma cela apertada, onde Macau passou a noite, ao lado de um vaso sanitário, agachado por causa da falta de espaço.
Mas não parou aí: fiquei horas no camburão com outras pessoas como se fôssemos lixo, um por cima dos outros, como lata de biscoito. Rodamos horas pela cidade até que resolveram nos levar para a delegacia para averiguação. Não havia nada que me mantivesse preso e, mesmo assim, só de madrugada fui liberado com a ajuda do padre Bruno Trombeta, da Pastoral Penal. Saí dali triste e revoltado, chocado e com forte depressão.
Quando foi libertado, o padre fez menção de levá-lo para casa, mas ele não quis. “Eu fiquei tão revoltado que queria explodir. Eu falei: ‘Eu vou para o mar, quero ficar sozinho’”, conta Macau.
Diante do mar do Leblon, Macau, revoltado, sentou na areia e ficou refletindo…. e compôs a letra em que ele falava com deus e consigo mesmo, isso acabou anestesiando a raiva… a letra veio de uma vez só. “Eu comecei a olhar o mar e veio, de uma forma única, o texto dos ‘Olhos coloridos’. Eu comecei a chorar, veio na minha mente todo esse texto. Eu corri para casa, peguei o violão e comecei a tocar a canção”, conta o cantor.
Leoni é um dos principais compositores que surgiu no Brasil na onda pop/rock que tomou conta do país na década de 80. Ele, inicialmente, era o baixista e principal compositor do Kid Abelha até 1986, quando saiu da banda e fundou Heróis da Resistência, na qual era vocalista, lançando 3 discos, quando, em 1993, partiu para a carreira solo, como seu maior sucesso individual (Garotos II)…
Em 2003, ou seja, com 10 anos de carreira solo, ele gravou, no estilo voz e violão, muitas de suas composições, que boa parte do grande público não sabia ser de sua autoria. Uma dessas canções é Lágrimas e Chuva.
Pouca gente sabe, mas Lágrimas e Chuva, primeira faixa do Lado A (eu sempre me divirto com a época em que os LP`s, hoje chamados de vinil, tinham lado A e lado B) do disco Educação Sentimental, gravado pelo Kid Abelha em 1985, era gravada com um arranjo pop, leve, que virou hit obrigatório do Kid Abelha, presente em qualquer coletânea da banda, e regravada no cd/dvd acústico, em 2002.
O que pouca gente percebeu, sobretudo pela levada pop do primeiro arranjo, é que Lágrimas e Chuva é uma música sobre suicídio, melhor dizendo, é uma carta suicida. Alguém que está em desespero insone no quarto, e a noite, o tempo faz a ideia suicida parecer mais forte… obviamente, a canção fala da solidão, da chuva que bate no vidro na janela, do “eu-lírico” que não é visto e que vê recorrentemente na noite insone os problemas que quer esquecer (uma nota interessante é que a letra da música fala “dou plantão dos meus problemas que eu quero esquecer”, mas tem gente que canta “tou plantando os meus problemas…”)
A grande evidência de que se trata de uma carta suicida é o trecho “Será que existe alguém/Ou algum motivo importante/Que justifique a vida/Ou pelo menos esse instante“, isto é, é uma busca de um motivo para viver, pois senão é melhor acabar com as 1001 noites de suspense no quarto… e aí o sujeito vai contando as horas…
Por essa razão, Leoni regravou a música, de maneira triste como a música de fato é, conforme disse numa entrevista ao site universo musical:
“a letra é muito densa mas os arranjos são muito pop, muito leves. Ou seja, não se percebia que a letra estava tratando do que tratava. ‘Lágrimas e Chuva’ é um bilhete suicida, mas naquele ritmo o pessoal vai dançar e esquece o que está rolando na letra. E foi o Léo Jaime que disse: “Essa música é tão triste, porque vocês a tocam tão alegres?” E aí quando nós fizemos o show em 98 fizemos um outro arranjo, e é o que eu gravei no disco. E ele cantava comigo no show”.
Segue a letra da canção de Leoni…
Eu perco o sono e choro
Sei que quase desespero
Mas não sei por que
A noite é muito longa
Eu sou capaz de certas coisas
Que eu não quis fazer
Será que alguma coisa
Nisso tudo faz sentido
A vida é sempre um risco
Eu tenho medo do perigo
Lágrimas e chuva
Molham o vidro da janela
Mas ninguém me vê
O mundo é muito injusto
Eu dou plantão dos meus problemas
Que eu quero esquecer
Será que existe alguém
Ou algum motivo importante
Que justifique a vida
Ou pelo menos esse instante
Eu vou contando as horas
E fico ouvindo passos
Quem sabe o fim da história
De mil e uma noites
De suspense no meu quarto
O ano, 1954. Dois grandes astros da gravadora Continental (Lúcio Alves e Dick Farney) protagonizavam uma rivalidade entre os fãs. Quem era melhor? Ruy Castro, no seu antológico livro “Chega de Saudade”(Cia das letras, 1991), relatava:
“…E desde quando Lúcio Alves poderia ser comparado a Dick Farney, a ponto de merecer um fã-clube? Curiosamente, não ocorria aos membros do (fã clube) Sinatra-Farney que Farney, como cantor, devia tudo, ou quase tudo a Crosby, não a Sinatra – e que, se havia alguém de fato original entre os dois brasileiros, era Lúcio Alves. O que os ligava era o tipo de repertório e o fato de ambos terem, como se dizia, ‘voz de travesseiro’”.
A gravadora, evidentemente, lucrava com a rivalidade, té que, em certo momento, encomendou uma música na qual pretendia apimentar a dita “rivalidade” (que na verdade acontecia entre os fãs, pois Dick e Lúcio eram amigos).
Paulo César Soares conta a história:
– Tereza da Praia, gravada por Dick Farney e Lúcio Alves em 1954, foi o primeiro sucesso de Tom Jobim. Esta música tem uma história curiosa que dá uma amostra da criatividade do maestro e de seu parceiro Billy Blanco com quem compôs também a Sinfonia do Rio de Janeiro. A canção nasceu de um pedido de Alves e Farney a Billy Blanco e Tom Jobim para que fizessem uma canção de modo que os cantores pudessem dividir os vocais e, desta forma, acabar com as fofocas sobre uma possível inimizade. Tom e Billy toparam fazer a música mesmo só tendo uma semana de prazo. Billy relembra a história assim: “Concordamos como se fosse a coisa mais simples do mundo. Fomos para a casa do Tom e, de noite, a música já estava pronta. No dia seguinte, chegamos à gravadora Continental e mostramos ao Braguinha e ao diretor da empresa, Sávio Carvalho da Silveira. A reação deles foi fantástica”.
A canção, em dueto, conta a disputa de Dick e Lúcio por Tereza, que tem “um nariz levantado, os olhos verdinhos bastante puxados, cabelo castanho e uma pinta do lado”
Houve quem dissesse que a Tereza seria a mulher de Tom (Thereza Otero Hermanny), com quem ele e casara em 1949, mas tanto ele quanto Billy Blanco sempre asseveraram tratar-se de um personagem fictício, embora o nome tivesse sido inspirado, de fato, na Tereza de
Tereza da Praia tornou-se um sucesso e um dos maiores clássicos pré-bossa nova. E, obviamente, os fãs continuaram discutindo quem seria melhor cantor: Dick Farney ou Lúcio Alves.
Trata-se de uma disputa divertida, em que cada um conta suas vantagens pela suposta conquista de Tereza, que, afinal, não pertence a nenhum dos dois, pertence à praia, e tornou-se um dos maiores sucessos de 1954. Não era ainda bossa-nova, mas já revelava o talento de Billy Blanco e Tom Jobim, e transformou-se num clássico para ser cantado em dupla. Já fora gravado por Emílio Santiago e Luiz Melodia, também por João Nogueira e Sérgio Ricardo, sem falar na gravação de Caetano Veloso e Roberto Carlos, em homenagem aos 50 anos da bossa-nova…
Dick! Arranjei novo amor no Leblon Que corpo bonito, que pele morena Que amor de pequena, amar é tão bom! – O Lucio! Ela tem um nariz levantado? Os olhos verdinhos bastante puxados, Cabelo castanho e uma pinta do lado? – É a minha Tereza da praia! – Se ela é tua é minha também – O verão passou todo comigo – O inverno pergunta com quem – Então vamos a Tereza na praia deixar Aos beijos do sol e abraços do mar Tereza é da praia, não é de ninguém
– Não pode ser tua,
– Nem tua também
– Tereza é da praia,
Não é de ninguém
Quando se fala de poetas que escreveram canções, o primeiro nome, e certamente o mais bem-sucedido é o de Vinícius de Moraes. Mas não o único. Ferreira Gullar, além de poeta e escritor, fez algumas incursões como compositor.
Uma delas é uma música que passou desapercebida no primeiro álbum solo de Caetano, em 1968. Trata-se de um álbum histórico, que conta com canções que se tornaram clássicos, como ““Tropicália”, que batizou o movimento que revolucionou a MPB, “Soy Loco por ti, América” e “Alegria, Alegria”. Por isso mesmo a parceria de Caetano com Ferreira Gullar não chamou tanta atenção. Mas a história é interessante.
No livro “Verdade Tropical”, Caetano refere:
“Onde andarás”, um bolero meio samba-canção que eu tinha feito ainda no Rio sobre letra de Ferreira Gullar pedido de Bethânia, por funcionar como veículo para a exposição de paródias de estilos sentimentais considerados cafonas (e para exemplo de como, mesmo parodiando-os, podia-se amá-los e enobrecê-los, à maneira de própria Bethânia), também entraria.
Mais adiante, numa entrevista ao Pasquim, ele complementa:
O início da faixa Onde Andarás, uma parceria minha com Ferreira Gullar, parece com o Chet Baker. Depois imito o Orlando Silva e o Nelson Gonçalves
Caetano, no entanto, sequer tinha relacionamento com Ferreira Gullar. A letra foi feita a pedido de Maria Bethânia que desejava um tema ligado à dor de cotovelo para gravar no seu disco de estreia. Gullar escreveu dois textos, Bethânia repassou para Caetano que musicou “Onde Andarás” .
Numa entrevista ao Jornal CINFORM, de Aracaju (http://sergipeeducacaoecultura.blogspot.com/2009/07/), Gullar sugere que o segundo texto (não aproveitado) serviu de inspiração para compor alguns argumentos para “Alegria, alegria”. Vale citar o trecho da entrevista:
Você foi parceiro de Caetano Veloso com o poema “Onde Andarás”, que faz parte do seu primeiro LP individual prensado em 1968. Em que circunstância ocorreu a parceria e por que não houve continuidade como a estabelecida com Raimundo Fagner com quem tem vários poemas musicados: Traduzir-se; Me Leve – cantiga para não morrer; Rainha da vida, Contigo e outras?
Ferreira Gullar – Essa parceria não nasceu de uma relação minha com Caetano. Foi a Maria Bethânia que me pediu, se eu gostaria de escrever para ela duas letras de fossa, de dor-de-cotovelo que ela queria gravar no seu disco de estreia. Então fiz e entreguei a ela duas letras, uma é “Onde Andarás” e a outra é um poema que também é do mesmo livro, que eu adaptei para servir como letra, porque como poema era muito longo. Mas Caetano só musicou uma delas, o outro poema eu acho que inspirou “Alegria Alegria”, porque fala “atravessa a rua, entra no cinema” é um poema urbano, que fala exatamente da cidade e o enfoque é o mesmo e o fato dele não ter posto música na minha letra e ter escrito “Alegria Alegria” dá a impressão de que ele achou melhor criar uma letra sobre aquele assunto. Existe na música “Alegria Alegria” uma expressão que é de um poema meu “o sol se reparte em crimes” isso é de um poema que diz assim: “A tarde se reparte em yorgut, coalhada, copos de leites” esse uso do verbo repartir nesse sentido é do poema “Na Leiteiria”. “A tarde se reparte em copos de leite”, “o sol se reparte em crimes/espaçonaves guerrilhas”. Tudo bem, a função da poesia é essa, o poeta inventa as expressões e o artista popular, o compositor não tem essa função – é muito mais a de comunicar de maneira ampla com o público, não é de mudar a linguagem, de reinventar a linguagem isso é mais dos poetas […].
No começo da canção, ele canta num estilo “cool” como Chet Baker, para mais adiante cantar com a voz empostada, numa espécie de pastiche de Orlando Silva e Nelson Gonçalves (cantores populares da velha guarda da época), e que veio a ter continuidade em “Coração materno”, de Vicente Celestino, gravado no Disco “Tropicália ou Panis et Circencis”
“Onde andarás” foi gravada por Maria Bethânia, Marisa Monte, Joanna, Gal Costa e Adriana Calcanhoto
Em épocas de Rock in Rio, impossível não lembrar da participação de maior sucesso na primeira edição do evento, que foi a banda britânica Queen, uma das maiores bandas de rock nos anos de 70/80, até a morte de seu vocalista, Freddie Mercury, em 1991, e cujo sucesso repercute até hoje. Uma das suas músicas mais tocadas e até hoje repetidas é “We are the champions“, que pode ser resumida a uma exortação ao triunfo na vida após ter passado por adversidades (mas isso é assunto de uma postagem à parte).
O certo é que a música foi composta por Freddie Mercury pensando em futebol quando. Ele declarou querer uma música de participação, algo que os fãs pudessem ouvir, mas com uma sutileza teatral maior do que um canto de futebol comum. Freddie chegou a dizer que esta seria sua versão de My Way , sucesso de Frank Sinatara. “Nós conseguimos, disse Freddie, e certamente não foi fácil. Não há uma cama de rosas como a música diz. E ainda não é fácil. “
Curioso é que no site http://www.queenbrazil.com/, há uma inusitada história em que a música “We are the champions” salvaram a vida de dois marinheiros, seja do naufrágio, seja dos tubarões. Eis a história:
Esta história foi narrada por Miguel Judas, na revista FHI .
Conta que em meados de 92, na costa africana Paulo e um amigo, não identificado, trabalhavam no serviço de fragatas da marinha portuguesa e estavam indo em direção á uma ilha localizada na linha do Equador.
De repente, ouvem a famosa frase: Homem ao mar, mas era simulação de treino, então Paulo e o amigo vão ao treinamento salvar o tal boneco, (porém um dos homens deveria ficar no barco), mas um solavanco inesperado, muito comum nessas águas acaba por atirar ambos contra o navio e caírem ao mar. Ficam então muito tempo na água, apenas com o salva vidas, esperando algum tipo de socorro. O barco assim, sem tripulantes… vai literalmente embora e acaba desaparecendo no horizonte… Isso já era mais que motivo suficiente pra deixá-los desesperados.
Tempos depois percebem a visita de “amiguinhos marinhos- tubarões”. Como eram treinados, ficam quietos, mas é impossível não produzir som no mar e ficar calma muito tempo quando se tem tubarões te cerceando.
De repente, Paulo relatando a historia, não sabe o porquê, mas entra num estado de euforia, ou simplesmente, surta em pleno mar (o que é explicado em psicologia), acaba gritando em alto e forte tom “We Are The Champions”… o amigo começa a rir e canta também… Bem, até hoje ele num sabe explicar o porque da música, mas foi a que veio na cabeça. Fato é, que os tubarões, por um milagre, por sorte, ou porque ele cantava muito mal, se afastaram. Neste ínterim, um outro barco que passava por perto, ouviu o “concerto” dos amigos e veio em sua direção, salvando-os.
Bem, esta história, fãs, acreditem , é verdadeira, e o relato completo esta na revista acima citada.
Não se sabe o que há de exagero ou verdade nesse relato. Mais uma das histórias que acabarão por virar lenda….
Back in the USSR, que integra o famoso álbum branco dos Beatles, em 1968, é uma canção escrita sobretudo por Paul McCartney e tem uma série de homenagens e curiosidades.
O título foi inspirado numa canção de de Chuck Berry, “Back in the USA”, e surgiu a partir de uma influência dos Beach Boys, banda californiana contemporânea ao Beatles.
Como conta Steve Turner, no livro “The Beatles:a História por Trás de Todas as Canções”,
“em fevereiro de 1968, os quatro Beatles e suas parceiras viajaram para Rishikesh, Índia, para estudar meditação transcendental com o Maharishi Mahesh Yogi. Outros três músicos profissionais participavam do mesmo curso – o cantor escocês Donovan, o flautista americano Paul Horn e o Beach Boy Mike Love. Eles acabaram passando muito tempo juntos, conversando, tocando e compondo.
Uma das músicas que surgiu desse encontro é “Back In The USSR”, escrita por Paul como um pastiche dos Beach Boys e de Chuck Berry. A gênese da canção foi um comentário de Love para Paul feito durante um café da manhã. “Não seria divertido fazer uma versão soviética de ‘Back In The USA’?”, Love sugeriu, referindo-se ao single chauvinista de 1959 em que Berry declara como está feliz por voltar aos civilizados EUA, com seus cafés, drive-ins, arranha-céus, hambúrgueres e juke boxes. Os Beach Boys tinham usado “Back In The USA” e “Sweet Sixteen”, de Berry, como inspiração para “California Girls” e “Surfin’ USA”, em que exaltam as virtudes das garotas e das praias locais.
Paul seguiu a sugestão de Love e criou uma paródia que fazia pela USSR o que Berry tinha feito pelos EUA, e pelas mulheres soviéticas o que os Beach Boys tinham feito pelas garotas da Califórnia.
Então, vê-se a sequência: os Beach Boys haviam sido influenciados por “Back in the USA” para criar “California Girls” e “Surfin Usa”. E Paul se inspirou nos Beach Boys para Fazer Back in the USSR
Prossegue Turner: Após uma década de canções que faziam poesia com lugares como no rock’n’roll. “Eu simplesmente gostei da ideia de garotas da Geórgia falando de lugares como a Ucrânia como se fossem a Califórnia disse Paul. Em homenagem a Love, a gravação final dos Beatles imitou os backing vocal dos Beach Boys.
Em uma entrevista de rádio em novembro de 1968, Paul declarou:
“Na minha cabeça, é só sobre um espião (russo) que ficou muito tempo nos EUA e se tornou muito americano, mas quando volta para a União Soviética diz ‘deixe para desfazer minha mala amanhã, querida, desligue o telefone’, e tudo o mais, mas para mulheres russas”.
A letra realmente fala sobre garotas de várias partes da URSS (Ucrânia, Moscou e Geórgia), inspirando-se como o ‘California Girls’ do Beach Boys falam das garotas da California.
Uma curiosidade: durante as gravações, Ringo desentendeu-se e brigou com a banda. Conta o site undiscovermusic:
Embora a concepção da música possa ter sido relativamente direta, sua apresentação foi menos fácil. Como muitas das músicas do “White Album” escritas na Índia, o grupo gravou uma demo de ‘Back In The USSR’ no esher de George Harrison , Kinfauns, em maio de 1968, logo após retornar à Inglaterra. Mas quando eles gravaram a música no Abbey Road, já era meados de agosto e as tensões estavam aumentando.
Ringo estava se sentindo infeliz com a maneira como as coisas estavam indo. “Eu senti que não estava tocando muito bem, e também senti que os outros três estavam realmente felizes e eu era um estranho“, disse ele mais tarde. Durante a sessão de ‘Back In The USSR’, o baterista decidiu que já bastava e saiu, passando algumas semanas no iate de Peter Sellers no Mediterrâneo antes de retornar ao redil depois que os outros o asseguraram de seu valor. para o grupo.
Nesse meio tempo, McCartney assumiu funções de percussão e, juntamente com John Lennon e George Harrison, a banda completou ‘Back In The USSR’ em apenas dois dias (22 e 23 de agosto de 1968), adicionando efeitos sonoros de um avião de passageiros, ao que era uma parede surpreendentemente pesada de bateria latejante, guitarras trituradas, baixo de condução, piano batendo e uma escalada de rock’n’roll. Então, acenando com a inspiração inicial, como Paul colocou: “Adicionamos harmonias no estilo Beach Boys”. E com isso, um dos mais famosos álbuns duplos da história pop teve sua faixa de abertura.
O curioso é que a canção foi taxada pelos mais conservadores americanos como uma apologia comunista. Prossegue SteVe Turner:
“Back In The USSR” perturbou os americanos conservadores porque, em tempos de Guerra Fria e conflito no Vietnã, parecia celebrar o inimigo. Depois de admitir o uso de drogas, os rapazes de cabelo comprido estavam abraçando o comunismo?
O ativista antirrock americano David A. Noebel, autor de Communism, Hypnotism and the Beatles, mesmo não tendo conseguido encontrar as carteirinhas da banda de membros do partido, jurava que eles estavam promovendo a causa revolucionária do socialismo. “John Lennon e os Beatles eram parte integrante do meio revolucionário e receberam grandes elogios da imprensa comunista, especialmente pelo White Album, que continha ‘Back In The USSR’ e ‘Piggies’. Um trecho da ‘Back In The USSR’ deixou os anticomunistas sem palavras: ‘You don’t Know how lucky you are boy/Back in the USSR, ele escreveu.
Tivesse feito uma pesquisa mais cuidadosa, Noebel teria descoberto que o discurso oficial soviético era que os Beatles eram a prova da decadência do capitalismo. Assim como os nazistas declaram que o jazz e a pintura abstrata eram “degenerados”, os comunistas atacaram o maligno rock’ n’ roll e promoveram o folk, que enaltecia as virtudes do Estado.
Os jovens da União Soviética ficavam tão animados com a música dos Beatles quanto os jovens do lado ocidental da cortina de ferro, mas tinham de se contentar com gravações piratas, contrabandos e transmissões de rádio dos EUA e da Inglaterra.
Em 1988, com a Guerra Fria prestes a se transformar em mais um episódio da história mundial, Paul fez um tributo aos fãs soviéticos gravando um álbum de standards do rock pela gravadora oficial do governo, Melodia. Em maio de 2003 ele fez um show na Praça Vermelha e teve uma reunião particular no Kremlin com Vladimir Putin, que contou a ele que ouvia os Beatles na adolescência. “Era muito popular. Mais do que popular, era um sopro de ar fresco, uma janela para o mundo lá fora”, ele disse a Paul.
Falando sobre a música na revista Playboy em 1984, McCartney disse: “Também foram as mãos sobre a água, das quais ainda estou consciente. Porque eles gostam de nós lá fora, mesmo que os chefes do Kremlin não gostem. As crianças fazem. E isso para mim é muito importante para o futuro. ”
Na verdade, quando a cortina de ferro caiu, restou claro que, no Leste Europeu, a música Back in the USSR era uma das preferidas do público e item obrigatórios nas apresentações de Paul McCartney.
Quando Paul finalmente tocou a música ao vivo na Praça Vermelha, em 2003, a pura alegria nos rostos dos fãs mostrou o quão longe as coisas haviam chegado desde que foi escrita, nos dias mais frios da Guerra Fria. A frase “garotas de Moscou me fazem cantar e gritar” recebeu a maior alegria da noite.
Paul McCartney disse à revista Mojo , em outubro de 2008, a música contém uma paródia dos Beach Boys que antecederam Pet Sounds . Ele acrescentou: “O resto é (canta as primeiras barras da linha de melodia do verso de abertura) mais Jerry Lee (Lewis). E o título é Chuck Berry, de Back in the USA , e a música em si é mais uma tentativa de Chuck. Você traria esses soldados de volta da Coréia ou do Vietnã, onde quer que seja, e Chuck estava entendendo isso. Eu pensei que era uma ideia engraçada falsificar isso com a coisa mais improvável do caminho de volta na Sibéria.
E fica bem engraçado quando no refrão se fala “Back in the US (referência a United States) , Back in the US, Back in the USSR….
Em 1979, Duda Mendonça gravou um jingle para o Motel Le Royale, em Salvador, numa campanha para o dia dos namorados.
Certo dia, Maria Bethânia estava na Bahia e escutou o jingle:
Esta música era um jingle do Duda Mendonça. A primeira coisa que eu faço quando chego na Bahia é ligar logo o rádio. É diferente de qualquer outro lugar que eu vá. Não sei que impulso é esse. aí, naquele dia liguei e começou a tocar isso.Eu achei a música linda e vi que era uma propaganda de motel. Eu perguntei: ‘Mas que motel?’ Então me mostraram e pensei: ‘isto é lindo’. No percurso até minha casa tocou isso umas dez vezes. Como na época eu gravei um filme para a empresa de Duda, numa fase que queriam dividir a Bahia, quando estive com ele acabei sabendo que a música era dele com ´Paulo Sérgio Valle. Pedi sua permissão, ele me deu, e eu gravei. (História sexual da MPB, p. 218
Bethânia encomendou a Jota Moraes e a Paulo Sérgio Valle uma segunda parte da canção. No final, “Cheiro de Amor” solidificou-se com dois refrões diferentes e duas estrofes iguais, uma antes de cada um. A letra reflete um momento na música popular brasileira, em que a mulher se libertava de tabus e cantava seu amor de forma mais liberal. Maria Bethânia incluiu a canção no seu álbum Mel, um disco de sucesso, que conta com outras canções com apelo sensual, temas que faziam parte desse momento na carreira da cantora
Duda Mendonça conta sua versão da história no livro Casos e Coisas:
Mas, sem duvida, o jingle de maior sucesso da minha carreira não tem nada haver com campanha política. Foi o que fiz em parceria com a turma da produtora carioca Zurana, para um motel baiano, chamado “Le Royale”. E estourou na Bahia. Tivemos que providenciar cópias da musica para dar de presente, como brinde aos frequentadores do motel:
De repente fico rindo à toa
Sem saber por quê
E vem a vontade de sonhar
De novo te encontrar
Foi tudo tão de repente
Eu não consigo me esquecer…
O jingle, aliás, não dizia o nome do motel. Falava de uma situação amorosa. Só. A assinatura “Le Royale” aparecia apenas no final, capitalizando toa a emoção da música.
E aí veio a surpresa, num belo dia recebi o telefonema de Maria Bethânia. Ela perguntava se eu a autorizava a gravar aquele jingle em seu novo disco, Mel. Quase caí da cadeira. É claro que sim Bethânia, com todo prazer. Foi o que consegui balbuciar. E foi assim que a música “Cheiro de Amor” entrou para as paradas de sucesso.
Houve um momento até engraçado. Quando Bethânia lançou o disco, eu ao estava no Brasil. Um mês depois, saltei no aeroporto do Galeão, no Rio, e fui para uma filmagem. Ao entrar no táxi, o rádio anunciava: “Em primeiro lugar, Maria Bethânia com a música ‘Cheiro de Amor’. Não resisti e eufórico, disse ao motorista: “Essa música é minha”. Ele olhou para trás e deu uma risadinha marota, carioca, como se estivesse pensando: esta profissão de taxista é fogo, pego cada doido..
Fontes: Faour, Rodrigo. História Sexual da MPB. 4ª Ed. São Paulo, Record, 2011.