João e Maria (Chico Buarque) Lirismo ou crítica social?

 

Uma canção, quando feita e lançada, muitas vezes não pertence mais a seu autor, tamanhas as interpretações, os significados e as distorções que surgem a partir delas. Uma das referências mais interessantes é a famosa canção “João e Maria”, com letra de Chico Buarque para uma melodia de Sivuca, feita em 1944.

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A letra, muitos conhecem:

Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava o rock para as matinês
Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país
Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido
Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?

Como curioso que sou, fui buscar diversas interpretações da canção que achei por aqui ou por acolá na Internet. Olha algumas frases que eu encontrei:

1) Acho que o eu-lirico da canção é na verdade a instituição Forças Armadas brasileiras. Considerando que a música é de 47 (logo pós 2a Guerra) e a letra só foi escrita em 77 (como está no site do Chico Buarque) o autor primeiro tenta construir uma certa evolução cronológica da atuação dos militares (o que tem a ver com o tema de canção infantil, como se este estivesse tentando resgatar a infância das Forças Armadas e dos ouvintes a lembrar das impressões da época).

2) No texto, há uma apologia ao anarquismo proposto por Nietzche(um Estado sem Governo, já que se podia ser ao mesmo tempo bedel,juiz, herói,guerreiro,artista e a mulher princesa, plebeia e meretriz-andava nua pelo meu pais-); há também uma ligação do anarquismo ao Comunismo, já que a vitoria sobre os alemaes na segunda guerra, pode afirmar a hegemonia soviética e dividir o mundo entre as duas potencias mundiais

3) Na realidade, Chico fala de uma pessoa amada mas ele não tem essa intenção. A real intenção dele é falar da Liberdade que ele tanto queria, ou seja, da luta contra a ditadura militar.

4) O Chico se apropria da linguagem infantil para criticar governos autoritários.”Agora” eu “era” é assim que crianças fantasiam em suas brincadeiras nas quais enfrentam situações com grandes vilões e saem vencedoras.Quando vencem, logo inventam outro vilão para destruir. Chico tinha o nazismo, na Alemanha e a ditadura no Brasil. Faz referencia ao “dedos duros” (bedel, que eram infiltrados nas universidades para vigiar ações subversivas de prof. ou alunos e os juízes que eram grandes servidores da ditadura, nem todos, é lógico).Chico sonha com leis que pare com a censura, proibições em geral, que faz o povo infeliz e com medo.

Por mais que tentem estabelecer uma visão de crítica social na bela canção, Chico descartou esta interpretação, contida no livro “História das canções”

“Cada música tem uma história. Eu tenho uma parceria com o Sivuca que é engraçada. Ele fez a música, que ficou se chamando João e Maria. Ele mandou uma fita com uma música que ele compôs em 1944, por aí. Eu falei: “Mas isso foi quando eu nasci.” A música tinha a minha idade. Quando eu fui fazer, a letra me remeteu obrigatoriamente pra um tem a infantil. A letra saiu com cara de música infantil porque, simplesmente, na fitinha ele dizia: “Fiz essa música em 47.” Aí pensei: “Mas eu criança…” e me levou pra aquilo. Cada parceria é uma história. Cada parceiro é uma história.”

E, na mesma obra, consta um adendo:

 “Como qualquer artista, Chico não tem as chaves de sua criação. Quando fez a letra de João e Maria, de Sivuca, por exemplo, não entendeu o que ele mesmo tinha querido dizer com o verso “e o meu cavalo só falava inglês”; levou o enigma a Francis Hime, que arriscou: “Eu acho que é um cavalo muito educado.”

 

Sivuca, numa entrevista em 1986 dada da Moacir Oliveira, tratou da canção:

 

 A história de João e Maria é interessante porque foi uma música que eu fiz em 1947, em Recife. Eu não tocava daquele jeito que o Chico toca na nova versão. Eu tocava bem pesado, melodiosa, bem romântica para acordar as garotinhas (risos).

Aí quando eu mostrei a música, ele disse:
 –  Vou fazer uma letra para esta música que é muito linda. Fez.
Quando ele me mostrou a letra eu disse: O que é que eu posso dizer…
Ele colocou tudo no passado. (Agora eu era herói e o meu cavalo só falava inglês..)
Porque quando ele tinha três anos, só falava assim exatamente desse jeito. Então aproveitou o gancho e colocou a vivência dele. E saiu uma das melhores letras que o Chico já fez.

 

A música, de um belo lirismo, trata de uma história de amor desfeito a partir de uma narrativa de faz-de-conta, semelhante a uma história contada por crianças “Agora eu era herói”, a mistura de tempos verbais, em que a fantasia de hoje se refere a um tempo passado, a uma fantasia, do herói, do rei, do juiz que, na iminência da fuga da pessoa amada, contenta-se em ser o brinquedo, o peão, o bicho preferido.

 

E o faz de conta, pra lá do quintal, faz com que o eu-lírico sinta-se perdido com a ausência da personagem que faz parte da sua fantasia.

Chico fez esta letra logo após fazer a versão brasileira do musical italiano “os Saltimbancos”, uma história para crianças, mas com muita crítica social.  A primeira gravação coube a Nara Leão, num dueto com o próprio Chico Buarque

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Não parece constituir arte engajada ou crítica social. Mas vá saber….

 

http://portrasdaletra.blogspot.com/2008/11/joo-e-maria.html

Zuza Homem de Mello e Jairo Severiano,  85 anos de Música Brasileira Vol. 2, 1ª edição, 1997, editora 34

Chico Buarque: História de Canções. Wagner Homem. ed. Leya

http://blogln.ning.com/profiles/blogs/dia-do-compositorsivuca-fala

 

 

quarta 03 abril 2013 03:06 , em MPB

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