“Negro Gato” foi um dos sucessos de Roberto Carlos da primeira fase da Jovem Guarda, e que durante algum tempo, virou um tabu no repertório de Roberto, haja vista que, por conta do seu TOC, ele, por mais de 30 anos deixou a música fora do seu repertório, voltando a cantá-la somente em 2013, isto é, 47 anos após a sua gravação original, em 1966.
A música é uma versão da música “Three Cool Cats”, da dupla Jerry Leiber e Mike Stoller. Foi originalmente lançada pelo The Coasters em 1958. (Uma curiosidade é que a música foi gravada pelos Beatles para sua audição na Decca Records no dia de Ano Novo em 1962 em Londres, e que seria lançada apenas muitos anos depois, já que os Beatles jamais assinaram contrato com a Decca) .
No Brasil, a versão foi composta por Getúlio Côrtes e tem uma séria de conotações distintas. Se a versão original remonta a “três gatos legais” (three cool cats) que andam de carro, dançando e atrás de algumas garotas (“chicks”), a história criada por Côrtes termina remetendo a questões de desigualdade e racismo, embora não fosse esta a intenção original do compositor
Getúlio Côrtes, o compositor da versão, conheceu a turma de Roberto e Erasmo Carlos em um programa de rádio em 1961. Embora roqueiro de primeira hora, fã de Elvis Presley e Little Richard, ele gostava de outros gêneros, tanto assim que dublava na ocasião uma gravação de Sammy Davis Jr.
Numa Entrevista, Getúlio disse:
“Antes disso, eu compunha mais no amadorismo. Fui me infiltrando na antiga CBS e, na época, o Renato estava gravando lá. Estavam faltando músicas e falei: “Renato, será que você pode ouvir isso aqui, sem compromisso?”. Era Negro gato.
P- A música foi gravada por ele antes do Roberto, então?
Foi, sim. Ele ouviu, falou: “Pô, legal, é uma faixa diferente, vou gravar”. Alguns músicos da banda não ficaram contentes, não… Teve gente que falou: “Pô, a gente tá gravando Menina linda e você vai querer botar Negro gato?”. Mas ele gostou. Na mesma época o Roberto ouviu ‘Pega ladrão’ e gravou.
Assim, em 1966, Getúlio fez uma música para o disco de Roberto Carlos, na época, no auge por conta do programa “Jovem Guarda”. A música era “O Gênio”, um rock bem-humorado e ingênuo. Erasmo e Evandro Ribeiro, diretor artístico da CBS, também sugeriram que ele gravasse ‘Negro Gato’, que já havia sido gravada por Renato e Seus Blue Caps.
A música preserva o estilo brincalhão de Getúlio, carioca de Madureira. Consta que, após o fim da Jovem Guarda, Getúlio praticamente parou de compor. No entanto, “negro Gato ficou marcada como um de seus maiores sucessos.
Muitos identificaram na canção uma espécie de protesto relacionado com discriminação, mas a história da canção é mais simples. Conta Getúlio numa entrevista ao Jornal do Commércio:
Construí um anexo no quintal da minha casa, em Madureira. Ficava lá, fazendo minhas coisas, e tinha um gato que não parava da me perturbar. Eu tacava pedra nele, ameaçava matar, e nada. O bicho lá, me olhando. Terminei me inspirando nele para fazer uma música. Não pensei que fosse gravar porque gato preto dá azar. Renato dos Blue Caps, ouviu e disse que iria gravar. Naquele tempo o conjunto tinha Erasmo Carlos como Crooner. A música serviria mais como enchimento de linguiça do disco do conjunto. Roberto Carlos, depois de gravar algumas músicas minhas, disse que iria gravar o negro gato do jeito dele”
Noutra entrevista, ele conta:
O Negro gato era um gato que ficava miando perto da sua casa, não? Como surgiu essa música?O gato tem uma história… Eu morava em Madureira numa casa e não tinha acesso a disco, não tinha toca-disco, não tinha nada. Não dava para cantar as vitórias, tinha que cantar as derrotas, não é mesmo? (rindo). O meu quarto tinha um teto de zinco e ficava lá um gato preto andando em cima do teto e miando. Cara, já imaginou gato andando em cima de teto de zinco, a barulheira que é? E isso toda madrugada. Duas horas da manhã, ele tava lá enchendo meu saco. Eu tacava pedra, não adiantava nada. Só que um dia ele ficou me olhando no escuro, aqueles dois olhos me olhando no escuro. E me pus no lugar dele: pô, todo mundo diz que o bicho dá azar, machuca o gato. Aí fiz uma música em homenagem a ele.
O gato preto te deu sorte, então.Deu mesmo! O Luiz Melodia, quando foi gravar a música, me falou: “Pô, que legal que você fez uma música contra o racismo, a música tem essa conotação, etc”. Nem era nada disso, a música era pra um gato mesmo.
Outra curiosidade, que diz respeito às superstições de Roberto, foi a mudança da letra, para tirar a palavra “azar”
CE – Roberto mudava muito as suas músicas? GC – A única música em que ele fez modificações foi “Negro gato”. Havia uma frase que dizia “…e nessa minha vida sempre dei azar”. Roberto a mudou para “…essa minha vida é mesmo de amargar”. Fora isso, que eu me lembre, ele não mexeu em nenhuma outra. Eu o conhecia muito e sabia exatamente as palavras que ele gostava e qual era o seu estilo de cantar.
A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34