Esperando na janela

O forró clássico, tradicional, à moda de Luiz Gonzaga, tem algo de nostálgico, inocente… os ritmos juninos fazem a malícia ficar mais singela no friozinho aquecido pelas fogueiras de São João.  Com as festas juninas, parece que a canção de amor em ritmo de xote é mais singela, a saudade do baião é mais intensa, a alegria do xaxado é mais pura.

Não é por acaso que no mês de junho termina sendo inevitável falar de Forró, e com o forró falar um pouco daquela música de Targino Gondim que virou um clássico instantâneo na voz de Gilberto Gil: Esperando na janela. 

Targino Gondim – Ritmo Melodia

Targino Gondim é pernambucano, nascido em Salgueiro, e criado músico em Juazeiro-BA, começando a tocar sanfona desde os 12 anos, e sua inspiração, óbvia, era Luiz Gonzaga.

E foi inspirado em Gonzagão que surgiu seu maior sucesso, a música “esperando na Janela”, cuja história ele contou numa entrevista:

Esperando na Janela foi feita em agosto de 1998, enquanto eu tomava banho. Estava cantarolando uma música de Luiz Gonzaga e me veio a inspiração.  Completei a composição com versos de meus parceiros, Manuca e Raimundo do Arcodeon. Essa música está gravada no disco de 1999 e coincidiu com as filmagens de Eu, Tu, Eles, que acontecia em Juazeiro. Fui fazer um teste para participar do filme e o diretor me cortou, dizendo que eu não tinha cara de sanfoneiro, mas um dia estava fazendo um forró e os artistas foram lá e a Regina Case me reconheceu. Eles começaram a pedir músicas de Luiz Gonzaga e eu aproveitei para tocar também Esperando na Janela, que acabou virando a trilha sonora e carro-chefe do filme.

A música tem todas as receitas de um forró típico de São João: uma certa nostalgia, uma idealização da pessoa amada, a saudade do jeito, no cheiro, da mulher que não vem, mas cuja saudade faz com que ele vá atrás dela e vá declarar seu sentimento.

A canção venceu o Grammy Latino em 2001 (Targino Gondim \ Raimundinho do Acordeon \ Manuca Almeida), que também ganhou a voz de Gilberto Gil e deu ao artista espaço no filme “Eu, Tu, Eles”

Gil explicou como a canção passou a fazer parte do filme, no seu sítio digital:


É uma música de um menino lá, Targino Gondim, sanfoneiro da região onde o filme foi feito, no sertão. A direção do filme precisava de uma banda para tocar forró ao vivo, na locação. O sanfoneiro apareceu, cantou essa música e encantou todo mundo. Porque essa música é uma pérola”.

Uma canção singela, que, na hora certa, e impulsionada pela gravação de Gilberto Gil,  virou história…. Targino costuma dizer que ela é a sua “Asa Branca”

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A letra:

Ainda me lembro do seu caminhar
Seu jeito de olhar eu me lembro bem
Fico querendo sentir o seu cheiro
É da daquele jeito que ela tem
O tempo todo eu fico feito tonto
Sempre procurando mais ela não vem
E esse aperto no fundo do peito
Desses que o sujeito não pode aguentar
E esse aperto aumenta o meu desejo
E eu nao vejo a hora de poder lhe falar

Por isso eu vou na casa dela
Falar do meu amor pra ela vai
Tá me esperando na janela
Não sei se vou me segurar

Targino Gondim

https://www.uai.com.br/app/noticia/musica/2015/07/19/noticias-musica,169726/conheca-o-sanfoneiro-responsavel-pelo-refrao-mais-famoso-do-forro.shtml

quarta 20 junho 2012 17:52 , em Forró

Nomes de Mulheres nas canções de Chico Buarque

Uma das qualidades sempre elogiadas de Chico Buarque é sua capacidade de cantar canções aproveitando-se do “eu-lírico” no feminino, em que mulheres, com vários nomes,  profissões e histórias de vida, mulheres que são amadas, abandonadas, prostituídas, estigmatizadas…

É um resgate da tradição medieval galego-portuguesa… quem não se lembra dos trovadores cantando no eu-lírico feminino???

 

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Mas busquei aqui uma lista dos nomes de mulheres citadas nas canções de Chico. Que mulheres são estas? Vou apenas fazer uma breve viagem nesses nomes, e no que eles revelam sobre tais mulheres…. 20 nomes de mulheres nas canções de Chico.

 

  1. Ana [Ana de Amsterdã] (A Ana  de vinte minutos, a Ana da brasa dos brutos na coxa)
  2.  Angélica (Quem é essa mulher, que canta sempre esse estribilho?)
  1. Bárbara (Nunca é tarde, nunca é demais, onde estou, onde estás, Meu amor, vem me buscar). Umas das músicas que se refere à paixão de duas mulheres.
  2. Beatriz (Sim, me leva pra sempre, Beatriz, me ensina a não andar com os pés no chão, para sempre é sempre por um triz)
  3. Carolina (Eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela e só Carolina não viu).
  4. Cecília (Me escutas, Cecília? Mas eu te chamava em silêncio,na tua presença, palavras são brutas).
  5. Cristina [Será que Cristina volta?] (Será que Cristina volta, será que fica por lá, será que ela não se importa de bater na porta pra me consolar).
  6. Helena [Acalanto para Helena] (Dorme minha pequena, não vale a pena despertar) Uma referência à canção de Caymmi, certamente para sua filha Helena.
  7. Iracema [Iracema voou] (Iracema voou para a América… Se puder, vai ficando por lá, Tem saudade do Ceará, Mas não muita)
  8. Januária (Até o mar faz maré cheia pra ficar mais perto dela).
  9. Lola (Sabia, Que ia acontecer você, um dia, E claro que já não me valeria nada, Tudo o que eu sabia, Um dia).
  10. Luísa (Para ela que ele faz o bonito, para ela que ele faz o palhaço, para Luísa dormir em paz).
  11. Madalena (Madalena foi pro mar, e eu fiquei a ver navios, Quem com ela se encontrar, Diga lá no alto mar, que é preciso voltar já, pra cuidar dos nossos filhos).
  12. Maria [Olha Maria] (Mas hoje, Maria, Pra minha surpresa, Pra minha tristeza, Precisas partir).
  13. Nina (Nina diz que, embora nova, Por amores já chorou que nem viúva, Mas acabou, esqueceu)
  14. Renata Maria (Na minha boca as palavras que eu ia falar, Nem uma brisa soprou, Enquanto Renata Maria saía do mar).
  15. Rita (Levou os meus planos, Meus pobres enganos, Os meus 20 anos o meu coração, E além de tudo, me deixou mudo o violão).
  16. Rosa (Ah, Rosa, e o meu projeto de vida? Bandida, cadê minha estrela guia? Vadia, me esquece na noite escura, Mas jura, Me jura que um dia volta pra casa).
  17. Sílvia (Morre de amor quem é capaz, Sílvia, Jaz, Morro de amor e quero mais, Sílvia).
  18. Teresa [Teresa Tristeza] (Oh Tereza essa tristeza, Não tem solução…Não me espere não…  Ao menos sou sincero, Que te adoro, Que te quero, Mas não passo bem sem carnaval).

 

Não posso deixar de registrar que muitas das músicas são sambas que seguem a velha tradição do samba carioca, da mulher que faz sofrer… e cada uma delas pode merecer uma história à parte…

Aliás…. a história de Zanzibar….

Imaginar Calcutá, Zanzibar e Paracuru numa musica imagética, que remete a cores, a um azul que reluz no corpo “dela”, o objeto de desejo, que, por sua vez, usa um “tricolor colar”.

Esta é Zanzibar, que tem por subtítulo “As cores”, uma feliz parceria entre Fausto Nilo e Armandinho, na virada de 1979 para 1980, que remete a um jogo de palavras que termina remetendo sempre a um tom de azul, do céu, do mar, da estrela.

A canção fez um enorme sucesso, e foi narrada por Fausto Nilo e Armandinho, no terceiro volume do livro de Ruy Godinho,”Então foi assim?”

Narra Armandinho:

Eu fui às coisas da minha avó. Foi uma música que me remeteu a outros ares, outro tempo. E eu já tinha o compromisso de fazer uma parceria com o Fausto. Eu mandei a melodia e ele levou um tempo fazendo, até que concluiu. A gente já estava praticamente na boca. E eu disse: ‘Fausto, essa música já está praticamente gravada e eu preciso da letra pra gente sacramentar o negócio.’ E ele rebuscando rebuscando, rebuscando… Porque o Fausto faz uma alquimia, ele sabe captar o som em forma de letra, ele sabe extrair a letra da música. E a música tem todo um colorido, um céu azul, uma história tropical. O interessante é que quando ele me mostrou a letra eu não entendi nada.”

Não podemos tirar a razão do baiano diante da colagem de expressões de palavras soltas apresentadas pelo letrista.

Aí eu disse: ‘Fausto, eu gosto muito dos sons: Jezebel, Calcutá, Alah meu only you… Eu adoro isso, mas me explica um pouco o significado. Ele falou: ‘Rapaz, não tem uma explicação específica. Da forma que você entender é que é. Na verdade, eu viajei num trópico que tem o mesmo clima, o mesmo vento, o mesmo ar. Aí eu disse: ‘Realmente, essa música eu fiz no terraço da casa do meu pai, lá no Bomfim. Quando eu estava compondo, tive uma viagem muito espiritual, astral, eu sentia essa música assim, num clima inexplicável’. E ele fez uma letra um tanto inexplicável. Ficaram coisas assim [como] bazar da coisa azul”, diverte-se.

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Mar azul de Zanzibar

 

Fausto recebeu a melodia de Armandinho numa fita cassete, num dos inúmeros carnavais que passo na Bahia. “Eu voltei pro Rio num domingo de carnaval. Fiquei uns dias na praia, encontrei muito o Moraes, o Armandinho… Eles iam todo dia pro Rio Vermelho e, num desses dias, o Armandinho me deu uma fita e disse ‘Olha, tem aqui uma melodia’. 

“Tinha uma pichação em Salvador que era Zanziblue. Onde eu passava, eu via. E na hora em que fui ao aeroporto, eu vi repetidas vezes a Zanziblue. Quando entrei no avião, peguei meu fone de ouvido e o gravador e fiquei ouvindo a música que Armandinho tinha me dado. A primeira coisa que eu notei é que Zanziblue caía muito bem numa parte da música. Mas, ao mesmo tempo, eu não gostava, não era uma palavra, eu achava uma invenção assim meio…Eu rejeitei. Interessou-me a sonoridade, a métrica estava boa, mas decidi não escrever. Quando cheguei ao Rio, ouvindo de novo, vendo umas anotações que eu tinha, eu tive a ideia de fazer uma letra cheia de coisas do Oriente. Eu vi muito na Bahia aqueles blocos com coisas da África, imitando coisas do Marrocos. Aí misturei essas coisas todas e nasceu Zanzibar. Onde era Zanziblue eu botei Zanzibar”, que é o nome de um arquipélago localizado na costa da Tanzânia, formado por duas ilhas Unguja e Pemba. Os árabes chamavam Unguja de Zanj-Bar, que significa Costa dos Zanj (negros), depois adaptada ao jeito que se pronunciava, Zanzibar. E assim ficou conhecida.

 

“Aí escrevi a letra cheia de coisas engraçadas porque tive muita dificuldade de encontrar uma palavra com a prosódia boa e com a colocação certa naquele Paracuru, no azul da estrela… Aí me ocorreu uma praia aqui do Ceará, Paracuru.” O suficiente para que, com o sucesso da música, o prefeito da cidade convidasse Fasto Nilo para ser homenageado e pleno carnaval. Ele foi, Claro

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Curioso foi como “aliás” entrou na letra. Fausto Nilo Conta:

“Tinha uma frase que eu não encontrava a solução para ela. Ele gravaram tudo deixaram só o vazio dessa frase. Ficaram esperando. Eles estavam muito ansiosos. Todo dia eles cobravam: ‘Cara, cadê a frase? E eu respondia: ‘Prometo que hoje eu resolvo’. Eu virava a noite caçando a frase e não achava. Um dia, eu fui à avenida Jardim Botânico, perto da Tevê Globo, onde tem um boteco e um ponto de ônibus e fica muita gente na calçada. Eram seis, sete horas da noite. Eu fui cantarolando. Exatamente na hora dessa frase que eu não tinha, um sujeito que estava tomando umas biritas, saiu do bar, deu uma cusparada na calçada e disse assim: ‘Aliás’! E voltou para dentro do bar para continuar a conversa. E aí eu mandei: Aliás,bazar da coisa azul, meu only you… Fui ao orelhão e liguei pro Armandinho:

‘- Achei a palavra’! 

‘- Qual é’?

‘- Aliás’!

‘- Aliás’???

 

Meio surpreso, ele chamou os outros e disse: ‘Olha, ele falou aliás! Alguém perguntou:

‘- Bicho é, aliás’?

‘-É, aliás, ele confirmou’.

Depois de algum tempo, eles aceitaram: ‘Pô! Ficou legal’! E eu terminei a letra. Às vezes acontece isso. Eu trabalho com essas coisas, vou colando”, concluiu.

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Armandinho jura que não deu nenhuma dica para letra, porém…

“Essa coisa da letra sempre fica a cargo dele. Mas, por exemplo: No azul de Jezebel no céu do Ceará…Ele adorava isso. Aí eu disse: ‘Pô, Fausto, se você fizer isso, a música vai deixar de ser Bahia e vai ser Ceará’. Só que ele tirou o calcutá da manga:

‘- Olha aí Calcutá”!

‘- É! Calcutá’!

É mais interessante porque universaliza a música”, justifica o melodista.

 

Zanzibar, que recebeu o subtítulo de As cores, foi registrada pelo grupo A Cor do Som, no LP transe Total (Elektra/WEA, 1980), no CD Ao Vivo no Circo (Movieplay, 1996) e no CD a Cor do som – Acústico (BMG, 2005; Pelo trio Elétrico Dodô e Osmar, no LP Vassourinha Elétrica (Elektra, 1980); por Fausto Nilo, no CD Fausto Nilo – 12 Letras de Sucesso (Songs/CBS,1987); Por Elba Ramalho, no CD Baioque (BMG Brasil, 1997), entre outras regravações.

“Depois me veio o prefeito de outra cidade querendo que eu fizesse uma letra com o nome da praia dele. E eu tive de explicar que aquilo foi um acidente”, revela Fausto.

“O mais engraçado é que essa música fez um sucesso danado. Eu via todo mundo cantando a letra errada, cantava de outro jeito, mas o som estava ali. É o som das coisas, das palavras, que ele foi buscando na música e se transformou no que é”, decreta Armandinho.

 

 

 

Dez músicas nota 10, segundo Tom Jobim

No ano de 1970, Tom Jobim já era um compositor consagrado. Principal compositor da bossa-nova, já tinha feito sucesso nos Estados Unidos, gravado com Frank Sinatra, enfim, já se ensaiava a unanimidade que mais tarde só veio se consolidar.

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Sérgio Cabral, na biografia que escreveu sobre Tom Jobim, (Lazuli Editora: Companhia Editora Nacional, 2008), faz referência a uma entrevista dada por Tom ao jornalista Sérgio Bittencourt, para o Jornal O Globo, pedindo ao artista uma lista com 10 (dez) músicas que mereceriam nota 10.

Essa lista é importante, pois faz um retrato não só de Tom para o passado, mas também para o futuro. Repare que são 10 músicas nacionais, passando de Custódio Mesquita, passando por Pixinguinha, Ary Barroso e Dorival Caymmi, culminando em Chico Buarque e Caetano Veloso, que, em 1970, não eram os artistas consagrados que são hoje.

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Eis a lista, conforme a narrativa de Sérgio Cabral:

1) CARINHOSO, de Pixinguinha e João de Barro (Jobim contou a história dos americanos pedindo a partitura – essa eu conto em outra postagem)

2) NA BAIXA DO SAPATEIRO,  de Ary Barroso;

3) SAIA DO MEU CAMINHO, de Custódio Mesquita e Evaldo Rui;

4) MULHER, de Custódio Mesquita e Saidi Cabral;

5) SONHEI QUE ESTAVAS TÃO LINDA,  de Francisco Matoso e Lamartine Babo;

6) FEITIO DE ORAÇÃO, de Vadico e Noel Rosa;

7) ATÉ PENSEI,  de Chico Buarque;

8) PRA DIZER ADEUS,  de Edu Lobo e Torquato Neto;

9) CORAÇÃO VAGABUNDO, de Caetano Veloso;

10) ACALANTO,  de Dorival Caymmi (Dizendo “acho Caymmi um gênio”)

Obviamente, Tom não incluiu nenhuma música de sua autoria, algumas delas sucessos internacionais, que entraram para as músicas mais importantes do século, como Chega de Saudade, Garota de Ipanema ou  Desafinado,  só para citar três clássicas.

Uma lista de respeito de artistas que influenciaram Jobim, e alguns que ele influenciou..

Two Naira Fifty cobo

O disco “Bicho”, de Caetano Veloso, em 1977, tem uma série de canções que se incorporaram ao repertório permanente do cantor. Lá se encontram canções como Tigresa, Leãozinho, Odara, Alguém Cantando, que ainda hoje são lembradas e tocadas por Caetano e por tantos outros intérpretes.

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No entanto, uma canção que, em princípio, parecia esquecida no disco, ganha um significado especial.  Em 1977, Caetano Veloso e Gilberto Gil fizeram uma viagem a Lagos, na Nigéria, para participar do II Festival Mundial de Artes e Cultura Negra (Festac).

Importante saber que a moeda nigeriana é NAIRA, e KOBO  representam os centavos. Two Naira Fifty Cobo (2,50) era o valor cobrado pelo motorista africano para transportar os artistas durante o festival.  Durante as horas vagas, o referido motorista colocava música dançante africana (juju Music)  para tocar. E este motorista acaba sendo referido com suas relações com o Brasil e a Bahia

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Na biografia que fizeram de Caetano, Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco contam um pouco desta história (p.284/5)

as marcas deixadas em Caetano (na sua passagem pela Nigéria) tiveram sua profundidade. A Juju Music, a religião, a comida, os shows,. Muita lembrança boa de uma terra até então virgem para ele. Os ´causos´também ficariam na memória, como aquele do motorista que os levava para cima e para baixo e não mudava o discurso na hora de negociar o preço. Os brasileiros perguntavam quanto custava uma blusa e o homem respondia: ´two Naira fifty Cobo. perguntavam quanto valia um chapéu e e a resposta vinha de pronto: two Naira fifty Cobo.(…)    

A letra faz referências a Pelé e a força brasileira com o pé na África. Two Naira Fifty Cobo é ficou sendo o apelido do motorista. a referência ao povo lindo que dança na rua e que fala tupi (indígenas) e Iorubá (africanos). Caetano, ao se referir ao motorista africano, disse que ele o fazia lembrar-se dos pierrôs da Bahia no carnaval : “Sua dança, no entanto, tinha essa graciosidade africana e transmitia doçura e melancolia”

 

No livro “Sobre as letras”, Caetano fala:

 

Two Naira Fifty Cobo” é o preço que o motorista do ônibus que servia à delegação brasileira no FESTAC atribuía a tudo que se lhe encomendava e terminou virando seu apelido. Ele punha ju-ju music para tocar no toca-fita do ônibus, que ficava estacionado em frente ao prédio tipo ‘Fundação casa popular’ que nos abrigava, e dançava horas seguidas sobre o asfalto da rua deserta. Ele era feio e magro, usava sempre aquelas roupas estampadas e dançava com os olhos fechados. Parecia um Pierrô bêbado dos carnavais baianos do início dos anos 60. Sua dança, no entanto, tinha essa graciosidade africana e transmitia doçura e melancolia”.  

 

Caymmi, o ventilador e as “coisas boas”… uma crônica de Caetano…

Caymmi é representante único da música brasileira, alguém que fazia canções, que, como dizia Arnaldo Antunes, não parecem ter sidos feitas por gente, parecem o canto das coisas em si. E por esta razão as canções de Caymmi são atemporais, parecem que existem desde sempre…

Minha primeira postagem no blog foi sobre Caymmi, e começa com um trecho de “Coqueiro de Itapuã”, falando do vento que faz cantiga nas folhas, no alto do coqueiral…

E aí, li uma crônica de Caetano, em que contava uma experiência com Caymmi. Vale a pena repeti-la aqui…

Cresci sabendo que o Brasil nasceu na Bahia, o samba nasceu na Bahia, Cristo nasceu na Bahia. Mitos que não têm sido apenas desmentidos mas cruelmente pisoteados. Uma coisa, porém, ninguém pode negar: Dorival Caymmi nasceu na Bahia. E isso é como redimir as três afirmações anteriores, que vão, num crescendo, do simples orgulho histórico ao total absurdo. João Valentão é brigão, pra dar bofetão não presta atenção e não pensa na vida. A todos João intimida. Os chefetes matadores, seguidores tristonhos e provincianos da onda de heróis bandidos dos morros cariocas do passado (e que insistem em querer dar mostras de que ainda têm e terão eternamente o mesmo poder de sempre), são personagens soteropolitanos de agora. Mas João tem seu momento na vida. É quando sinto que se prova que, se os chefetes cariocas estão em descompasso com o andar da sociedade, os seus emuladores baianos são como o eco retardado de um gemido sinistro. Não há sonho mais lindo do que sua terra, diz o canto que brilha em perene redenção do insalvável.

TRIBUNA DA INTERNET | Ninguém cantava o mar como Caymmi, porque o mar,  quando quebra na praia, é bonito, é bonito…

Caymmi nasceu. Algo houve, cem anos antes da morte de DC, que nos mantém capazes de esperar, crer, amar. A canção brasileira é uma entidade em que as pessoas que por acaso se encontraram nesta parte do extremo Ocidente em que se fala português reconhecem-se, quase se justificam. Dorival Caymmi é um centro dessa entidade. O centro. Um polo. Um ponto fora da circunferência. Ele e só ele pode ser tudo isso.

As peças que ficaram conhecidas como “canções praieiras”, cantadas pelo autor acompanhado de seu violão, são momentos altos na história da música: as ouvimos e sabemos logo que se trata de grande arte, de algo que enaltece a nossa humanidade. As gravações têm apenas o defeito de terem sido mixadas com menos volume no violão em relação à voz do que seria o ideal. Mesmo assim, não há quase nada à altura em nossa música, em nossa literatura, em nossas artes plásticas ou cênicas. 

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Caymmi teve uma casa de veraneio em Rio das Ostras. Stella, sua mulher de sempre (minha mãe dizia que ela era sua cantora favorita dentre todas as brasileiras que se apresentavam nos programas de rádio — e que Caymmi, casando-se com ela, tinha nos roubado esse tesouro; mas o fato é que Stella encontrou a felicidade em Dorival e, numa única faixa do disco que este fez, décadas mais tarde, com Tom Jobim, ela provou que nos dava mais do que toda uma carreira de estrela poderia), recebeu a Kombi da TV Globo em que eu cheguei com Alcione e a equipe que iria gravar um encontro entre Caymmi e nós.

Quando todos cumprimentávamos a dona da casa (que ironizava toda a situação com aquele calor de sinceridade apaixonante), Caymmi chegou, falou rapidamente com todos e me destacou do grupo para, segundo ele, me mostrar uma coisa muito importante que ele tinha feito. Eu o segui casa adentro, uma dessas casas brasileiras de beira de praia do final do século XX, sem nenhum encanto aparente. Chegamos ao cômodo onde estava aquilo para o que ele queria chamar minha atenção. Era uma sala neutra, com uma poltrona comum. Um ventilador estava no chão, ligado. Caymmi, pondo a mão no meu ombro, disse: “Olha o que eu fiz: botei o ventilador de frente para a poltrona. Eu me sento aqui e fico só pensando em coisas boas”. Era um koan baiano, uma lição do Buda-Nagô, como sintetizou Gil. Zen-yoruba.

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Quando minha querida Suzana de Moraes, filha de Vinicius, se casou com Robert Feinberg, Dedé, mãe de Moreno, então minha mulher, foi madrinha, Carlos Drummond de Andrade, padrinho. Isso me deu a oportunidade de conhecer Drummond, que falou de música e política, chegando ao alvo: “O melhor é Caymmi”. Feliz, contei a história da poltrona e sobre o “só pensando em coisas boas”. Drummond, grave e sorrindo: “E nós, hein, Caetano, que só pensamos em coisas ruins…”.

Caymmi sabia de tudo. João Gilberto me disse que eu olhasse sempre para ele, que ele era o gênio da raça, uma lição permanente. Não por acaso ele é folclore e sofisticação urbana, “O mar” e “Você não sabe amar”, primitivo e impressionista, ligado a todos e sozinho. Todas as coisas ruins que se apresentam de modo tão estridente ao nosso redor agora mesmo estão sob o jugo de sua calma, de sua teimosa paciência, de sua doçura, de sua luminosa inspiração. Stella não nos deu apenas a “Canção da noiva”, Nana, Dori e Danilo: ela nos deu a vida de Caymmi. As coisas ruins vão ter de se virar para enfrentá-lo.

Fonte: http://www.caetanoveloso.com.br/blog_post.php?post_id=1737

terça 02 dezembro 2014 06:25 , em Clássicos da Música Brasileira

Mania de Você

Rita Lee muitas vezes não é devidamente valorizada quando se fala de música brasileira. A mais completa tradução de São Paulo, segundo a música Sampa, de Caetano Veloso, a madrinha ou a “tia” do rock, Rita Lee tem uma história que começa com os Mutantes, nas origens do tropicalismo.

Mas o auge de Rita Lee se deu na década de 70, quando assumia uma postura de rock cor-de-rosa, feminino. As músicas de Rita Lee  são de uma mulher que fala e gosta de sexo, mas não de uma maneira agressiva. Uma das músicas mais sensuais que existe, que se tornou sucesso absoluto em 1979, foi ” Mania de você”,  que foi definida por Tom Zé como uma “balada pós-trepada”

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Rita Lee, na canção Mania de você, assume que o assunto é sexo, numa música cheia de imagens, como “tirando a roupa”, “molhada de suor” e “deitar e rolar com você”

Meu bem você me dá água na boca
Vestindo fantasias, tirando a roupa
Molhada de suor
De tanto a gente se beijar
De tanto imaginar loucuras…

A gente faz amor por telepatia
No chão, no mar, na lua, na melodia
Mania de você
De tanto a gente se beijar
De tanto imaginar loucuras

Nada melhor do que não fazer nada
Só pra deitar e rolar com você

Em entrevista para o songbook de Almir Chediak, Rita confessa:

Marido de Rita Lee publica foto da cantora careca e emociona fãs |  Metrópoles

“Foi em cinco minutos que a gente fez mania de você. A gente tinha acabado de transar. ele pegou o violão, eu peguei um caderninho e começamos… ‘meu bem você me dá água na boca’ … a gente estava em estado de graça”…

Tom Zé já disse considerar esse álbum um marco da sexualidade brasileira. “Ele foi responsável pela educação sexual daquela época, com suas letras sexo-pedagógicas criadas pelo fato de Rita ter encontrado um marido tão fantástico como Roberto de Carvalho. Nunca vi uma pessoa se apaixonar tanto pelo pau de um namorado a ponto de tecer loas constantes e repetidas em tudo que cantava”.

Sem entrar no mérito do desempenho sexual de Roberto de Carvalho, então marido de Rita Lee, é muito pouco atribuir as músicas de Rita Lee, como Mania de Você,apenas ao desempenho sexual de seu marido.

É uma música que exala sensualidade e um modo feminino de enxergar o sexo até então muito pouco visto, que fala das fantasias, ao que me parece, muito mais do que roupas, que são tiradas enquanto o casal se veste de muitos personagens.

Numa entrevista ao Jornal do Brasil em agosto de 1979, Rita fala também sobre a composição:

– Nunca fiz música romântica, por que nunca me vi envolvida com o tema para fazer. Agora, eu casei, estou apaixonadíssima por meu marido, por meus filhos. Por isso, escrevei e cantei Mania de você, essa balada salerosa –

É o suor que molha, ela está molhada de tanto eles se beijarem, e imaginando loucuras enquanto o sexo acontece, por telepatia, como se eles não precisassem dizer nada, feito em todos os lugares, no chão, mar lua, em todos os lugares e na cabeça do feminino.

E depois, nada melhor do que não fazer nada, a preguiça logo após uma viagem sexual. É a quebra de um tabu, transforma uma coisa tradicionalmente vista como “feia” em bonita, desmistificada com a canção. Reparem que a canção é atemporal, e que nada mais se revela sobre o casal da canção, senão a sua afinidade, intimidade e harmonia sexual, transformada em canção pela perspectiva da mulher.

Inclusiva, a música foi o tema de um comercial da Ellus, que, pela sua conotação sexual, foi objeto de censura no final dos anos 70.

quarta 05 maio 2010 22:00 , em Anos 70

O carnaval da Bahia num jornal do Paraná em 1987

 

Em março de 1987, o crítico musical paranaense Aramis Millarch fez uma interessante crônica sobre o carnaval da Bahia e o recém-lançado álbum “Aí eu liguei o rádio“, do Trio Elétrico de Armandinho e Dodô e Osmar, publicado no jornal Estado do Paraná. É um belo artigo, que posto aqui em homenagem ao cronista, precocemente falecido em 1992.

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O Texto faz refletir sobre os carnavais de rua da Bahia há 30 anos, e o que mudou no carnaval de hoje…

Atrás do Trio Elétrico, só não vai quem já morreu…

A música carnavalesca tradicional pode ter desaparecido em termos de novas produções (embora os clássicos continuem a ser os mais cantados nos salões), o samba-de-enredo transformou-se num gênero de alta rentabilidade, algumas gravações de artistas famosos (ou não) conseguem ultrapassar o sucesso temporário e serem cantados nos carnavais.

Mortalha do Pinel Carnaval 1987

E ao lado de tudo isto, no verão de cada ano, especialmente com a força e vibração nordestina, surgem grupos, conjunto e intérpretes que caem no agrado popular. Veja-se o caso do baiano Luís Caldas, que com seu “Fricote” vendeu no ano passado mais de 100 mil cópias sem deixar Salvador. Salvador, que se orgulha de ter o mais animado Carnaval do Brasil – e que conforme as imagens da televisão mostram, estende-se não só até quarta-feira de cinzas, mas até o próximo domingo (como o de Olinda e Recife, onde o frevo come solto), exportou o Trio Elétrico, inventado há quase quatro décadas por Dodô e Osmar, para vários outros Estados – com adaptações de acordo com a imaginação de cada um.

Fonograficamente, o Trio Elétrico, com seu som de muitos decibéis tem mais de 50 registros, aos quais acrescenta-se agora “Aí Eu Liguei O Rádio” (RCA, janeiro/87), o 12º elepê do grupo que leva o nome de seus fundadores – Dodô e Osmar. Como diz o release desta produção de Guti, “o disco nem precisa explicação: é o próprio retrato de um fenômeno que reverteu todo o panorama da execução musical nas emissoras de rádio na Bahia”.

 

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Na Bahia, ao contrário do que acontece em Curitiba, há um sadio nacionalismo por parte das emissoras que chegam a programar até 90% de música popular, especialmente carnavalesca. E o Trio Elétrico Dodô e Osmar tem a ver com essa história, pois a grande maioria dos cantores, compositores e músicos baianos que hoje fazem sucesso na Bahia – e muitos em todo o Brasil – iniciou sua formação musical num Trio Elétrico. E praticamente todos os conjuntos musicais baianos que tocam no rádio são ou foram bandas de trios elétricos.

“Aí Eu Liguei O Rádio”, é um disco vibrante, bem ao estilo do trio e do som que hoje se faz na Bahia (e que se procura imitar em outros Estados). Isso fica demonstrado logo na faixa título, no deboche afoxé merengue de Walter Queiroz (já sucesso no Nordeste). Em “Depois Que O Ilê Passar” (Miltão), a marcação das batidas de mão, característica dos afoxés, é feita por guitarras, confirmando a força inovadora do grupo. “Além Mar” (Armandinho, Fred Goés e Beu Machado) e “Arregace A Manga” (Aroldo Macedo/Fred Goés) trazem um ritmo sincopado com pintadas de reggae. A galope, vem “Coração Aceso” (Carlos Moura/Carlos Pita”), outra que deve estar explodindo neste Carnaval. Abrindo o lado B, Moraes Moreira assina “A Vida É Um Pernambuco”, um frevo que une a beleza da letra com o ritmo alucinante e a competência instrumental que consagrou o conjunto. “Brilho Da Cor” (Carlos Moura/Pita) e “Tem Dendê” (Armandinho/Moraes Moreira) são bons exemplos de composições para se ouvir e gostar em qualquer época do ano. Ligeiros sopros de funk e reggae renovam o arranjo de “Cocachabamba” (Aroldo Macedo/Moraes Moreira), agora regravada. “Natal Como Te Amo” (Osmar Macedo) é uma definitiva prova de amor que une o Trio Elétrico Dodô e Osmar e o povo nordestino. Hoje não só o nordestino, mas de todo o País.

Allah-la-ô. A história da marchinha de 1941 que é (muito) tocada até hoje em bailes de carnaval…

Allah-lá-ô, um dos sucessos eternos de marchinhas de carnaval, há mais de 75 anos embala bailes de carnaval pelo Brasil, tem uma receita curiosa, citando Allah, calor, Egito, deserto e “água pra Ioiô e pra Iaiá”.
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Este sucesso improvável, com mais de 50 regravações,  é contado por Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, no seu primeiro volume de “A canção no tempo (1901-1957), p. 195-6:
A história de “Alá-lá-ô” começou no carnaval de 1940, quando um bloco do bairro da Gávea cantou nas ruas a marcha “Caravana”, de autoria de seu patrono Haroldo Lobo, que tinha apenas estes versos: “Chegou, chegou a nossa caravana / viemos do deserto / sem pão e sem banana pra comer / o sol estava de amargar / queimava a nossa cara / fazia a gente suar”.
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Meses depois, preparando o repertório para o carnaval de 41, Haroldo pediu a Antônio Nássara para completar a composição. Achando a ideia (a caravana, o deserto, o calor…) bem melhor do que os versos, ele logo faria esta segunda parte: “Viemos do Egito / e muitas vezes nós tivemos que rezar / Alá, Alá, Alá, meu bom Alá / mande água pra Ioiô / mande água pra Iaiá / Alá, meu bom Alá”.
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Conta Nássara – em depoimento realizado para o Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro, em 1983 – que, quando Haroldo tomou conhecimento dos versos, com a palavra “Alá” repetida várias vezes, entusiasmou-se: “Mas que palavra você me arranjou, rapaz!”. E ali, na hora, criou o refrão “Alá-lá-ô, ô-ô-ô ô-ô-ô / mas que calor, ô-ô-ô ô-ô-ô”, ponto alto da composição.
Ainda no mesmo depoimento, Nássara ressalta a atuação de Pixinguinha, como arranjador, na gravação inicial: “Era a última sessão de gravação para o carnaval de 41. Se não fosse gravado naquela sessão, só sairia no ano seguinte. Então, corri à casa de Pixinguinha, na rua do Chichorro, no Catumbi. Era um sábado de verão e o maestro, cheio de serviço, estava trabalhando sem camisa, encharcado de suor. Mesmo assim, ele teve a boa vontade de dar prioridade à minha música, começando a fazer imediatamente o arranjo, que ficou uma beleza, com uns três ou quatro enxertos de sua autoria”.

Beduínos - povos nômades do deserto - InfoEscola

Além da criativa introdução, Pixinguinha soube vestir “Allah-lá-ô” com uma orquestração exemplar, em que mais uma vez utilizou o recurso da modulação na sessão instrumental, que começa e termina com duas brilhantes passagens, primeiro subindo a lá maior e depois retornando a sol maior, tonalidade do cantor. Em 1980, num artigo em Manchete, David Nasser declarou-se autor da letra de “Caravana”, embrião de “Allah-la-ô”.

Você sabe o que é tiete?

Gilberto Gil, por duas vezes, chegou a definir o que é tiete… Ao prefaciar o livro “O país do carnaval elétrico, de Fred de Goes, afirma: “Tiete é uma macaca de auditório emancipada. leva um papo com você na praia, está perto e não tem aquela histeria diante do ídolo inalcançável”

No entanto, a sua melhor versão veio como música., na “Marcha da Tietagem”, gravada por Gilberto Gil, As Frenéticas e o Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar:

Tiete é uma espécie de admirador
Atrás de um bocadinho só do seu amor
Afins de estar pertinho, afins do seu calor

A música homenageia o/a tiete, que segundo o dicionário é um fã, um admirador.

Poucos sabem, na verdade, que a “Tiete” é um neologismo criado pelo grupo de dança e teatro Dzi Croquettes, que se apresentava  vestindo roupas consideradas femininas, utilizando muita maquiagem e purpurina, e que durou de 1972 a 1976.

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Rosemary LOBERT, no trabalho que desenvolveu sobre os Dzi Croquettes em 2010 (A Palavra Mágica: a vida cotidiana dos Dzi Croquettes), dedica um capítulo aos tietes…

De acordo com os integrantes do grupo , Duse Nacaratti, amiga de um deles, teria utilizado o nome de uma colega para definir aqueles “que estão sempre ali para ajudar, para dar um jeitinho, mas no fundo não fazem nada e só atrapalham a gente” (p.173).

O termo foi amplamente utilizado pelos Dzi Croquettes e, em boa parte graças à repercussão da mídia, foi conhecido e empregado de maneira mais ampla. A descrição do termo explicita o seu caráter dicotômico, podendo representar algo negativo (a intromissão), quanto positivo (admiração). Através desta dupla dimensão, Lobert passa à descrição das formas de classificar os tietes, quem eram eles e que tipo de relação se estabelecia entre as partes.

“Os tietes eram em sua maioria jovens que se identificavam com a proposta do grupo e que passaram a acompanhar suas atividades no palco e na vida. Nos espetáculos, os tietes poderiam ser facilmente identificados pelo vestuário inspirado na indumentária dos artistas, pela familiaridade com a peça e pela participação nas cenas. De acordo com Lobert, em cada espetáculo havia de 15 a 20 tietes.

Eles acabavam participando da cotidiana do grupo, praticando pequenas gentilezas, buscando remédios, lanches, resolvendo pendências; atuando em apoio ao espetáculo, colaboravam no financiamento, na maquiagem, retocavam os cenários.

No entanto, os tietes às vezes eram inconvenientes quando impunham presença ostensiva nos ensaios, intrometiam-se em questões internas ao grupo e exigiam vantagens.

Assim como os músicos alimentam as fantasias dos tietes, os tietes alimentam também a existência dos músicos. É um tipo especial de público, que conhece às vezes mais a história do artista do que ele mesmo. Mas não há tantas músicas assim homenageando esse tipo especial de admirador.

E a expressão veio com a Marcha da Tietagem, com uma letra curta, simples e alegre, que fala do tiete admirador, que quer um pouquinho, um pedacinho do ídolo, de se sentir próximo do artista e esta proximidade é que faz o tiete especial (quando, na verdade, se o tiete soubesse que muitas vezes o artista se torna especial port causa de sua existência).

A música segue dizendo que o tiete segue o ídolo como um vassalo, um discípulo, um seguidor, “Pro mato, pro motel, de moto ou de metrô”, e que é bom viver a história platônica da tietagem, de um amor inatingível, mas que sonha ascender para “alcançar o nível do paladar” do artista. Que muitas vezes prova…

Hoje eu sou o seu tiete
Às suas ordens, ao seu inteiro dispor
De imediato aonde você for eu vou
No ato, no ato
Pro mato, pro motel, de moto ou de metrô
Tititititi
Como é bom tietar
Seu amor inatingível
Tititititi
E se você deixar
Eu farei todo o possível
Pra alcançar o nível do seu paladar

E a palavra se incorporou de vez na década de 80, quando o Chiclete com Banana gravou “Tiete do Chiclete”, também conhecida como “Maluquete 2”, em que se cantava

“Maluquete, de quem você é Tiete? Eu Sou, sou tiete do Chiclete”

Fontes:

LOBERT, Rosemary. 2010. A Palavra Mágica: a vida cotidiana dos Dzi Croquettes. Campinas: Editora Unicamp. 296p.

Paula Lacerda Doutoranda em Antropologia Social – Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil. lacerdapaula@gmail.com

De Goes, Fred, O brasil do carnaval elétrico