Sobre o nome artístico de Gal Costa

Maria da Graça Costa Penna Burgos. Este é o nome de batismo de uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos. Gal Costa. Sempre tive curiosidade para saber a origens dos nomes artísticos de grandes ícones da Musica. 

Neste caso, a história é contada por caetano , no seu livro Verdade Tropical, como Guilherme Araújo, empresário dos tropicalistas, acabou escolhendo o nome de Gal:  

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Uma discussão paradigmática desses conflitos sutis foi a que envolveu o nome artístico de Gal. Seu nome de batismo é Maria da Graça Costa Penna Burgos. Desde Salvador, escrevíamos Maria da Graça nos cartazes e nos programas dos shows do Vila Velha, e a chamávamos de Gracinha no dia-a-dia e, carinhosamente, de Grau. Havia e há milhares de Graus na Bahia: é o apelido carinhoso de todas as Marias das Graças ou da Graça de lá. Na verdade, no caso da nossa Gal, Maria das Graças era apenas o nome que constava na carteira de identidade e era usado como nome artístico; para todos os efeitos, seu nome era Gracinha: assim é que a apresentávamos a novos amigos. Na intimidade, no entanto, nós a chamávamos de Grau.

Guilherme achava Maria da Graça inviável como nome de cantora. Ele concordava que era belo e nobre, mas sugeria uma antiga intérprete de fados portugueses, não poderia servir para uma cantora moderna, muito menos – e aqui ele voltava a sorrir diabolicamente – para uma nova rainha do iê-iê-iê. Ele gostava de Gau. Nós também. Em primeiro lugar porque era seu nome real (isso era fundamental para nós), e depois porque era bonito e fácil de aprender, além de ser marcante, uma vez que no Rio (e em São Paulo, pelo menos) esse não era um apelido comum como na Bahia.

Resultado de imagem para guilherme araújo empresário gal costa"Guilherme Araújo, Gal e Caetano

Mas havia dois problemas: Guilherme achava vulgar e “pobre” artista de nome único (para ele era indispensável um sobrenome se o nome não fosse composto, e mesmo os nomes compostos raramente eram aceitáveis: Maria Bethânia era, é claro, uma exceção genial); e Gau, escrito assim, com u, parecia-lhe pesado e pouco feminino. Como em quase todo o Brasil Gal e Gau tem pronuncia idêntica, achamos praticamente indiferente que a grafia fosse a escolhida por ele (que se referia a uma cantora francesa chamada Francis Gal como exemplo).

Restava a questão do sobrenome. Gal Penna? Gal Burgos? Guilherme, não sem razão, preferiu Gal Costa. Este era mais eufônico do que os outros dois. Ele não ousava sair dos nomes verdadeiros por saber de nossa intransigência quanto a isso. Mas eu não gostei. Eu achava que já tinha concedido o bastante em aceitar o l, que ele aceitasse o nome único: Gal, simplesmente, era a melhor solução. Mas ele insistiu no sobrenome e eu disse que Gal Costa parecia um nome inventado, parecia nome de produto, parecia nome de pasta de dentes e, finalmente, se Gau não era suficientemente feminino, Gal era abreviatura de general. Com a subida de general Costa e Silva ao poder, em substituição ao marechal Castelo Branco, Gal Costa passava a ser homônima do segundo presidente do período militar. Mas a própria Gal, de quem afinal devia ser a última palavra, aceitou o nome e ele funcionou muito bem com a imagem pop que se criou para ela.

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Até hoje me irrita ouvir alguém comentar que Gal Costa é um nome criado e que o verdadeiro nome dela é Gracinha ou Maria da Graça, e só quem não a conhecia de perto é que pensa que seu nome íntimo era Gracinha – e, no entanto, esse nome Gal Costa teve sabor de coisa inventada para mim mais do que para qualquer outro.

Hoje, que todos a chamam simplesmente de Gal, fico inteiramente em paz com essa história: é seu nome, seu nome verdadeiro, e é um nome baiano, profundamente autêntico e revelador da cultura particular do recôncavo da Bahia e da Cidade do Salvador, além de ser bonito sonoramente e o modo mais carinhoso de se a chamar. É, como queria Guilherme, internacional e pop, mas é pessoal e regional até a ponta da raiz. É, um lance de poesia profunda, feito de acaso e equívocos, que serve como síntese do drama tropicalista.

 

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Mas na altura, eu que hoje o amo mais que ninguém, fui quem mais reagiu contra esse nome. Lembro de comentar com Rogério a discussão e ouvir dele a declaração de que sempre estaria no extremo oposto de Guilherme, de quem se sabia fatal antípoda: E impossível que o que ele planeja seja o mesmo que eu planejo, pois ele é o empresário e eu sou o desempresário”.

Contudo, e apesar de falar com alguma ira na voz, ele se esforçava para me fazer entender que ele pensava mais numa dialética necessária ao processo, ou, melhor ainda, numa complementaridade, do que numa competição que implicasse inimizade reles. O mais bonito de tudo foi que Roberto Carlos e Erasmo Carlos, atendendo a um pedido de fazer uma canção para o primeiro disco tropicalista que ela gravou, apresentaram” Meu nome é Gal”, em que, sem nada saberem das exigências de Guilherme, insistem no apelido monossilábico e, num texto escrito para ser declamado por ela, frisam que “não precisa sobrenome, pois é o amor que faz o homem”.

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