Beija Eu

Em 1991, Marisa Monte lança seu primeiro disco de estúdio, “Mais”. Ela começa a aparecer como compositora, principalmente com suas parcerias com os então Titãs Nando Reis e Arnaldo Antunes.

Depois da explosão de “Bem que se quis”, dois anos antes, “Mais” foi o disco que confirmou a carreira de Marisa, que veio a se consolidar com Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-rosa e Carvão, em 1994.

A primeira música do disco, “Beija eu”,  considerada uma das melhores canções pop da década, tem uma inspiração singela. Arnaldo Antunes inspirou-se no modo com que seus filhos falavam. Disse, então, numa entrevista à Folha:

Já me inspirei muito neles [os filhos]. ‘Beija eu’, por exemplo, tem esse jeito de dizer que era o deles quando pequenos. ‘Pega eu’, Leva eu”, claro que transmitido para uma relação adulta amorosa, só que pegando um pouco a afetividade que vinha da sintaxe que eles usavam comumente”

Aquarelas Culturais: 15 - Beija Eu - Marisa Monte e Arnaldo Antunes

A letra começa justamente com a forma da criança se expressar, na própria visão de Arnaldo, em vez de “me beija”, há o “beija eu”, e isso, trasladado na relação amorosa, começa com um pedido, uma súplica de que o eu-lírico possar ser ele/ela mesmo(a). Em síntese, o recado da primeira estrofe é: ” deixe que eu seja eu mesmo, e aceite o que eu te der”

Seja eu,
Seja eu,
Deixa que eu seja eu.
E aceita
o que seja seu.
Então deita e aceita eu.

Beija Eu – Wikipédia, a enciclopédia livre

Em seguida, há referências claras a um encontro amorosos, com secos e molhados, o dormir e acordar juntos, os corpos tocando, e o desejo de continuidade no anoitecer e no amanhecer.

Molha eu,
Seca eu,
Deixa que eu seja o céu.
E receba
o que seja seu.
Anoiteça e amanheça eu.

Nielson Ribeiro Modro faz uma análise da canção: 

Trata-se da utilização intencional de um ‘ready made’ da linguagem infantil. Segundo declarações do próprio Antunes, sempre que perguntado a respeito, esta é uma estrutura inspirada no falar das crianças, que utilizam estruturas semelhantes na fase inicial da aquisição da fala e só adquirem o domínio da forma átona pronominal numa fase posterior à aprendizagem da forma pronominal pessoal.

A utilização desta forma infantil na canção resulta em frases simples mas de efeito enriquecedor, visto que demonstra uma certa dependência por parte do eu-lírico, como se fosse uma criança indefesa. Esta dependência resulta ainda numa maior proximidade entre o eu-lírico e a pessoa amada, demonstrando que, apesar dos imperativos utilizados, o resultado final desejado é a comunhão amorosa. Pode-se ter, ainda, um remetimento metafórico a uma criança que, apesar de dependente, ordena o que deseja de forma sutil, sempre despojando-se: “então beba e receba/ meu corpo no seu corpo/ eu no meu corpo/ deixa/ eu me deixo”. Ou ainda, a sugestão de que a voz adulta infantilizada resulta numa proposta amorosa ingenuamente maliciosa

Camiseta Beija eu | Vandal

Beija eu,
Beija eu,
Beija eu, me beija.
Deixa
O que seja ser.
Então beba e receba
Meu corpo no seu corpo,
Eu no meu corpo
Deixa,
Eu me deixo.
Anoiteça e amanheça.

Isso acaba fazendo vir à tona aquele jeito que os casais apaixonados às vezes conversam entre si, com voz e jeito de criança, e todas as implicações desse comportamento.

https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/24379/D%20-%20MODRO,%20NIELSON%20RIBEIRO.pdf?sequence=1

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/151171-monica-bergamo.shtml

http://aquarelasculturais.blogspot.com/2011/09/beija-eu-marisa-monte-e-arnaldo-antunes.html

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