Canção da despedida. A única parceria de dois Geraldos (Vandré e Azevedo)

Poucos sentiram tão fortemente o peso da ditadura militar como Geraldo Vandré. E a maior responsável por isso foi sua canção “Pra não dizer que não falei de flores”, ou “Caminhando”, apresentada no III Festival Internacional da Canção, no dia 29 de setembro de 1968. A canção ficou em segundo lugar (perdeu para Sabiá, de Chico e Tom Jobim, que receberam a maior vaia de suas vidas), mas foi cantada e recantada pelo público e chamada como a “Marselhesa Brasileira”. 

O certo é que, após o sucesso estrondoso de “Caminhando”, um verdadeiro hino contra a ditadura, a vida de Vandré tornou-se um martírio. Para se ter uma ideia, Zuenir Ventura faz uma referência a um artigo revoltado de um General, publicado no Jornal do Brasil em 06 de outubro de 1968, com o militar dizendo que a final do Festival da canção contemplara 3 injustiças:

1. Do Júri, ao colocar a música em segundo lugar, desconsiderando a “pobreza” da letra com seus gerúndios e rimas terminadas em “ão”, sem falar da canção em dois acordes.

2. Do público, que vaiou “Sabiá”

3. De Geraldo Vandré, que se insurgira contra “soldados armados”. Mas neste caso o general dizia que apenas essa terceira injustiça poderia ser reparada. 

Geraldo Vandré: o último show e a volta silenciosa
Vandré

No Jornal Estado de São Paulo de 05/08/1995, consta que Geraldo Vandré teria rompido com o Trio Marayá, que cantou com ele no Festival da Canção de 1968, e montou um novo grupo para acompanhá-lo numa turnê: o Quarteto Livre, do qual Geraldo Azevedo fazia parte do grupo.

Antes mesmo da canção “Caminhando” ser proibida oficialmente no dia 23 de outubro de 68, os discos já eram apreendidos, e Vandré vivia na paranoia de ser preso. Medo que se intensificou na sexta feira 13 de dezembro de 1968, quando veio o AI-5, uma das passagens mais vergonhosas da nossa história, que fechava o congresso, suprimia garantias individuais (como o habeas corpus) e fazia com que a ditadura mostrasse sua faze mais horrenda.

Vandré é advogado, e sabia dos riscos que corria, passou a esconder-se, viver na clandestinidade, mesmo sem saber se ele seria preso ou não, e, como relata Dalva Silveira, no seu livro “Geraldo Vandré: A vida não se resume em festivais (FT Editora), ele passou a planejar a fuga para um autoexílio.

Mas, antes de fugir do Brasil, Vandré passou um tempo escondido com ajuda da viúva de Guimarães Rosa. 

No período em que estava foragido, uma das pessoas que tinha acesso a Geraldo Vandré era Geraldo Azevedo, que compunha o “Quarteto livre”, banda que o acompanhara na turnê do Show “pra não dizer que não falei de flores”, cujo título, censurado, passou a ser “Socorro – a poesia está matando o povo”. 

Tarati Taraguá: Geraldo Azevedo - Jornal Nossa Música (1983)
Geraldo Azevedo

Geraldo Azevedo disse que, para ver Vandré, tinha que se comportar “como um militante de organização clandestina; entrava num carro, mudava para outro, fazia tudo para despistar pessoas da repressão que pudessem estar me seguindo para, por meu intermédio, chegar a Vandré” 

Nesse clima compuseram em parceria, Vandré e Azevedo, a “Canção da Despedida”, cuja letra é absolutamente clara e explícita. 

O eu-lírico anuncia sua despedida do seu amor, anunciando, todavia, seu futuro retorno. Afirma não poder ficar tendo em vista que um Rei mal coroado (que vem a ser, obviamente o governo militar) não deseja o amor em seu reinado.

No entanto, ao mesmo tempo em que se despede, anuncia a morte do “rei” velho e cansado, ao mesmo tempo em que anuncia a permanência do amor de hoje.  

 Obviamente, a música foi censurada. Numa entrevista para o site (www.abarriguda.org.br), Geraldo Azevedo conta:

Eu fui censurado várias vezes, teve uma canção minha que foi censurada até a ditadura acabar, que foi uma musica que eu fiz com Geraldo Vandré, a Canção da Despedida, foi muito censurada, insistimos, cheguei a colocá-la muitas vezes com nomes diferentes, mas não passava não!

Geraldo Vandré, todavia, numa entrevista a Ricardo Anísio em 2004, afirmou: 

“RA – Mas o Geraldo Azevedo também tem uma estória. Você disse que ele nunca foi seu parceiro em “Canção da Despedida”. Confirma isso?

GV – Claro que confirmo. Eu nunca tive parceiro nessa canção, a escrevi sozinho e ela está gravada no disco que fiz na França (“Das Terras de Bemvirá) mas quando foi lançado no Brasil veio sem essa faixa, não sei porquê, se foi por censura ou algo que o valha. A verdade é que depois que a marca Vandré virou um mito monstruoso apareceram parcerias que eu nunca fiz”.

Canção da Despedida - Geraldo Vandré (Compositores: Geraldo Vandré e Geraldo  Azevedo) | Geraldo azevedo, Letras de musicas, Musicas trechos de

O fato é que em 16 de julho de 1973 Vandré retornara ao Brasil. Ficara incomunicável nos quartéis do exército. Ao sair, disse que sua canção teria sido injustamente apropriada por grupos políticos e que dali para a frente só faria canções de ‘amor e paz’.

O artista Geraldo Vandré “morreu” ao voltar do exílio, restando apenas o advogado Geraldo Pedrosa de Araújo Dias. A ponto de que, quando Elba Ramalho foi gravar a “Canção da Despedida”, após sua liberação pela censura no fim da década de 70, Vandré não quis autorizar a sua execução, só o fazendo quando seu nome foi retirado dos créditos.

 Mas parece que era realmente uma despedida. Geraldo vandré nunca mais retornou… Ele jamais gravara esta canção. 

Canção da despedida – segunda do disco 2. Créditos Geraldo Azevedo/Geraldo

Geraldo Azevedo conta que, com a abertura política, disse que a “Canção da Despedida”, seguidamente censurada, poderia ser gravada. Aí ele procurou Vandré. Nas palavras de Geraldo Azevedo:

Minha conversa com Vandré foi difícil; ele não queria que a música não fosse gravada. resolvi que seria. Elba registrou-a em um belo disco, em 1980. (Só que, nos créditos, apareceram como autores Geraldo Azevedo e Geraldo – sem o sobrenome). Em 1985, Geraldo Azevedo colocou a autoria completa, pois soube que Geraldo Vandré se incomodara por não ter seu nome registrado integralmente.

Fontes: Silveira, Dalva, Geraldo Vandré: A vida não se resume em festivais (FT Editora)

http://www.abarriguda.org.br/destaques/entrevista-com-geraldo-azevedo/

https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19950805-37180-nac-0078-cd2-d4-not

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