Poemas de Arnaldo Antunes para Cássia Eller e para Marisa Monte

Marisas Monte e Cassia Eller são as maiores cantoras de sua geração. A década de 90 não seria a mesma se não houvesse o contraste entre a suave voz de soprano de Marisa, e o rascante timbre vocal de Cassia. Me deparei então com dois textos de Arnaldo Antunes, um para cada cantora, ambos encontrados em “Música Popular Brasileira”, de Mário Luiz Thompson, editora Bem Te Vi, São Paulo, 2001″. Vale a pena ver o trecho para cada uma delas: 

A relação musical de Arnaldo Antunes com Cassia, do ponto de vista das músicas gravadas, é escassa. Cassia Eller Gravou “Socorro”, música de Arnaldo Antunes para um poema de Alice Ruiz, em 1994.

Tributo a Cássia Eller na primeira noite do Rock In Rio | VEJA

Cássia Eller
Arnaldo Antunes
2001

O rugido do mar. A rocha. A lambida da fera. A guitarra. O raio surdo antes do trovão. A faísca que escapa do fio. 
Tudo ali no canto de Cássia Eller.
A brasa do cigarro brilhando na tragada, com a intensidade do que não dura, como a nota; sílaba.
Tudo sob controle sobre descontrole sob controle.
Sua voz parece um corpo material, de carne e osso e músculo e sexo. Um corpo opaco, massa compacta de graves e agudos soando juntos como um soco, um trago, uma onda de éter na cabeça.

Com Marisa Monte a relação é muito mais próxima. Além de formarem os Tribalistas, junto de Carlinhos Brown, a primeira música gravada por Marisa Monte no seu primeiro álbum é “Comida”, parceria de Arnaldo, Sérgio Britto e Marcelo Frommer, na época dos Titãs. E Arnaldo acompanha a trajetória Musical de Marisa, com duas músicas em “Mais”, três músicas em “Verde Anil Amarelo Cor de Rosa e Carvão” (duas em parcerias coma própria Marisa), parceria que se repete em “Memórias, Crônicas e Declarações de Amor“. “Infinito Particular”, “Universo ao meu redor” “O que você quer saber de verdade”

Bahia Notícias / Cultura / Notícia / Arnaldo Antunes e Marisa Monte  processam Doria por usar música sem autorização - 31/07/2018

Marisa Monte
Arnaldo Antunes
2001

Marisa Monte expressa uma consciência impressionante do que está cantando, quando canta. Como se dissesse ao máximo aquilo que a canção está dizendo. Seu canto é esclarecedor. Revela significados ocultos nas palavras. E essa é para mim sua maior qualidade, como é para mim a maior e mais rara qualidade de uma intérprete. 
A inflexão certa, a intenção justa, o timbre adequado. A pronúncia, a duração, o gesto. Tudo ali parece trabalhar junto e com muita naturalidade para carregar ainda mais de sentidos as canções.
E essa consciência se expande inevitavelmente ao som, à banda, ao repertório, aos arranjos e, principalmente, às composições próprias, de algumas das quais eu me orgulho em ser seu parceiro.

Como pode isso emocionar assim?

Interessante reparar que as referências a Marisa são prosa, enquanto Cassia é poesia. Enquanto Arnaldo destaca a capacidade de Marisa esclarecer ao cantar, ressalta a capacidade de Cassia emocionar. O preciso e o impreciso.  Vale o registro. 

Chão de Giz

Há muitas análise e especulações sobre como foi composta a composição “Chão de Giz”, que integra o primeiro álbum de Zé Ramalho (1978). A canção, imagética e cheia de metáforas, revela um relacionamentos que o artista teve, muito jovem, com uma mulher mais velha, casada, que fazia parte da chamada “alta sociedade” de João Pessoa.

Em entrevistas, Zé Ramalho apenas revela esta condição, sem contar detalhes sobre a história que viveu. O que resta são as inúmeras análises que se faz da letra da canção.

Zé Ramalho no música de segunda e Táxi Boy | Imaginação Fértil

Na letra, o eu-lírico se despede de uma relação, que possivelmente ocorreu ou atravessou um carnaval. Inegavelmente, revela uma frustração por uma relação não correspondida

Há relatos, que constavam no próprio site do artista que ele se apaixonou por esta mulher, casada com uma pessoa influente da sociedade, e que não estaria disposta a abandonar sua posição por aquela relação adolescente.

Diz-se, também, que Zé Ramalho ficou arrasado por meses, e chegou a mudar de bairro, pois morava próximo a ela. E, nesse período de sofrimento, compôs a canção.

chão de giz} bordado objeto no Elo7 | Rebecca Jacob ~ Bordado Livre  (11A674B)

Zé Ramalho, recentemente, numa entrevista, disse que em nenhuma música dele contém a frase “eu te amo”. esta frase é dita por outros caminhos. E ele, nesta canção, relata a experiência do desamor, ou melhor, do amor que se desfez.

E assim ele relata, no chão de giz, efêmero, frágil, dissipável, no qual as lembranças e devaneios daquela relação que se finda o torturam…

E as imagens daquela mulher, recortadas em folhas de jornais, seriam guardadas “no pano de guardar confetes’, ou seja, ficarão nas memórias e nos restos daquele carnaval.

E por mais que ele tente lutar, usando toadas as suas armas (“balas de canhão”), existe o Grão-Vizir, o marido. Mais do que a referência à posição, há uma referência à vilania, associada certamente a Kara Mustafá, um famoso grão-vizir otomano que é associado á ganância e à vilania. O Grão Vizir é o antagonista, e, em certa medida, o vencedor deste jogo de amor

E, numa manifestação de um certo despeito, ele diz ser o colibri que pode polinizar outras violetas velhas, assim como ela, e, diante da impotência, faz referência à loucura (camisa de força) e aos desejo (camisa de vênus) reunidas numa mesma pessoa.

E ele se resigna, pois não quer com ela apenas o cigarro efêmero do pós- sexo, nem o beijo passageiro. E por isso, nocauteado, vai embora, pois não quer, como um escravo, ficar acorrentado no calcanhar da pessoa, como uma forma de subordinação.

E na juventude dele, ele relata algo um tanto edipiano neste amor pela mulher mais velha (“Freud Explica”), e que a história acabou, o carnaval dele com ela acabou, e ele está indo embora.

Resta claro que a despedida, diante do contexto, é a única opção.

Significado da música Chão de Giz - Análise e Interpretação - Cultura Genial

http://museudacancao.blogspot.com/2012/11/chao-de-giz.html

http://www.cronistas.com.br/default.asp?ID_CRONICA=141