Flor de Lis/Djavan – A lenda de que teria sido feita para uma filha que morreu no parto

A mulher e a filha de Djavan morreram durante o parto? Mais cedo ou mais tarde você vai receber uma mensagem com essa, entre tantas lendas que circulam pela internet. Estas histórias circulam pela rede com a mesma intensidade que nossos avós falavam da mula-sem-cabeça… Os autores da lenda buscam dar credibilidade à história citando alguma suposta fonte (que ninguém se dá ao trabalho de conferir), e essa notícia se espalha e as pessoas começam a citá-la como verdade. 

Djavan – Flor De Lis (1987, CD) - Discogs

Uma dessas lendas do ciberespaço diz respeito ao primeiro sucesso de Djavan, Flor de Lis, gravado no seu primeiro álbum: A voz, o Violão, em 1976. Ninguém sabe ao certo como e onde ela surgiu, mas o certo que antes da internet ela não existia…

Segundo circula na internet, Djavan era casado com uma mulher chamada Maria, os dois teriam uma filha que se chamaria Margarida, mas sua mulher teve um problema na hora do parto e ele teria que optar por sua mulher ou por sua filha…. seguindo a lenda, Djavan teria pedido ao médico que fizesse tudo que pudesse para salvar as duas, mas o destino foi duro e a mulher e a filha faleceram no parto. Essa seria a inspiração de Flor de Liz.

Djavan, no Palco MPB, em novembro de 2010, esclareceu a história:

“Existe uma explicação na internet completamente falsa, nada daquilo jamais aconteceu, não é uma experiência pessoal, é uma invenção. De um modo geral a minha composição não fala de mim mesmo. É claro que eu não posso negar que está embutido ali coisas da minha experiência de vida, até coisas que aconteceram realmente, mas não são autobiográficas, de modo algum, essa não é a intenção. (…) E a explicação que deram pra “Flor de Lis”, que eu tive uma mulher, que deu a luz a uma criança, e a mulher morreu no parto, isso é de uma imaginação incrível, Muitas vezes  Minhas canções, embora tenham algo de mim, não possuem intenção autobiográfica. A primeira vez que eu li isso eu fiquei assustado. As pessoas realmente tem muita criatividade”.

O boato na imagem abaixo

flor de lis | Segura o Picumã

Mas o mais incrível é que gente na internet divulga, e ainda diz que pouco importa que seja verdade ou não, alguns dizem que a “história é linda, mesmo que não seja verdadeira”.  

Djavan efetivamente teve uma esposa chamada Maria: Maria Aparecida dos Santos Viana, com quem viveu entre 1972 e 1998. Mas ela está bem viva, e estava com o cantor quando do lançamento da música.

Em 2013 o cantor contou, numa entrevista ao programa Viva Voz, falando de  sua intenção com a letra:

Eu nunca tive por essa música uma impressão de tristeza, embora ela fale sobre um grande amor que não aconteceu. É uma música que conta uma história, de maneira leve, e a conclusão é isso [E o meu jardim da vida ressecou, morreu/Do pé que brotou Maria, nem Margarida nasceu…]com o refrão], mas ele não está se lamentando. Ele está concluindo a história que acabou de contar. É a enésima vez que eu estou falando, nunca aconteceu nada disso, essa música nem mesmo fala de uma experiência pessoal…

Flor de Lis | Amazon.com.br

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“Flor de Lis”

“Valei-me, Deus! É o fim do nosso amor

Perdoa, por favor, eu sei que o erro aconteceu.

Mas não sei o que fez, tudo mudar de vez.

Onde foi que eu errei?

Eu só sei que amei, que amei, que amei, que amei.

Será talvez que a minha ilusão, foi dar meu coração,

com toda força, pra essa moça me fazer feliz,

e o destino não quis, me ver como raiz de uma flôr de liz.

E foi assim que eu vi nosso amor na poeira, poeira.

Morto na beleza fria de Maria.

E o meu jardim da vida ressecou, morreu.

Do pé que brotou Maria, nem Margarida nasceu.

E o meu jardim da vida ressecou, morreu.

Do pé que brotou Maria, nem Margarida nasceu…

Originalmente publicada em janeiro de 2011. – Flor de lis – a lenda

Poema. A canção póstuma de Cazuza…

Cazuza tinha um grande amor por sua avó paterna, Maria José. Segundo conta Lucinha Araújo, mãe do cantor (Só as mães são felizes , Globolivros, 2004) ela era uma das válvulas de escape do artista, em cuja casa de Vassouras ele passou as férias dos 3 aos 15 anos. Relata que na casa da avó Cazuza era era tratado como um príncipe, cercado de todos os mimos.

A avó materna de Cazuza, a Vó Lice, morreu quando Cazuza tinha 17 anos. Ele, então, fez um poema, cujos versos estão gravados hoje no túmulo de sua avó:

Você foi embora

deixou vazia a casa

o riso num álbum de fotografias

e aquela imagem de Santa Rita…

e eu fiquei lá fora

brincando de cidade deserta

chupando manga

pedindo um beijo…

e agora é a velha história

você virou saudade

daqueles tempos de carochinha

daquela vida que eu inventei

daquela reza que decorei…

agora eu vou vivendo

no mundo sem sonho ou lenda

e só de noite, quando me lembro

eu sinto um troço no meu peito

e durmo…

Seu neto

Lucinha Araújo, tanto no Livro “O Tempo Não Para – Viva Cazuza”, quanto em entrevista a Pedro Bial (https://globoplay.globo.com/v/6643455), conta que a avó paterna de Cazuza disse, então, que ele não esperasse que ela morresse para que recebesse um poema dele, pediu para que ele desse a ela um poema enquanto ela estivesse viva. Numa tarde, Cazuza presenteou sua avó com este poema.

Depois da morte de Cazuza, sua mãe (Lucinha Araújo) começou a fazer um acervo com o material pertencente ao filho. Ela sabia que sua sogra guardava com carinho o poema escrito pelo neto, e pediu a ela o poema, para que fizesse parte do acervo. Mas a avó de Cazuza recusou, pois disse que não poderia entregar um presente.

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Após o falecimento de Maria José, as cunhadas, filhas de Maria José, ´perguntaram se Lucinha desejaria alguma lembrança dela. Lucinha pediu então as fotos que ela tinha com Cazuza e alguns LP’s autografados, e tinha um papel dobrado, escrito “poema para Maria”.

Tornada conhecida 23 anos depois, Lucinha ligou para Roberto Frejat (parceiro musical de Cazuza com quem fazia parte na Barão Vermelho), perguntando se ele aceitava idealizar uma música a partir do poema. Frejat atravessou uma noite e transformou o poema em música.

A pessoa escolhida para cantar não poderia ser outra senão Ney Matogrosso, grande responsável pelo boom da carreira do Barão vermelho, com “pro dia nascer feliz”, em 1985. Ney gravou a canção em 1999, no seu álbum “Olhos de Farol”. É, inclusive, a canção mais tocada na voz de Ney.

Eu hoje tive um pesadelo

E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com o seu carinho
E lembrei de um tempo

Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo

Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim

De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás