Cazuza tinha um grande amor por sua avó paterna, Maria José. Segundo conta Lucinha Araújo, mãe do cantor (Só as mães são felizes , Globolivros, 2004) ela era uma das válvulas de escape do artista, em cuja casa de Vassouras ele passou as férias dos 3 aos 15 anos. Relata que na casa da avó Cazuza era era tratado como um príncipe, cercado de todos os mimos.

A avó materna de Cazuza, a Vó Lice, morreu quando Cazuza tinha 17 anos. Ele, então, fez um poema, cujos versos estão gravados hoje no túmulo de sua avó:
Você foi embora
deixou vazia a casa
o riso num álbum de fotografias
e aquela imagem de Santa Rita…
e eu fiquei lá fora
brincando de cidade deserta
chupando manga
pedindo um beijo…
e agora é a velha história
você virou saudade
daqueles tempos de carochinha
daquela vida que eu inventei
daquela reza que decorei…
agora eu vou vivendo
no mundo sem sonho ou lenda
e só de noite, quando me lembro
eu sinto um troço no meu peito
e durmo…
Seu neto
Lucinha Araújo, tanto no Livro “O Tempo Não Para – Viva Cazuza”, quanto em entrevista a Pedro Bial (https://globoplay.globo.com/v/6643455), conta que a avó paterna de Cazuza disse, então, que ele não esperasse que ela morresse para que recebesse um poema dele, pediu para que ele desse a ela um poema enquanto ela estivesse viva. Numa tarde, Cazuza presenteou sua avó com este poema.
Depois da morte de Cazuza, sua mãe (Lucinha Araújo) começou a fazer um acervo com o material pertencente ao filho. Ela sabia que sua sogra guardava com carinho o poema escrito pelo neto, e pediu a ela o poema, para que fizesse parte do acervo. Mas a avó de Cazuza recusou, pois disse que não poderia entregar um presente.

Após o falecimento de Maria José, as cunhadas, filhas de Maria José, ´perguntaram se Lucinha desejaria alguma lembrança dela. Lucinha pediu então as fotos que ela tinha com Cazuza e alguns LP’s autografados, e tinha um papel dobrado, escrito “poema para Maria”.
Tornada conhecida 23 anos depois, Lucinha ligou para Roberto Frejat (parceiro musical de Cazuza com quem fazia parte na Barão Vermelho), perguntando se ele aceitava idealizar uma música a partir do poema. Frejat atravessou uma noite e transformou o poema em música.
A pessoa escolhida para cantar não poderia ser outra senão Ney Matogrosso, grande responsável pelo boom da carreira do Barão vermelho, com “pro dia nascer feliz”, em 1985. Ney gravou a canção em 1999, no seu álbum “Olhos de Farol”. É, inclusive, a canção mais tocada na voz de Ney.
Eu hoje tive um pesadelo
E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com o seu carinho
E lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo
Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim
De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás
Eu sempre me pergunto, o que será que aconteceu a minutos atrás ?
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