Julinho de Adelaide foi um personagem fictício que Chico Buarque criou na década de 70 para driblar a censura. Julinho da Adelaide nasceu quando Chico Buarque passou a ser muito conhecido entre os censores do regime militar, na década de 70. Seu nome estava marcado, e suas músicas eram proibidas somente porque Chico era o compositor.
Chico, então, criou um alter-ego, um heterônomo, um sujeito chamado Julinho da Adelaide, supostamente oriundo da fevela da Rocinha. Assim, Chico (ou melhor, Julinho) compôs três canções, em 1973/4, gravadas por Chico: Acorda, Amor (em que o eu-lírico diz para a mulher chamar o ladrão, pois a polícia está chegando), Jorge Maravilha e Milagre brasileiro (em que critica o chamado “milagre econômico”).

Vou contar aqui um pouco da canção “Jorge Maravilha”, que tem um refrão bem conhecido “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”, que, segundo as lendas, seria um recado para a filha do então presidente do Brasil, Ernesto Geisel.
No livro “História das canções”, Wagner Homem esclarece o fato:
Para conseguir a liberação. Chico criou novo subterfúgio, que consistia em inserir a parte que lhe interessava misturada a outros tantos textos que não tinham pé nem cabeça. A canção foi enviada à Polícia Federal, sob o pseudônimo de Julinho da Adelaide, entre as estrofes abaixo:

A primeira parte não interessava:
Você não entendeu/Que o amor dessa menina/É a chama que ilumina/A minha solidão/O meu amor por ela/É uma cidadela/Construída com paz e compreensão
Aqui vinha a letra da que interessava:
E nada como um tempo após um contratempo
Pro meu coração
E não vale a pena ficar, apenas ficar
Chorando, resmungando, até quando, não, não, não
E como já dizia Jorge Maravilha
Prenhe de razão
Mais vale uma filha na mão
Do que dois pais voando
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Ela gosta do tango, do dengo
Do mengo, domingo e de cócega
Ela pega e me pisca, belisca, petisca
Me arrisca e me enrosca
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Depois, mais uma parte descartada:
E o meu amor por ela/É uma cidadela/Construída com paz e compreensão/Somente paz e compreensão/Para sempre paz e compreensão/E eu vou velar por ela/Como uma sentinela/Guardando paz e compreensão/Somente paz e compreensão/Paz sempre paz e compreensão
“Como não havia obrigação de gravar todo texto aprovado, as estrofes inicial e final foram simplesmente excluídas, restando o que de fato interessava.
Os intérpretes de entrelinhas logo vislumbraram na letra uma referência ao general Geisel, cuja filha, Amália Lucy, manifestara admiração pelas obras do autor.

Em entrevista a Tarso de Castro na Folha de S. Paulo, Chico revela a origem da imagem utilizada: “Aconteceu de eu ser detido por agentes de segurança, e no elevador o cara me pedir um autógrafo para a filha dele. Claro que não era o delegado, mas aquele contínuo de delegado”. Foram vãs as tentativas de esclarecimento, porque até hoje muita gente crê na interpretação fantasiosa.
Respondendo à mesma questão em 2007 para a revista Almanaque, ele diz:
Nunca fiz música pensando na filha de Geisel, mas essas histórias colam, há invencionices que nem adianta mais negar. Durante a ditadura, de um lado ou de outro, as pessoas gostavam de atribuir aos artistas intenções que nunca lhes passaram pela cabeça. Achavam que a maioria dos artistas só fazia música pensando em derrubar o governo. Depois da ditadura, falam que o artista só faz música para pegar mulher. Mas aí geralmente acontece o contrário, o artista inventa uma mulher para pegar a música.
Nesse ponto, a letra contém vários subterfúgios para burlar a censura:
a) o pretexto de um diálogo entre o eu-lírico e o pai da filha com quem o sujeito mantém uma relação bem física (aliás, segundo a letra, mais vale uma filha na mão do que dois pais voando);
b) A letra com cacos não utilizados no começo e no final;
c) A composição com o pseudônimo Julinho da Adelaide;
A música passou pela censura e foi gravada. Em 1975, uma matéria sobre censura publicada no Jornal do Brasil revelaria que Julinho da Adelaide e Chico Buarque eram a mesma pessoa. Por causa dessa revelação, o serviço de censura do Governo Militar passou a exigir cópias do RG e do CPF dos compositores.
segunda 26 janeiro 2015 20:02 , em As lendas