20 canções que falam de Salvador

Dizem que nenhuma cidade foi tão cantada quanto a Cidade do Salvador, da Bahia de Todos os Santos, primeira capital do Brasil. Fundada em 29 de março de 1549, onde já habitavam os índios Tupinambás, Salvador, muitas vezes também chamada de “Cidade da Bahia” pode ser descrita por suas inúmeras canções.

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Há autores, inclusive, que cantam a Bahia em muitas canções (talvez Caymmi seja o maior exemplo); outros cantam a Bahia sem mesmo serem baianos (como o mineiro Ary Barroso), o fato é que as canções sobre Salvador fazem a cidade entrar no imaginário coletivo, em cada pedacinho de letra, em cada nota de canção.

Não é por acaso que Salvador é uma cidade essencialmente musical. Como diz Carlinhos Brown, num jingle que fez para a prefeitura de Salvador:

Cidade miscigenada / Arrodeada de água / De alma boa e batucada / Felicidade aqui não custa nada / Uma cidade é seu povo / E o povo somos nós / Pra ela todos cantam juntos em uma só voz / Nasci aqui e aqui / Não canso de viver/ Somos movidos pela força do dendê / E de você / Felicidade Salvador / Não custa nada / A cidade mais feliz do mundo voltou a sorrir

Assim, segue uma lista de 20 canções que cantam a Bahia e que atravessam o tempo:

  1. São Salvador – Dorival Caymmi

São São Salvador, Bahia de São Salvador/ A terra de Nosso Senhor/ Pedaço de terra que é meu / São Salvador, Bahia de São Salvador/A terra do branco mulato/ A terra do preto doutor

São tantas músicas de Caymmi sobre a Bahia. Mas, para escolher uma, vale aquela simples e genial:

2. Na Baixa do Sapateiro – Ary Barroso

Oi, Bahia, ai, ai/Bahia que não me sai do pensamento, ai, ai

Ary Barroso cantou muito a Bahia. De tantas canções, talvez a mais emblemática seja aquela em que o amor pela Bahia se confunde com o amor da morena “frajola” que foi encontrada na Baixa dos Sapateiros

3. Bahia com H – Denis Brean

E já disse um poeta/Que terra mais linda não há/Isso é velho e do tempo/Em que já se escrevia Bahia com H!

Augusto Duarte Ribeiro, paulista de Campinas, escreveu em 1955 um samba que se tornou imortal na voz de João Gilberto. Bahia com H

4. Eu vim da Bahia – Gilberto Gil

Eu vim da Bahia cantar/Eu vim da Bahia contar/Tanta coisa bonita que tem/Na Bahia, que é meu lugar

Gilberto Gil, faz uma canção saudosa sobre a Bahia, da festa de rua, do samba de roda, do mar…

5. Você já foi à Bahia – Dorival Caymmi

Nas sacadas dos sobrados/Da velha São Salvador/Há lembranças de donzelas/Do tempo do Imperador/Tudo, tudo na Bahia/Faz a gente querer bem/A Bahia tem um jeito/Que nenhuma terra tem!

Salvador durante muito tempo era chamada de Cidade da Bahia. Esta música de Caymmi virou um clássico, cuja letra Caetano pegou um pedaço para incluir na canção “Terra”

6. Retrato da Bahia – Riachão

Quem chega na praça Cayru/E olha pra cima, o que é que vê?/Vê o Elevador Lacerda/
Que vive a subir e a descer

Um clássico de Riachão, que começa com a Praça Cayru, talvez a imagem mais icônica da cidade…

7. Salvador é um Porto Seguro – Moraes Moreira

É um porto, é um porto sete portas/Sempre abertas pra magia/De todos os santos/
Que vem baixar na Bahia

Moraes Moreira compôs uma ode à Salvador, dizendo ser um Porto Seguro de portas abertas… bela gravação com participação de Gilberto Gil,

8. A Bahia te espera – Chianca de Garcia/Herivelto Martins

A Bahia da magia, dos feitiços e da fé/Bahia que tem tanta igreja, que tem tanto candomblé

Composição do português Chianca de Garcia e fluminense Herivelto Martins, destaca tanto o sincretismo quanto os saveiros… Tornou-se imortal na voz de Dalva de Oliveira

9. É D’Oxum – Gerônimo

Nessa cidade todo mundo é d’Oxum/Homem, menino, menina, mulher/Toda essa gente irradia magia

Um clássico instantâneo. a canção de Gerônimo se tornou atemporal e sempre citada como um dos hinos da cidade

10. Chame GenteMoraes Moreira, Armandinho

Ah! Imagina só que loucura essa mistura/Alegria, alegria é um estado que chamamos Bahia

Certamente o hino do carnaval da Bahia, o sagrado e o profano, a mistura, todos os santos, encantos e Axé….

11. We are the world of carnavalNizan Guanaes

Ah! Que bom você chegou/Bem-vindo a Salvador/Coração do Brasil

Em 1988, a Ótica Ernesto fez uma campanha institucional que reuniu artistas e personalidades baianas de destaque da época. O clipe teve a participação de muitos artistas baianos. Virou um clássico

12. Raiz de Todo Bem – Saulo Fernandes

Salvador, Bahia/Território africano/Baiano sou eu, é você, somos nós/Uma voz de tambor

A canção de Saulo, do ano de 2013, transformou-se numa obrigatória referência de música sobre a cidade. Ressalta as raízes africanas e o locus nordestino de Salvador, cheio de imagens e referências próprias da baianidade

13. Duas Cidades – Russo Passapusso – Baiana System

Diz em que cidade que você se encaixa/Cidade Alta/Cidade Baixa

Os contrastes entre as duas cidades de Salvador, e o que elas significam. falar em Cidade Alta e Baixa quer falar das muitas divisões e segregações que ocorrem na Cidade da bahia

14. Bahia, Minha Preta – Caetano Veloso

Ê ô, Bahia, fonte mítica, encantada/Ê ô, expande o teu axé, não esconde nada/Ê ô, eu grito de alegria ecoa longe, tempo e espaço/Ê ô, Rainha do Atlântico

Feita por Caetano para Gal Gravar, Caetano homenageia muitos que personificam a Bahia, e ao Chamar de Bahia, Minha Preta, fala tanto das raízes africanas da Bahia quanto uma forma carinhosa de se chamar alguém em Salvador

15. Rebentão – Carlos Pita

Moro numa cidade cheia de ritmos/Que sobe e que desce ao som da maré

A música de Carlos Pita exalta o povo de Salvador, uma cidade cheia de ritmos, que “faz samba na porta do ônibus” e que “dança com a lata na cabeça”

16. Cidade Voa – Carlinhos Brown

Minha cidade é linda de ver/Seja bem-vindo ao nosso QG/São Salvador nasceu pra você

Canção feita por Carlinhos Brown para comemorar o aniversário de 450 anos de Salvador, em 1999. Música alegrem, que ressalta a felicidade de estar em salvador

17. Igual a Salvador Não HáLuiz Caldas

Pode procurar que um lugar igual em Salvador no mundo não há

Luiz Caldas destaca o caráter único, de raiz e de felicidade da Cidade de Salvador…

18. Solvador Bahia de Caymmi – Tom Zé

Aqui em Solvador Bahia tudo/capitalista ou vagabundo/tênis, gravata ou cabelo branco/todo mundo tem um santo

Tom Zé faz um ensaio sobre a cidade da Bahia, de Caymmi e da usura, a quem chama de “Solvador”

19. Vu – Saulo Fernandes

Todo mundo igual, todos de tambor/Todo mundo junto Rubro negro – Tricolor/So-te-ro-po-li-ta-no, Salvador!

Saulo faz um passeio pela cidade de Salvador, seus bairros e gírias…

20 . Cidade Elétrica – Jorge Zarath e Manno Goes

Chuveiro de água benta pra lavagem de escada/Alma lavada de fé/Um choque de alegria/Na força da fantasia/Axé, axé, axé

A música de Jorge Zarath e Manno Goes ressalta uma série de imagens e conexões de uma cidade elétrica…

Parabéns, Salvador!!!!!

Amoroso – Biografia de João Gilberto por Zuza Homem de Mello

A Biografia de João Gilberto, escrita por Zuza Homem de Mello, é um livro recheado de emoções. Inicialmente, cumpre salientar que Zuza morreu poucos dias depois de concluir a obra. Ercília Lobo, sua esposa, teve a tarefa de cuidar da edição. Assim, a biografia de João termina sendo também um legado de Zuza, um grande melômano, pesquisador musical e, sobretudo, fã de João Gilberto.

Para quem lê o livro, não espere fofocas sobre a vida amorosa de João, as suas relações com Astrud, Miúcha, Maria do Céu ou Cláudia são sempre acidentais, relacionadas sempre com o centro em torno do qual o livro é construído: a música de João.

O livro é sinestésico: Não foram poucas as vezes que, lendo o livro, fui atrás dos álbuns e dos shows para ver e ouvir aquilo que era magistralmente descrito por Zuza. Ele fala de cada acorde, de cada arpejo, de cada homenagem, de cada momento que antecede uma apresentação…

E neste contexto o livro é sublime: desde sua infância em Juazeiro, sua passagem pelo Rio, Salvador, Porto Alegre e Diamantina, tudo se relaciona com o aprendizado musical de João Gilberto. E à música de João é dada a devida homenagem. Em determinado momento do livro é dito que, sem João Gilberto, Tom e Vinícius seriam responsáveis por modernizar o Samba ou a MPB, mas não haveria Bossa Nova.

Zuza e João Gilberto

Assim, Zuza relata, de maneira claramente afetuosa, cada apresentação relevante de João, desde o famoso show no Carnegie Hall até o festival de Iacanga, em Águas Claras-SP; da sua apresentação no Japão até o show no Au Bon Gourmet, no Beco das Garrafas, com Tom e Vinícius; Sua apresentação no festival de Montreaux até seu último show, na Bahia, no Teatro Castro Alves (em que tive a honra de estar presente).

Lá, são contados cada momento antes do show e os tradicionais atrasos de João Gilberto. Suas homenagens a cada público onde cantava, de Porto Alegre a Lisboa, suas particularidades, sua mania de falar ao telefone por horas, seu ouvido absoluto….

Também cada disco é escrutinado, não só pelo aspecto técnico, que Zuza conhece muito bem, mas também pelo aspecto emocional. O livro viaja em cada canção, em cada acorde ou arpejo em que João recria cada música todas as vezes em que toca. Vai atrás das influências musicais e harmônicas, fala de sua batida diferente.

O livro também passa ao largo do senso comum da considerada personalidade “exótica” de João. Defende, na verdade, duas teses essenciais. A obsessão de João pela sonoridade perfeita, e o fato dele não gostar de sair quando já está acomodado (são contadas histórias divertidas quando ele permanecia por dias a fio nos hotéis depois de encerrada a apresentação)

Claro que, no último capítulo, o derradeiro do livro e da vida de João, há momentos de emoção.

Mas, no fim das contas, o disco é uma homenagem. A um dos maiores cantores do mundo, ao respeito que lhe foi creditado por onde passou. E ele acabe recheado de emoção. Dá para sentir a emoção de Zuza, em cada show que presenciou, além da sua convivência com João Gilberto.

Um livro essencial. Não há nenhuma revelação bombástica. mas há uma análise amorosa e detalhada da trajetória musical de João. Cantor seminal da Bossa Nova e referência musical em todo o mundo. Vale a pena ser lido.

As musas por trás da canção “Tigresa”, de Caetano Veloso

A canção “Tigresa”, de Caetano Veloso, sempre gerou controvérsias de quem seria a musa que inspirou a canção. A necessidade de se personificar a mulher “de unhas negras e íris cor de mel” gerou uma série de discussões, que se iniciaram com o lançamento da música, no álbum Bicho, de 1977.

Na verdade, Tigresa é um mosaico de várias mulheres, que Caetano contou, à época, e depois foi publicado na compilação “O mundo não é chato”

Gente” ainda não estava de todo pronta quando fiz, sem pensar, a melodia do que veio a se chamar “Tigresa”. Algumas pessoas estavam conversando aqui na sala de som da minha casa e eu não estava a fim de prestar atenção na conversa delas. Fiquei tocando violão e assoviando e cantarolando qualquer coisa. Fui dormir sem planos de voltar a pensar nela, uma vez que meu projeto era compor canções doces suingadas. Mas a música era linda mesmo e resolvi fazer uma letra. Mas não sabia o que dizer com palavras, uma coisa que ficasse dentro do clima que já era para nós essa melodia. Mas também não quis forçar muito a cabeça“.

Portanto, primeiro veio a música. A inspiração da letra veio depois. Conta Caetano:

Um dia estava com Moreno vendo um seriado de televisão no qual apareciam uns meninos indianos que andavam com um elefante e encontravam outro menino, que era selvagem e não sabia falar e reagia como um felino. Quando eles tentavam se aproximar do menino selvagem, um grande tigre vinha protegê-lo. O menino tinha sido criado por aquele tigre que, na verdade, era fêmeo. O fato é que pensei que tigre fêmeo diz-se tigresa, e aí estava a palavra.  Dessa palavra parti para inventar uma letra que mantivesse o clima da música. Imaginei logo uma mulher e queria algo assim como uma história. Essa mulher foi se nutrindo de imagens de mulheres que conheço e conheci, e essa história foi se nutrindo de histórias que vivo.

Imagino que a série seja Maya, inspirada num filme de 1966, e que foi transmitida pela NBC nos Estados Unidos, e no Brasil pelas Tv’s Record e Tupi na década de 70.     E assim Caetano prossegue:

Terminou pintando também um pouco de história, uma vez que o interesse que as pessoas da minha classe e da minha geração uma vez demonstraram pelo assunto política aparece datado. Mil pessoas me perguntaram quem é a “Tigresa”, ou para quem a música foi feita.

Pois bem. Depois da mamãe tigresa da televisão, a primeira imagem de mulher que veio à minha cabeça foi a de Zezé Mota, e isso está bem evidente nas unhas e na pele. Mas terminei descobrindo que os olhos cor de mel são da Sônia Braga, embora não deixem de ter um parentesco com os cabelos da menina Maribel. Mas Bethânia e Gal já estavam lá. E Norma Bengell, Clarice, Claudinha, Helena Ignêz, Maria Ester, Silvinha Hippy, Marina, muitas outras meninas que eram bebês em 1966, Suzana e Dedé. Por fim a “Tigresa” sou eu mesmo. É minha primeira canção parecida um pouco com Bob Dylan.

O fato é que a primeira pessoa a se “apropriar” da canção foi Sônia Braga. Protagonista da novela “Espelho Mágico”, cujo tema musical era a “Tigresa”, na voz de Gal Costa. No ano seguinte, Sônia Braga protagonizava a novela “Dancin’ Days”, interpretando uma ex-presidiária. Mais um ponto que ligava Sônia Braga à canção.

Zezé Motta e Caetano

Além disso, Sônia era atriz e trabalhou no espetáculo Hair. Rosane Queiroz conta um pouco desta história no seu livro “Musas e Músicas ”

“Roubei ‘Tigresa’ para mim”, admitiu Sônia Braga, em uma entrevista que fizemos em 2006, publicada na Marie Claire. “Comecei a encontrar Caetano na praia, não lembro bem a época, só sei que a gente acordou juntos pra assistir o casamento da Lady Di [1981]. Foi uma relação bonita, de amor mesmo. A gente fez uma viagem de trem inesquecível de São Paulo ao Rio, daí ele compôs ‘Trem das cores’ para mim (Teu cabelo preto/ Explícito objeto…). A ‘Tigresa’ ele começou pensando na Zezé Motta, logo depois a gente se conheceu”, diz ela.

Caetano e Sônia Braga

Tanto que Ivete Sangalo, em 2012, no especial que fez com Gil e caetano, perguntou se a música teria sido feita para Sônia Braga, ao que Caetano respondeu “Mais ou Menos”. “Nós mulheres sempre achamos que as músicas são feitas para nós”, brincou a cantora…. “‘Trem das cores’ eu fiz para Sônia, mas ‘Tigresa’ não, encerrou o compositor.

Zezé Mota, também na história contada por Rosane Queiroz, se apresenta:

“Só o fato de ter meu nome associado a uma música tão bonita do Caetano já é o máximo…

“A pele marrom e as unhas negras eu sei que são minhas. Eu usava esmalte preto, que comprava na Biba [boutique famosa em Ipanema, nos anos 1970]. Hoje a cor é comum, mas naquele tempo não. Eu fazia o estilo exótico, com os cabelos curtinhos e o batom também preto.

Mas não trabalhei no Hair nem namorei Caetano. O trecho que diz ‘com alguns homens foi feliz, com outros foi mulher’, vamos combinar, serve para todas nós, né? [risos] Mas quando ele fala de ‘uma mulher, uma beleza que me aconteceu’, evidentemente se refere a alguém com quem teve um caso afetivo. Notei que a letra não era só para mim.

Encontrei Sônia Braga em vários momentos. Gravamos juntas o filme Tieta, mas nunca falamos nesse assunto de a canção ser mais dela. Não importa que ‘Tigresa’ seja uma colagem. Na época, Caetano era casado com Dedé (Gadelha), acho que até ela entrou na história. O que importa é que estou no pacote.

Mais recentemente, Caetano fala mais uma vez sobre a canção e Zezé Motta, relatada por Cacau Hygino, na biografia de Zezé Motta :

A música Tigresa foi escrita na época da [discoteca] Dancin’ Days. Zezé tinha as unhas pintadas de preto. A figura física da Tigresa veio muito mesmo de Zezé. E ela sabe disso. Mas a canção não é sobre ela só. Tem muito Sônia e pensamentos sobre as mulheres daquele tempoFaz anos, me fizeram essa pergunta numa revista e eu disse que tinha Zezé e Sônia, mas também muitas outras mulheres. Finalmente, eu preferia fazer como Flaubert (que disse ‘Madame Bovary c’est moi’): a ‘Tigresa’ sou eu”, diz Caetano

Fontes:

Caetano Veloso, O mundo não é chato, Cia das letras, 2005

Rosane Queiroz, Musas e Músicas: A mulher por trás da canção, Tinta Negra, 2017

Cacau Hygino, Zezé Motta: Um canto de luta e resistência, Companhia Editora Nacional, 2018