22 de setembro é o dia de aniversário de Gonzaguinha. Nascido em 1945, faleceu em 29 de abril de 1991. Um dos raros casos de filho de compositor que buscou seu caminho, brilho e sucesso de modo independente de seu pai, Gonzagão.
Ele não fazia questão de ser simpático. Se achava feio, e disse que uma das coisas mais importantes foi que seu pai não teve tempo de tê-lo ajudado como gostaria, isto é, ele teve que traçar seu próprio caminho.
Numa entrevista dada no Bar Academia, ele se mostrou o quanto é importante colocar-se como pessoa. Provocado numa entrevista sobre como os “machos decadentes” se colocam diante de suas “musas” mulheres, Gonzaguinha responde:
“Não é questão de que o macho é superado, de que a femea é superada. Sinto a necessidade de ser pessoa, de me colocar como pessoa; A questão que eu entendo e sempre entendi de que como pessoa eu sou muito mais útil, com o pessoa eu aproveito muito mais; como pessoa eu dou e recebo; como pessoa o amor é muito maior. Como não proprietário e não propriedade, as coisas são muito mais soltas, mais leves, os céus são muito maiores mais amplos…”
Assim, colho aqui alguns depoimentos de artistas, logo após a morte do artista:
Ney Matogrosso “É tão súbito que nem sei o que dizer. Éramos amigos e há, pouco tempo, chegamos a estar bem próximos mesmo sem ter trabalhado juntos. Mais do que seu trabalho, gostava dele como pessoa”
Fagner “Era muito ligado a ele e a toda a sua família. Tudo que posso dizer nesse momento é que estou chocado”
Joanna “Gonzaguinha era um poeta contemporâneo, que abordava a alma feminina de uma forma completa. Através da palavra, desnudava o universo da mulher> Ele tinha a sensibilidade à flor da pele. Na minha obra é de extrema importância. Sempre esteve presente nos meus trabalhos, desde que fez a música “Agora” para o meu primeiro LP.”
Simone “Era uma pessoa de quem gostava muito.Tinha um grande talento. Estou muito chocada agora para dizer mais alguma coisa”
Aquiles (MPB-4) “Nós éramos muito amigos. Sempre tivermos uma ligação forte porque o MPB-4 gravou muitas músicas dele. Ele nunca nos negou uma composição inédita. Nossas posições políticas também eram parecidas“
Abel Silva
“A música brasileira perde um grande compositor de apelo popular, que dizia ass coisas com muito precisão e coragem. As canções que ele deu para a Bethânia por exemplo vão ficar. Na última vez que o vi, ele disse: ‘tenho saúde, resto a gente tira de letra.”
Nana Caymmi “Tinha um carinho grande pelo compositor e pelo ser humano. Vai ficar faltando um pedaço. À importância da obra dele é enorme. Com o tempo sentiremos falta de sua música. Ele lutava pela pátria. Sempre fui sua amiga e era muito ligada a ex-mulher dele, Ângela.Nossos filhos cresceram juntos. È horrível e inacreditável que isso tenha acontecido.”
“Folhas Secas” é uma das maiores composições de Nelson Cavaquinho, em parceria com Nelson Antônio da Silva e Guilherme de Brito. Está na história do cancioneiro nacional. Trata-se de uma homenagem à Estação Primeira de Mangueira, música cantada num tom nostálgico, em que o eu-lírico, ao pisar em folhas caídas de uma mangueira, se lembra da sua escola, na qual, por inúmeras vezes, subiu o morro cantando…
Em seguida, vem um anúncio de um tempo em que a velhice vem chegando e que o cantor não poderá mais cantar, mas sentirá saudade de seu violão e da sua mocidade, e uma frase que tem um duplo sentido “e assim vou me acabando…”, de cantar? Ou será que tem a ver com o envelhecimento?
O fato é que a canção rendeu muitas polêmicas, e não por conta de sua letra. Sua gravação é que gerou polêmicas. Na verdade, Elis Regina e Beth Carvalho gravaram a música no mesmo ano (1973). A versão de Beth, um samba, com direito a “laraiá” e tudo; a versão de Elis é quase um samba-canção, com uma interpretação mais intimista e com um andamento mais lento.
Três livros contam versões diferentes sobre o tema:
Na biografia de Elis escrita por Arthur de Faria, consta que Elis teria ouvido a canção na fita que Beth Carvalho enviara a César Camargo Mariano e teria “pulado na frente”;
Cumpre ressaltar que César era quem faria os arranjos do disco de Beth Carvalho, mas casaria com Elis naquele ano (1973).
Danilo Casaletti, no livro organizado por Célio Albuquerque (1973 – O ano que reinventou a MPB), conta que César teria mostrado para Elis, ao piano em casa, a canção em que estava trabalhando para o disco de Beth. Elis teria ficado encantada e pediu a música para Nelson Cavaquinho. O compositor, mesmo já tendo prometido a faixa a Beth, foi incapaz de dizer “não” ao pedido – sobretudo pelo fato de que Elis tinha mais destaque, por ser contratada de uma grande gravadora (Philips).
Sérgio Cabral, na Biografia que escreveu sobre Tom Jobim, conta que César Camargo ouvia a fita em casa, com a voz de Nelson Cavaquinho, tentando elaborar o arranjo para o disco de Beth. Elis escutou e não pensou duas vezes: “Que Beth Carvalho, que nada! Este samba vai para o meu disco”.
Mas quem terminou por trazer novas luzes sobre o tema foi Leonardo Bruno, no livro Canto de rainhas – O poder das mulheres que escreveram a história do samba. E quem assumiu a responsabilidade foi Roberto Menescal, compositor e produtor do disco de Elis.
No epicentro do terremoto estava César Camargo Mariano, amigo que Beth havia convidado para fazer o arranjo do compacto Só quero ver, em 1971, e que chamou novamente para a produção de Canto para um novo dia. Na seleção de repertório para o no LP, Beth escolheu a canção de Nelson Cavaquinho e mostrou a César. O que Beth não sabia era que ele estava namorando Elis Regina. Pouco tempo depois, Beth descobriu que o disco Elis, que seria lançado pela Philips, traria “Folhas secas”. A sambista ficou furiosa. Apressou sua gravação da canção e pediu à Tapecar que colocasse no mercado um compacto simples com o registro, o que foi feito com velocidade razoável.
Mas as “Folhas secas” de Elis chegaram primeiro as rádios, com formação de jazz (piano-baixo-bateria) e uma percussão suave, numa interpretação mais lenta. As de Beth vieram logo depois, com a instrumentação mais tradicional de samba, abertura com direito a “laralaia”, andamento mais pra frente e acompanhamento do conjunto nosso samba. Ambos os arranjos são de César Camargo Mariano.
As duas versões fizeram sucesso radiofônico. Mas a que entrou para a história foi mesmo a gravação de Beth Carvalho, até por ter na faixa o violão de Nelson Cavaquinho, em seu estilo peculiar, tocado com apenas dois dedos. O curioso é que Nelson também lançou um disco no mesmo ano de 1973, considerado o melhor de sua carreira, e resolveu incluir “Folhas secas” – que, no fim das contas, teve três registros memoráveis num espaço de poucos meses.
Mas, afinal, como a música escolhida por Beth foi parar no disco de Elis? Há algumas versões para a história, e um consenso de que a ligação de César Camargo Mariano com Elis foi o caminho para que a fita chegasse aos ouvidos da Pimentinha.
A versão de Beth Carvalho é que ela adorava o trabalho de César Camargo e achou natural convidá-lo para fazer os arranjos e a regência do novo disco. Escolheu o repertório e mandou para ele numa fita de rolo. Tempos depois, ouviu o boato de que Elis Regina teria gravado “Folhas secas” e telefonou para o músico, que negou. Mas o zum-zum-zum foi aumentando. Nesse meio tempo, encontrou César no trânsito, emparelhados num sinal. Abriu a janela e perguntou: Ô, César, qual é o nome da música do Nelson Cavaquinho que a Elis vai gravar?” Ele disse que não se lembrava. Uma semana depois, uma jornalista prima de Beth, que entrevistara Elis, tirou a dúvida: a Pimentinha havia gravado “Folhas secas”. Elis não me deu nenhuma satisfação por isso. Fiquei muito chateada, nunca mais falei com ela”, contou Beth. O rompimento com César Camargo também durou mais de uma década.
Beth Carvalho deixou evidente seu desagrado com o episódio quando foi lançar o disco no Sambão, da TV Record, programa apresentado por Elizeth Cardoso, uma das “rivais” de Elis. Ao ser anunciada para cantar “Folhas secas”, Beth entrou no palco, pegou o microfone e, já com a banda dando a introdução da música, aproveitou para dar uma alfinetada: “Antes eu quero dar uma palavrinha. Essa música que eu vou cantar é de um compositor que eu adoro, Nelson Cavaquinho, em parceira com Guilherme de Brito. Mas antes de eu gravar, eu cantei essa música num teatro, e Elizeth Cardoso estava presente. Eu soube que ela adorou a música e queria gravar também. Mas quando ela descobriu que eu ia gravar, ela disse: ´Não, então se a Beth já vai gravar, mais tarde eu gravo; Por isso é que ela é a Divina Elizeth Cardoso!” (vídeo abaixo)
Em entrevista para este livro, Roberto Menescal dá uma nova versão, assumindo a responsabilidade pelo entrevero e de certa forma absolvendo César e Elis. Menescal, autor da primeira música gravada por Beth, “Por quem morreu de amor”, a esta altura era produtor de Elis Regina, e muito amigo do casal Elis-César Camargo. Além disso, atuava como diretor artístico da gravadora.“Eu fiz uma ´baianada` com a Beth. César era casado com a Elis e estava produzindo o LP da Beth Carvalho. Ele fez um arranjo da música ´Folhas secas’, do Nelson Cavaquinho, e me mostrou. Eu disse: Eu vou gravar essa música. O César falou: ´Não, Menescal, eu não posso fazer isso com a Beth. Respondi: ´Fala que fui eu que peguei a música. Fizemos um arranjo pra Elis e estouramos. Beth nunca me falou nada, mas deve ter ficado mordida. César ficou mal com a situação. Elis não sabia de nada. Depois eu mandei um recado pra Beth Carvalho: Beth, me desculpe, mas pelo meu artista eu faço qualquer coisa.’”
Enfim, Roberto Menescal assumiu a responsabilidade pela polêmica que fez com que Elis e Beth Carvalho jamais se falassem de novo… Paulinho Lima, no seu livro, “Anjo do Bem, Gênio do Mal”, disse ter perguntado a Nelson Cavaquinho qual das gravações ele gostava mais. Ele, de forma relutante, disse: “A de Beth…”