A canção “Vai” (Menina amahã de manhã), de Tom Zé, foi gravada no disco “Estudando o samba”, de 1976. A música, na sua gravação original, tem um arranjo delicado, só com violão, e num primeiro momento emula uma certa suavidade, em que a felicidade parece algo inexorável, inescapável…
Menina , amanhã de manhã
quando a gente acordar
quero te dizer que a felicidade vai
desabar sobre os homens, vai
desabar sobre os homens, vai
desabar sobre os homens.
Na hora ninguém escapa
de baixo da cama ninguém se esconde
e a felicidade vai
desabar sobre os homens, vai
desabar sobre os homens vai
desabar sobre os homens.

Mas quando a gente se depara com o resto do texto, percebe que não é bem assim. Pois, na letra, começa a falar que a felicidade mete medo, fecha a roda, não tem saída… afinal, deve-se tomar cuidado com a felicidade? É algo de que não se pode escapar?
Menina, ela mete medo
menina, ela fecha a roda
menina, não tem saída
de cima, de banda ou de lado.
Menina, olhe pra frente
menina, tome cuidado
não queira dormir no ponto
segure o jogo
atenção (de manhã)
Então, numa apresentação no SESC Pompeia em 2010, Tom Zé explicou o sentido da canção:
No decorrer da apresentação, ele fala:
A gente aqui nessa desgraça, a gente não podia falar claramente, o que é que vocês estão pensando… era uma porra de uma ditadura. Uma ditadura, ditadura. Torce pescoço de gente, a gente tinha que falar camuflado. Esta música “menina amanhã de manhã”, Monica Salmaso gravou agora. Agora, já não podia, a música já era bonitinha não precisa ter nenhuma referência a ditadura quase… era só a beleza que Monica Salmaso é capaz de cantar.
Vocês vão subentender o que tem aí de cuidado pra ditadura não compreender o que a gente tá falando dela.
Depois de cantar a primeira parte da música, ele faz uma pausa para explicar:
A ditadura fazia campanha dizendo que o Brasil era um pais felicíssimo: Ame-o ou deixe-o!
A felicidade fecha a roda, não tem saída! Tem que ser feliz! Se não for feliz vai ser preso!!
A gente que é Brasileiro reage até a opressão pelo menos a gente termina de perna aberta

No fim da canção, a música passa a ter um quê de poesia concreta:
Menina, a felicidade
é cheia de praça
é cheia de traça
é cheia de lata
é cheia de graça
Menina, a felicidade
é cheia de pano
é cheia de peno
é cheia de sino
é cheia de sono
Menina, a felicidade
é cheia de ano
é cheia de Eno
é cheia de hino
é cheia de ONU
Menina, a felicidade
é cheia de an
é cheia de en
é cheia de in
é cheia de on
Menina a felicidade
é cheia de a
é cheia de e
é cheia de i
é cheia de o
A capa do disco “Estudando o Samba”, com a capa branca e cordas e arame farpado ao fundo, fazia uma referência à ditadura, mas também ao aprisonamento ritmico do samba, e foi responsável pela retomada da carreira artística do cantor. Foi quando David Byrne se impressionou, já na década de 80, com a capa, com a musicalidade e originalidade, e fez com queTom Zé – que estava quase abandonando a carreira para voltar para Irará (interior da Bahia) para trabalhar num posto de gasolina – retomasse sua carreira, com projeção internacional.
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