Essa Mulher – Elis Regina (história da canção)

“Essa mulher” é o título do álbum lançado em 1979 por Elis Regina. A música mais conhecida do álbum é “O Bêbado e a Equilibrista (João Bosc/Aldir Blanc)”, que se tornou um dos símbolos do movimento pela Anistia no fim da década de 70.

No entanto, hoje é dia de falar da canção título do álbum. “Essa Mulher”, composição de Joyce e Ana Terra, retrata as múltiplas facetas do que significa ser mulher. A letra retrata um dia na vida de uma mulher, e as suas transformações ao longo deste dia.

Pela manhã, uma senhora, cuidando da casa, dos filhos, com um quê de tristaza e resignação.

Ao entardecer, uma menina, que se arruma, se enamora, se apaixona, que se permite sonhar…

Por fim, a mulher que, à noite, seduz, bebe, enlouquece, faz estrago…

E termina, de modo aparentemente paradoxal, por agradecer ao destino por tudo aquilo que a faz infeliz… a luz, a sombra, a lama, a cruz… enfim, a complexidade e multiplicidade dos diversos mundos que habitam numa mulher.

Ana Terra

No livro “Então, foi assim?”, de Ruy Godinho, é contada um pouco da história da canção:

A tão propalada jornada dupla que algumas mulheres se submetem todos os dias, desdobrando-se entre o trabalho profissional e o doméstico, acabou virando uma bela peça musical na junção da letra de Ana Terra e da melodia de Joyce.

A letrista, escritora e produtora Ana Terra conta que escreveu a letra em uma noite em que estava supercansada. “Eu tinha passado o dia cuidando da casa e das crianças, sentia falta do Danilo [Caymmi], meu marido na época. Ele estava há vários dias longe, em excursão pelo Nordeste com o Bituca [Milton Nascimento], quando fazia parte da banda como flautista. Devia estar me sentindo como inúmeras mulheres que têm que dar conta de muitas atividades. Depois que as crianças dormiram, tomei meu banho e me olhei casualmente no espelho do banheiro. Meu rosto parecia cansado e gasto, dei um sorriso e me vi muito jovem. Minhas expressões se alternavam e tive a exata sensação de que eu era três mulheres.”

Ana editou-se no sofá com lápis e papel e começou a escrever. Essa mulher era assim. “Tive a sensação de encontrar em quem esbarro a toda hora num espelho quebrado. Exatamente a parte final da letra, que depois foi burilada e afinada até se tornar o que se tornou”, diz Ana.

O mais interessante é que essa sensação de ser múltipla a remetia à Bahia mística, a uma revelação que lhe foi feita em um terreiro de candomblé. “Quando estive no Gantois levada por Stella e Dorival [Caymmi], a Mãe Menininha jogando búzios me disse que eu tenho três Orixás de frente e todas [são] mulheres: Oxum, Iemanjá e Nanã. Acho que naquele momento em que escrevi a letra senti a presença desses três arquétipos femininos.”

Ana deitou-se no sofá com lápis e papel e começou a escrever: Essa menina, essa mulher, essa senhora/em quem esbarro a toda hora num espelho casual/é feita de sombra e tanta luz/de tanta lama e tanta cruz/que acha tudo natural… Exatamente a parte final da letra, que depois foi burilada e recebeu um início e um meio.

““Quando Danilo voltou de viagem mostrei para ele. Até então, era meu único parceiro”, afirma. “Ele começou a musicar, mas pela primeira vez achei que a música dele não tinha a ver com a minha letra. Tentei explicar isso com delicadeza dizendo que talvez só outra mulher conseguisse perceber o que eu estava sentindo.” Danilo compreendeu e superou.

Como nada acontece por acaso, no dia seguinte a cantora e compositora Joyce passou na casa deles para tratar de um assunto com Danilo, e Ana teve a intuição de que seria ela. “Timidamente mostrei a letra. Joyce a levou e no dia seguinte me ligou dizendo que a música estava pronta.”

O insight de Ana Terra de que a melodia teria de ser feita por uma mulher ganhou uma dimensão maior pelo fato de a letra ter caído nas mãos de uma compositora completa, que domina a criação de melodia e letra, que é uma violonista reconhecida internacionalmente, conviveu com Vinicius de Moraes e Tom Jobim, e transitou naturalmente por diversas tendências e escolas da música brasileira, como a Bossa Nova e o Clube da Esquina: Joyce Silveira Moreno.

Ana então nmostrou a canção a Elis Regina, que se preparava para lançar mais um LP. Elis gostou bastante da música que a escolheu como título do álbum Elis, Essa Mulher (WEA, 1979). “A gravação da música foi num clima de muita emoção. A Elis entendeu tudo”, festeja Ana Terra.

Joyce Moreno

Elis voltou a registrar a canção no LP Elis, Essa Mulher (WEA Latina, 1979), remasterizado em CD em 1988, seguido de diversos álbuns lançados posteriormente. Joyce, por sua vez, a gravou no LP Feminina (Odeon, 1980), no CD Revendo Amigos (EMI, 1994) e no CD Astronauta – Canções de Elis Regina (Pau Brasil, 1998).

A canção seguiu sendo regravada, entre outros, pela cantora Márcia, no CD Pra Machucar Seu Coração – Volume 2 (Velas, 1997); por Dori Caymmi, no CD Contemporâneos (Horipro Inc./Universal Music, 2002); por Alaíde Costa, no CD Alaíde Costa e João Carlos Assis Brasil – Voz e Piano (Lua Discos, 2006); e por Leila Pinheiro, no CD Nos Horizontes do Mundo – Ao Vivo (Biscoito Fino, 2007). Além das versões instrumentais de Nelson Ayres, no CD Perto do Coração (Atração Fonográfica, 2003) e de Marcel Powell Trio, no CD Corda com Bala (Rob Digital, 2009).

Em entrevista à Rádio Nacional, em julho de 1979, Elis Regina comenta a música “Essa Mulher”,

Eu tenho a impressão que a Joyce e a Ana conseguiram falar das artistas, conseguiram falar das mulheres artistas, das mulheres artistas casadas e mães, e mulheres de músicos de uma forma incrível…as duas são mulheres de músicos como eu, as duas tem pencas de filhos, as duas tem a jornada dupla de trabalho de ser dona de casa, ser mãe, ser esposa, ser artista, ter que batalhar e ter que segurar tudo que pinta, ter que organizar essa loucura que é você ter filho, você ter casa, você ter uma profissão e…. ao mesmo tempo, ser mulher e ser menina e ser dona de casa, ser a santa ser a mulher ser a menina…

Essa letra particularmente eu considero em termos de retrato da situação da mulher artista, da mulher que trabalha independentemente de ser artista, a mulher que trabalha, a mulher que tem a sua vida somada à do seu marido por vários aspectos – inclusive o econômico-financeiro – da batalha fora das quatro paredes do seu lar…

Acho que mais difícil… várias coisas a respeito de mulher já foram escritas – via de regra por homens – que conhecem a situação realmente, mas nunca viveram uma situação; viver na carne, passar pelas coisas é muito mais fácil quando você vai se referir ao assunto quando você tem conhecimento de causa, a coisa sai muito mais completa.

É história das duas que é a minha também e que é de uma porção de gente, é de Clara Nunes, é de uma penca de mulher que canta que trabalha que eu conheço, sabe? É uma música emocionante ela é emocionante.

De manhã cedo, essa senhora se conforma
Bota a mesa, tira o pó
Lava a louça, seca os olhos

Ah, como essa santa não se esquece
De pedir pelas mulheres
Pelos filhos, pelo pão

Depois, sorri meio sem graça
E abraça aquele homem, aquele mundo
Que a faz assim feliz

De tardezinha, essa menina se enamora
Se enfeita se decora
Sabe tudo, não faz mal

Ah, como essa coisa é tão bonita
Ser cantora, ser artista
Isso tudo é muito bom

E chora tanto de prazer e de agonia
De algum dia qualquer dia
Entender de ser feliz

De madrugada, essa mulher faz tanto estrago
Tira a roupa, faz a cama
Vira a mesa, seca o bar

Ah, como essa louca se esquece
Quanto os homens enlouquecem
Nessa boca, nesse chão

Depois, parece que acha graça
E agradece ao destino aquilo tudo
Que a faz tão infeliz

Essa menina, essa mulher, essa senhora
Em que esbarro a toda hora
Nos espelhos casuais

É feita de sombra e tanta luz
De tanta lama e tanta cruz
Que acha tudo, natural

As mulheres e suas canções – Tereza (Dorival Caymmi)

No começo de decada de 90, Dorival Caymmi fora convocado para compor a trilha sonora para uma minisserie baseada no romance Tereza Batista, de Jorge Amado. No entanto, Caymmi é conhecido pela tranquilidade, para não dizer vagareza, com a qual compoe suas canções. E quando a televisao pede uma obra para um programa, quase sempre os prazos sao bem exíguos. 

Danilo Caymmi, então, fora incumbido de fazer com que o pai compusesse a canção em tempo hábil. Dorival faria a letra, e a a partir dela Danilo faria a melodia. Só que Dorival, mesmo apressado pelo filho, disse que iria reler o livro para fazer a letra. Só que não havia tempo. Então, eis a solução encontrada por Dorival, num depoimento à sua neta Stella Caymmi, no seu livro Dorival Caymmi: o mar e o tempo (Editora 34):

Mas aí procurei na cabeça, dei umas voltas, já com um cartão-postal na mão, e pensei assim: Tereza Batista? O que é que ela fazia mesmo? Essas mulheres de Jorge Amado… Tieta do Agreste, essas mulheres, como é que eu faço? Eu tenho que fazer essa música. O Danilo quer para amanhã! Então saiu aquela fórmula, quase inconsciente, ‘Para saber de Tereza, meu bem, pergunte primeiro a mim, tudo que eu sei de Tereza meu bem, conto tintim por tintim’ … [cantando]. (…) E fui fazendo uma fantasia em cima de Tereza Batista. Como o postal não deu mais, encerrei dizendo: “oi quer saber de uma coisa?… Para saber de Tereza, só mesmo Nosso Senhor’. E saí pela tangente! E entreguei a música pronta, na medida do postal. Escrevi a letra no postal”.

E Danilo não acreditou que a letra tivesse ficado pronta tão rápido… Dorival confessou que a parte que ele mais gosta da letra é a parte que se refere à mulher que é “mato molhado por fora e por dentro“, que refere a algo, ao mesmo tempo selvagem e delicado, uma mulher poeticamente crua, que remete ao capim molhado numa alvorada…

Tereza Batista, no livro de Jorge Amado, transita entre o amor e a opressão; entre a doença e a paixão; entre o crime e a submissão. Tem uma série de nuances de amor e sofrimento. Mas Caymmi resolve a questão de outra forma.

Ao analisarmos a letra, percebe-se a artimanha de Caymmi, que promete dizer tudo de Tereza, detalhe por detalhe, pas acaba por não dizer nada, senão o gosto da fruta, o cheiro de flor, e o mato molhado… e que não faz nenhuma referência à personagem do livro…

Para saber de Tereza, meu bem
Pergunte primeiro a mim
Tudo que sei de Tereza, meu bem
Conto tim tim por tim tim

Gosto de tudo que é fruta
Cheiro de tudo que é flor
Mato molhado por fora, por dentro,
Graça, carinho e amor

Para saber de Tereza, meu bem
Pergunte primeiro a mim
Tudo que sei de Tereza, meu bem
Conto tim tim por tim tim

E quer saber de uma coisa?
Para dizer com franqueza
De um ditado que dizia
Que beleza não põe mesa
Eu não sou o inventor

Para falar de beleza
Para saber de Tereza
Só mesmo o nosso Senhor

O nego e eu? (de João Cavalcanti por Roberta Sá). Um Passeio por Chico, Gil, Caetano e Caymmi

Que menina é aquela, que entrou na roda agora? Ela tem um remelexo que valha-me Deus Nossa Senhora” Essa frase é da música Remelexo, de Caetano Veloso e gravada por Simonal na década de 60. Essa mulher, aquela que seduz a todos com sua dança e o requebrado dos seus quadris é cantada e decantada sobretudo pelo samba da Bahia…

Francisco Bosco, num belo ensaio que fez sobre Caymmi na série “Folha Explica”, faz uma referência às mulheres dos seus sambas:

Trata-se de um rebolado gracioso, a um tempo sensual e discreto, extremamente feminino, poderoso e consciente do seu poder, mas como que brejeiro, delicado, sutil.”

No entanto, há poucas notícias dessas mulheres como o eu-lírico de uma canção. E aí vem o mérito de uma das músicas que se destaca no álbum Segunda Pele, gravado em 2012 por Roberta Sá: É a música “O nego e eu“, composta por João Cavalcanti, do Casuarina

Não por coincidência, O nego e eu é o único samba de um disco que tem uma toada mais pop, e que, segundo o próprio sítio digital de Roberta Sá, entrou no disco depois que o repertório já estava inicialmente definido. 

Essa entrada posterior certamente se deve ao fato de que Roberta, nesse trabalho, pretendia mostrar-se como mais do que uma cantora vinculada ao samba. Ela mesmo disse que o samba estava ficando”óbvio” para ela (nos anos e álbuns seguintes, o samba voltaria com toda força). Por isso havia uma certa relutância em incluí-la no disco, mas, como dito no site, “a importância do estilo musical na sua história e a conexão com os fãs falaram mais alto”.

E, mais adiante:

A ideia era gravar uma resposta ao samba “Sou eu”, composto por Chico Buarque para Diogo Nogueira. Desde que eu escutei essa música, falei: eu quero uma resposta, porque a mulher também pode ir para o baile. Cadê o ponto de vista dessa mulher, que vai para o baile, deixa tudo, mas que prefere o homem dela?“.

Pediu a música a João, que compôs “O nego e eu”

Pra quem não sabe, “Sou eu” é uma canção de Chico em que o homem se enciúma com o rebolado de sua mulher, mas que, ao final da noite, será ele, o eu-lírico, que vai levá-la pra casa. 

Então surge a versão da mulher, daquela mulher típica dos sambas que gosta de dançar e enfeitiçar os homens, gosta de sentir-se desejada, como se o desejo alheio fosse o combustível para animar o eu-lírico feminino. 

Mas aí, assim como Gil, na canção “Sandra”, o eu-lírico feminino tem sua torre, amarrada à qual ela dá pra ver o mundo inteiro, a torre na qual ela dá o salto no alto da montanha, e que é só balançar, que a corda o leva de volta para ela… 

E quem é essa torre? O “nego”, aquele que ela prefere após ser desejada por todos, aquele, que, mesmo com ciúmes, é para quem a mulher dança e se entrega no fim da noite.

João Cavalcanti,  o compositor da música, tratou um pouco da história da canção: 

É uma ficção não tão ficicional porque acontece pra cacete, isto é, da mulher que ‘abre o pavão’ na noite, no baile, na gafieira, e que na verdade é apaixonada e dedicada a seu marido” 

João (que é filho de Lenine) também gravou a canção no seu disco “Garimpo”, em 2018.

É uma bela homenagem a essa mulher que habita muitos desejos,  e que para a própria Roberta, é como se fosse  sua própria relação com o gênero musical. “Para mim, tem muito a ver com a minha história com o samba, o nego sendo o samba. Posso flertar com outros ritmos, posso experimentar outras coisas, mas só tem sentido o nego e eu“.

A letra: 

Gosto de ser vista pelas festas, ser seguida pelas frestas,
Protagonista do sonho alheio.
Gosto de deixar pelos lugares um punhado de olhares
Incendiados no fogo que ateio
Gosto que me vejam por inteira. gosto de solar na gafieira.
Gosto se me sinto desejada, mas eu levo a madrugada pra mim.
Porque gosto mais é do chamego e dos beijos do meu nego no fim.

O nego, o nego, o nego e eu.
Ele é o grande amigo que o destino concedeu.
Só tem sentido o nego e eu.

Ele não é dado pra ciúme,
Mas encabulado assume que prefere até que eu não vá.
Digo que meu jogo se resume a um rastro de perfume
Que eu deixo nos ares de lá.
Gosto que me vejam por inteira.
Gosto de solar na gafieira.
Gosto se me sinto desejada,
Mas eu levo a madrugada pra mim.
Porque gosto mais é do chamego
E dos beijos do meu nego no fim.

O nego, o nego, o nego e eu.
Ele é o grande amigo que o destino concedeu.
Só tem sentido o nego e eu.

Fonte: http://robertasa.com.br/site/os-bastidores-de-o-nego-e-eu/ (acesso em abril de 2012)

Milagres do Povo. Uma homenagem de Caetano a Jorge Amado.

“Quem é ateu, e viu milagres como eu”… Desta maneira começa a canção “Milagres do Povo”, de Caetano Veloso. A canção foi lançada em 1985, fazendo parte da trilha de abertura da série “Tenda dos Milagres”, exibida na TV Globo, uma adaptação televisiva para o romance de Jorge Amado, publicado pela primeira vez em 1969.

Caetano conta um pouco da história numa entrevista que deu para o Jorna El País:

A frase sobre ser ateu e ter visto milagres foi dita por Jorge Amado. O Pasquim quis entrevistá-lo e queria que eu estivesse presente, ajudando a fazer perguntas. Como eu não podia estar no Rio na data marcada, eles me pediram as perguntas por escrito para que fossem lidas para Jorge. Eu perguntava que significado propriamente religioso tinha o candomblé em sua vida, já que ele era Obá de Xangô. Ele respondeu: “Não sei; feliz ou infelizmente, ao contrário de [Dorival] Caymmi, eu não tenho nenhuma fé. Sou ateu materialista convicto. Mas vi muitos milagres do candomblé. Milagres do povo”. Quando me pediram pra fazer uma música para a versão televisiva de Tenda dos Milagres, citei a frase logo na abertura da música. E passo a falar dos “deuses sem Deus”, que “não cessam de brotar nem cansam de esperar”.

Foi daí que nasceu a canção.

É importante lembrar que Jorge Amado foi deputado pelo Partido Comunista pelo estado de São Paulo, e autor da Emenda 3.218 que inseriu no texto da Constituição de 1946 o §7° do art. 141 que declarava e reconhecia a liberdade de crença: 7º — É inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes. As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil.

Na entrevista ao Pasquim, Jorge Amado afirma: Eu sou materialista, não tenho nenhuma religião, mas meu materialismo não me limita”

A música, quando faz referência aos “milagres do povo”, faz um elogio claro e manifesto às religiões de matriz africana, que vieram ao Brasil junto com o povo negro escravizado.

A canção, que faz referência a diversos Orixás (Xangô, Obatalá, Oxum, Iemanjá e Iansã), para além da homenagem à religiosidade de matriz africana e que ganhou identidade própria no Brasil, faz uma homenagem ao povo, verdadeiro artesão dos miagres. Os “deuses sem Deus” são uma afirmação de que todos somos deuses, mesmo sem acreditar numa divindade.

O milagre pode ser dança, sexo e glória, e que mesmo vindo ao Brasil e tendo conhecido a crueldade de frente, conseguiu se erguer para além da dor, e produzir milagres. Estes milagres estão na presença negra na cultura brasileira, devidamente arraizados e enraizados como milagres do povo.

Uma bela homenagem a Jorge Amado, que serviu de inspiração para a canção.

https://brasil.elpais.com/cultura/2020-09-07/caetano-veloso-minhas-expectativas-sobre-o-brasil-nao-sao-tanto-a-esperanca-sao-mais-a-responsabilidade.html

“MANDE PARAR ESSA CARAVELA”, ou a primeira vez que Tom Zé foi a São Paulo, a convite de Caetano Veloso

Tom Zé sempre foi um artista surpreendente, seja nos shows, seja nas entrevistas. Luiza França numa obra sobre o artista, faz referência a uma tênue linha na qual o artista se equilibra, na qual é possível perceber duas impressões:

a) uma incrível capacidade de improvisação e interação;

b) a de observar uma esquete cuidadosamente planejada.

Com efeito, cada show de Tom Zé tem movimentações, elementos cênicos e histórias contadas, tudo isso aliado a um pensamento criativo rápido, capaz de compatibilizar atos pré-programados em contextos diversos com fluidez.

Mas esta característica de Tom Zé se revelava antes mesmo de tornar-se um artista conhecido, ou o “último tropicalista”. Num capítulo de Verdade Tropical, livro autobiográfico que lançou em 1997,  Caetano Veloso descreve o dia em que Tom Zé trocou Salvador por São Paulo para participar do tropicalismo. Leia o trecho logo abaixo.

[Em 1967], numa de minhas idas à Bahia — eu não passava mais de dois meses sem ir a Salvador — convidei Tom Zé para ir para São Paulo comigo. Tom Zé tinha sido nosso companheiro dos shows do Teatro Vila Velha. Quando comecei a frequentar os meios artísticos e boêmios de Salvador, ele já era uma figura conhecida dos estudantes universitários. Assim como Capinan — com quem, de resto, ele tinha colaborado em alguma peça do braço baiano do Centro Popular de Cultura (CPC) —, Tom Zé tinha prestígio entre os artistas que eu conhecia: as pintoras Sônia Castro e Lena Coelho, a dançarina Laís Salgado, os professores Paulo e Rena Faria, todos me falavam dele. Quando afinal nos conhecemos, ele me cativou pelo seu ar de sertanejo, por suas observações pseudomal-humoradas expressas num sotaque rural que mais realçava do que escondia a elegância clássica de seu português culto e correto. Seu físico de duende mameluco, de personagem de lenda cabocla confirmava sua condição de pessoa especial. Tom Zé tem uns olhos muito vivos, como que a provar que uma intensíssima concentração de energia é a razão de ele ser tão miúdo. Essas indicações de excepcionalidade eram em parte confirmadas por suas canções satíricas feitas em tom deliberadamente folclórico. Consistindo em longas crônicas da vida urbana de Salvador e em retratos de personagens típicos ou de exceção, essas composições de sua primeira fase mostravam-se a um tempo atraentes e insatisfatórias aparentemente pela mesma razão de não estarem em sintonia com os interesses estéticos da bossa nova. Sua inteligência e originalidade pessoal asseguravam que sua produção não fosse simplesmente antiquada. (…)

Inicialmente, no entanto, ele resistiu muito ao meu convite. Lembro-me de uma conversa nossa perto do Cine Guarany (atual Glauber Rocha), na praça Castro Alves, em que ele me dizia que a ideia era uma loucura. Eu e seu desejo profundo de assumir seu destino de músico o convencemos. A simples viagem de avião com Tom Zé de Salvador para São Paulo já deu o tom do que seria sua atuação. O Caravelle da Cruzeiro do Sul — aeronave cuja modernidade de linhas me encantava como um samba de [Tom] Jobim ou um prédio de [Oscar] Niemeyer —, voando em céu azul, parecia que ia explodir com a vibração da presença de Tom Zé. E isso chegou a exteriorizar-se até o conhecimento da aeromoça e quem sabe de outros passageiros. Não que ele se mostrasse nervoso por estar voando — embora sua ostentação de estranheza em relação a tudo o que se passava no avião indicasse (talvez enganosamente) que ele nunca tinha voado —, mas seu sotaque e suas expressões arcaicas pareciam agredir a realidade tecnológica da aviação e o conforto burguês dos “serviços” de consumo: ele estava me dizendo — e dizendo a si mesmo e ao mundo — que ia, sim, para São Paulo, mas que permaneceria irredutível quanto a certos princípios e certos traços de caráter. Ele lidava de modo inventivo — e bizarramente elegante — com o medo da mudança de situação. Referia-se ao avião em que estávamos como “essa caravela”, indicando intimidade e estranheza ao mesmo tempo, e, por trás dessa ironia, comentando o sentido de partida para outro continente que essa viagem tinha para ele.

Quando a aeromoça se aproximou para perguntar o que queríamos beber, ele respondeu cortantemente: ‘Cachaça‘. Havia humor na obviedade de seu conhecimento de que não deviam servir cachaça a bordo. Mas a sinceridade de seu ar desafiador — embora não impolido — levava a pensar em como era ridícula a pretensão de refinamento da freguesia desses serviços (não havia, por exemplo, uma só aeromoça preta em qualquer companhia de aviação brasileira) tornados amorfamente “internacionais”, e em como Tom Zé estava disposto a não contemporizar com isso. À esperada resposta da aeromoça — “Desculpe, não temos” — ele começou a desapertar o cinto de segurança e, fazendo menção de levantar-se, disse — dirigindo-se a mim, não a ela: ‘Então eu vou-me embora. Mande parar essa caravela’.

A verdade com que essas palavras foram ditas assustou-nos, a mim e a moça, pois, embora soubéssemos impossível obedecer a tão absurda ordem, sentíamos, na determinação com que esta fora dada, que ela se imporia de alguma maneira. Claro que Tom Zé não criou um caso dentro do avião, mas tampouco desconcertou-se ou deixou seu movimento se retrair: ele, que parecera por um instante que ia sair dali custasse o que custasse, agora desistia educadamente irritado, como quem achasse inútil o gesto, mantendo total independência até o fim. Tudo isso sem que se perdesse o humor distanciado de quem diz ao mesmo tempo que tudo é uma brincadeira — e de quem sabe que tem charme.

Mais tarde, numa entrevista à Revista “E”, Caetano afirmou que Tom Zé vinha tornou-se não apenas o “Último Tropicalista”, mas também o tropicalista mais radical de todo o movimento. “Ele, estudando o samba, sintetizou tudo o que sugeríamos em nossas espalhafatosas letras paródicas e colagísticas“.

Além de ser do sertão (todos nós outros éramos do recôncavo, nascemos colados ao litoral), ele estudara nos seminários livres de música. Assim, sua dicção, sua perspectiva crítica e sua ambição experimentadora teriam de mostrar-se mais concentradas e consequentes. Já em 1968, quando as explosões tropicalistas tinham se dado (com Alegria, Alegria, Domingo no Parque e meu primeiro LP, que continha Tropicália), achei que o panorama da canção popular já seria acolhedor da originalidade do estilo criativo de Tom Zé. Tenho muito orgulho de não ter errado

Fontes:

VelosoCaetano, 1942. Verdade Tropical / Caetano Veloso. – São Paulo: Companhia das Letras, 1997

França, Luíza. Tom Zé [recurso eletrônico] : estudando o estranho- Belo Horizonte, MG: Fafich/Selo PPGCOM/UFMG, 2020

https://www.sescsp.org.br/todos-os-tons

As mais tocadas e as mais gravadas de Chico Buarque

No dia 19 de junho de 1944, Chico Buarque nasceu. Donos de uma das carreiras mais longevas e bem sucedidas da música popular brasileira, Francisco Buarque de Holanda, ao completar 80 anos, certamente não imaginava que o compositor que surgiu para o mundo em 1966, com o sucesso A Banda, seria a grande referência que é hoje.

Conhecido pelas suas múltiplas facetas como artista, desde as canções de protesto dos anos 60/70, as canções com eu-lírico feminino, os sambas e choros, as parcerias com Tom Jobim (e com tantos outros – destaque para Edu Lobo e Francis Hime), as canções com nomes de mulher, os livros escritos (Budapeste para mim é o melhor deles), seu heterônimo Julinho de Adelaide, enfim… fiquei curioso sobre quais são as músicas mais executadas de Chico Buarque hoje, e também quais são suas músicas mais gravadas.

Para fazer esta consulta, o ECAD contém as informações das músicas mais executadas de Chico (algumas das quais já foram objeto de postagem no blog). São elas:

As mais tocadas:

  1. “Iolanda” (Chico Buarque / Pablo Milanés) – Interessante que a canção mais executada seja uma versão;
  2. “A Banda” (Chico Buarque) – O primeiro grande sucesso, vencedor do festival de 1966;
  3. “João e Maria” (Chico Buarque / Sivuca) aqui ;
  4. “Folhetim” (Chico Buarque) – Imortalizada na voz de Gal Costa;
  5. “Anos Dourados” (Tom Jobim / Chico Buarque) – Uma história curiosa, em que a letra demorou para sair;
  6. “Cotidiano” (Chico Buarque) – Todo dia ela faz tudo sempre igual…
  7. “Quem Te Viu Quem Te Vê” (Chico Buarque) – Um dos melhores sambas de Chico;
  8. “Apesar de Você” (Chico Buarque) – Primeira música de Chico censurada, virou símbolo contra a ditadura militar;
  9. “Samba do Grande Amor” (Chico Buarque) – Um samba bonito e triste;
  10. “Roda Viva” (Chico Buarque)… Terceiro lugar no Festival da Record em 1977;

As músicas de Chico mais regravadas:

Músicas de Chico mais regravadas

  1. “Gente Humilde” (Vinicius de Moraes / Chico Buarque / Garoto)
  2. “Retrato em Branco e Preto” (Tom Jobim / Chico Buarque)
  3. “Beatriz” (Chico Buarque / Edu Lobo) aqui
  4. “Anos Dourados” (Tom Jobim / Chico Buarque)
  5. “O Que Será” (Chico Buarque) e “João e Maria” (Chico Buarque / Sivuca)
  6. “O Cio da Terra” (Chico Buarque / Milton Nascimento)
  7. “Sabiá” (Tom Jobim / Chico Buarque)
  8. “Carolina” (Chico Buarque)
  9. “Quem Te Viu Quem Te Vê” (Chico Buarque)
  10. “Valsinha” (Vinicius De Moraes / Chico Buarque) e “Todo o Sentimento” (Cristóvão Bastos / Chico Buarque)…

E vou fazer aqui uma lista das 10 músicas de Chico que considero mais marcantes, no âmbito pessoal. Uma escolha meramente afetiva, sem nenhuma pretensão de ser uma lista melhor ou definitiva.

  1. Meu caro amigo (Chico Buarque/Francis Hime)
  2. Todo o Sentimento (Cristóvão Bastos / Chico Buarque)
  3. Futuros amantes (Chico Buarque)
  4. Noite dos Mascarados (Chico Buarque)
  5. Carolina (Chico Buarque)
  6. Valsinha (Chico Buarque/Vinicius de Moraes)
  7. Trocando em Miúdos (Chico Buarque/Francis Hime)
  8. O meu amor (Chico Buarque)
  9. Vida (Chico Buarque)
  10. Mar e Lua (Chico Buarque)

Enfim, é uma homenagem a um dos grandes compositores brasileiros de sempre, ao fazer 80 anos…

Rapte-me Camaleoa (De Caetano para Regina Casé em 1981)

A figura do camaleão é sempre associada ao mimetismo, à sua capacidade se se camulflar de acordo com o ambiente, com a temperatura, com a iluminação e pelo seu próprio estado emocional. Quando nos referimos a pessoas, a referência ao camaleão termina sendo uma figura de linguagem relacionada com a capacidade de mudança e de adaptação.

E foi a figura da Camaleoa que Caetano Veloso homenageou, no álbum “Outras Palavras” (1981), a atriz Regina Casé, na canção “Rapte-me Camaleoa”.

Conta Tom Cardoso, na obra biográfica “Outras palavras: Seis vezes Caetano”, diz que Caetano conheceu – e deslumbrou-se – com Regina Casé quando a viu encenando a peça “Trate-me Leão”, da Cia teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone (formada por diversos atores que se tornaram posteriormente muito famososo, como Evandro Mesquita, Luiz Fernando Guimarães, Patrícya Travassos, entre outros). A amizade entre ambos transfornou-se num namoro fugaz (com o consentimento da esposa de Caetano, Dedé Gadelha, já que a relação de ambos era fundada no amor livre).

A letra é, ao mesmo tempo, um convite e uma manifestação de desejo, reveleda na última frase, adapte-me ao seu ne me quitte pas. Na letra da canção, a ideia da metamorfose, da adaptação própria do camaleão está sempre presente

Regina afirnou, em 2004: “eu e a Dedé éramos muito amigas, e continuamos sendo até hoje(…) Aquilo era um comportamento tão normal, no mundo inteiro”

A canção é uma declaração de afeto para Regina Casé, que Caetano namorou no início da década de 1980. “Ela se chamava ‘Camaleoa’ em uma peça (‘Aquela Coisa Toda’). Namorei ela nessa época rapidinho, um tempinho curto. Mas a adoro, sempre. É bem feitinha a letra. E tem de interessante o verso ‘rapte-me, adapte-me, capte-me, it’ s up to me’, que traz uma rima bilíngue“, disse em conversa com o escritor Eucanaã Ferraz…

A amizade deles dura até hoje. Regina Casé fez uma participação no filme de Caetano, Cinema Falado. Numa entrevista ao programa Roda Viva, falou sobre a amizade:

Eu estava trabalhando, ele foi assistir a uma apresentação nossa e gostou muito. Depois, foi conversar com a gente no camarim, daí a gente foi jantar e ficou amigo. Logo assim. Mas eu acho que foi muito por causa do trabalho. Se não fosse o trabalho, talvez no Rio a gente viesse a ser amigo, mas o que precipitou… E isso criou uma amizade já com muita qualidade, assim, legal.

Em 2014, Caetano fez uma postagem homenageando Regina Casé:

Quando conheci Regina, ela estava no palco. Eu, na plateia. Fiquei imediatamente apaixonado por sua personalidade e assombrado com seu talento. O Asdrúbal Trouxe o Trombone era um grupo de jovens fazendo o teatro viver. Dos trabalhos que ela fez ali à série de programas na TV, passando por atuações em filmes, peças e novelas, há uma linha coerente. Ela é uma das criadoras mais fortes que o Brasil produziu. O modo de tratar uma personagem em “Trate-me, Leão” já continha os gestos de Central da Periferia ou Esquenta! Não é por acaso que ela incomoda os eternos reaças colonizados. Filha de Geraldo e neta de Ademar, Regina é um farol na cultura popular brasileira. Celebro seu aniversário como um marco na minha vida pessoal e na história do Brasil” 

Claudya. A “rival” de Elis Regina criada por Ronaldo Bôscoli.

“Na briga entre o mar e o rochedo, sobra sempre para o marisco”. Essa frase reflete bem  a história da Cantora Cláudya, que, sem querer, foi posta, aos 17 anos, na condição de rival de Elis Regina, então cantora já consagrada, vencedora de festivais e âncora de um dos programas de maior audiência na época, “O fino da bossa”. 

Quem tramou essa rivalidade foi Ronaldo Bôscoli (que, ironicamente, viria a se tornar marido de Elis no futuro), que juntamente com Miele, pensaram num título para um show de Cláudya, ainda iniciante, cujo título seria:  “QUEM TEM MEDO DE ELIS REGINA?” 

Claudya e Elis, em foto do blog de Claudya

A Cantora Claudya, numa entrevista à Revista Época,  esclareece que se recusou a fazer tal show, se o título não fosse modificado. Diz ela:  

ÉPOCA – Você e a Elis sempre foram apontadas como rivais. Até que ponto isso era verdade? 
Claudya –
 Eu nunca vi a Elis como rival. Via como uma ótima cantora. O que aconteceu foi que o Ronaldo Bôscoli (produtor musical), na década de 60, me chamou para fazer um show chamado “Quem tem medo de Elis Regina”. Fui conversar com ele e disse que não podia fazer esse show. Eu queria fazer um show para divulgar o disco que eu estava lançando. Acho que ele tinha alguma mágoa com a Elis. Nunca entendi qual era o objetivo dele. Mas o fato foi que a Elis ficou sabendo e me convidou para participar do Fino da Bossa, programa que ela apresentava na Record. Ela me questionou no palco. Eu respondi que não tinha medo dela, só admiração, e que havia recusado o convite do Bôscoli. Mesmo assim, eu fui vaiada durante cinco minutos pelo público que estava no Teatro Record. Tive que esperar as vaias pararem para poder cantar. No dia seguinte, a imprensa toda acabou comigo. Nem fizeram questão de esclarecer que o show havia mudado de nome, passou a se chamar “Claudya não se aprende na escola”, título tirado de uma das músicas que estava no disco. Passei por maus pedaços. Foi muito feio o que fizerem comigo. Eu paguei uma pena muito grande dentro da música brasileira. Até hoje não me sinto inserida nela. 

ÉPOCA – Mas você acha que a Elis a convidou para o programa apenas para tirar satisfação?

Claudya –Não sei o que passou na cabeça dela. O Fino da Bossa era um dos programas mais assistidos do Brasil e o que aconteceu me prejudicou muito. Eu era uma menina, tinha apenas 17 anos. Estava começando minha carreira. Era arrimo de família e precisava dar assistência a minha família. Eu passei fome. Nunca falei isso antes, mas não vejo mais motivos para esconder. Lembro minha mãe indo à TV Record pedir para o Marcos Lázaro, meu empresário na época, esclarecer tudo, mas ele não fez nada para me ajudar. Até hoje os fãs de Elis têm raiva de mim.

No seu blog pessoal, ela aprofunda mais: 

Muitas pessoas me perguntam até hoje se esse show aconteceu e não sabem que não aconteceu com esse nome e sim com “CLAUDYA NÃO SE APRENDE NA ESCOLA”.

Fui muito prejudicada, todas as portas foram fechadas e eu tive que fazer um exílio forçado.

Fui questionada ao vivo pela própria Elis no programa, e mesmo expressando meu descontentamento explicando o que havia acontecido  que eu havia me recusado a fazer o espetáculo com esse nome, no dia seguinte em letras garrafais a mídia anunciava:

Claudya aproveitadora, Claudya imitadora da Elis, Claudya brigou com Elis e etc.

Recentemente a jornalista Regina Echeverria escreveu uma grande mentira em seu livro “Furacão Elis” dizendo que eu empurrei a cantora no poço da orquestra.

Esta senhora não me pediu sequer autorização para colocar meu nome no livro e sequer me entrevistou para saber da veracidade dos fatos

Eu tinha muito medo de falar alguma coisa na época pois em não falando nada me acusaram de coisas que eu jamais fiz e também porque tinha muita gente envolvida nessa trama. Pessoas que estavam doentes na época que já faleceram que não estão mais aqui para se defenderem.

Que poder eu teria? Uma menina de 17 anos vinda de uma cidade do interior, contra a grande e maior cantora do Brasil, que tinha um império a seus pés, que tinha a televisão Record, que comandava o maior programa da televisão brasileira.

Foi lamentável, foi triste muito triste mesmo, porque eu era apenas uma menina que queria vencer, que queria galgar,que queria saltar os muros que queria cantar, cantar prá viver viver a cantar.

E sinto que até hoje sou tolhida desse sentimento divino do poder de doar cantando a tantas pessoas que precisam do meu cantar.

Esse é o problema do rochedo com o mar. Errou Bôscoli, que na época tinha uma mágoa pessoal de Elis Regina (que ele revelou na biografia Eles e Eu); errou Elis Regina, que de modo absolutamente passional e sem dar qualquer chance de defesa à então adolescente Claudya, promoveu o seu linchamento público em horário nobre. 

O episódio foi o seguinte:

Ronaldo Bôscoli e Miele organizaram um show para Claudya com o título de “Quem Tem Medo de Elis Regina?” A cantora não quis e o nome foi modificado para “Claudia Não se Aprende na Escola”. Pouco tempo depois, quando compareceu para cantar no “Fino da Bossa (apresentado por Elis)”, foi tratada com crueldade por Elis Regina logo na apresentação.

“Agora, eu quero apresentar a vocês uma menina que começou a carreira aqui no meu programa. O nome dela é Maria das Graças e ela quer agora fazer um show no Rio de Janeiro chamado ‘Quem Tem Medo de Elis Regina?’” Claudya foi vaiada “por cinco minutos” pelo público.

E o marisco, Claudya, levou anos para conseguir erguer sua carreira, abatida no nascedouro. Fez relativo sucesso nos anos 70, mas sua suposta rivalidade com Elis sempre será lembrada.  

Fontes: http://claudya2010.blogspot.com.br/2010/02/claudya-e-elis.html

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI255002-15220,00.html

terça 22 janeiro 2013 10:58 , em “Rivalidades” Musicais

“Bicho” (1977) – um dos (muitos) cancelamentos de Caetano. A briga com a imprensa e a patrulha ideológica

O cancelamentos em redes sociais no Século XXI é um fenômeno aparentemente inexorável. Já se fala em “cultura do cancelamento”, como uma espécie de boicote coletivo e difuso a partir de determinada atitude ou opinião expressada; o cancelamento, pois, é uma manifestação pública de censura a uma empresa, artista, atleta e celebridade (ou subcelebridades) em geral.

Esta execração pública, que hoje é difusa e se manifesta pelas redes sociais, era promovida no Século XX pela mídia, quando não concordava ou criticava o posicionamento de determinado artista.

Este fenômeno ocorreu com Caetano Veloso, em 1977, quando ele lançou o disco “Bicho”.

O disco contém algumas canções que se tornaram verdadeiros clássicos de Caetano, como “O Leãozinho” “Tigresa” e “Alguém cantando”. No entanto, provocou uma verdadeira saraivada de críticas da imprensa, que cobrava de Caetano uma postura politicamente mais engajada.

O contexto da época: Em 1977, o Brasil ainda estava sob o regime militar. O presidente era Ernesto Geisel, que prometia uma chamada “abertura lenta, gradual e segura” como forma de transição para um futuro governo democrático.

Não obstante, em 1º de abril de 1977, o Brasil acordou sem Congresso Nacional. O presidente Geisel se valeu do Ato Institucional 5 (AI-5), que não era usado desde 1969, para colocar o Parlamento em recesso, anunciando, no mesmo mês, um conjunto de medidas conhecido como Pacote de Abril, composto por uma emenda constitucional e seis decretos, tudo isso para assegurar maioria na Câmara e no Senado à ARENA, partido do governo.

Neste contexto, o álbum teve uma repercussão negativa justamente por ser considerado “alienante”, pois sua proposta era dançante e sem engajamento político. Numa reportagem de Claudia Arrigoni, no Jornal do Brasil em, 1977, Caetano afirmou:


Passei 12 dias na Nigéria curtindo o Festival de Arte Negra. Agora vou lançar um disco para todo mundo dançar. Eu acho bacana essa coisa de dançar, gosto muito. Talvez eu não seria capaz de fazer esse tipo de música muito bem, mas pensando bem, esse não é um disco para dançar, só feito por alguém que gosta de dançar. Entendeu? Na África, as pessoas dançam e isso é bacana.

O show, em consequência do álbum se chamava Bicho Baile Show, numa clara alusão de que seria um espetáculo para as pessoas dançarem, no qual Caetano seria acompanhado da Banda Black Rio.

Mas a repercussão não foi positiva, como conta Paulo César de Araújo no Livro “Eu Não Sou Cachorro Não – Música Popular Cafona e Ditadura Militar

O caso Caetano Veloso é exemplar. Em 1977- ano em que os militares comemoravam os “13 anos da revolução” e que a sociedade civil protestava, o cantor lançou o LP “Bicho”, que indicava uma opção preferencial pelo prazer e trazia na faixa de abertura um quase manifesto: “Deixa eu dançar / pro meu corpo ficar odara…” Palavra do dialeto ioneba (africano), odara, segundo o próprio Caetano, significa “estar bem”, “sentir-se feliz.

Nas entrevistas à imprensa o artista dizia que não tinha maiores interesses por assuntos políticos e reiterava que aquele era um disco “de quem gosta de música para dançar”. Aí é que estava o problema. “Dançar, nesses tempos sombrios?”, indagava a jornalista Ana Maria Bahiana. Um outro jornalista, indignado, afirmava que Caetano “não tinha o direito de pôr uma roupa colorida e sair brincando por aí, dizendo que está tudo bem, isso é oba-oba inconsequente

O ápice do patrulhamento ocorreu durante a temporada do espetáculo Bicho Baile Show, no qual Caetano era acompanhado pela Banda Black Rio – grupo carioca que propunha a fusão do samba com elementos do jazz, soul e funk. A jornalista Margarida Autran dizia que “o artista não pode alienar-se da realidade que o cerca” e que por isso Caetano Veloso não tinha o direito “de não ler jornais, de declarar publicamente nada saber do que se passa em termos políticos – no Brasil e no exterior e, consequentemente, de apresentar um espetáculo como o que está em cartaz no teatro Carlos Gomes, irresponsavelmente ‘feito para dançar’. E que, afinal, nem para dançar serve”. Ela concluía afirmando que ao seguir o rastro do sucesso da Banda Black Rio, o show de Caetano não passava de uma “oportunista e malsucedida incursão ao alienado clima que hoje embala os subúrbios cariocas”.

Vale a pena citar trechos de algumas reportagens sobre o tema:

Luís Carlos Cabral – Revista POP (1977) – Não acredito que Bicho gerasse tanta controvérsia se tivesse sido editado em época de maior silêncio geral. A geral, porém, se agita, e precisa de solidariedades unânimes. Brasil à parte, o poeta Caetano Veloso continua exercitando a sua fina sensibilidade,

Maria Helena Dutra (Jornal do Brasil) – “Afastemos, porém, e outra vez, das ciladas de discutir e refletir sobre conteúdos porque afinal esse show foi feito para esquecer, já que não atinge mesmo sua desejada finalidade de ‘feito para dançar'(…) Parodiando o exímio artista da palavra, o sempre gostável e também senhor Caetano Veloso em sua música Tigresa: ‘As garras do artista Caetano nos marcaram o coração. Mas as besteiras de menino que ele disse, não’.”

Jary Cardosos (Folha de São Paulo)O baiano não esperava uma agressividade tão grande por parte dos críticos em relação às suas propostas dançarinas (‘O certo é dançar’, diz uma de suas músicas) e ‘alienantes’ (o que ele não concorda).

Esta Patrulha ideológica contra Caetano tinha na Canção Odara seu símbolo maior: uma canção livre, leve e solta, certamente inspirada na viagem que Caetano e Gil fizeram a Lagos, na Nigéria, para participar do II Festival Mundial de Artes e Cultura Negra (Festac). Então, se trata de uma música para cima, alto-astral, que cultua o prazer. Caetano, sobre a canção, falou ao Jornal do Brasil : “Quando comecei a gravar o disco, estava convencido de que Odara era a mais bonita das canções que tinha feito ultimamente. Até hoje, ainda não encontrei bons argumentos em contrário

Mas a patrulha ideológica foi implacável: caetano, preso durante a ditadura e exilado, não teria o direito de cantar a felicidade. Teria um dever de engajamento. Luciana Xavier de Oliveira, no seu escrito “Disputas ideológicas, cultura negra e jornalismo cultural: a crítica musical carioca e os bailes de soul dos anos 1970”, pondera:

O debate em torno das patrulhas ideológicas se refere a um momento muito particular dos anos 1970, em que intelectuais e formadores de esquerda deliberadamente passaram a cobrar uma arte engajada, criticando manifestações que não se enquadrassem em um viés de contestação política. As patrulhas ideológicas estabeleciam claramente uma distinção de valor entre “músicas para dançar” e “músicas para pensar”. Caetano denunciava os cadernos de cultura dos principais jornais e revistas do país, que seriam dominados por uma esquerda repressora representada por críticos que pretendiam policiar a música popular no Brasil. Se os próprios integrantes da MPB poderiam ser criticados por produzir canções e discos que privilegiassem a festa, a alegria, o ritmo e a dança, o que dirá de todo um movimento periférico, popular, baseado em bailes, nos quais se ouvia e se dançava música americana? Risério (1981, p. 32) ainda complementa: “Pior ainda é que esses setores supostamente ‘progressistas’ falavam em nome das massas oprimidas do país exatamente para condenar uma das manifestações estéticas e sociais mais vivas dessas mesmas massas oprimidas.

Paulo César de Araújo prossegue:

Como se vê, mais do que a música em si, os críticos analisavam as atitudes, as opiniões, os posicionamentos políticos de Caetano e Gil. Contra isso insurgiu-se Caetano Veloso numa polêmica entrevista ao Diário de São Paulo. Ali ele afirmou que os cadernos de cultura dos principais jornais e revistas do país eram dominados por uma “esquerda medíocre, de baixo nível cultural e repressora” que pretendia policiar “essa força que é a música popular no Brasil”. E Caetano exemplificava citando nominalmente quatro críticos musicais: Tárik de Souza, José Ramos Tinhorão, Maurício Kubrusly e Maria Helena Dutra, que, segundo ele, distribuíam estrelinhas a discos e shows “fingindo que estão fazendo um trabalho da revolução operária, e se acham no direito de esculhambar com a gente, porque se julgam numa causa nobre; quando não tem nobreza nenhuma nisso“.

Para Caetano, seus críticos não tinham autoridade para questionar nenhuma atitude dele porque “são pessoas que obedecem a dois senhores: um é o dono da empresa, o outro é o chefe do partido” e que por isso eles se expressariam numa “linguagem completamente esquizofrênica”, de difícil assimilação para o leitor.

Ninguém entende os artigos que os imbecis escrevem porque é uma mistura de Roberto Marinho e Luiz Carlos Prestes.” Chamando a crítica militante de “canalha”, Caetano dizia que “se eles não se tornarem uma União Soviética e mandarem me matar, não conseguirão jamais nada comigo, a não ser que eles ganhem os tanques. Se eles tiverem os tanques nas ruas, nas mãos deles, aí eles poderão me impedir em alguma coisa. Fora isso, é impossível” porque “eles não são de nada. É uma canalha que eu digo que vou acabar, que a gente já acabou, já matou, são defuntos que fingem que estão vivos”.

Na contramão da crítica, Tarso de Castro afirmou em 31 de julho de 1977: Mas é realmente formidável que agora se esteja vivendo o repeteco das perseguições a Caetano Veloso. Ah, que belos críticos temos: se não se especializaram em música são totais admiradores do próprio fascismo. (…) Falemos de uma coisa boa: ‘Bicho’, de Caetano Veloso, é um disco lindo, limpo, de uma correção assustadora, irritante“.


Mais tarde, em 1991, Caetano Veloso, em reportagem de Marcia Cezimbra no Jornal do Brasil, apontava: Odara é uma confissão de namoro com as discotecas. Eu me sentia bem em me aproximar do movimento Black Rio que surgia na época, quando começaram os grandes bailes funks. Tinha voltado de uma excursão na África com o Gil, onde tive contato com a juju music da Nigéria. É um disco histórico, porque traz pela primeira vez a juju music para o Brasil em Two naira fifty kobo, que era o preço que a gente mais ouvia na Nigéria e o apelido do motorista que nos acompanhava. Fiz a música pensando no motorista. Tem Um índio, com uma levada reggae. Tem Leãozinho, deslumbrante. Uma vez fui cantar numa assembleia não sei de quê na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Ia fazer um número para animar as pessoas, igual ao dessas, cantoras que cantam para os soldados na guerra, e recebi um bilhete de que levaria porrada se cantasse Leãozinho. Na hora ia cantar, mas fiquei com medo. Nem sabia direito que manifestação era aquela. Foi um amigo que me pediu para ir. Tem Tigresa, que cita na letra a discoteca Dancin’ Days, uma boate do Nelson Motta que eu adorava. Aliás, eu encontrava muito desses críticos de esquerda dançando nas discotecas.”

O tempo terminou fazendo com que Bicho, a despeito de todas as críticas, permanecesse. Não sei se poderia ser considerado propriamente um disco dançante. muitas de suas canções são canções para serem ouvidas. Talvez “Odara” e “Gente” seriam as músicas mais dançáveis. Mas, por outro lado, clássicos permaneceram, e “Leãozinho”, “Tigresa” , “Alguém Cantando” permanecem no repertório dos shows de Caetano até hoje.

Fontes:

Paulo César de Araújo: Eu Não Sou Cachorro Não – Música Popular Cafona e Ditadura Militar Record, 2010  

Agência Senado (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/03/31/ha-40-anos-ditadura-impunha-pacote-de-abril-e-adiava-abertura-politica#:~:text=H%C3%A1%2040%20anos%2C%20ditadura%20impunha%20Pacote%20de%20Abril%20e%20adiava%20abertura%20pol%C3%ADtica,-Compartilhe%20este%20conte%C3%BAdo&text=No%20dia%201%C2%BA%20de%20abril,colocar%20o%20Parlamento%20em%20recesso.)

Luciana Xavier de Oliveira – Disputas ideológicas, cultura
negra e jornalismo cultural: a crítica musical carioca e os bailes de soul dos anos 1970

https://www.ibahia.com/caetano80anos/caetano-80-anos-veja-criticas-de-cinco-albuns-do-icone-da-mpb

 

Crônicas do Carnaval da Bahia – Os Filhos de Gandhy

Poucos imaginariam que um dos símblos do carnaval da Bahia – o Afoxé Filhos de Gandhy teria se originado de um bloco carnavalesco denominado “Comendo Coentro”, tudo isso no ano de 1949. 

Na verdade, a origem dos Filhos de Gandhy vem, como sabido, dos estivadores de Salvador. A estiva representava um polo de manifestações políticas, sendo histórica a sua participação no boicote ao fascismo, e sua estreita ligação com o partido comunista.

Segundo narra Anísio Félix, no seu livro “Filhos de Gandhi – A história de um afoxé”,

Antes da Segunda Guerra Mundial, os estivadores sempre participaram ativamente das festas populares da Bahia. Eles fundaram o Terno de Reis “Robalo” e se faziam presentes, sobretudo nos festejos da Lapinha e do Bonfim. Posteriormente fundaram o “Comendo Coentro” para o carnaval. Era um bloco com instrumentos de sopro que saía num caminhão alugado. Os relatos da época dão conta de que os estivadores em sua quase totalidade, só vestiam roupas dos mais caros linhos importados e usavam chapéus “Panamá”

Fase 1 – A fundação 

No dia 18 de fevereiro de 1949, os estivadores do porto de Salvador, estavam sentados ao pé de uma mangueira perto da sede do Sindicato dos Estivadores, preocupados com a falta de trabalho nos portos e a política de arrocho salarial,  gerada pela crise do pós-guerra. A ideia original de botar um “careta” na rua, partiu de Durval Marques da Silva (Vavá Madeira), tido como o maior festeiro da turma, que também foi o responsável pelo nome em homenagem a Gandi. 

Como o dinheiro era pouco, os estivadores fizeram uma “vaquinha” para a compra de barris de mate, lençóis e couro para fazer os tamborins. 

Para evitar represálias, já que o fundador Almir Fialho deu a ideia para mudar a grafia do nome Gandi, inserindo as letras “dh” e trocou o “i” por “y”, ficando Gandhy. 

No primeiro dia, saíram apenas 36 participantes A fantasia foi um lençol branco torso de toalha felpuda, nos pés um tamanco de couro cru chamado “Malandrinha”. 

Ficou estabelecido no pimeiro momento uma decisão que se tornou decisiva no futuro: mulher não podia entrar e era terminantemente proibido o uso de bebidas alcoólicas. A explicação para as proibições era de que onde havia bebida e mulher, haveria briga e o lema do afoxé era a paz. Em relação à bebida, a tese não vingou, mas em relação às mulheres, fontes oficiosas contam que alguns membros tinham muitas namoradas, mulheres, amantes, e que se elas pudessem participar, daria confusão. 

Em 1951, foram admitidos trabalhadores de outras classes, e adotado o símbolo do camelo, símbolo da resistência e que Antonio Risério, na sua obra “Carnaval Ijexá”, associa a Xangô. 

O Filhos de Gandhy nos primeiros anos saiu cantando marchinhas até se dedicar especialmente ao ijexá

 Fase 2 – A decadência e a reconstrução

Na década de 1970, o bloco passou por seu momento mais difícil. Em 1974, o Afoxé Filhos de Gandhy chegou a fechar , por problemas administrativos e financeiros, chegando o bloco a ser despejado de sua sede. Em 1974 e 1975, o bloco não desfilou no carnaval de Salvador.

Devido a várias campanhas de incentivo de radialistas, principalmente de Gérson Macedo (Rádio Excelsior), o bloco voltou a desfilar, sob o patrocínio de alguns dos seus participantes. Sob a presidência de Camafeu de Oxóssi e com o apoio de artistas baianos, dentre eles Gilberto Gil, o afoxé retornou às ruas, no ano de 1976, desfilando com cerca de 80 homens.

Gilberto Gil, em depoimento a Antonio Risério, fala de sua ajuda ao bloco:

Só quando voltei de Londres, dentro daquele processo de retomada, de redescoberta, de sofisticação de gosto, é que fui procurar especificamente os afoxés, por que mesmo no carnaval da minha infância, eles me pareciam bálsamos, oásis de paz naquele caos da rua. Me lembro que assim que voltei, no meu primeiro carnaval aqui, me disseram que os afoxés não existiam mais. E, de fato fui encontrar uns vinte Filhos de Gandhi, com os tambores no chão , num canto da Praça da Sé. Eles não tinham mais recursos, mais força para ocupar um espaço no carnaval baiano. Fui procurá-los para entrar no afoxé. Foi como uma coisa devocional, uma promessa, uma vontade de pôr o meu prestigio para funcionar em prol daquela coisa bonita que é o afoxé. E aí saí seis anos no Filhos de Gandhi, fazendo todo o percurso das 12 horas, cantando e tocando, parando nos pontos de devoção, obedecendo à disciplina, que é muito rigorosa. E no ano passado(1980), já eram mil Filhos de Gandhi (…).

 Fase 3 – A consolidação

Atualmente, os Filhos de Ghandy são uma instituição na Bahia. É comum fazer referência ao tapete branco que se forma todas as vezes que o bloco sai nas ruas. Já é tradição ver no carnaval os famosos trajes: uma saia, uma bata, colares azul e branco e um adorno de cabeça que é costurado e ajustado em cada participante. A toalha usada na cabeça é acompanhada de um broche azul e branco no meio da testa.

Tradicionalmente, o traje é branco com detalhes em azul; o turbante, branco (com exceção de 2006, quando o turbante foi azul, e 2019, em que se incluiu o dourado no traje em homenagem aos 70 anos do bloco). Costuma-se dizer que, para ganhar um colar é preciso dar um beijo em um Gandhy. Já a alfazema que eles levam consigo também é compartilhada com quem pedir.

Segundo J. Adeilson, “Os colares, nas cores azuis e brancas, são uma reverência aos orixás Oxalá e Ogum. Durante o desfile, os colares têm um significado além daquele de simplesmente compor um figurino ou vestir uma fantasia. Tradicionalmente, os colares são oferecidos aos admiradores, simbolizando uma maneira dos Filhos de Gandhy desejarem paz durante o carnaval e no restante do ano.”

Enfim, uma das tradições mais perenes do inquieto carnaval da Bahia.

 4 – Músicas que Falam dos Filhos de Ghandy

Há diversas músicas que fazem referência ao Bloco. Vale a pena fazer uma pequena lista aqui:

  1. Filhos de Gandhi (Gilberto Gil) – Gilberto Gil/Jorge Benjor (1975)
  2. Patuscada de Gandhi – Gilberto Gil (1977)
  3. Viva os Filhos de Gandhi (Paulinho Camafeu) – Eliana Pittman (1978)
  4. Axé do Gandhi – (Moraes Moeria/Pepeu Gomes) – Moraes Moreira (1981)
  5. Alô Filhos de Gandhi (Armandinho Macedo/André Macedo) – Armandinho e Trio elétrico Dodô e Osmar (1981)
  6. Ijexá (Edil pacheco) – Clara Nunes (1982)
  7. Filho de Gandhi Afoxé (Rey Zulu/ Jaguaracy Esserre) – Banda Tomalira (1988)
  8. Grande Gandhi (Luiz Caldas/Paulinho Camafeu) – Luiz Caldas (1989)
  9. Na Luz do Gandhi (Carlinhos Brown/Alain Tavares) – Os Tropicais (1989)
  10. Olha o Gandhi aí (Tonho Matéria/Jô Vieira) – Danniela Mercury (2006)

Fontes:

“Filhos de Gandhi – A história de um afoxé”, sem editora: Salvador 1987. Anísio Félix

HISTÓRIA DO AFOXÉ FILHOS DE GANDHY J. Adeilson Repertório, Salvador, nº 19, p.215-220, 2012.2

http://alemdoqsev.blogspot.com/2011/01/historia-do-afoxe-filhos-de-gandhy_06.html

Carnaval Ijexá. . Antonio Risério. Corrupio, 1981 – Bahia

domingo 02 fevereiro 2014 16:31 , em Carnaval