De Fugaz a Fullgás: a Musicalidade de Marina Lima e Antônio Cícero

Fullgás é uma das canções mais emblemáticas da parceria entre Marina Lima e seu irmão, o poeta Antônio Cícero. Sua origem mistura uma série de elementos de modernização, quando surgia uma nova música pop brasileira.

A música dos anos 80 começava a incorporar fortemente elementos eletrônicos — drum machines, sintetizadores e arranjos mais “limpos”, influenciados pelo new wave e pelo synth pop internacional. E Fullgas revela a fusão entre tecnologia, poesia e uma estética urbana sofisticada própria da época.

A história começa em 1983, quando Lobão — então baterista de Marina — chega com uma novidade inédita no país: um teclado Casio com bateria eletrônica. Era um teclado pequeno, que já colocava nas músicas uma batida constante. Marina adorou a novidade comprou um para si. Brincando com ritmos pré-programados, cria uma levada híbrida, brasileira e pop ao mesmo tempo, que se tornaria o embrião de Fullgás. Como ela disse, criou a música em cima de uma levada. Trouxe a ideia ao irmão, e ambos finalizam a composição.

O título da música surge de uma brincadeiera. Antônio Cícero havia escrito “fugaz”, no sentido clássico de algo veloz, rápido, passageiro. Marina, que vivera muitos anos nos Estados Unidos, resolveu fazer um trocadilho, e inserio “full-gas”: cheia de energia. A leitura dela transformou o conceito da música e acabou batizando não apenas a faixa, mas o álbum inteiro.

E existem aspectos muito interessantes na letra e na música.

A letra de Antônio Cícero, poeta de formação, imprime à canção uma dimensão filosófica evidente. Numa entrevista, ele explica que a expressão “meu mundo você é quem faz” dialogava diretamente com sua formação clássica. Segundo ele, mundus, em latim, “é aquilo que tá limpo, que brilha, que aparece” — uma imagem que sintetiza a capacidade da canção de iluminar aspectos da vida que lhes interessavam.

A letra imprime, então, uma tentativa de traduzir em música a sensação de brilho que certas pessoas conferem ao ambiente ao seu redor.

Marina, numa entrevista, falou da letra:

A gente ficava fascinado com algumas figuras na noite. Hoje tem isso, mas, na nossa época, quando a gente compôs essa música, havia pessoas que lançavam bem, e que você via que lançavam moda.

A gente volta e meia se via envolvido, afim de alguém assim. Tudo você é quem lança. A pessoa tem um aspecto em que ela lança moda. Tudo dela, ela faz com que se toque. Olha… todo mundo começa a ficar parecido com aquela pessoa, entendeu? Lança mais e mais.

Nada de mal alcança, porque tendo aquela pessoa, nada vai mais vai machucar nem cansar ficar. Um mundo estranho, sem esse charme, sem esse frisson no ar. Ficou um mundo esquisito. Um mundo estranho.

Marina e Antonio Cícero

A música revela um encanto por essas pessoas, encanto que contagia e torna odos em sua volta indestrutíveis.

Quando se fala de “meu brinquedo”, Cícero esclarece que é uma espécie de brincadeira amorosa no jogo de sedução. Nega que tenha o componente de manipulação, mas de brincadeira.

E depois da continuidade do encantamento, da sensação de que a vida não será mais a mesma sem aquela pessoa, vem a frase que fecha a canção: “Você me abre seus braços/E a gente faz um país

Esta frease condensa múltiplos sentidos:
erótico, como a criação de um território íntimo entre dois corpos;
afetivo-existencial, como a capacidade de alguém reconfigurar o mundo de outro;
político, como a possibilidade de imaginar um espaço novo, um país próprio, feito de linguagem, desejo e brilho;
estético, porque o país criado é também a obra de arte, o território simbólico que a música inaugura.

Essa frase ecoa e amplia o verso “meu mundo você é quem faz”: agora, não é apenas o mundo de uma pessoa feita pelo objeto do desejo; é um país inteiro que se faz juntos ao se abrir os braçoe. . O país como horizonte, como corpo, como invenção comum — como obra.

E a música também tem suas nuances. A levada de baixo é manifestamente inspirada em Bille Jean, de Michael Jackson.

Fullgás, portanto, permanece como um marco: uma canção que combina poesia sofisticada, experimentação tecnológica e uma estética de desejo rarefeita, inventiva, urbana. Um lugar onde música, corpo e linguagem criam novos mundos — ou novos países — sempre que alguém abre os braços e permite que a arte, enfim, aconteça.

Ave-Maria no Morro

Ave Maria no Morro foi um dos grandes sucessos de Herivelto Martins. Ele a compôs pensando na voz de Dalva de Oliveira — então sua esposa —, que cantava com ele e Nilo Chagas no Trio de Ouro. A primeira gravação saiu pela Odeon, com orquestra de Fon-Fon, registrada em 5 de junho de 1942

A música revela uma visão bucólica do morro ao fim da tarde, em que quem mora no morro vive pertinho do céu, e Herivelto utiliza as imagens, primeiro, do barracão sem telhado, sem pintura… faz uma referência à algazarra de pardais que se preparam para dormir… e quando vem o cair a noite, o morro reza, às 18:00m, a sua Ave-Maria… uma espécia de momento em que o morro para num momento de devoção coletiva.

Interessante que a primeira pessoa que ouviu a música, o vizinho e compadre Benedito Lacerda, não deu muita importância, achando que era música de Igreja. Muito pelo contrário: foi um retumbante sucesso…

Quem não gostou muito, no início, foi  o Cardeal Dom Sebastião Leme, que via na música uma heresia. Não saberia ele, que anos depois, a canção seria executada em igrejas da Alemanha, Áustria, Suíça e outros países. Segundo o dicionáro Cravo “Ave Maria no morro”, a partir dos anos 1960, entrou para o repertório dos trabalhos litúrgicos de igrejas no Brasil e na Europa.

Não saberia ele que a música foi um sucesso internacional, sendo gravada por tantos autores, desde Andrea Bocelli (1994) até os Scorpions (1995).

Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello contam a história da canção, no seu livro “A canção no tempo – Volume 1 (p. 207-208) 

Recém-chegado ao Rio, por volta de 1930, Herivelto Martins costumava frequentar o Morro da Favela, onde havia uma singela capelinha. Por muito tempo ele guardou a imagem dessa capela, com a intenção de usá-la numa canção que descrevesse de forma mística o anoitecer no morro.

Estando certa vez num bilharna Praça Tiradentes, Herivelto observou o barulho dos pardais se recolhendo às árvores para dormir:sentiu que isso daria samba e compôs os primeiros versos de “Ave Maria”: “Tem alvorada/ tem passarada/ alvorecer/ sinfonia de pardais/ anunciando o anoitecer”.

Entusiasmado com o esboço de samba que acabara de compor, resolveu mostrá-lo ao compadre Benedito Lacerda, na época seu vizinho na Ilha do Governador.

O próprio Herivelto relatou em depoimento para o Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro, em 1983: “ Eu me preparei para mostrar ao Benedito essa segunda parte. Ensaiei com a Dalva, bem ensaiadinho, e todo animado fui procurá-lo. ‘Ouve aqui, Benedito, este negócio que eu fiz.’ E então cantamos, cantamos, a Dalva com aquela voz bonita e eu, no violão, crente que estávamos agradando, pois estava mesmo uma beleza. Terminada a cantoria, uma decepção. O Benedito tirou os óculos, esfregou os olhos e disse com a maior frieza: ‘Meu compadre, isso é música de igreja. Vamos fazer música pra ganhar dinheiro, meu compadre’. E, para amenizar o meu desapontamento, acrescentou: ‘Tá bem, tá bem pra vocês cantarem no rádio, mas isso não é música pra dar dinheiro. Cadê aquele sambinha que você me mostrou outro dia?”‘.

Desiludido com a rejeição, Herivelto arquivou a composição, só a concluindo meses depois, quando aprontou a primeira parte ( “Barracão de zinco / sem telhado / sem pintura / lá no morro…”).

Assim começou “Ave Maria no morro”, com alguma desilusão. Constituiu-se contudo num grande sucesso, embora o Cardeal Dom Sebastião Leme tenha considerado a canção uma heresia e tenha pedido sua proibição. A proibição só não foi efetivada devido às boas relações de Herivelto com os censores da época.


A letra: 

Barracão de zinco
Sem telhado, sem pintura
Lá no morro
Barracão é bangalô

Lá não existe
Felicidade de arranha-céu
Pois quem mora lá no morro
Já vive pertinho do céu

Tem alvorada, tem passarada
Alvorecer
Sinfonia de pardais
Anunciando o anoitecer

E o morro inteiro no fim do dia
Reza uma prece ave Maria
E o morro inteiro no fim do dia
Reza uma prece ave Maria

Ave Maria
Ave
E quando o morro escurece
Elevo a Deus uma prece
Ave Maria.

Essa Mulher – Elis Regina (história da canção)

“Essa mulher” é o título do álbum lançado em 1979 por Elis Regina. A música mais conhecida do álbum é “O Bêbado e a Equilibrista (João Bosc/Aldir Blanc)”, que se tornou um dos símbolos do movimento pela Anistia no fim da década de 70.

No entanto, hoje é dia de falar da canção título do álbum. “Essa Mulher”, composição de Joyce e Ana Terra, retrata as múltiplas facetas do que significa ser mulher. A letra retrata um dia na vida de uma mulher, e as suas transformações ao longo deste dia.

Pela manhã, uma senhora, cuidando da casa, dos filhos, com um quê de tristaza e resignação.

Ao entardecer, uma menina, que se arruma, se enamora, se apaixona, que se permite sonhar…

Por fim, a mulher que, à noite, seduz, bebe, enlouquece, faz estrago…

E termina, de modo aparentemente paradoxal, por agradecer ao destino por tudo aquilo que a faz infeliz… a luz, a sombra, a lama, a cruz… enfim, a complexidade e multiplicidade dos diversos mundos que habitam numa mulher.

Ana Terra

No livro “Então, foi assim?”, de Ruy Godinho, é contada um pouco da história da canção:

A tão propalada jornada dupla que algumas mulheres se submetem todos os dias, desdobrando-se entre o trabalho profissional e o doméstico, acabou virando uma bela peça musical na junção da letra de Ana Terra e da melodia de Joyce.

A letrista, escritora e produtora Ana Terra conta que escreveu a letra em uma noite em que estava supercansada. “Eu tinha passado o dia cuidando da casa e das crianças, sentia falta do Danilo [Caymmi], meu marido na época. Ele estava há vários dias longe, em excursão pelo Nordeste com o Bituca [Milton Nascimento], quando fazia parte da banda como flautista. Devia estar me sentindo como inúmeras mulheres que têm que dar conta de muitas atividades. Depois que as crianças dormiram, tomei meu banho e me olhei casualmente no espelho do banheiro. Meu rosto parecia cansado e gasto, dei um sorriso e me vi muito jovem. Minhas expressões se alternavam e tive a exata sensação de que eu era três mulheres.”

Ana editou-se no sofá com lápis e papel e começou a escrever. Essa mulher era assim. “Tive a sensação de encontrar em quem esbarro a toda hora num espelho quebrado. Exatamente a parte final da letra, que depois foi burilada e afinada até se tornar o que se tornou”, diz Ana.

O mais interessante é que essa sensação de ser múltipla a remetia à Bahia mística, a uma revelação que lhe foi feita em um terreiro de candomblé. “Quando estive no Gantois levada por Stella e Dorival [Caymmi], a Mãe Menininha jogando búzios me disse que eu tenho três Orixás de frente e todas [são] mulheres: Oxum, Iemanjá e Nanã. Acho que naquele momento em que escrevi a letra senti a presença desses três arquétipos femininos.”

Ana deitou-se no sofá com lápis e papel e começou a escrever: Essa menina, essa mulher, essa senhora/em quem esbarro a toda hora num espelho casual/é feita de sombra e tanta luz/de tanta lama e tanta cruz/que acha tudo natural… Exatamente a parte final da letra, que depois foi burilada e recebeu um início e um meio.

““Quando Danilo voltou de viagem mostrei para ele. Até então, era meu único parceiro”, afirma. “Ele começou a musicar, mas pela primeira vez achei que a música dele não tinha a ver com a minha letra. Tentei explicar isso com delicadeza dizendo que talvez só outra mulher conseguisse perceber o que eu estava sentindo.” Danilo compreendeu e superou.

Como nada acontece por acaso, no dia seguinte a cantora e compositora Joyce passou na casa deles para tratar de um assunto com Danilo, e Ana teve a intuição de que seria ela. “Timidamente mostrei a letra. Joyce a levou e no dia seguinte me ligou dizendo que a música estava pronta.”

O insight de Ana Terra de que a melodia teria de ser feita por uma mulher ganhou uma dimensão maior pelo fato de a letra ter caído nas mãos de uma compositora completa, que domina a criação de melodia e letra, que é uma violonista reconhecida internacionalmente, conviveu com Vinicius de Moraes e Tom Jobim, e transitou naturalmente por diversas tendências e escolas da música brasileira, como a Bossa Nova e o Clube da Esquina: Joyce Silveira Moreno.

Ana então nmostrou a canção a Elis Regina, que se preparava para lançar mais um LP. Elis gostou bastante da música que a escolheu como título do álbum Elis, Essa Mulher (WEA, 1979). “A gravação da música foi num clima de muita emoção. A Elis entendeu tudo”, festeja Ana Terra.

Joyce Moreno

Elis voltou a registrar a canção no LP Elis, Essa Mulher (WEA Latina, 1979), remasterizado em CD em 1988, seguido de diversos álbuns lançados posteriormente. Joyce, por sua vez, a gravou no LP Feminina (Odeon, 1980), no CD Revendo Amigos (EMI, 1994) e no CD Astronauta – Canções de Elis Regina (Pau Brasil, 1998).

A canção seguiu sendo regravada, entre outros, pela cantora Márcia, no CD Pra Machucar Seu Coração – Volume 2 (Velas, 1997); por Dori Caymmi, no CD Contemporâneos (Horipro Inc./Universal Music, 2002); por Alaíde Costa, no CD Alaíde Costa e João Carlos Assis Brasil – Voz e Piano (Lua Discos, 2006); e por Leila Pinheiro, no CD Nos Horizontes do Mundo – Ao Vivo (Biscoito Fino, 2007). Além das versões instrumentais de Nelson Ayres, no CD Perto do Coração (Atração Fonográfica, 2003) e de Marcel Powell Trio, no CD Corda com Bala (Rob Digital, 2009).

Em entrevista à Rádio Nacional, em julho de 1979, Elis Regina comenta a música “Essa Mulher”,

Eu tenho a impressão que a Joyce e a Ana conseguiram falar das artistas, conseguiram falar das mulheres artistas, das mulheres artistas casadas e mães, e mulheres de músicos de uma forma incrível…as duas são mulheres de músicos como eu, as duas tem pencas de filhos, as duas tem a jornada dupla de trabalho de ser dona de casa, ser mãe, ser esposa, ser artista, ter que batalhar e ter que segurar tudo que pinta, ter que organizar essa loucura que é você ter filho, você ter casa, você ter uma profissão e…. ao mesmo tempo, ser mulher e ser menina e ser dona de casa, ser a santa ser a mulher ser a menina…

Essa letra particularmente eu considero em termos de retrato da situação da mulher artista, da mulher que trabalha independentemente de ser artista, a mulher que trabalha, a mulher que tem a sua vida somada à do seu marido por vários aspectos – inclusive o econômico-financeiro – da batalha fora das quatro paredes do seu lar…

Acho que mais difícil… várias coisas a respeito de mulher já foram escritas – via de regra por homens – que conhecem a situação realmente, mas nunca viveram uma situação; viver na carne, passar pelas coisas é muito mais fácil quando você vai se referir ao assunto quando você tem conhecimento de causa, a coisa sai muito mais completa.

É história das duas que é a minha também e que é de uma porção de gente, é de Clara Nunes, é de uma penca de mulher que canta que trabalha que eu conheço, sabe? É uma música emocionante ela é emocionante.

De manhã cedo, essa senhora se conforma
Bota a mesa, tira o pó
Lava a louça, seca os olhos

Ah, como essa santa não se esquece
De pedir pelas mulheres
Pelos filhos, pelo pão

Depois, sorri meio sem graça
E abraça aquele homem, aquele mundo
Que a faz assim feliz

De tardezinha, essa menina se enamora
Se enfeita se decora
Sabe tudo, não faz mal

Ah, como essa coisa é tão bonita
Ser cantora, ser artista
Isso tudo é muito bom

E chora tanto de prazer e de agonia
De algum dia qualquer dia
Entender de ser feliz

De madrugada, essa mulher faz tanto estrago
Tira a roupa, faz a cama
Vira a mesa, seca o bar

Ah, como essa louca se esquece
Quanto os homens enlouquecem
Nessa boca, nesse chão

Depois, parece que acha graça
E agradece ao destino aquilo tudo
Que a faz tão infeliz

Essa menina, essa mulher, essa senhora
Em que esbarro a toda hora
Nos espelhos casuais

É feita de sombra e tanta luz
De tanta lama e tanta cruz
Que acha tudo, natural

As mulheres e suas canções – Tereza (Dorival Caymmi)

No começo de decada de 90, Dorival Caymmi fora convocado para compor a trilha sonora para uma minisserie baseada no romance Tereza Batista, de Jorge Amado. No entanto, Caymmi é conhecido pela tranquilidade, para não dizer vagareza, com a qual compoe suas canções. E quando a televisao pede uma obra para um programa, quase sempre os prazos sao bem exíguos. 

Danilo Caymmi, então, fora incumbido de fazer com que o pai compusesse a canção em tempo hábil. Dorival faria a letra, e a a partir dela Danilo faria a melodia. Só que Dorival, mesmo apressado pelo filho, disse que iria reler o livro para fazer a letra. Só que não havia tempo. Então, eis a solução encontrada por Dorival, num depoimento à sua neta Stella Caymmi, no seu livro Dorival Caymmi: o mar e o tempo (Editora 34):

Mas aí procurei na cabeça, dei umas voltas, já com um cartão-postal na mão, e pensei assim: Tereza Batista? O que é que ela fazia mesmo? Essas mulheres de Jorge Amado… Tieta do Agreste, essas mulheres, como é que eu faço? Eu tenho que fazer essa música. O Danilo quer para amanhã! Então saiu aquela fórmula, quase inconsciente, ‘Para saber de Tereza, meu bem, pergunte primeiro a mim, tudo que eu sei de Tereza meu bem, conto tintim por tintim’ … [cantando]. (…) E fui fazendo uma fantasia em cima de Tereza Batista. Como o postal não deu mais, encerrei dizendo: “oi quer saber de uma coisa?… Para saber de Tereza, só mesmo Nosso Senhor’. E saí pela tangente! E entreguei a música pronta, na medida do postal. Escrevi a letra no postal”.

E Danilo não acreditou que a letra tivesse ficado pronta tão rápido… Dorival confessou que a parte que ele mais gosta da letra é a parte que se refere à mulher que é “mato molhado por fora e por dentro“, que refere a algo, ao mesmo tempo selvagem e delicado, uma mulher poeticamente crua, que remete ao capim molhado numa alvorada…

Tereza Batista, no livro de Jorge Amado, transita entre o amor e a opressão; entre a doença e a paixão; entre o crime e a submissão. Tem uma série de nuances de amor e sofrimento. Mas Caymmi resolve a questão de outra forma.

Ao analisarmos a letra, percebe-se a artimanha de Caymmi, que promete dizer tudo de Tereza, detalhe por detalhe, pas acaba por não dizer nada, senão o gosto da fruta, o cheiro de flor, e o mato molhado… e que não faz nenhuma referência à personagem do livro…

Para saber de Tereza, meu bem
Pergunte primeiro a mim
Tudo que sei de Tereza, meu bem
Conto tim tim por tim tim

Gosto de tudo que é fruta
Cheiro de tudo que é flor
Mato molhado por fora, por dentro,
Graça, carinho e amor

Para saber de Tereza, meu bem
Pergunte primeiro a mim
Tudo que sei de Tereza, meu bem
Conto tim tim por tim tim

E quer saber de uma coisa?
Para dizer com franqueza
De um ditado que dizia
Que beleza não põe mesa
Eu não sou o inventor

Para falar de beleza
Para saber de Tereza
Só mesmo o nosso Senhor

O nego e eu? (de João Cavalcanti por Roberta Sá). Um Passeio por Chico, Gil, Caetano e Caymmi

Que menina é aquela, que entrou na roda agora? Ela tem um remelexo que valha-me Deus Nossa Senhora” Essa frase é da música Remelexo, de Caetano Veloso e gravada por Simonal na década de 60. Essa mulher, aquela que seduz a todos com sua dança e o requebrado dos seus quadris é cantada e decantada sobretudo pelo samba da Bahia…

Francisco Bosco, num belo ensaio que fez sobre Caymmi na série “Folha Explica”, faz uma referência às mulheres dos seus sambas:

Trata-se de um rebolado gracioso, a um tempo sensual e discreto, extremamente feminino, poderoso e consciente do seu poder, mas como que brejeiro, delicado, sutil.”

No entanto, há poucas notícias dessas mulheres como o eu-lírico de uma canção. E aí vem o mérito de uma das músicas que se destaca no álbum Segunda Pele, gravado em 2012 por Roberta Sá: É a música “O nego e eu“, composta por João Cavalcanti, do Casuarina

Não por coincidência, O nego e eu é o único samba de um disco que tem uma toada mais pop, e que, segundo o próprio sítio digital de Roberta Sá, entrou no disco depois que o repertório já estava inicialmente definido. 

Essa entrada posterior certamente se deve ao fato de que Roberta, nesse trabalho, pretendia mostrar-se como mais do que uma cantora vinculada ao samba. Ela mesmo disse que o samba estava ficando”óbvio” para ela (nos anos e álbuns seguintes, o samba voltaria com toda força). Por isso havia uma certa relutância em incluí-la no disco, mas, como dito no site, “a importância do estilo musical na sua história e a conexão com os fãs falaram mais alto”.

E, mais adiante:

A ideia era gravar uma resposta ao samba “Sou eu”, composto por Chico Buarque para Diogo Nogueira. Desde que eu escutei essa música, falei: eu quero uma resposta, porque a mulher também pode ir para o baile. Cadê o ponto de vista dessa mulher, que vai para o baile, deixa tudo, mas que prefere o homem dela?“.

Pediu a música a João, que compôs “O nego e eu”

Pra quem não sabe, “Sou eu” é uma canção de Chico em que o homem se enciúma com o rebolado de sua mulher, mas que, ao final da noite, será ele, o eu-lírico, que vai levá-la pra casa. 

Então surge a versão da mulher, daquela mulher típica dos sambas que gosta de dançar e enfeitiçar os homens, gosta de sentir-se desejada, como se o desejo alheio fosse o combustível para animar o eu-lírico feminino. 

Mas aí, assim como Gil, na canção “Sandra”, o eu-lírico feminino tem sua torre, amarrada à qual ela dá pra ver o mundo inteiro, a torre na qual ela dá o salto no alto da montanha, e que é só balançar, que a corda o leva de volta para ela… 

E quem é essa torre? O “nego”, aquele que ela prefere após ser desejada por todos, aquele, que, mesmo com ciúmes, é para quem a mulher dança e se entrega no fim da noite.

João Cavalcanti,  o compositor da música, tratou um pouco da história da canção: 

É uma ficção não tão ficicional porque acontece pra cacete, isto é, da mulher que ‘abre o pavão’ na noite, no baile, na gafieira, e que na verdade é apaixonada e dedicada a seu marido” 

João (que é filho de Lenine) também gravou a canção no seu disco “Garimpo”, em 2018.

É uma bela homenagem a essa mulher que habita muitos desejos,  e que para a própria Roberta, é como se fosse  sua própria relação com o gênero musical. “Para mim, tem muito a ver com a minha história com o samba, o nego sendo o samba. Posso flertar com outros ritmos, posso experimentar outras coisas, mas só tem sentido o nego e eu“.

A letra: 

Gosto de ser vista pelas festas, ser seguida pelas frestas,
Protagonista do sonho alheio.
Gosto de deixar pelos lugares um punhado de olhares
Incendiados no fogo que ateio
Gosto que me vejam por inteira. gosto de solar na gafieira.
Gosto se me sinto desejada, mas eu levo a madrugada pra mim.
Porque gosto mais é do chamego e dos beijos do meu nego no fim.

O nego, o nego, o nego e eu.
Ele é o grande amigo que o destino concedeu.
Só tem sentido o nego e eu.

Ele não é dado pra ciúme,
Mas encabulado assume que prefere até que eu não vá.
Digo que meu jogo se resume a um rastro de perfume
Que eu deixo nos ares de lá.
Gosto que me vejam por inteira.
Gosto de solar na gafieira.
Gosto se me sinto desejada,
Mas eu levo a madrugada pra mim.
Porque gosto mais é do chamego
E dos beijos do meu nego no fim.

O nego, o nego, o nego e eu.
Ele é o grande amigo que o destino concedeu.
Só tem sentido o nego e eu.

Fonte: http://robertasa.com.br/site/os-bastidores-de-o-nego-e-eu/ (acesso em abril de 2012)

Milagres do Povo. Uma homenagem de Caetano a Jorge Amado.

“Quem é ateu, e viu milagres como eu”… Desta maneira começa a canção “Milagres do Povo”, de Caetano Veloso. A canção foi lançada em 1985, fazendo parte da trilha de abertura da série “Tenda dos Milagres”, exibida na TV Globo, uma adaptação televisiva para o romance de Jorge Amado, publicado pela primeira vez em 1969.

Caetano conta um pouco da história numa entrevista que deu para o Jorna El País:

A frase sobre ser ateu e ter visto milagres foi dita por Jorge Amado. O Pasquim quis entrevistá-lo e queria que eu estivesse presente, ajudando a fazer perguntas. Como eu não podia estar no Rio na data marcada, eles me pediram as perguntas por escrito para que fossem lidas para Jorge. Eu perguntava que significado propriamente religioso tinha o candomblé em sua vida, já que ele era Obá de Xangô. Ele respondeu: “Não sei; feliz ou infelizmente, ao contrário de [Dorival] Caymmi, eu não tenho nenhuma fé. Sou ateu materialista convicto. Mas vi muitos milagres do candomblé. Milagres do povo”. Quando me pediram pra fazer uma música para a versão televisiva de Tenda dos Milagres, citei a frase logo na abertura da música. E passo a falar dos “deuses sem Deus”, que “não cessam de brotar nem cansam de esperar”.

Foi daí que nasceu a canção.

É importante lembrar que Jorge Amado foi deputado pelo Partido Comunista pelo estado de São Paulo, e autor da Emenda 3.218 que inseriu no texto da Constituição de 1946 o §7° do art. 141 que declarava e reconhecia a liberdade de crença: 7º — É inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes. As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil.

Na entrevista ao Pasquim, Jorge Amado afirma: Eu sou materialista, não tenho nenhuma religião, mas meu materialismo não me limita”

A música, quando faz referência aos “milagres do povo”, faz um elogio claro e manifesto às religiões de matriz africana, que vieram ao Brasil junto com o povo negro escravizado.

A canção, que faz referência a diversos Orixás (Xangô, Obatalá, Oxum, Iemanjá e Iansã), para além da homenagem à religiosidade de matriz africana e que ganhou identidade própria no Brasil, faz uma homenagem ao povo, verdadeiro artesão dos miagres. Os “deuses sem Deus” são uma afirmação de que todos somos deuses, mesmo sem acreditar numa divindade.

O milagre pode ser dança, sexo e glória, e que mesmo vindo ao Brasil e tendo conhecido a crueldade de frente, conseguiu se erguer para além da dor, e produzir milagres. Estes milagres estão na presença negra na cultura brasileira, devidamente arraizados e enraizados como milagres do povo.

Uma bela homenagem a Jorge Amado, que serviu de inspiração para a canção.

https://brasil.elpais.com/cultura/2020-09-07/caetano-veloso-minhas-expectativas-sobre-o-brasil-nao-sao-tanto-a-esperanca-sao-mais-a-responsabilidade.html

“MANDE PARAR ESSA CARAVELA”, ou a primeira vez que Tom Zé foi a São Paulo, a convite de Caetano Veloso

Tom Zé sempre foi um artista surpreendente, seja nos shows, seja nas entrevistas. Luiza França numa obra sobre o artista, faz referência a uma tênue linha na qual o artista se equilibra, na qual é possível perceber duas impressões:

a) uma incrível capacidade de improvisação e interação;

b) a de observar uma esquete cuidadosamente planejada.

Com efeito, cada show de Tom Zé tem movimentações, elementos cênicos e histórias contadas, tudo isso aliado a um pensamento criativo rápido, capaz de compatibilizar atos pré-programados em contextos diversos com fluidez.

Mas esta característica de Tom Zé se revelava antes mesmo de tornar-se um artista conhecido, ou o “último tropicalista”. Num capítulo de Verdade Tropical, livro autobiográfico que lançou em 1997,  Caetano Veloso descreve o dia em que Tom Zé trocou Salvador por São Paulo para participar do tropicalismo. Leia o trecho logo abaixo.

[Em 1967], numa de minhas idas à Bahia — eu não passava mais de dois meses sem ir a Salvador — convidei Tom Zé para ir para São Paulo comigo. Tom Zé tinha sido nosso companheiro dos shows do Teatro Vila Velha. Quando comecei a frequentar os meios artísticos e boêmios de Salvador, ele já era uma figura conhecida dos estudantes universitários. Assim como Capinan — com quem, de resto, ele tinha colaborado em alguma peça do braço baiano do Centro Popular de Cultura (CPC) —, Tom Zé tinha prestígio entre os artistas que eu conhecia: as pintoras Sônia Castro e Lena Coelho, a dançarina Laís Salgado, os professores Paulo e Rena Faria, todos me falavam dele. Quando afinal nos conhecemos, ele me cativou pelo seu ar de sertanejo, por suas observações pseudomal-humoradas expressas num sotaque rural que mais realçava do que escondia a elegância clássica de seu português culto e correto. Seu físico de duende mameluco, de personagem de lenda cabocla confirmava sua condição de pessoa especial. Tom Zé tem uns olhos muito vivos, como que a provar que uma intensíssima concentração de energia é a razão de ele ser tão miúdo. Essas indicações de excepcionalidade eram em parte confirmadas por suas canções satíricas feitas em tom deliberadamente folclórico. Consistindo em longas crônicas da vida urbana de Salvador e em retratos de personagens típicos ou de exceção, essas composições de sua primeira fase mostravam-se a um tempo atraentes e insatisfatórias aparentemente pela mesma razão de não estarem em sintonia com os interesses estéticos da bossa nova. Sua inteligência e originalidade pessoal asseguravam que sua produção não fosse simplesmente antiquada. (…)

Inicialmente, no entanto, ele resistiu muito ao meu convite. Lembro-me de uma conversa nossa perto do Cine Guarany (atual Glauber Rocha), na praça Castro Alves, em que ele me dizia que a ideia era uma loucura. Eu e seu desejo profundo de assumir seu destino de músico o convencemos. A simples viagem de avião com Tom Zé de Salvador para São Paulo já deu o tom do que seria sua atuação. O Caravelle da Cruzeiro do Sul — aeronave cuja modernidade de linhas me encantava como um samba de [Tom] Jobim ou um prédio de [Oscar] Niemeyer —, voando em céu azul, parecia que ia explodir com a vibração da presença de Tom Zé. E isso chegou a exteriorizar-se até o conhecimento da aeromoça e quem sabe de outros passageiros. Não que ele se mostrasse nervoso por estar voando — embora sua ostentação de estranheza em relação a tudo o que se passava no avião indicasse (talvez enganosamente) que ele nunca tinha voado —, mas seu sotaque e suas expressões arcaicas pareciam agredir a realidade tecnológica da aviação e o conforto burguês dos “serviços” de consumo: ele estava me dizendo — e dizendo a si mesmo e ao mundo — que ia, sim, para São Paulo, mas que permaneceria irredutível quanto a certos princípios e certos traços de caráter. Ele lidava de modo inventivo — e bizarramente elegante — com o medo da mudança de situação. Referia-se ao avião em que estávamos como “essa caravela”, indicando intimidade e estranheza ao mesmo tempo, e, por trás dessa ironia, comentando o sentido de partida para outro continente que essa viagem tinha para ele.

Quando a aeromoça se aproximou para perguntar o que queríamos beber, ele respondeu cortantemente: ‘Cachaça‘. Havia humor na obviedade de seu conhecimento de que não deviam servir cachaça a bordo. Mas a sinceridade de seu ar desafiador — embora não impolido — levava a pensar em como era ridícula a pretensão de refinamento da freguesia desses serviços (não havia, por exemplo, uma só aeromoça preta em qualquer companhia de aviação brasileira) tornados amorfamente “internacionais”, e em como Tom Zé estava disposto a não contemporizar com isso. À esperada resposta da aeromoça — “Desculpe, não temos” — ele começou a desapertar o cinto de segurança e, fazendo menção de levantar-se, disse — dirigindo-se a mim, não a ela: ‘Então eu vou-me embora. Mande parar essa caravela’.

A verdade com que essas palavras foram ditas assustou-nos, a mim e a moça, pois, embora soubéssemos impossível obedecer a tão absurda ordem, sentíamos, na determinação com que esta fora dada, que ela se imporia de alguma maneira. Claro que Tom Zé não criou um caso dentro do avião, mas tampouco desconcertou-se ou deixou seu movimento se retrair: ele, que parecera por um instante que ia sair dali custasse o que custasse, agora desistia educadamente irritado, como quem achasse inútil o gesto, mantendo total independência até o fim. Tudo isso sem que se perdesse o humor distanciado de quem diz ao mesmo tempo que tudo é uma brincadeira — e de quem sabe que tem charme.

Mais tarde, numa entrevista à Revista “E”, Caetano afirmou que Tom Zé vinha tornou-se não apenas o “Último Tropicalista”, mas também o tropicalista mais radical de todo o movimento. “Ele, estudando o samba, sintetizou tudo o que sugeríamos em nossas espalhafatosas letras paródicas e colagísticas“.

Além de ser do sertão (todos nós outros éramos do recôncavo, nascemos colados ao litoral), ele estudara nos seminários livres de música. Assim, sua dicção, sua perspectiva crítica e sua ambição experimentadora teriam de mostrar-se mais concentradas e consequentes. Já em 1968, quando as explosões tropicalistas tinham se dado (com Alegria, Alegria, Domingo no Parque e meu primeiro LP, que continha Tropicália), achei que o panorama da canção popular já seria acolhedor da originalidade do estilo criativo de Tom Zé. Tenho muito orgulho de não ter errado

Fontes:

VelosoCaetano, 1942. Verdade Tropical / Caetano Veloso. – São Paulo: Companhia das Letras, 1997

França, Luíza. Tom Zé [recurso eletrônico] : estudando o estranho- Belo Horizonte, MG: Fafich/Selo PPGCOM/UFMG, 2020

https://www.sescsp.org.br/todos-os-tons

As mais tocadas e as mais gravadas de Chico Buarque

No dia 19 de junho de 1944, Chico Buarque nasceu. Donos de uma das carreiras mais longevas e bem sucedidas da música popular brasileira, Francisco Buarque de Holanda, ao completar 80 anos, certamente não imaginava que o compositor que surgiu para o mundo em 1966, com o sucesso A Banda, seria a grande referência que é hoje.

Conhecido pelas suas múltiplas facetas como artista, desde as canções de protesto dos anos 60/70, as canções com eu-lírico feminino, os sambas e choros, as parcerias com Tom Jobim (e com tantos outros – destaque para Edu Lobo e Francis Hime), as canções com nomes de mulher, os livros escritos (Budapeste para mim é o melhor deles), seu heterônimo Julinho de Adelaide, enfim… fiquei curioso sobre quais são as músicas mais executadas de Chico Buarque hoje, e também quais são suas músicas mais gravadas.

Para fazer esta consulta, o ECAD contém as informações das músicas mais executadas de Chico (algumas das quais já foram objeto de postagem no blog). São elas:

As mais tocadas:

  1. “Iolanda” (Chico Buarque / Pablo Milanés) – Interessante que a canção mais executada seja uma versão;
  2. “A Banda” (Chico Buarque) – O primeiro grande sucesso, vencedor do festival de 1966;
  3. “João e Maria” (Chico Buarque / Sivuca) aqui ;
  4. “Folhetim” (Chico Buarque) – Imortalizada na voz de Gal Costa;
  5. “Anos Dourados” (Tom Jobim / Chico Buarque) – Uma história curiosa, em que a letra demorou para sair;
  6. “Cotidiano” (Chico Buarque) – Todo dia ela faz tudo sempre igual…
  7. “Quem Te Viu Quem Te Vê” (Chico Buarque) – Um dos melhores sambas de Chico;
  8. “Apesar de Você” (Chico Buarque) – Primeira música de Chico censurada, virou símbolo contra a ditadura militar;
  9. “Samba do Grande Amor” (Chico Buarque) – Um samba bonito e triste;
  10. “Roda Viva” (Chico Buarque)… Terceiro lugar no Festival da Record em 1977;

As músicas de Chico mais regravadas:

Músicas de Chico mais regravadas

  1. “Gente Humilde” (Vinicius de Moraes / Chico Buarque / Garoto)
  2. “Retrato em Branco e Preto” (Tom Jobim / Chico Buarque)
  3. “Beatriz” (Chico Buarque / Edu Lobo) aqui
  4. “Anos Dourados” (Tom Jobim / Chico Buarque)
  5. “O Que Será” (Chico Buarque) e “João e Maria” (Chico Buarque / Sivuca)
  6. “O Cio da Terra” (Chico Buarque / Milton Nascimento)
  7. “Sabiá” (Tom Jobim / Chico Buarque)
  8. “Carolina” (Chico Buarque)
  9. “Quem Te Viu Quem Te Vê” (Chico Buarque)
  10. “Valsinha” (Vinicius De Moraes / Chico Buarque) e “Todo o Sentimento” (Cristóvão Bastos / Chico Buarque)…

E vou fazer aqui uma lista das 10 músicas de Chico que considero mais marcantes, no âmbito pessoal. Uma escolha meramente afetiva, sem nenhuma pretensão de ser uma lista melhor ou definitiva.

  1. Meu caro amigo (Chico Buarque/Francis Hime)
  2. Todo o Sentimento (Cristóvão Bastos / Chico Buarque)
  3. Futuros amantes (Chico Buarque)
  4. Noite dos Mascarados (Chico Buarque)
  5. Carolina (Chico Buarque)
  6. Valsinha (Chico Buarque/Vinicius de Moraes)
  7. Trocando em Miúdos (Chico Buarque/Francis Hime)
  8. O meu amor (Chico Buarque)
  9. Vida (Chico Buarque)
  10. Mar e Lua (Chico Buarque)

Enfim, é uma homenagem a um dos grandes compositores brasileiros de sempre, ao fazer 80 anos…

Rapte-me Camaleoa (De Caetano para Regina Casé em 1981)

A figura do camaleão é sempre associada ao mimetismo, à sua capacidade se se camulflar de acordo com o ambiente, com a temperatura, com a iluminação e pelo seu próprio estado emocional. Quando nos referimos a pessoas, a referência ao camaleão termina sendo uma figura de linguagem relacionada com a capacidade de mudança e de adaptação.

E foi a figura da Camaleoa que Caetano Veloso homenageou, no álbum “Outras Palavras” (1981), a atriz Regina Casé, na canção “Rapte-me Camaleoa”.

Conta Tom Cardoso, na obra biográfica “Outras palavras: Seis vezes Caetano”, diz que Caetano conheceu – e deslumbrou-se – com Regina Casé quando a viu encenando a peça “Trate-me Leão”, da Cia teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone (formada por diversos atores que se tornaram posteriormente muito famososo, como Evandro Mesquita, Luiz Fernando Guimarães, Patrícya Travassos, entre outros). A amizade entre ambos transfornou-se num namoro fugaz (com o consentimento da esposa de Caetano, Dedé Gadelha, já que a relação de ambos era fundada no amor livre).

A letra é, ao mesmo tempo, um convite e uma manifestação de desejo, reveleda na última frase, adapte-me ao seu ne me quitte pas. Na letra da canção, a ideia da metamorfose, da adaptação própria do camaleão está sempre presente

Regina afirnou, em 2004: “eu e a Dedé éramos muito amigas, e continuamos sendo até hoje(…) Aquilo era um comportamento tão normal, no mundo inteiro”

A canção é uma declaração de afeto para Regina Casé, que Caetano namorou no início da década de 1980. “Ela se chamava ‘Camaleoa’ em uma peça (‘Aquela Coisa Toda’). Namorei ela nessa época rapidinho, um tempinho curto. Mas a adoro, sempre. É bem feitinha a letra. E tem de interessante o verso ‘rapte-me, adapte-me, capte-me, it’ s up to me’, que traz uma rima bilíngue“, disse em conversa com o escritor Eucanaã Ferraz…

A amizade deles dura até hoje. Regina Casé fez uma participação no filme de Caetano, Cinema Falado. Numa entrevista ao programa Roda Viva, falou sobre a amizade:

Eu estava trabalhando, ele foi assistir a uma apresentação nossa e gostou muito. Depois, foi conversar com a gente no camarim, daí a gente foi jantar e ficou amigo. Logo assim. Mas eu acho que foi muito por causa do trabalho. Se não fosse o trabalho, talvez no Rio a gente viesse a ser amigo, mas o que precipitou… E isso criou uma amizade já com muita qualidade, assim, legal.

Em 2014, Caetano fez uma postagem homenageando Regina Casé:

Quando conheci Regina, ela estava no palco. Eu, na plateia. Fiquei imediatamente apaixonado por sua personalidade e assombrado com seu talento. O Asdrúbal Trouxe o Trombone era um grupo de jovens fazendo o teatro viver. Dos trabalhos que ela fez ali à série de programas na TV, passando por atuações em filmes, peças e novelas, há uma linha coerente. Ela é uma das criadoras mais fortes que o Brasil produziu. O modo de tratar uma personagem em “Trate-me, Leão” já continha os gestos de Central da Periferia ou Esquenta! Não é por acaso que ela incomoda os eternos reaças colonizados. Filha de Geraldo e neta de Ademar, Regina é um farol na cultura popular brasileira. Celebro seu aniversário como um marco na minha vida pessoal e na história do Brasil” 

Claudya. A “rival” de Elis Regina criada por Ronaldo Bôscoli.

“Na briga entre o mar e o rochedo, sobra sempre para o marisco”. Essa frase reflete bem  a história da Cantora Cláudya, que, sem querer, foi posta, aos 17 anos, na condição de rival de Elis Regina, então cantora já consagrada, vencedora de festivais e âncora de um dos programas de maior audiência na época, “O fino da bossa”. 

Quem tramou essa rivalidade foi Ronaldo Bôscoli (que, ironicamente, viria a se tornar marido de Elis no futuro), que juntamente com Miele, pensaram num título para um show de Cláudya, ainda iniciante, cujo título seria:  “QUEM TEM MEDO DE ELIS REGINA?” 

Claudya e Elis, em foto do blog de Claudya

A Cantora Claudya, numa entrevista à Revista Época,  esclareece que se recusou a fazer tal show, se o título não fosse modificado. Diz ela:  

ÉPOCA – Você e a Elis sempre foram apontadas como rivais. Até que ponto isso era verdade? 
Claudya –
 Eu nunca vi a Elis como rival. Via como uma ótima cantora. O que aconteceu foi que o Ronaldo Bôscoli (produtor musical), na década de 60, me chamou para fazer um show chamado “Quem tem medo de Elis Regina”. Fui conversar com ele e disse que não podia fazer esse show. Eu queria fazer um show para divulgar o disco que eu estava lançando. Acho que ele tinha alguma mágoa com a Elis. Nunca entendi qual era o objetivo dele. Mas o fato foi que a Elis ficou sabendo e me convidou para participar do Fino da Bossa, programa que ela apresentava na Record. Ela me questionou no palco. Eu respondi que não tinha medo dela, só admiração, e que havia recusado o convite do Bôscoli. Mesmo assim, eu fui vaiada durante cinco minutos pelo público que estava no Teatro Record. Tive que esperar as vaias pararem para poder cantar. No dia seguinte, a imprensa toda acabou comigo. Nem fizeram questão de esclarecer que o show havia mudado de nome, passou a se chamar “Claudya não se aprende na escola”, título tirado de uma das músicas que estava no disco. Passei por maus pedaços. Foi muito feio o que fizerem comigo. Eu paguei uma pena muito grande dentro da música brasileira. Até hoje não me sinto inserida nela. 

ÉPOCA – Mas você acha que a Elis a convidou para o programa apenas para tirar satisfação?

Claudya –Não sei o que passou na cabeça dela. O Fino da Bossa era um dos programas mais assistidos do Brasil e o que aconteceu me prejudicou muito. Eu era uma menina, tinha apenas 17 anos. Estava começando minha carreira. Era arrimo de família e precisava dar assistência a minha família. Eu passei fome. Nunca falei isso antes, mas não vejo mais motivos para esconder. Lembro minha mãe indo à TV Record pedir para o Marcos Lázaro, meu empresário na época, esclarecer tudo, mas ele não fez nada para me ajudar. Até hoje os fãs de Elis têm raiva de mim.

No seu blog pessoal, ela aprofunda mais: 

Muitas pessoas me perguntam até hoje se esse show aconteceu e não sabem que não aconteceu com esse nome e sim com “CLAUDYA NÃO SE APRENDE NA ESCOLA”.

Fui muito prejudicada, todas as portas foram fechadas e eu tive que fazer um exílio forçado.

Fui questionada ao vivo pela própria Elis no programa, e mesmo expressando meu descontentamento explicando o que havia acontecido  que eu havia me recusado a fazer o espetáculo com esse nome, no dia seguinte em letras garrafais a mídia anunciava:

Claudya aproveitadora, Claudya imitadora da Elis, Claudya brigou com Elis e etc.

Recentemente a jornalista Regina Echeverria escreveu uma grande mentira em seu livro “Furacão Elis” dizendo que eu empurrei a cantora no poço da orquestra.

Esta senhora não me pediu sequer autorização para colocar meu nome no livro e sequer me entrevistou para saber da veracidade dos fatos

Eu tinha muito medo de falar alguma coisa na época pois em não falando nada me acusaram de coisas que eu jamais fiz e também porque tinha muita gente envolvida nessa trama. Pessoas que estavam doentes na época que já faleceram que não estão mais aqui para se defenderem.

Que poder eu teria? Uma menina de 17 anos vinda de uma cidade do interior, contra a grande e maior cantora do Brasil, que tinha um império a seus pés, que tinha a televisão Record, que comandava o maior programa da televisão brasileira.

Foi lamentável, foi triste muito triste mesmo, porque eu era apenas uma menina que queria vencer, que queria galgar,que queria saltar os muros que queria cantar, cantar prá viver viver a cantar.

E sinto que até hoje sou tolhida desse sentimento divino do poder de doar cantando a tantas pessoas que precisam do meu cantar.

Esse é o problema do rochedo com o mar. Errou Bôscoli, que na época tinha uma mágoa pessoal de Elis Regina (que ele revelou na biografia Eles e Eu); errou Elis Regina, que de modo absolutamente passional e sem dar qualquer chance de defesa à então adolescente Claudya, promoveu o seu linchamento público em horário nobre. 

O episódio foi o seguinte:

Ronaldo Bôscoli e Miele organizaram um show para Claudya com o título de “Quem Tem Medo de Elis Regina?” A cantora não quis e o nome foi modificado para “Claudia Não se Aprende na Escola”. Pouco tempo depois, quando compareceu para cantar no “Fino da Bossa (apresentado por Elis)”, foi tratada com crueldade por Elis Regina logo na apresentação.

“Agora, eu quero apresentar a vocês uma menina que começou a carreira aqui no meu programa. O nome dela é Maria das Graças e ela quer agora fazer um show no Rio de Janeiro chamado ‘Quem Tem Medo de Elis Regina?’” Claudya foi vaiada “por cinco minutos” pelo público.

E o marisco, Claudya, levou anos para conseguir erguer sua carreira, abatida no nascedouro. Fez relativo sucesso nos anos 70, mas sua suposta rivalidade com Elis sempre será lembrada.  

Fontes: http://claudya2010.blogspot.com.br/2010/02/claudya-e-elis.html

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI255002-15220,00.html

terça 22 janeiro 2013 10:58 , em “Rivalidades” Musicais