“MANDE PARAR ESSA CARAVELA”, ou a primeira vez que Tom Zé foi a São Paulo, a convite de Caetano Veloso

Tom Zé sempre foi um artista surpreendente, seja nos shows, seja nas entrevistas. Luiza França numa obra sobre o artista, faz referência a uma tênue linha na qual o artista se equilibra, na qual é possível perceber duas impressões:

a) uma incrível capacidade de improvisação e interação;

b) a de observar uma esquete cuidadosamente planejada.

Com efeito, cada show de Tom Zé tem movimentações, elementos cênicos e histórias contadas, tudo isso aliado a um pensamento criativo rápido, capaz de compatibilizar atos pré-programados em contextos diversos com fluidez.

Mas esta característica de Tom Zé se revelava antes mesmo de tornar-se um artista conhecido, ou o “último tropicalista”. Num capítulo de Verdade Tropical, livro autobiográfico que lançou em 1997,  Caetano Veloso descreve o dia em que Tom Zé trocou Salvador por São Paulo para participar do tropicalismo. Leia o trecho logo abaixo.

[Em 1967], numa de minhas idas à Bahia — eu não passava mais de dois meses sem ir a Salvador — convidei Tom Zé para ir para São Paulo comigo. Tom Zé tinha sido nosso companheiro dos shows do Teatro Vila Velha. Quando comecei a frequentar os meios artísticos e boêmios de Salvador, ele já era uma figura conhecida dos estudantes universitários. Assim como Capinan — com quem, de resto, ele tinha colaborado em alguma peça do braço baiano do Centro Popular de Cultura (CPC) —, Tom Zé tinha prestígio entre os artistas que eu conhecia: as pintoras Sônia Castro e Lena Coelho, a dançarina Laís Salgado, os professores Paulo e Rena Faria, todos me falavam dele. Quando afinal nos conhecemos, ele me cativou pelo seu ar de sertanejo, por suas observações pseudomal-humoradas expressas num sotaque rural que mais realçava do que escondia a elegância clássica de seu português culto e correto. Seu físico de duende mameluco, de personagem de lenda cabocla confirmava sua condição de pessoa especial. Tom Zé tem uns olhos muito vivos, como que a provar que uma intensíssima concentração de energia é a razão de ele ser tão miúdo. Essas indicações de excepcionalidade eram em parte confirmadas por suas canções satíricas feitas em tom deliberadamente folclórico. Consistindo em longas crônicas da vida urbana de Salvador e em retratos de personagens típicos ou de exceção, essas composições de sua primeira fase mostravam-se a um tempo atraentes e insatisfatórias aparentemente pela mesma razão de não estarem em sintonia com os interesses estéticos da bossa nova. Sua inteligência e originalidade pessoal asseguravam que sua produção não fosse simplesmente antiquada. (…)

Inicialmente, no entanto, ele resistiu muito ao meu convite. Lembro-me de uma conversa nossa perto do Cine Guarany (atual Glauber Rocha), na praça Castro Alves, em que ele me dizia que a ideia era uma loucura. Eu e seu desejo profundo de assumir seu destino de músico o convencemos. A simples viagem de avião com Tom Zé de Salvador para São Paulo já deu o tom do que seria sua atuação. O Caravelle da Cruzeiro do Sul — aeronave cuja modernidade de linhas me encantava como um samba de [Tom] Jobim ou um prédio de [Oscar] Niemeyer —, voando em céu azul, parecia que ia explodir com a vibração da presença de Tom Zé. E isso chegou a exteriorizar-se até o conhecimento da aeromoça e quem sabe de outros passageiros. Não que ele se mostrasse nervoso por estar voando — embora sua ostentação de estranheza em relação a tudo o que se passava no avião indicasse (talvez enganosamente) que ele nunca tinha voado —, mas seu sotaque e suas expressões arcaicas pareciam agredir a realidade tecnológica da aviação e o conforto burguês dos “serviços” de consumo: ele estava me dizendo — e dizendo a si mesmo e ao mundo — que ia, sim, para São Paulo, mas que permaneceria irredutível quanto a certos princípios e certos traços de caráter. Ele lidava de modo inventivo — e bizarramente elegante — com o medo da mudança de situação. Referia-se ao avião em que estávamos como “essa caravela”, indicando intimidade e estranheza ao mesmo tempo, e, por trás dessa ironia, comentando o sentido de partida para outro continente que essa viagem tinha para ele.

Quando a aeromoça se aproximou para perguntar o que queríamos beber, ele respondeu cortantemente: ‘Cachaça‘. Havia humor na obviedade de seu conhecimento de que não deviam servir cachaça a bordo. Mas a sinceridade de seu ar desafiador — embora não impolido — levava a pensar em como era ridícula a pretensão de refinamento da freguesia desses serviços (não havia, por exemplo, uma só aeromoça preta em qualquer companhia de aviação brasileira) tornados amorfamente “internacionais”, e em como Tom Zé estava disposto a não contemporizar com isso. À esperada resposta da aeromoça — “Desculpe, não temos” — ele começou a desapertar o cinto de segurança e, fazendo menção de levantar-se, disse — dirigindo-se a mim, não a ela: ‘Então eu vou-me embora. Mande parar essa caravela’.

A verdade com que essas palavras foram ditas assustou-nos, a mim e a moça, pois, embora soubéssemos impossível obedecer a tão absurda ordem, sentíamos, na determinação com que esta fora dada, que ela se imporia de alguma maneira. Claro que Tom Zé não criou um caso dentro do avião, mas tampouco desconcertou-se ou deixou seu movimento se retrair: ele, que parecera por um instante que ia sair dali custasse o que custasse, agora desistia educadamente irritado, como quem achasse inútil o gesto, mantendo total independência até o fim. Tudo isso sem que se perdesse o humor distanciado de quem diz ao mesmo tempo que tudo é uma brincadeira — e de quem sabe que tem charme.

Mais tarde, numa entrevista à Revista “E”, Caetano afirmou que Tom Zé vinha tornou-se não apenas o “Último Tropicalista”, mas também o tropicalista mais radical de todo o movimento. “Ele, estudando o samba, sintetizou tudo o que sugeríamos em nossas espalhafatosas letras paródicas e colagísticas“.

Além de ser do sertão (todos nós outros éramos do recôncavo, nascemos colados ao litoral), ele estudara nos seminários livres de música. Assim, sua dicção, sua perspectiva crítica e sua ambição experimentadora teriam de mostrar-se mais concentradas e consequentes. Já em 1968, quando as explosões tropicalistas tinham se dado (com Alegria, Alegria, Domingo no Parque e meu primeiro LP, que continha Tropicália), achei que o panorama da canção popular já seria acolhedor da originalidade do estilo criativo de Tom Zé. Tenho muito orgulho de não ter errado

Fontes:

VelosoCaetano, 1942. Verdade Tropical / Caetano Veloso. – São Paulo: Companhia das Letras, 1997

França, Luíza. Tom Zé [recurso eletrônico] : estudando o estranho- Belo Horizonte, MG: Fafich/Selo PPGCOM/UFMG, 2020

https://www.sescsp.org.br/todos-os-tons

Claudya. A “rival” de Elis Regina criada por Ronaldo Bôscoli.

“Na briga entre o mar e o rochedo, sobra sempre para o marisco”. Essa frase reflete bem  a história da Cantora Cláudya, que, sem querer, foi posta, aos 17 anos, na condição de rival de Elis Regina, então cantora já consagrada, vencedora de festivais e âncora de um dos programas de maior audiência na época, “O fino da bossa”. 

Quem tramou essa rivalidade foi Ronaldo Bôscoli (que, ironicamente, viria a se tornar marido de Elis no futuro), que juntamente com Miele, pensaram num título para um show de Cláudya, ainda iniciante, cujo título seria:  “QUEM TEM MEDO DE ELIS REGINA?” 

Claudya e Elis, em foto do blog de Claudya

A Cantora Claudya, numa entrevista à Revista Época,  esclareece que se recusou a fazer tal show, se o título não fosse modificado. Diz ela:  

ÉPOCA – Você e a Elis sempre foram apontadas como rivais. Até que ponto isso era verdade? 
Claudya –
 Eu nunca vi a Elis como rival. Via como uma ótima cantora. O que aconteceu foi que o Ronaldo Bôscoli (produtor musical), na década de 60, me chamou para fazer um show chamado “Quem tem medo de Elis Regina”. Fui conversar com ele e disse que não podia fazer esse show. Eu queria fazer um show para divulgar o disco que eu estava lançando. Acho que ele tinha alguma mágoa com a Elis. Nunca entendi qual era o objetivo dele. Mas o fato foi que a Elis ficou sabendo e me convidou para participar do Fino da Bossa, programa que ela apresentava na Record. Ela me questionou no palco. Eu respondi que não tinha medo dela, só admiração, e que havia recusado o convite do Bôscoli. Mesmo assim, eu fui vaiada durante cinco minutos pelo público que estava no Teatro Record. Tive que esperar as vaias pararem para poder cantar. No dia seguinte, a imprensa toda acabou comigo. Nem fizeram questão de esclarecer que o show havia mudado de nome, passou a se chamar “Claudya não se aprende na escola”, título tirado de uma das músicas que estava no disco. Passei por maus pedaços. Foi muito feio o que fizerem comigo. Eu paguei uma pena muito grande dentro da música brasileira. Até hoje não me sinto inserida nela. 

ÉPOCA – Mas você acha que a Elis a convidou para o programa apenas para tirar satisfação?

Claudya –Não sei o que passou na cabeça dela. O Fino da Bossa era um dos programas mais assistidos do Brasil e o que aconteceu me prejudicou muito. Eu era uma menina, tinha apenas 17 anos. Estava começando minha carreira. Era arrimo de família e precisava dar assistência a minha família. Eu passei fome. Nunca falei isso antes, mas não vejo mais motivos para esconder. Lembro minha mãe indo à TV Record pedir para o Marcos Lázaro, meu empresário na época, esclarecer tudo, mas ele não fez nada para me ajudar. Até hoje os fãs de Elis têm raiva de mim.

No seu blog pessoal, ela aprofunda mais: 

Muitas pessoas me perguntam até hoje se esse show aconteceu e não sabem que não aconteceu com esse nome e sim com “CLAUDYA NÃO SE APRENDE NA ESCOLA”.

Fui muito prejudicada, todas as portas foram fechadas e eu tive que fazer um exílio forçado.

Fui questionada ao vivo pela própria Elis no programa, e mesmo expressando meu descontentamento explicando o que havia acontecido  que eu havia me recusado a fazer o espetáculo com esse nome, no dia seguinte em letras garrafais a mídia anunciava:

Claudya aproveitadora, Claudya imitadora da Elis, Claudya brigou com Elis e etc.

Recentemente a jornalista Regina Echeverria escreveu uma grande mentira em seu livro “Furacão Elis” dizendo que eu empurrei a cantora no poço da orquestra.

Esta senhora não me pediu sequer autorização para colocar meu nome no livro e sequer me entrevistou para saber da veracidade dos fatos

Eu tinha muito medo de falar alguma coisa na época pois em não falando nada me acusaram de coisas que eu jamais fiz e também porque tinha muita gente envolvida nessa trama. Pessoas que estavam doentes na época que já faleceram que não estão mais aqui para se defenderem.

Que poder eu teria? Uma menina de 17 anos vinda de uma cidade do interior, contra a grande e maior cantora do Brasil, que tinha um império a seus pés, que tinha a televisão Record, que comandava o maior programa da televisão brasileira.

Foi lamentável, foi triste muito triste mesmo, porque eu era apenas uma menina que queria vencer, que queria galgar,que queria saltar os muros que queria cantar, cantar prá viver viver a cantar.

E sinto que até hoje sou tolhida desse sentimento divino do poder de doar cantando a tantas pessoas que precisam do meu cantar.

Esse é o problema do rochedo com o mar. Errou Bôscoli, que na época tinha uma mágoa pessoal de Elis Regina (que ele revelou na biografia Eles e Eu); errou Elis Regina, que de modo absolutamente passional e sem dar qualquer chance de defesa à então adolescente Claudya, promoveu o seu linchamento público em horário nobre. 

O episódio foi o seguinte:

Ronaldo Bôscoli e Miele organizaram um show para Claudya com o título de “Quem Tem Medo de Elis Regina?” A cantora não quis e o nome foi modificado para “Claudia Não se Aprende na Escola”. Pouco tempo depois, quando compareceu para cantar no “Fino da Bossa (apresentado por Elis)”, foi tratada com crueldade por Elis Regina logo na apresentação.

“Agora, eu quero apresentar a vocês uma menina que começou a carreira aqui no meu programa. O nome dela é Maria das Graças e ela quer agora fazer um show no Rio de Janeiro chamado ‘Quem Tem Medo de Elis Regina?’” Claudya foi vaiada “por cinco minutos” pelo público.

E o marisco, Claudya, levou anos para conseguir erguer sua carreira, abatida no nascedouro. Fez relativo sucesso nos anos 70, mas sua suposta rivalidade com Elis sempre será lembrada.  

Fontes: http://claudya2010.blogspot.com.br/2010/02/claudya-e-elis.html

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI255002-15220,00.html

terça 22 janeiro 2013 10:58 , em “Rivalidades” Musicais

Não prendam Nara Leão!

Dia 27 de maio de 1966 Carlos Drummond de Andrade publicou um poema contra um suposto desejo dos militares de que Nara Leão fosse presa depois de uma entrevista que ela deu na imprensa.

No dia 22 de maio de 1966, foi publicada uma entrevista da cantora, em que o título da matéria já falava por si. “Nara é de opinião: esse Exército não vale nada”. Não por coincidência, no mesmo dia, o mesmo jornal ostentava uma manchete do futuro presidente, o General Costa e Silva. “Costa e Silva: governarei com o povo”

Embora a manchete não correspondesse exatamente àquilo que Nara tivera dito na entrevista, ela já seria suficiente para causar estardalhaço: disse que os militares poderiam entender de canhões e metralhadoras, mas não de política; disse que o mundo seria melhor se não existisse exército; que numa guerra moderna, o Exército brasileiro não serviria para nada; e que um país desigual como o Brasil teria outras prioridades, como escolas e hospitais.

Segundo Tom Cardoso, na biografia que escreveu sobre Nara (Ninguém Pode com Nara Leão – ed. Planeta, 2021), o mudo teria caído sobre Nara. Os jornais teriam repercutido a notícia, e o pai da cantora, o advogado Jairo Leão, teria sido intimado a comparecer no Palácio Duque e Caxias, onde ficava o Ministério da Guerra. No entanto, ele teria dito a Mario andreazza, chefe de gabinete de Costa e Silva:

– Minha filha é maior de idade e livre para dizer o que pensa

Não foi convencido, portanto, a fazer Nara desmentir o que dissera ao Jornal.

No entanto, já circulava na imprensa boatos de que o governo pretendia enquadrar Nara leão na Lei de Segurança Nacional e que ela poderia ser presa. Havia pressão da linha mais dura do Exército no sentido de que a suposta afronta não ficasse impune.

Segundo a biografia de Nara escrita por Sérgio Cabral (Lazuli, 2000), o serviço secreto do Ministério da Guerra, temendo a repercussão da entrevista, sugeriu três alternativas a Costa e Silva, Ministro da guerra e futuro presidente do Brasil:

a) o próprio exército responder ao artigo, “focalizando a atuação do exército na conjuntura do país”

b) responder indiretamente, por meio de artigo em que se focalizasse a atuação do exército “através de articulista identificado com a revolução”

c)verificar os antecedentes de Nara Leão e difundir na imprensa.

Havia, no entanto, rumores de que setores mais rigorosos do exército recomendariam a prisão imediata de Nara Leão.

O Jornal do Brasil ,em editorial, afirmou que nara teria sido vítima “da extravagância de um repórter”

Ibrahim Sued, conhecido colunista da época, insinuou que Nara estaria sendo “joguete da esquerda festiva”, estaria fazendo declarações que seus “mentores não teriam coragem de fazer”. E ainda afirnou que ela “como talento não era lá grande coisa”.

Do outro lado, diversos artistas prestaram solidariedade a Nara, como Edu Lobo, Fernanda Montenegro, Mario Lago, Ferreira Goulart, Tonia Carrero, Flavio Rangel, João do Vale e Odete Lara. Foi feito um abaixo-assinado contra a prisão de Nara, com assinaturas de mais de 150 artistas.

Além disso, teve manifestações públicas favoráveis na imprensa de Rubem Braga, Millôr Fernandes, Stanislaw Ponte Preta, entre tantos outros.

Moacyr Werneck de Castro mandou um blilhete a Nara: “Você é uma menina de atitudes claras. Deus a conserve assim. Você tem uma visão geral das coisas e por isso sua aceitação pelo público não está na dependencia dos caprichos moda. O Brasil precisa de você, que não é boneca de microfone, mas pensa nos problemas da arte”

No entanto, o mais conhecido manifesto contra a prisão de Nara Leão veio de ninguém mais, ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade. O poeta publicou um poema no Correio da Manhã, no dia 27 de maio de 66:


  APELO
(excerto)

“Meu honrado marechal
dirigente da nação,
venho fazer-lhe um apelo:
não prenda Nara Leão (…)

A menina disse coisas
de causar estremeção?
Pois a voz de uma garota
abala a Revolução?

Narinha quis separar
o civil do capitão?
Em nossa ordem social
lançar desagregação?

Será que ela tem na fala,
mais do que charme, canhão?
Ou pensam que, pelo nome,
em vez de Nara, é leão? (…)

Que disse a mocinha, enfim,
De inspirado pelo Cão?
Que é pela paz e amor
e contra a destruição?

Deu seu palpite em política,
favorável à eleição
de um bom paisano – isso é crime,
acaso, de alta traição?

E depois, se não há preso
político, na ocasião,
por que fazer da menina
uma única exceção? (…)

Nara é pássaro, sabia?
E nem adianta prisão
para a voz que, pelos ares,
espalha sua canção.

Meu ilustre marechal
dirigente da nação,
não deixe, nem de brinquedo,
que prendam Nara Leão.”

Carlos Drummond de Andrade

Depois de tanta manifestação, o governo recuou. Mem de Sá, Ministro da Justiça, disse que não enquadraria Nara na Lei de Segurança Nacional, embora considerasse seus comentários “atrevidos” e o seus conceitos “injustos”

Nara não se fez de rogada Na biografia de Nara escrita por Sérgio Cabral, consta que Nara consultou Ferreira Goulart e recebeu desta a recomendação de não fazer novas declarações contra os militares. Disse que estava exausta e não tinha vocação para Joana D’arc. Disse que tudo aquilo valeu a pena pela inspiração a um de seus poetas preferidos.

Minha fama de Mau – A biografia de Erasmo Carlos

Depois de algum tempo com o livro, resolvi ler “Minha fama de mau”, biografia de Erasmo Carlos. Na verdade, o livro é uma coleção de histórias, que revela muito do personagem Erasmo Esteves, que mais adiante resolveu adotar o nome artístico Erasmo Carlos, numa dupla homenagem ao seu “amigo de fé” Roberto Carlos, e ao seu chefe Carlos Imperial.

Resumo - Minha Fama de Mau - Mais comentadas - 1

Interessante é que o livro tem o título “Minha Fama de Mau”, título de uma canção da parceria Roberto/Erasmo, mas que, na verdade, de “mau” mesmo, não revela nada. No máximo as zoações que ele fazia quando adolescente em relação ao “Careca” que namorava uma garota que ele desejava, no bairro da Tijuca, no rio de Janeiro.

Erasmo, no livro, não fala mal literalmente de ninguém, e arranja um jeito de contar uma história/homenagem em relação a pessoas importantes na MPB. Estão lá João Gilberto (de quem se declara fã incondicional, junto com Elvis Presley), jorge Benjor, Tim Maia (que o ensinou a tocar violão), Wanderleia, Caetano, Gal, Chico Buarque, entre tantos outros. Não falta, claro, um capítulo inteiro do livro para contar de sua relação com Roberto Carlos, uma amizade que, segundo ele, ficou estremecida apenas uma vez.

Mês das Noivas - músicas da dupla mais retrô | Jovem guarda, Roberto carlos  cantor, Roberto carlos

Erasmo por Erasmo é alguém fissurado em mulheres, carros e rock’n roll. Conta por alto sua aventuras com mulheres, conta sua rotina louca na época da Jovem Guarda, os conselhos de Carlos Imperial, sua vida de casado com Narinha nos anos 70/80, em que ele meio que aderiu a uma vida mais hippie, As famosas vaias que recebeu dos metaleiros no Rock in Rio em 1985.

Escrito de maneira leve e positiva, o livro agrada a quem lê e passa ao largo claramente de questões polêmicas, como questões relativas a álcool, drogas, a acusação de corrupção de menores nos anos 60, e tangencia, bem superficialmente, o suicídio de sua ex-mulher, Narinha, após alguns anos de separação.

No mais, é um livro que se lê rapidamente, em que Erasmo é um cara boa praça, parceiro, de bem com a vida e namorador. Vale como o registro de uma época, como uma leve coleção de histórias de vida.

Canção da despedida. A única parceria de dois Geraldos (Vandré e Azevedo)

Poucos sentiram tão fortemente o peso da ditadura militar como Geraldo Vandré. E a maior responsável por isso foi sua canção “Pra não dizer que não falei de flores”, ou “Caminhando”, apresentada no III Festival Internacional da Canção, no dia 29 de setembro de 1968. A canção ficou em segundo lugar (perdeu para Sabiá, de Chico e Tom Jobim, que receberam a maior vaia de suas vidas), mas foi cantada e recantada pelo público e chamada como a “Marselhesa Brasileira”. 

O certo é que, após o sucesso estrondoso de “Caminhando”, um verdadeiro hino contra a ditadura, a vida de Vandré tornou-se um martírio. Para se ter uma ideia, Zuenir Ventura faz uma referência a um artigo revoltado de um General, publicado no Jornal do Brasil em 06 de outubro de 1968, com o militar dizendo que a final do Festival da canção contemplara 3 injustiças:

1. Do Júri, ao colocar a música em segundo lugar, desconsiderando a “pobreza” da letra com seus gerúndios e rimas terminadas em “ão”, sem falar da canção em dois acordes.

2. Do público, que vaiou “Sabiá”

3. De Geraldo Vandré, que se insurgira contra “soldados armados”. Mas neste caso o general dizia que apenas essa terceira injustiça poderia ser reparada. 

Geraldo Vandré: o último show e a volta silenciosa
Vandré

No Jornal Estado de São Paulo de 05/08/1995, consta que Geraldo Vandré teria rompido com o Trio Marayá, que cantou com ele no Festival da Canção de 1968, e montou um novo grupo para acompanhá-lo numa turnê: o Quarteto Livre, do qual Geraldo Azevedo fazia parte do grupo.

Antes mesmo da canção “Caminhando” ser proibida oficialmente no dia 23 de outubro de 68, os discos já eram apreendidos, e Vandré vivia na paranoia de ser preso. Medo que se intensificou na sexta feira 13 de dezembro de 1968, quando veio o AI-5, uma das passagens mais vergonhosas da nossa história, que fechava o congresso, suprimia garantias individuais (como o habeas corpus) e fazia com que a ditadura mostrasse sua faze mais horrenda.

Vandré é advogado, e sabia dos riscos que corria, passou a esconder-se, viver na clandestinidade, mesmo sem saber se ele seria preso ou não, e, como relata Dalva Silveira, no seu livro “Geraldo Vandré: A vida não se resume em festivais (FT Editora), ele passou a planejar a fuga para um autoexílio.

Mas, antes de fugir do Brasil, Vandré passou um tempo escondido com ajuda da viúva de Guimarães Rosa. 

No período em que estava foragido, uma das pessoas que tinha acesso a Geraldo Vandré era Geraldo Azevedo, que compunha o “Quarteto livre”, banda que o acompanhara na turnê do Show “pra não dizer que não falei de flores”, cujo título, censurado, passou a ser “Socorro – a poesia está matando o povo”. 

Tarati Taraguá: Geraldo Azevedo - Jornal Nossa Música (1983)
Geraldo Azevedo

Geraldo Azevedo disse que, para ver Vandré, tinha que se comportar “como um militante de organização clandestina; entrava num carro, mudava para outro, fazia tudo para despistar pessoas da repressão que pudessem estar me seguindo para, por meu intermédio, chegar a Vandré” 

Nesse clima compuseram em parceria, Vandré e Azevedo, a “Canção da Despedida”, cuja letra é absolutamente clara e explícita. 

O eu-lírico anuncia sua despedida do seu amor, anunciando, todavia, seu futuro retorno. Afirma não poder ficar tendo em vista que um Rei mal coroado (que vem a ser, obviamente o governo militar) não deseja o amor em seu reinado.

No entanto, ao mesmo tempo em que se despede, anuncia a morte do “rei” velho e cansado, ao mesmo tempo em que anuncia a permanência do amor de hoje.  

 Obviamente, a música foi censurada. Numa entrevista para o site (www.abarriguda.org.br), Geraldo Azevedo conta:

Eu fui censurado várias vezes, teve uma canção minha que foi censurada até a ditadura acabar, que foi uma musica que eu fiz com Geraldo Vandré, a Canção da Despedida, foi muito censurada, insistimos, cheguei a colocá-la muitas vezes com nomes diferentes, mas não passava não!

Geraldo Vandré, todavia, numa entrevista a Ricardo Anísio em 2004, afirmou: 

“RA – Mas o Geraldo Azevedo também tem uma estória. Você disse que ele nunca foi seu parceiro em “Canção da Despedida”. Confirma isso?

GV – Claro que confirmo. Eu nunca tive parceiro nessa canção, a escrevi sozinho e ela está gravada no disco que fiz na França (“Das Terras de Bemvirá) mas quando foi lançado no Brasil veio sem essa faixa, não sei porquê, se foi por censura ou algo que o valha. A verdade é que depois que a marca Vandré virou um mito monstruoso apareceram parcerias que eu nunca fiz”.

Canção da Despedida - Geraldo Vandré (Compositores: Geraldo Vandré e Geraldo  Azevedo) | Geraldo azevedo, Letras de musicas, Musicas trechos de

O fato é que em 16 de julho de 1973 Vandré retornara ao Brasil. Ficara incomunicável nos quartéis do exército. Ao sair, disse que sua canção teria sido injustamente apropriada por grupos políticos e que dali para a frente só faria canções de ‘amor e paz’.

O artista Geraldo Vandré “morreu” ao voltar do exílio, restando apenas o advogado Geraldo Pedrosa de Araújo Dias. A ponto de que, quando Elba Ramalho foi gravar a “Canção da Despedida”, após sua liberação pela censura no fim da década de 70, Vandré não quis autorizar a sua execução, só o fazendo quando seu nome foi retirado dos créditos.

 Mas parece que era realmente uma despedida. Geraldo vandré nunca mais retornou… Ele jamais gravara esta canção. 

Canção da despedida – segunda do disco 2. Créditos Geraldo Azevedo/Geraldo

Geraldo Azevedo conta que, com a abertura política, disse que a “Canção da Despedida”, seguidamente censurada, poderia ser gravada. Aí ele procurou Vandré. Nas palavras de Geraldo Azevedo:

Minha conversa com Vandré foi difícil; ele não queria que a música não fosse gravada. resolvi que seria. Elba registrou-a em um belo disco, em 1980. (Só que, nos créditos, apareceram como autores Geraldo Azevedo e Geraldo – sem o sobrenome). Em 1985, Geraldo Azevedo colocou a autoria completa, pois soube que Geraldo Vandré se incomodara por não ter seu nome registrado integralmente.

Fontes: Silveira, Dalva, Geraldo Vandré: A vida não se resume em festivais (FT Editora)

http://www.abarriguda.org.br/destaques/entrevista-com-geraldo-azevedo/

https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19950805-37180-nac-0078-cd2-d4-not

Nelson Motta e Elis Regina. Uma homenagem… (17 de março )

No dia 17 de  março se comemora o aniversário de Elis Regina. Nascida em 1945, ela fez história nos anos 60/70, partindo dos festivais da canção, do programa O Fino da Bossa, que compartilhava com Jair Rodrigues, para se tornar uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos. 

Nelson Motta e Elis Regina | Star Elis
Nelson Motta e Elis Regina

Uma das pessoas que acompanhou de perto a trajetória de Elis foi Nelson Motta. Eu li duas vezes o livro Noites Tropicais, escrito por ele . Na primeira, pude ter certeza que ele é apaixonado por música, e por boa música. Na segunda, ficou mais evidente que ele ama a música, e também como ele fora apaixonado por Elis Regina. Quando falo apaixonado, não me refiro apenas à mulher, mas à cantora, à diva, à música…

Ele conta com entusiasmo cada pedaço da vida de Elis que pôde acompanhar. Começa quando Elis era uma adolescente na década de 60, sobre a influência que Lennie Dale exerceu no seu jeito de cantar. Merece destaque o tempo que passaram juntos, o breve romance e o repentino rompimento. E, por óbvio, não tem como não ficar melancólico quando ele relata o impacto da morte de Elis Regina. É um relato de uma perda pessoal, mais do que uma perda artística… Confesso que foi um dos capítulos do livro que parava e sentia cada palavra ali escrita.

Noites tropicais: Solos, improvisos e memórias musicais por [Nelson Motta]

Muitos anos depois da morte de Elis, Nelson Motta fez uma homenagem à sua amiga e musa, que está no se blog: (www.sintoniafina.uol.com.br). A saudade de um sentimento atual…Segue abaixo:

Feliz Aniversário, Elis!

Querida, Parabéns! Você, como eu, como quase todos nós da turma, já é uma sexagenária! Se bem que alguns estão mais para sexygenários … (RS ) Edu, Chico, Caetano, Gil, Milton, Ivan, João Bosco, Aldir, todos estão pensando com carinho e gratidão em você, que lhes deu as primeiras oportunidades de mostrar sua arte, que deu brilho, cor e profundidade a suas músicas e letras, que deu visibilidade a seus sons e suas palavras. Depois que você foi, durante muito tempo repeti com sucesso a piada: ” Já repararam como a cada nova cantora que aparece a Elis está cantando melhor ? ” Claro, com Cássia Eller e Marisa Monte a piada perdeu a graça. Mas você seguiu melhorando a cada vez que se ouve, as modas e os modismos passam, e seu estilo, seu repertório, seus arranjos não só permanecem como crescem com o tempo. E Maria Rita? Que presente mais maravilhoso você deu a seus fãs com Maria Rita! E que melhor herança uma mãe cantora pode deixar para uma filha que a sua voz? E que voz! Com o tempo, Maria Rita encontrará seu próprio estilo de usá-la, que certamente será muito diferente do seu, mas a voz, a inconfundível voz de timbre cristalino e caloroso, esta seguirá pelo tempo, pela garganta de sua filha. Olha, essa história de vocês duas sempre me comove, é bem sentimental. E sensacional. Maria Rita, mesmo com essa voz e essa musicalidade toda, nunca havia pensado em cantar até os 25 anos. Que surpresa, hein? Fico imaginando você ouvindo Maria Rita com as lágrimas rolando sobre seu sorriso escancarado clássico, que te fechava os olhos, me cotucando com o cotovelo e cochichando, ” Putaquepariu! Como canta essa garota! ( separando bem as sílabas, sem se dar conta de quem ofendia com sua euforia ) Pu-ta-que-pariu! ” ( rs ) Muitas saudades, muitos beijos do amigo e fã N.

 Fontes: www.sintoniafina.uol.com.brNoites Tropicais, Nelson Motta, Ed. Objetiva.

quinta 15 abril 2010 14:38 , em Músicas e Homenagens

Nelson Motta e Elis Regina. Uma homenagem…

“A girar, que Maravilha”. Parceria de Jorge Benjor e Toquinho

Toquinho e Jorge Ben Jor se tornaram amigos, no final da década de 60. A razão que os aproximou foi o fato de que Toquinho tinha uma namorada – Carolina – cuja prima começou a namorar Jorge Ben Jor.

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Toquinho relata: “Eu tinha uma namorada, a Carolina. E o Jorge Benjor começou a namorar a prima dela”, conta Toquinho. “Saíamos pela madrugada, íamos com frequência ao Patachou, um restaurante da rua Augusta, tocava-se violão, era muito agradável. Criou-se então uma amizade maior entre mim e o Jorge.

Na casa dessa minha namorada, a Carolina, nós ficávamos comendo pão de queijo e tocando violão. Um dia  ele me mostrou um tema musical, e fizemos uma música, que foi Que maravilha.

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Jorge Ben Jor fez a primeira parte:  “Lá fora está chovendo/ Mas assim mesmo eu vou correndo/ Só pra ver o meu amor./ Ela vem toda de branco/ toda molhada e despenteada/ Que maravilha, que coisa linda que é o meu amor”.

eles desenvolveram o restante do tema, e Toquinho fez a segunda parte: “Por entre bancários, automóveis, ruas e avenidas/ Milhões de buzinas tocando sem cessar/ Ela vem chegando de branco, meiga e muito tímida/ Com a chuva molhando seu corpo que eu vou abraçar./ E a gente no meio da rua, do mundo, no meio da chuva/ A girar, que maravilha, a girar, que maravilha”.

Jorge Benjor, numa entrevista em 1972, também falou sobre a canção:

Que maravilha, uma homenagem a uma moça, que eu não conheci, mas eu vi aquela moça tão linda, de branco, embaixo de uma chuva, linda e despenteada, ela parecia tão pura… e daí nasceu a música, e eu encontrei meu amigo mais conhecido como Camaleão, meu amigo Toquinho, e aí nós concluímos a música”

A música, como de costume na época, foi inscrita para um dos festivais da canção da TV Tupi, Feira da Música Popular Brasileira. O desejo era que Gal cantasse a canção, mas ela não tinha disponibilidade de tempo… Assim, ambos apresentaram a música, que ficou em primeiro lugar naquele festival (empatada com “Nada de Novo, de Paulinho da Viola) e foi gravada pelos dois a num compacto compacto que trazia no lado B outra parceria dos dois, Carolina, Carol bela (em homenagem à namorada de Toquinho).

A música tornou-se um sucesso, o primeiro sucesso de Toquinho, que relata: .

Gravamos “Que maravilha” e foi realmente a primeira música minha que fez um grande sucesso. Entrou nas paradas, foi muito tocada no rádio, as pessoas cantavam na rua. Do outro lado do disco tinha Carolina, Carol bela, uma canção também feita por nós. O Jorge Benjor é uma pessoa muito especial, meu amigo até hoje. Tem uma marcante força intuitiva, rítmica e poética”[1]

A música é imagética, narra um encontro na chuva, em que o eu-lírico vai correndo ver a pessoa amada, de branco, molhada e despenteada, que dá a sensação daquele amor descontraído, leve, em que dá vontade de se ver na chuva….

Nos versos seguintes, de Toquinho, completa o cenário urbano, entre bancários, móveis e avenidas, e o casal, alheio a tudo, prestes a se abraçar, e a girar na chuva. Este instante, o instante em que antecede o abraço seguido de um rodopio na chuva, confere uma leveza que justifica o sucesso da canção…

«Toquinho  » Primeiras composições e parcerias»http://www.circuitomusical.com. Consultado em 25 de agosto de 2014

TOQUINHO
Coleção Histórias de canções. De João Carlos Pecci e Wagner Homem. Ed. Leya,

10 Músicas de George Harrison da época dos Beatles

Havia algum tempo em que eu não fazia postagens com listas….

George Harrison talvez seja o Beatle que teve a carreira musical mais rica depois que deixou a banda. Sendo o mais jovem do grupo, ele não tinha muito espaço para compor no inicio da banda, tanto que sua primeira canção a entrar num álbum dos Beatles foi Don’t bother me, já no disco With the Beatles, só gravando a segunda no disco Sgt. Pepper Lonely Hearts Club Band.

Há 76 anos nasce George Harrison, o famoso guitarrista dos Beatles

Há muitas canções que fizeram historia, mas quero aqui registrar dez belas canções de George da época dos Beatles…

Rolling Stone · Quais foram as últimas palavras de George Harrison a Paul  McCartney, Ringo Starr e Olivia Harrison?

1 Don’t Bother Me – With the Beatles (A primeira a ser gravada)

2 While My Guitar Gently Weeps – White Album

3 Something – Abbey Road

4 Here comes the sun -Abbey Road

5 Taxman – Revolver

6 I Want to tell you- Revolver

7 Piggies – White Album

8 Within without you – Sgt. Pepper

9 For you blue – Let it be

10 I me mine – Let it be

“Aquele preto que você gosta” – A amizade de Caetano e Gil e o Axé Music

A amizade entre Caetano e Gil é algo raro na Música Brasileira. Amizade de mais de 50 anos, de duas grandes referências da música brasileira. História recheada de episódios marcantes, como o Movimento Tropicalista, a prisão em comum, o fato de terem casado com irmãs (Dedé e Sandra Gadelha), o exílio em Londres, enfim: trata-se de uma história de admiração recíproca.

Um dos  episódios mais interessantes ocorreu quando Caetano e Gil ainda não tinham uma relação próxima de amizade, no começo da Década de 60.

DOCUMENTÁRIO SOBRE A PRISÃO DE CAETANO VELOSO LEMBRA UM INFERNO PELO QUAL  EU PASSEI 4 MESES DEPOIS - Jus.com.br | Jus Navigandi

Na ocasião, segundo Caetano revela em seu livro Verdade Tropical (Cia das Letras, 1997, p. 283)

Por volta de 62, 63, vi na TV Itapoan (a televisão só chegara a Salvador em 60) um rapaz preto que cantava e tocava violão como os melhores bossanovistas. Sua musicalidade exuberante, sua afinação, seu ritmo e sua fluência me entusiasmaram. Era excitante que pudesse haver por perto alguém tão especial. A TV dava a ilusão de distância, mas eu pensava, com o coração batendo, que, dado o tamanho da cidade – e, sobretudo, do grupo de pessoas da classe artística ou mesmo da classe média -, era provável que eu encontrasse em Salvador esse genial músico de sorriso alegre e sobrancelhas bem desenhadas. Minha mãe, que sempre gostou de música – e sempre gostou que eu gostasse de música -, me ouviu elogiá-lo, e, toda vez que ele aparecia na televisão, me chamava para vê-lo.

Em seguida o mote que virou canção:

“Lembro com muito gosto o modo como ela se referia a ele. Pelo menos ela o fez uma vez e isso ficou marcado muito fundo, dizendo: ‘Caetano, venha ver o preto que você gosta’. Isso de dizer o preto, sorrindo ternamente como ela o fazia, o fez, tinha, teve, tem, um sabor esquisito, que intensificava o encanto da arte e da personalidade do moço no vídeo. Era como isso se somasse àquilo que eu via e ouvia, uma outra graça, ou como se a confirmação da realidade daquela pessoa, dando-se assim na forma de uma bênção, adensasse sua beleza.

73 curtidas, 3 comentários - Danilo Rodrigues Dutra (@danilinho) no  Instagram: “Caetano e Dona Canô ❤ #ArquivosDaUns” | Music history, Back in  the day, Music

Eu sentia a alegria por Gil existir, por ele ser preto, por ele ser ele, e por minha mãe saudar tudo isso de forma tão direta e tão transcendente. Era evidentemente um grande acontecimento a aparição dessa pessoa, e minha mãe festejava comigo a descoberta.” –

O Livro “Verdade Tropical” foi editado em 1997.  Antes mesmo disso, a história já era conhecida.

À Primeira Vista - Lyrics and Music by Daniela Mercury arranged by Smule

Neguinho do Samba, o grande maestro do olodum, transformou este episódio num samba de roda, ou se quiserem, numa Axé Music, que foi gravado por Daniela Mercury no disco “Feijão de Corda”, em 1996.

Neguino de SambaNeguinho do samba

O episódio em que Dona Canô, de forma tão natural e direta, chama Caetano para ver na TV “o preto de você gosta” termina por ser um prelúdio de uma história que mudou a música brasileira.

Sobre o nome artístico de Gal Costa

Maria da Graça Costa Penna Burgos. Este é o nome de batismo de uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos. Gal Costa. Sempre tive curiosidade para saber a origens dos nomes artísticos de grandes ícones da Musica. 

Neste caso, a história é contada por caetano , no seu livro Verdade Tropical, como Guilherme Araújo, empresário dos tropicalistas, acabou escolhendo o nome de Gal:  

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Uma discussão paradigmática desses conflitos sutis foi a que envolveu o nome artístico de Gal. Seu nome de batismo é Maria da Graça Costa Penna Burgos. Desde Salvador, escrevíamos Maria da Graça nos cartazes e nos programas dos shows do Vila Velha, e a chamávamos de Gracinha no dia-a-dia e, carinhosamente, de Grau. Havia e há milhares de Graus na Bahia: é o apelido carinhoso de todas as Marias das Graças ou da Graça de lá. Na verdade, no caso da nossa Gal, Maria das Graças era apenas o nome que constava na carteira de identidade e era usado como nome artístico; para todos os efeitos, seu nome era Gracinha: assim é que a apresentávamos a novos amigos. Na intimidade, no entanto, nós a chamávamos de Grau.

Guilherme achava Maria da Graça inviável como nome de cantora. Ele concordava que era belo e nobre, mas sugeria uma antiga intérprete de fados portugueses, não poderia servir para uma cantora moderna, muito menos – e aqui ele voltava a sorrir diabolicamente – para uma nova rainha do iê-iê-iê. Ele gostava de Gau. Nós também. Em primeiro lugar porque era seu nome real (isso era fundamental para nós), e depois porque era bonito e fácil de aprender, além de ser marcante, uma vez que no Rio (e em São Paulo, pelo menos) esse não era um apelido comum como na Bahia.

Resultado de imagem para guilherme araújo empresário gal costa"Guilherme Araújo, Gal e Caetano

Mas havia dois problemas: Guilherme achava vulgar e “pobre” artista de nome único (para ele era indispensável um sobrenome se o nome não fosse composto, e mesmo os nomes compostos raramente eram aceitáveis: Maria Bethânia era, é claro, uma exceção genial); e Gau, escrito assim, com u, parecia-lhe pesado e pouco feminino. Como em quase todo o Brasil Gal e Gau tem pronuncia idêntica, achamos praticamente indiferente que a grafia fosse a escolhida por ele (que se referia a uma cantora francesa chamada Francis Gal como exemplo).

Restava a questão do sobrenome. Gal Penna? Gal Burgos? Guilherme, não sem razão, preferiu Gal Costa. Este era mais eufônico do que os outros dois. Ele não ousava sair dos nomes verdadeiros por saber de nossa intransigência quanto a isso. Mas eu não gostei. Eu achava que já tinha concedido o bastante em aceitar o l, que ele aceitasse o nome único: Gal, simplesmente, era a melhor solução. Mas ele insistiu no sobrenome e eu disse que Gal Costa parecia um nome inventado, parecia nome de produto, parecia nome de pasta de dentes e, finalmente, se Gau não era suficientemente feminino, Gal era abreviatura de general. Com a subida de general Costa e Silva ao poder, em substituição ao marechal Castelo Branco, Gal Costa passava a ser homônima do segundo presidente do período militar. Mas a própria Gal, de quem afinal devia ser a última palavra, aceitou o nome e ele funcionou muito bem com a imagem pop que se criou para ela.

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Até hoje me irrita ouvir alguém comentar que Gal Costa é um nome criado e que o verdadeiro nome dela é Gracinha ou Maria da Graça, e só quem não a conhecia de perto é que pensa que seu nome íntimo era Gracinha – e, no entanto, esse nome Gal Costa teve sabor de coisa inventada para mim mais do que para qualquer outro.

Hoje, que todos a chamam simplesmente de Gal, fico inteiramente em paz com essa história: é seu nome, seu nome verdadeiro, e é um nome baiano, profundamente autêntico e revelador da cultura particular do recôncavo da Bahia e da Cidade do Salvador, além de ser bonito sonoramente e o modo mais carinhoso de se a chamar. É, como queria Guilherme, internacional e pop, mas é pessoal e regional até a ponta da raiz. É, um lance de poesia profunda, feito de acaso e equívocos, que serve como síntese do drama tropicalista.

 

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Mas na altura, eu que hoje o amo mais que ninguém, fui quem mais reagiu contra esse nome. Lembro de comentar com Rogério a discussão e ouvir dele a declaração de que sempre estaria no extremo oposto de Guilherme, de quem se sabia fatal antípoda: E impossível que o que ele planeja seja o mesmo que eu planejo, pois ele é o empresário e eu sou o desempresário”.

Contudo, e apesar de falar com alguma ira na voz, ele se esforçava para me fazer entender que ele pensava mais numa dialética necessária ao processo, ou, melhor ainda, numa complementaridade, do que numa competição que implicasse inimizade reles. O mais bonito de tudo foi que Roberto Carlos e Erasmo Carlos, atendendo a um pedido de fazer uma canção para o primeiro disco tropicalista que ela gravou, apresentaram” Meu nome é Gal”, em que, sem nada saberem das exigências de Guilherme, insistem no apelido monossilábico e, num texto escrito para ser declamado por ela, frisam que “não precisa sobrenome, pois é o amor que faz o homem”.