Depois de algum tempo com o livro, resolvi ler “Minha fama de mau”, biografia de Erasmo Carlos. Na verdade, o livro é uma coleção de histórias, que revela muito do personagem Erasmo Esteves, que mais adiante resolveu adotar o nome artístico Erasmo Carlos, numa dupla homenagem ao seu “amigo de fé” Roberto Carlos, e ao seu chefe Carlos Imperial.
Interessante é que o livro tem o título “Minha Fama de Mau”, título de uma canção da parceria Roberto/Erasmo, mas que, na verdade, de “mau” mesmo, não revela nada. No máximo as zoações que ele fazia quando adolescente em relação ao “Careca” que namorava uma garota que ele desejava, no bairro da Tijuca, no rio de Janeiro.
Erasmo, no livro, não fala mal literalmente de ninguém, e arranja um jeito de contar uma história/homenagem em relação a pessoas importantes na MPB. Estão lá João Gilberto (de quem se declara fã incondicional, junto com Elvis Presley), jorge Benjor, Tim Maia (que o ensinou a tocar violão), Wanderleia, Caetano, Gal, Chico Buarque, entre tantos outros. Não falta, claro, um capítulo inteiro do livro para contar de sua relação com Roberto Carlos, uma amizade que, segundo ele, ficou estremecida apenas uma vez.
Erasmo por Erasmo é alguém fissurado em mulheres, carros e rock’n roll. Conta por alto sua aventuras com mulheres, conta sua rotina louca na época da Jovem Guarda, os conselhos de Carlos Imperial, sua vida de casado com Narinha nos anos 70/80, em que ele meio que aderiu a uma vida mais hippie, As famosas vaias que recebeu dos metaleiros no Rock in Rio em 1985.
Escrito de maneira leve e positiva, o livro agrada a quem lê e passa ao largo claramente de questões polêmicas, como questões relativas a álcool, drogas, a acusação de corrupção de menores nos anos 60, e tangencia, bem superficialmente, o suicídio de sua ex-mulher, Narinha, após alguns anos de separação.
No mais, é um livro que se lê rapidamente, em que Erasmo é um cara boa praça, parceiro, de bem com a vida e namorador. Vale como o registro de uma época, como uma leve coleção de histórias de vida.
Quando Roberto Carlos surgiu no cenário musical, ele inspirou-se explicitamente em João Gilberto, como já tive oportunidade de tratar aqui. Mas ele não encontrou muito respaldo da “turma” da Bossa Nova (Bôscoli, Menescal & Cia), por ser considerado uma espécie de “João Gilberto dos Pobres”, ou seja, uma imitação de João.
Mas logo que Roberto Carlos despontou como líder da Jovem Guarda, a história se inverteu. Na segunda metade década de 60, ele era a síntese do sucesso da música jovem e popular. Nada mais natural do que surgirem história sobre imitadores de Roberto Carlos.
Um dos mais famosos ditos “imitadores” de Roberto Carlos foi Paulo Sérgio. Capixaba da cidade de Alegre, próximo a Cachoeiro do Itapemirim (cidade natal de Roberto), sua carreira começou quando um amigo dele convidado para realizar testes na gravadora Caravelle, do empresário Renato Gaetani. Paulo Sérgio era alfaiate, mas tocava violão. Na oportunidade, ele acompanharia o amigo ao violão. Ocorre que, durante o teste, descobriram que Paulo Sérgio também cantava e, após tocar algumas canções, ficaram impressionados. O timbre de voz era muito parecidos com Roberto Carlos.
Foi lançado Logo, lançaram o primeiro disco de Paulo Sérgio, um compacto simples, que continha as músicas “Benzinho” e “Lagartinha”. O sucesso de Paulo Sérgio aconteceu em todo Brasil.
Em 1968, Paulo Sérgio estourou nacionalmente com a música “Última canção”‘, que vendeu mais de 300 mil cópias. Segundo Paulo Cesar de Araújo, no seu livro “Eu não sou cachorro não” Paulo Sérgio surgia com o mesmo sorriso tímido, os mesmos olhos tristes, o mesmo estilo musical e o mesmo timbre vocal de Roberto Carlos ― o que levava a imprensa da época a afirmar que ‘ouvir a voz de um ou de outro, praticamente não faz diferença. Paulo Sérgio é uma espécie de outro Roberto Carlos’ (ARAÚJO, 2015 p. 27)
No video abaixo, a semelhança é evidente:
Um prato cheio para a imprensa, que passou a explorar uma suposta inimizade entre os dois, como se vê:
A CBS, que, como uma espécie de resposta a Paulo Sérgio, lançou no final de 1968 o LP O Inimitável, uma espécie de resposta para reafirmar o caráter único de Roberto.
Paulo César de Araújo ainda disse que Paulo Sérgio teria operado a garganta para que se livrasse da pecha.
“Eu operei a garganta para ver se minha voz ficava diferente da voz de Roberto Carlos e não adiantou. Estou desesperado, já não aguento mais ouvir todo mundo dizendo que eu imito o Brasa” (ARAÚJO, 2015 p. 30).
Consta que, em Em 1973, Paulo Sérgio e Roberto Carlos se encontraram num show beneficente no Hospital das Clínicas em São Paulo, quando ambos fizeram questão de esclarecer que a inimizade entre os dois eram apenas boatos.
O fato é que a pecha de imitador incomodou Paulo Sérgio por anos, tanto que, em1980, pouco antes de morrer, Paulo Sérgio falou sobre a polêmica:
“Muita gente se preocupa em saber se eu imito ou não o grande ídolo Roberto Carlos, de quem sou fã. Não me preocupo em imitar Roberto Carlos, porque cada um de nós deve realmente adquirir sua própria personalidade e só o tempo pode dizer. Deus me deu esta voz e colocou diante do público através do disco, nesta hora. Todos criam uma dúvida sobre minha carreira artística e assim a coisa vai passando. Tomara Deus que eu um dia possa provar a todos e convencer que meu ideal é enviar uma mensagem de paz de muito otimismo e amor. Minhas músicas são assim, um pouco carinhosas, todos podem notar. Se o Roberto Carlos teve o direito de subir e ser o fenômeno que realmente o é, que diferença tem entre ele como ser humano e eu que também sou filho de Deus? Sei perfeitamente que o próprio Roberto Carlos não está nem se preocupando com os falatórios. Quem iria falar de um cachorro morto numa estrada? Ninguém….”
O fato é que Paulo Sérgio Morreu em 1980, precocemente, e sua pecha de suposto “imitador” de Roberto o acompanhou durante toda sua vida..