A Biografia de João Gilberto, escrita por Zuza Homem de Mello, é um livro recheado de emoções. Inicialmente, cumpre salientar que Zuza morreu poucos dias depois de concluir a obra. Ercília Lobo, sua esposa, teve a tarefa de cuidar da edição. Assim, a biografia de João termina sendo também um legado de Zuza, um grande melômano, pesquisador musical e, sobretudo, fã de João Gilberto.
Para quem lê o livro, não espere fofocas sobre a vida amorosa de João, as suas relações com Astrud, Miúcha, Maria do Céu ou Cláudia são sempre acidentais, relacionadas sempre com o centro em torno do qual o livro é construído: a música de João.

O livro é sinestésico: Não foram poucas as vezes que, lendo o livro, fui atrás dos álbuns e dos shows para ver e ouvir aquilo que era magistralmente descrito por Zuza. Ele fala de cada acorde, de cada arpejo, de cada homenagem, de cada momento que antecede uma apresentação…
E neste contexto o livro é sublime: desde sua infância em Juazeiro, sua passagem pelo Rio, Salvador, Porto Alegre e Diamantina, tudo se relaciona com o aprendizado musical de João Gilberto. E à música de João é dada a devida homenagem. Em determinado momento do livro é dito que, sem João Gilberto, Tom e Vinícius seriam responsáveis por modernizar o Samba ou a MPB, mas não haveria Bossa Nova.

Assim, Zuza relata, de maneira claramente afetuosa, cada apresentação relevante de João, desde o famoso show no Carnegie Hall até o festival de Iacanga, em Águas Claras-SP; da sua apresentação no Japão até o show no Au Bon Gourmet, no Beco das Garrafas, com Tom e Vinícius; Sua apresentação no festival de Montreaux até seu último show, na Bahia, no Teatro Castro Alves (em que tive a honra de estar presente).
Lá, são contados cada momento antes do show e os tradicionais atrasos de João Gilberto. Suas homenagens a cada público onde cantava, de Porto Alegre a Lisboa, suas particularidades, sua mania de falar ao telefone por horas, seu ouvido absoluto….
Também cada disco é escrutinado, não só pelo aspecto técnico, que Zuza conhece muito bem, mas também pelo aspecto emocional. O livro viaja em cada canção, em cada acorde ou arpejo em que João recria cada música todas as vezes em que toca. Vai atrás das influências musicais e harmônicas, fala de sua batida diferente.

O livro também passa ao largo do senso comum da considerada personalidade “exótica” de João. Defende, na verdade, duas teses essenciais. A obsessão de João pela sonoridade perfeita, e o fato dele não gostar de sair quando já está acomodado (são contadas histórias divertidas quando ele permanecia por dias a fio nos hotéis depois de encerrada a apresentação)
Claro que, no último capítulo, o derradeiro do livro e da vida de João, há momentos de emoção.

Mas, no fim das contas, o disco é uma homenagem. A um dos maiores cantores do mundo, ao respeito que lhe foi creditado por onde passou. E ele acabe recheado de emoção. Dá para sentir a emoção de Zuza, em cada show que presenciou, além da sua convivência com João Gilberto.
Um livro essencial. Não há nenhuma revelação bombástica. mas há uma análise amorosa e detalhada da trajetória musical de João. Cantor seminal da Bossa Nova e referência musical em todo o mundo. Vale a pena ser lido.
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