Fogueira: De Ângela Ro Ro para Zizi Possi

Histórias de amor deixam marcas e músicas. Algumas músicas, como algumas histórias de amor, são óbvias e não possuem muita coisa de especial. Outras músicas marcam, ficam definitivamente marcadas, como certas e especiais histórias de amor.

Toda história verdadeira de amor tem sua canção ou sua trilha sonora, e sorte de quem consegue traduzir numa bela letra, harmonia e melodia os encantos e desencantos do amor vivido.

Falo isso para analisar uma das músicas mais belas, senão a mais bela, gravada por Ângela Ro Ro. Esta música é Fogueira, cuja letra segue abaixo.

Por que queimar minha fogueira?
E destruir a companheira
Por que sangrar o meu amor assim?
Não penses ter a vida inteira
Para esconder teu coração
Mas breve que o tempo passa
Vem num galope o teu perdão

Porque temer a minha fêmea?

Se a possuis como ninguém
A cada bem do mal do amor em mim
Não penses ter a vida inteira
Para roubar meu coração
Cada vez é a primeira
Dou fé também serás ladrão

Deixa eu cantar
Aquela velha história, o amor
Deixa penar, a liberdade está também na dor

Eu vivo a vida a vida inteira
A descobrir o que é o amor
Leve pulsar do sol a me queimar
Não penso ter a vida inteira
Pra guiar meu coração
Sei que a vida é passageira
E o amor que eu tenho não!

Quero ofertar
A minha outra face à dor
Deixa eu sonhar com a tua outra face, amor

 A música foi composta para Zizi Possi, com quem Ângela vivia um romance (ambas moravam juntas), e algumas histórias não bem esclarecidas fizeram com que o romance terminasse. As fontes – nem sempre confiáveis – dão conta de que Ângela teria sido acusada de agredir Zizi, outra, que Ângela teria feito um escândalo num show de Zizi, a ponto de precisar ser retirada pela polícia do teatro onde Zizi se apresentava.

Numa entrevista, Angela Afirmou:

“Eu nunca bati em ninguém nem naquela cantora em 1981. Nunca dei um tapa nela e nem ela em mim. E até hoje eu carrego essa cruz de infâmia e calúnia”, contou, em entrevista ao portal ‘Gay Blog’.

“Admiro muito o canto dela, quero o bem dela, não desejo mal nenhum. Foi imperdoável e continua sendo a omissão. Ela simplesmente poderia ter dito a qualquer hora, desde aquele ano até hoje: ‘Olha, a Ro Ro nunca me bateu’. Não custava nada”, continuou.

“Ela calou, e quem cala consente. Eu fiquei com essa má fama, mas só acredita nessa fama quem não presta”, finalizou a cantora

Uma situação, que causou mais impacto, foi quando, após o rompimento, Ângela compareceu a um show de Zizi. Na voz de Ângela:

Mandei comprar ingressos e fiquei em casa, com o meu amigo Claudio conversando e bebendo vinho. Como tivesse sobrado meia garrafa, botamos na mochila dele e saímos. Quando entramos no teatro, as luzes já estavam apagadas. Sentamos, no maior silêncio. Mas comecei a participar do espetáculo, como uma espectadora comum que estivesse adorando o que se passava no palco, cantei junto, aplaudi e gritei “Zizi Possi, eu te amo!”. Acontece que eu sou extrovertida e essa é minha maneira de opinar, tanto para elogiar quanto para protestar. A primeira parte do show terminou com My sweet lord que eu adoro e cantei interinha, do meu lugarzinho. foi quando as luzes se acenderam para o intervalo.”  

No entanto, esta interferência não teria agradado Zizi, que, segundo a mídia da época, teria retrucado:

 “Eu gostaria muito que você entendesse…Usasse toda a sua inteligência e percebesse que é com você que eu estou falando agora. As suas vibrações me incomodam, sua presença me perturba… Você nunca me ajudou, por favor não me atrapalhe, não se interponha em minha vida pois você não me é mais uma pessoa querida. Levanta, levanta por favor vai embora! Levanta, saia do teatro agora! Eu preciso de paz pra tocar e cantar!”

Ângela acabou sendo retirada do Teatro pela polícia. Disse ter sido traída:

Zizi me traiu. e quando falo em traição, não me refiro a infidelidade. Traição é aquilo que Tiradentes sofreu e eu, que não sou dada a usar coroas de espinhos, não estou afim de entrar nessa… mas não esquento não. Nunca vi um monte de formigas derrubar Gibraltar, a ambição dessa mulher, de ser Sara Bernhardt, já esta quase preenchida, falta chegarmos ao tribunal. Aí sim, a pobre moçoila seduzida pela terrível bêbada e perigosa homossexual”

O fato é que a mídia da época, no início dos anos 80, tratava a relação de ambas como um tabu, sendo feitas diversas referências preconceituosas sobre a homossexualidade.

 As razões do rompimento são questões menores e que devem ficar para as revistas de fofocas. O fato é que Ângela fez uma música confessional, uma declaração de amor e de incredulidade por alguém que está magoando o eu lírico, alguém que está machucando, se escondendo, decepcionando um amor profundo, mas que, apesar de tudo, o amor resiste.

 É uma canção que oferece um perdão em nome do amor, que tenta dizer que nem sempre haverá outra oportunidade para vivê-lo e ganhá-lo a cada revés, mas que ao mesmo tempo se contradiz, dizendo ser o amor eterno, não passageiro, que está sempre disposto a perdoar se o objeto do sentimento puder, ainda que brevemente, estender a mão.

 “Fogueira” foi gravada também por Bethania em 1983, mas seu caráter absolutamente confessional a faz mais bonita quando interpretada por Ângela Ro Ro, cuja voz rouca e o estilo de cantar lembra um pouco a cantora Maysa (e a intensidade dos sentimentos, também).   

 Essa musica foi gravada no seu terceiro LP, “Escândalo”, de 1981, título de uma das músicas do LP, de autoria de Caetano, como que uma tradução daquele momento em que vivia a cantora, logo após a separação de Zizi Possi, ocorrida de modo traumático e coberta do modo naturalmente sensacionalista pela imprensa da época.   

 A capa do disco traz o nome “escândalo” como se fora uma manchete de jornal, parodiando as notícias escandalosas que saíram na imprensa por conta de seu rompimento com a cantora Zizi Possi.

 Muitos anos depois, em entrevista ao Jornal “Gazeta do Povo”, Ângela esclareceu:  

  Não quero ser indelicado, mas o desafeto com a Zizi Possi continua?

Com a Zizi Possi? Não há o menor desafeto. Eu tive uma profunda tristeza da gente. Ela e eu fomos vítimas de manipulações, de más línguas. As pessoas foram muito maliciosas. Muita maldade, muita truculência física e psicológica contra mim. Eu nunca bati em ninguém, muito menos na Zizi e ela sabe disso. Eu acho a Zizi uma pessoa muito bacana. Nunca mais fizemos amizade. Ela tem uma filha linda que canta tão bem quanto ela. Zizi é uma grande artista. Pena que nunca mais fizemos amizade porque eu poderia pedir dinheiro emprestado a ela, né?

https://www.feedclub.com.br/angela-ro-ro-zizi-possi/

Tom Zé – Menina amanhã de manhã (Vai) – Uma canção de protesto disfarçada

A canção “Vai” (Menina amahã de manhã), de Tom Zé, foi gravada no disco “Estudando o samba”, de 1976. A música, na sua gravação original, tem um arranjo delicado, só com violão, e num primeiro momento emula uma certa suavidade, em que a felicidade parece algo inexorável, inescapável…

Menina , amanhã de manhã
quando a gente acordar
quero te dizer que a felicidade vai
desabar sobre os homens, vai
desabar sobre os homens, vai
desabar sobre os homens.
Na hora ninguém escapa
de baixo da cama ninguém se esconde
e a felicidade vai
desabar sobre os homens, vai
desabar sobre os homens vai
desabar sobre os homens.

Mas quando a gente se depara com o resto do texto, percebe que não é bem assim. Pois, na letra, começa a falar que a felicidade mete medo, fecha a roda, não tem saída… afinal, deve-se tomar cuidado com a felicidade? É algo de que não se pode escapar?

Menina, ela mete medo
menina, ela fecha a roda
menina, não tem saída
de cima, de banda ou de lado.
Menina, olhe pra frente
menina, tome cuidado
não queira dormir no ponto
segure o jogo
atenção (de manhã)

Então, numa apresentação no SESC Pompeia em 2010, Tom Zé explicou o sentido da canção:

No decorrer da apresentação, ele fala:

A gente aqui nessa desgraça, a gente não podia falar claramente, o que é que vocês estão pensando… era uma porra de uma ditadura. Uma ditadura, ditadura. Torce pescoço de gente, a gente tinha que falar camuflado. Esta música “menina amanhã de manhã”, Monica Salmaso gravou agora. Agora, já não podia, a música já era bonitinha não precisa ter nenhuma referência a ditadura quase… era só a beleza que Monica Salmaso é capaz de cantar.

Vocês vão subentender o que tem aí de cuidado pra ditadura não compreender o que a gente tá falando dela.  

Depois de cantar a primeira parte da música, ele faz uma pausa para explicar:

A ditadura fazia campanha dizendo que o Brasil era um pais felicíssimo: Ame-o ou deixe-o!

A felicidade fecha a roda, não tem saída! Tem que ser feliz! Se não for feliz vai ser preso!!

A gente que é Brasileiro reage até a opressão pelo menos a gente termina de perna aberta

No fim da canção, a música passa a ter um quê de poesia concreta:

Menina, a felicidade
é cheia de praça
é cheia de traça
é cheia de lata
é cheia de graça

Menina, a felicidade
é cheia de pano
é cheia de peno
é cheia de sino
é cheia de sono

Menina, a felicidade
é cheia de ano
é cheia de Eno
é cheia de hino
é cheia de ONU

Menina, a felicidade
é cheia de an
é cheia de en
é cheia de in
é cheia de on

Menina a felicidade
é cheia de a
é cheia de e
é cheia de i
é cheia de o

A capa do disco “Estudando o Samba”, com a capa branca e cordas e arame farpado ao fundo, fazia uma referência à ditadura, mas também ao aprisonamento ritmico do samba, e foi responsável pela retomada da carreira artística do cantor. Foi quando David Byrne se impressionou, já na década de 80, com a capa, com a musicalidade e originalidade, e fez com queTom Zé – que estava quase abandonando a carreira para voltar para Irará (interior da Bahia) para trabalhar num posto de gasolina – retomasse sua carreira, com projeção internacional.

Fonte:

https://www.brasildefators.com.br/2021/07/12/o-encontro-com-nossa-identidade-cultural-atraves-do-canto-de-monica-salmaso

Mentiras – Adriana Calcanhotto

Existem músicas que são inspiradas em outras canções. Às vezes uma frase, uma sequência de acordes, uma ideia presente numa canção serve como centelha para o surgimento de uma nova música. E este foi o mote que fez surgir a canção Mentiras, o primeiro grande sucesso de Adriana Calcanhotto, gravada no seu segundo álbum Senhas (1992). A canção se tornou um sucesso, impulsionado pela sua inclusão na novela global Renascer (1993)

E a inspiração da canção, como Adriana recentemente disse no seu canal no Youtube, se inicia com uma canção de Cazuza: “O Nosso Amor a Gente Inventa (Uma Estória Romântica)”, gravada em 1987, no disco “Só se for a dois”.

A canção de Cazuza, contada a partir de uma desilusão amorosa, já no final, relata uma relação que, ao acabar, “ficou tudo fora do lugar, café sem açúcar, dança sem par”.

Este ficar “tudo fora do lugar” inspirou a primeira frase da canção, em que “nada ficou no lugar”

Em seguida, são listadas alguns tipos de vinganças amorosas, de desforras que se fazem como resposta ou revanche em decorrência de mágoas de amor. E também como forma de chamar a atenção do ser amado. E a canção lista algumas destas represálias:

Eu quero quebrar essas xícaras
Eu vou enganar o diabo
Eu quero acordar sua família
Eu vou escrever no seu muro
E violentar o seu gosto
Eu quero roubar no seu jogo
Eu já arranhei os seus discos

E, na segunda estrofe, continua:

Eu quero entregar suas mentiras
Eu vou invadir sua aula
Queria falar sua língua
Eu vou publicar seus segredos
Eu vou mergulhar sua guia
Eu vou derramar nos seus planos
O resto da minha alegria

E todo o resultado desta desilusão tem um sentido, uma lógica. As “maldades” são o amor pelo avesso (numa referência à canção “Artrás da Porta”, de Chico Buarque). Enfim, uma forma de, com as vinganças, esboçar uma reação da pessoa amada.

No Video, Adriana conta a história:

Era um verão muito chuvoso no Rio de Janeiro e eu fiquei sozinha no apartamento…Eu estava ouvindo muito Cazuza, ele tinha morrido e eu continuava ouvindo, como uma voz, como um poeta que foi embora, que não vai ter nada parecido… E eu lembro de estar ouvindo uma música que dizia: “Mas ficou tudo fora do lugar /café sem açúcar”; a melodia não é essa mais a ideia é essa: ficou tudo fora do lugar e eu estava fazendo as canções, fiquei com isso na cabeça, provavelmente fui a cozinha fazer um café voltei, peguei o violão e ai saiu um “Nada ficou no lugar” que é “ficou tudo fora do lugar”.

Nada ficou no lugar/ eu quero quebrar essas xícaras/ eu vou enganar o diabo/ eu quero acordar sua família”.

Começou assim, a partir dessa coisa do Cazuza “ficou tudo fora do lugar”, me veio uma imagem dessas maldades amorosas que se faz assim… se faz, não, que algumas pessoas fazem quando estão com raiva, quando estão com ciúme.

E eu lembrei da história de uma amiga minha que ela era bem mais velha do que eu, casada com filhos e tudo, e descobriu em um determinado momento que o marido tinha uma amante. Então ela teve um ataque em casa e quebrou tudo o que tinha na casa, menos as coisas que ela tinha dado para ele. A memória dela eram quadros, assim quebrados no chão, os vidros espatifados dos quadros que ela quebrou; os quadros que ela deu ficaram na parede, mas os que ela não deu, os que ela não sabia a origem que ele já tinha qualquer coisa assim….

Então a imagem – ela falava – era um tapete assim de vidro, cacos de vidro e terra das plantas, terra arrasada realmente ficou o apartamento – isso ela contando, eu não vi. Mas aí eu me dei conta dessa coisa passional, dessas reações assim e elaborei uma lista de maldades de vinganças: “eu vou publicar seus segredos, chegando ao ponto de “eu já arranhei os seus discos” e tudo isso eu fui fazendo a lista de maldades, inventando, pensando nas maldades, pensando no Cazuza, pensando na Tânia com o apartamento destruído e chegou um determinado momento: com uma lista maravilhosa de maldades eu pensei pô mas e ai?

Não pode ficar implícito o motivo dessas maldades né? Uma pessoa não é não está fazendo maldades porque quer, porque é da natureza dela. A culpa não é de quem destrói apartamento. Era isso que a canção queria. Então o jeito de dizer isso foi dizer “Que é para ver se você volta/ que é pra ver se você vem/ que é pra ver se você olha pra mim.

E eu fiquei lembrando assim de várias canções que tem esste tipo de apelo, lembrei do Roberto Carlos dizendo “Só me falta ficar nu para chamar sua atenção” (Pra Chamar Sua atenção -1976)

Enfim, a música narra o desespero e o anúncio de vingança de uma pessoa magoada, e o caráter explícito de que é uma forma de chamar atenção.

Palavras no corpo. Ou ninguém diz “Eu te amo” como Gal

Ninguém diz “eu te amo” como Gal Costa. Desta ideia surgiu uma canção. Uma parceria improvável entre o cantor Silva e o poeta Omar Salomão (Filho de Waly Salomão – que dirigiu o show icônico de Gal: “Fa-tal: Gal a todo vapor). Quem fez a ponte entre os dois foi Marcus Preto, cuja história com Gal já mereceria uma postagem à parte.

Marcus Preto conheceu Gal quando pretendia entrevistá-la para um documentário. Depois de muitas idas e vindas, marcações e desmarcações, da entrevista Marcus acabou virando produtor dos discos de Gal, numa parceria que durou nove anos, até os últimos dias da cantora.

Gal Costa e Marcus Preto

Consta, então, que Omar Salomão (que fez o cenário de alguns shows de Gal), numa mesa de bar, teria dito a Marcus Preto que toda a vez que escutava a voz da cantora na música “Sua Estupidez”, de Roberto e Erasmo Carlos, tinha mais certeza de quem ninguém diz “eu te amo” como ela. 

Preto então teria dito: “Então faça uma letra sobre isso!”

Este foi o mote para “Palavras no Corpo”.  A letra foi escrita por Omar especialmente para a voz da cantora.

Interessante que Gal gravou pela primeira vez a canção Sua Estupidez, num compacto simples, e,m 1971, e no mesmo ano, ingerou o já referido álbum Fa-tal , dirigido por Waly Salomão, pai de Omar. Ela posteriormente gravaria também no álbum Acústico, em 1997.

Omar Salomâo

Assim que a letra ficou pronta, o Marcus Preto enviou a letra que Silva fizesse a música. Silva, que já havia acompanhado Gal Costa como tecladista e violinista em turnê cantando Lupicínio Rodrigues, se inspirou em Amy Winehouse, uma das paixões de Gal.

Numa entrevista, Silva Falou:

O novo single “Palavras no Corpo”, da Gal Costa, teve composição sua com o poeta Omar Salomão. Conta para a gente a história dessa música?

Quando Gal me faz o convite e Omar me mandou a letra, eu vi a responsabilidade que era colocar música num texto tão intenso e bonito. “Ninguém diz eu te amo como eu” foi uma frase que eu quis muito ouvir Gal cantar com aquele timbre que ninguém tem igual. Eu já sabia ela amava Amy Winehouse e muitas coisas ligadas à música soul. Sentei para tocar piano e deixei a melodia fluir em cima do texto, como se fosse alguém recitando. O resultado é esse que está registrado na voz de Gal. Pra mim foi uma honra que nem dá para descrever.

Gal Costa e Silva

O arranjo foi desenvolvido sob a direção musical de Pupillo, e membro da Nação Zumbi.

A letra da canção retrata o fim de uma relação, as lembranças de uma felicidade pretérita, e não presente, e guarda consigo as lembranças desta relação que foi feliz.

E as lembranças são sinestésicas: o cheiro na cama, o gosto no queixo…

E, enfim, a música remete ao tato, ao sangue, à dor, aos cacos de vidro, e, enfim, à constatação de que as palavras que vale não estão no vento, mas na pele.

Fomos felizes e felizes fomos
E se já não somos, meu amor
Não se preocupe, não
Aperte a minha mão
Até a luz sumir
Em meio à escuridão
Você vai confiar em mim

Guarde um pedaço de mim
Um cheiro no lado da cama
Seu gosto na ponta do queixo
Meu sangue escorrendo seu peito

Vejo no tato sua pele
Tatuo com dedo o seu gosto
Não sigo mapas, desejo
Segredo e contato

Quero o brilho cortante
Desses cacos de vidro
Palavras no corpo
Respostas ao vento

Você diz pra não falar de amor
E me pede pra fechar os olhos
Esquecer, amor
Poucos versos são precisos

Ninguém diz eu te amo
Ninguém diz eu te amo
Ninguém diz eu te amo
Como eu

Fontes:

https://www.musicjournal.com.br/gal-costa-palavras-no-corpo/#:~:text=Palavras%20no%20Corpo%20%C3%A9%20uma,Waly%20Salom%C3%A3o%2C%20pai%20de%20Omar.

Entrevista: Silva e o amor como ato político

Sangue Latino

O ano, 1973. O Brasil vivia o auge da Ditadura Militar, quando surgia na cena do rock brasileiro, uma banda pós tropicalista que revolucionou a Música. Falo dos Secos & Molhados, um projeto de João Ricardo, aos quais aderiram Gerson Conrad e o então desconhecido Ney Matogrosso, que era mais ator do que cator, mas tinha uma voz de tenorino diferenciada.

A banda se notabilizava pelas performances. Todos se apresentavam maquiados, e Ney Matogrosso cantava com gestos, rebolados e olhares que provocavam a plateia… quem ouvia a canção no rádio tinha dúvidas se quem cantava era homem ou mulher. Ney cantava com o torso nu. Tudo isso causou na época muita polêmica.

Toda esta forma de apresentação era pano de fundo para um conjunto de letras com uma forte conotação política, crítica social, que abordava desde racismo a violência policial, de mensagens contra a guerra nuclear, e inspitando-se em textos de poetas como Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes. Anna Maria Bahiana comenta:

Como música e como grupo, o Secos & Molhados calca-se em três elementos básicos e saudavelmente inovadores, dentro do panorama nacional: a bela e aguda voz de Ney Matogrosso […], o espetáculo altamente visual, com maquiagem e movimentação até mesmo sexualmente ambíguo, e a inclusão de textos de poetas – Cassiano Ricardo, Manuel Bandeira, Solano Trindade, Vinícius de Moraes – em letras de canções. Nenhum desses elementos é gratuito. Estavam todos “pensados e repensados” no espírito de João Ricardo.

Numa entrevista a Marcelo Pinheiro, em 2012, João Ricardo falou:

“A necessidade é a mãe da invenção e era a época das bandas progressivas, que tinham um aparato sonoro poderoso. Éramos o contrário disso: despojados musicalmente, mas tínhamos referências teatrais e começamos a inventar saídas para não perder terreno, como usar roupas extravagantes e maquiagem. Percebemos que quanto mais nos aventurávamos naquilo que era bizarro, mais as pessoas ficavam estupefatas e atraídas. Alice Cooper fazia sucesso, nos Estados Unidos, o David Bowie, na Inglaterra, e plasticamente levamos as ideias do glam e do glitter ao extremo. Tivemos a sorte de envolver em torno de nós milhões de pessoas de todas as camadas sociais, de todos os credos, cores e idades, algo que não aconteceu nem ao Bowie nem ao Alice Cooper.”

Assim, com o tronco nu, a cara pintada e a voz diferenciada de Ney Matogrosso, foi foi lançada a canção “Sangue Latino”, com direito a clipe no “Fantástico”. Foi a música que abriu as portas para o grupo, numa letra de Paulinho Mendonça para a música de João Ricardo.

Paulinho Mendonça, numa entrevista a Rodrigo Faour, afirmou que aquele momento político em que o Brasil vivia gerava “uma obrigação de ter que se manifestar, que levou a um momento de muita qualidade, muita coisa importante”. Mas que também, pelo advento da censura, “Em termos de poesia, a gente teve que desenvolver os processos metafóricos“.

O interessante é que as mensagens do disco como um todo, com muita crítica social, acabou ficando em segundo plano, pois o que escandalizava era a performance. Tanto que, como conta na sua biografia (Vira-lata de Raça, Ramon Nunes Mello, Tordesilhas, 2018), quando os Secos & Molhados foram se apresentar pela primeira vez na TV Globo, recomendaram que Ney não olhasse diretamente para a câmera.

Mas, para além de toda a repercussão da banda, é certo que, quando se analisa a música “Sangue Latino”, vem logo à mente um famoso livro de Eduardo Galeano, “As veias abertas da América Latina”, escrito em 1971.

O livro retrata a história da América latina desde o período da colonização até a contemporaneidade, retratando a exploração econômica, a dominação política e o sangue derramado dos nativos e dos explorados. A canção “Sangue Latino pega este mote, e faz o lamento do povo subjugado na América Latina.

Em artigo de Suelen Santana Silva e Pedro Marques Neto (Secos & Molhados: para ouvir, olhar e comer), a canção é tida como um desabafo, um grito do povo explorado da América Latina. Embora o sangue do povo não seja propriamente latino (pois é sangue índio, negro, mestiço), a referência é ao sangue do exlporado. Dizem os autores:

A canção concentra em si o próprio legado da colonização, sendo uma espécie de sangue cultural e artístico desse processo. Trata-se, assim, de uma confissão em primeira pessoa, no tempo pretérito perfeito, como podemos observar já na primeira palavra de sua letra: “Jurei” e, em seguida, “rompi”, “quebrei”, “traí” e “lancei”, que, em sequência, compõe outro jogo rítmico e de rima.

É possível estabelecer uma personificação do continente, na exploração dos povos originários da América, desde o processo de colonização, como também a difícil realidade da América Latina, em que havia ditaduras militares no Paraguai na década de 50, no Brasil, Bolívia, Peru e Argentina na década de 60, além de Chile e Uruguai na década de 70.

E assim quando a letra afirma “Jurei mentiras e sigo sozinho”, pode se referir às juras aos deuses e costumes ocidentais, no processo colonizatório, como podem ser também as delações de companheiros obtidas mediante tortura. As mentiras para salvar a si próprios, a mentira que gera solidão…

Quando, no segundo verso, a expressão “assumo os pecados” ganha um ar de confissão. Confissão dos pecados dos cultos aos deuses pagãos, ou será os pecados dos crimes políticos? Percebe-se que justamente o sentido metafórico da canção permitira uma interpretação sobre o passado, bem como ao presente da época.

O autor da letra, Paulo Mendonça (na já citada entrevista a Rodrigo Faour), disse, em 2020, que escreveria a mesma letra com a mesma emoção e o mesmo sentimento.

No verso “Os ventos do Norte não movem moinhos”, é muito clara uma visão decolonialista, em que os ventos vindos do hemisfério norte não movem moinhos, seja porque quem trabalhava, quem moviam os moinhos era o povo explorado da América, como também quem inspira não são os colonizadores.

Mas, diante da exploração, somente resta o gemido. De dor. De exploração. Mas que, como se verá adiante, de quem não se entrega.

“Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos, meu sangue latino, minha alma cativa”. Depois do gemido, a constatação da vida, dos mortos, dos caminhos tortos… e a alma que resta cativa, como se a história dos povos da Américsa Latina tivesse sido distorcida, ceifada e capturada.

No referido livro de Eduardo Galeano, há o relato de como os conquistadores espanhóis como Hernán Cortés seguiram dizimando os astecas com espadas e tiros de arcabuz. O Império sucumbia com suas armas primitivas, e os povos originários nada podiam fazer. Lhes restava gritar, jogar suas lanças no ar, ver suas mulheres serem violentadas e seus filhos mortos.

No entanto, na parte seguinte, há a luta, a resistência, afinal, “E o que me importa é não estar vencido”. E por isso, mesmo tendo rompido tratados, tradições ritos, ancestralidade, a lança continua viva, jogada no espaço, e junto com ela um grito, um desabafo, e, afinal de contas, pode-se perder a terra, a língua, a religião, mas o sangue latino resiste.

No fim, sangue latino é um libelo de resistência à opressão, de quem, mesmo oprimido, cativo, subjugado, não se dá por vencido, e deixa viva a esperança.

Numa entrevista, João Ricardo fala sobre a composição:

‘Sei lá… apesar de ser português, moro há muitos anos no Brasil. Sangue Latino nasceu de um estouro: um dia estava lendo uns poemas de um amigo e li aquilo. Puxa, na mesma hora peguei a viola e pintou a música. Nasceu assim. E esta coisa latina sempre pinta nos meus discos” 

Fontes:

BAHIANA, A. M. Nada será como antes: MPB anos 70 – 30 anos depois. 1a ed. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2006

http://taratitaragua.blogspot.com/2021/07/joao-ricardo-ex-secos-molhados-lanca.html

Secos & Molhados: para ouvir, olhar e comer (Suelen Santana Silva e Pedro Marques Neto)

SANGUE LATINO NO PALCO: NUANCES DE DECOLONIALIDADE NA ARTE DE NEY MATOGROSSO (Roberto Remígio Florêncio e Pedro Rodolpho Jungers Abib)

https://marceloxpinheiro.medium.com/uma-noite-com-secos-molhados-b384ce229200Re

Revista Brasileiros, MARÇO 2012

Festa do Interior – Como o atentado do Riocentro virou uma grande festa de São João

Festa do Interior até hoje é uma das músicas mais lembradas na voz de Gal Costa. Com letra de Abel Silva e música de Moraes Moerira, é uma música alegre, festiva, que conta a história de uma grande festa de São João, através de uma música alegre, animada.

O que poucos sabem que a inspiração para uma composição tão alegre vem de um episódio triste. O atentado no Riocentro, ocorrido em 30 de abril de 1981, em que setores do Exército Brasileiro e da Polícia Militar do Rio de Janeiro visavam explodir bombas no Centro de Convenções do Riocentro, no Rio de Janeiro, onde se realizava uma apresentação de MPB em comemoração do Dia do Trabalhador. No local estavam mais de 20 mil pessoas. As explosões tencionavam incriminar grupos que se opunham à ditadura militar no Brasil e, assim, justificar a necessidade de recrudescimento do processo de abertura política.

Assim, Abel Silva, filho de Pastor metodista, que não teve festa de Carnaval nem São João, jamais imaginaria que faria uma música que tivesse o São João como tema. A partir do episódio do Riocentro, ele pensou que no São João também tinha bombas, mas ele queria falar algo contra o terrorismo, de modo absolutamente diferente, em que nas bombas, ninguém mata, ninguém morre, e o que explode era o amor. Mandou a letra para Moraes Moreira e o resto é história.

Esta era a resposta lírica de Abel ao terrorismo, que é relatada por Ruy Godinho, no seu IV Volume do livro “Então, foi Assim?”

FESTA DO INTERIOR

Iniciavam-se promissores os anos 1980. O governo brasileiro claudicava na tentativa de promover a abertura política, preconizada pelo general João Batista Figueredo, depois de duas décadas com o país vivendo os horrores da ditadura militar. Mas no dia 30 de abril de 1981, uma quinta-feira, às nove e meia da noite, uma bomba explodiu no estacionamento do Centro de Convenções Riocentro, dentro de um automóvel Puma e no colo de um sargento do exército, matando-o e ferindo gravemente um capitão também do exército, que o acompanhava, ambos agentes do DOICODI, a polícia política do Exército.

    Lá dentro se realizava um grande show em comemoração ao dia do Trabalho, promovido pelo centro Brasil Democrático (Cebrade) – entidade ligada ao partido comunista Brasileiro (PCB) – com a participação de diversos artistas e a presença de um público estimado em 20 mil pessoas. Nessa hora, sintomaticamente quem cantava era outra explosão, esta de alegria: Elba Ramalho. A bomba que pulverizou as pernas e as partes intimas sargento tinha destino certo. Seria instalada junto à plateia, mas, providencialmente, explodiu antes da hora, no colo do terrorista, um “especialista” em explosivos. O atentado foi cometido por militares “linha dura,” na tentativa transloucada de conter o processo de abertura política comandado pelo general conhecido por sua arrogância e autenticidade, que dizia gostar mais do cheiro de cavalo do que do povo. Se os meliantes tivessem logrado êxito, teria ocorrido uma tragédia, com consequências imensuráveis.

    Na época, eram comuns os atentados á bomba em entidades do movimento social, nas casas de políticos oposicionistas e nas bancas de revistas que vendiam publicações consideradas subversivas.

    Foi nesse clima conturbado e doentio que, paradoxalmente, nasceu uma das canções que mais desencadeiam a alegria nas multidões: Festa do Interior, da parceria do baiano Moraes Moreira com o poeta fluminense Abel Silva.

    “Estava acontecendo uma onda de bombas e de explosões nas bancas de jornal. A direita estava completamente enlouquecida. Além de torturar, um bando da Marinha, do Exército e da Aeronáutica começou a agir por conta própria. Os famosos terrorismos de direita, quando as próprias Forças Armadas de um país – estabelecidas para defender o cidadão, defender o território – por uma ideologia começa a fazer do seu próprio povo um inimigo, a partir de ideias, de religiões… Então, o povo em vez de ser como inimigos os bárbaros, os vizinhos, os colonizadores, tem o próprio exército, que ele paga com o seu imposto – porque são os caras pagos para defender o cidadão que começam a substituir o bandido. A velha lição da máfia: vender proteção contra você próprio e o cara tem que pagar”, revolta-se Abel Silva.

    “Aí eu queria fazer alguma coisa sobre isso, mas eu nunca entrei na onda da canção do protesto. A minha não é essa. Eu acho que deu algumas músicas bonitas, como o próprio Caminhando (Pra Não Dizer Que Não Falei De Flores), que é linda, Disparada, que é linda. Geraldo Vandré fez algumas bonitas, Chico também fez de uma maneira mais poética. Mas eu achava que eu tinha que falar isso de uma maneira tão poética que só eu mesmo explicaria a revolta. E eu estava levando o meu filho no jardim-de-infância, na escola, em Ipanema, quando me veio a ideia: nas trincheiras da alegria o que explodia era o amor. O meu raciocínio era o seguinte: há uma trincheira da morte no Brasil. Os caras estão entrincheirados, atirando, jogando bombas. E do outro lado estava a alegria, a felicidade, coisas como Os Novos Baianos, o futebol brasileiro, o carnaval brasileiro, a poesia brasileira. E eles são a morte. Agora, como é que eu vou falar isso? Eu percebi que eu poderia fazer a metáfora de uma guerra que fosse uma festa do interior brasileiro, uma festa de São João. De onde veio o outro verso, onde tem bomba, mas ninguém mata e ninguém morre. São bombas da guerra magia, ninguém matava e ninguém morria. Aí eu falei: Então eu vou botar uma festa de São João que seja a metáfora dessa guerra.’ Eu comecei a descrever a festa de São João sem canjiquinha, sem barraquinha, com pinceladas absolutamente originais,” relata sem falsa modéstia o poeta Abel Silva.

    “Aí eu falei: Isso é Moraes. Liguei pro Moraes. Fiquei um pouco entre Moraes e Dominguinhos, que também é meu parceiro, é muito alegre, mas mora em São Paulo. Moraes mora no Rio. Aí eu peguei e mandei pro Moraes por telefone: Moraes, pega aí a caneta. Eu fiz muita música assim. Aí eu fui ditando pra ele. Quando chegou nessa parte fagulhas, ponta de agulhas, brilham estrelas de São João… Bombas na guerra magia, ninguém matava ninguém morria… Nas trincheiras da alegria o que explodia era o amor Moraes falou: Abel é carioca. Mandando esse negócio de São João pra mim? Pô, parceiro, que coisa linda! Vamos fazer, vamos fazer! Aí você vê a leitura que ele fez. Arrebentou. Eu desliguei. Deve ter demorado uma meia hora, 40 minutos, ele telefonou cantando música inteirinha, exatamente como ela é hoje. Ele fez praticamente lendo. Foi lendo e foi fazendo. Quando ele chegou ao fim da quarta, quinta vez, a música já estava pronta”, desvenda Abel entusiasmado.

    “aí a D. Maria da Graça, Gal Costa, estava preparando o show para o Canecão – no tempo em que o Canecão era o Canecão. Não tinham outras grandes casas no Rio de Janeiro. Era um show preparado para arrebentar. Lincoln Olivetti como arranjador, grandes músicos, cheio de alegria. Inclui a música que saiu puxando o show, o disco e ainda levou a Gal a fazer outro show no Maracanãzinho, chamado Festa do Interior. Eu fui lá assistir. Vi aquele Maracanãzinho, no bis, o público cantando a música toda. E não queria parar. Era para cantar a noite inteira”, regozija – se o poeta.

    Ainda de acordo com Abel Silva, Festa do Interior tem mais de quinze versões no exterior: finlandês, japonês, espanhol-mexicano, espanhol- cucaracha, espanhol-cubano, cubano -americano, italiano- cada uma mais engraçada do que a outra. No Brasil é uma música que toca em qualquer época, principalmente no carnaval e nas festas de São João.

    O frevo Festa do Interior foi gravado por Gal Costa, no LP Fantasia (1981), no CD Gal – Série Grandes Nomes (1994) : pelo conjunto Ferves, no LP A Maior Festa do Mundo (1983), por Moraes Moreira – Acústico (1995), e no CD Bahião com H (2000), além de outros registros.

    “Eu só conseguiria falar contra um terrorista esfregando na cara dele uma Festa do Interior, mostrando que ele é a morte. E que ele não deveria ter o direito de levar a morte dele para pessoas felizes e alegres, ele não quer saber se tem uma criancinha no colo de uma mãe de 30 anos. Então a minha linguagem sempre foi essa. Eu digo de uma maneira clara, mas eu não digo de uma forma unívoca, que tenha uma leitura só. Eu não conseguiria dizer soldados armados, amados ou não. Eu estaria sendo muito óbvio. Eu acho fortíssimo, mas eu não diria assim”, finaliza o poeta Abel.

“Aqui na terra tão jogando futebol” – A história de “Meu caro Amigo”. De Chico Buarque para augusto Boal

Em épocas de comunicação quase instantânea, você imaginaria uma correspondência feita por intermédio de um isco? Através de uma canção? 

Foi justamente esse o mote que inspirou Chico Buarque a escrever uma carta-canção para seu amigo Augusto Boal, que estava exilado em Portugal. 

Chico Buarque e Augusto Boal

Augusto Boal, como consta do seu próprio site, “foi um dos dramaturgos que mais contribuiu para a criação de um teatro genuinamente brasileiro e latino americano. Desde os primórdios de sua carreira, no teatro de Arena, até o Teatro do Oprimido, técnica que o tornou mundialmente conhecido, passando pelas Sambóperas, sua preocupação foi a de criar uma linguagem que pudesse traduzir a realidade do seu país, uma maneira brasileira de falar, sentir e pensar”.

Em 1971, Boal tinha sido o, foi preso e torturado, acusado de ser o portador de uma carta cubana, na qual se descreviam armamentos, supostamente entregue ao líder de uma organização comunista no Brasil. Então exiluou-se em Buenos Aires. Em 1976, Só que Augusto Boal estava exilado em Portugal (também passara antes por Argentina, Peru, e depois iria a Paris), e reclamava da falta de notícias do Brasil. 

Chico então fez uma carta, escrita em julho de 1975, e encaminhou junto com ela uma fita cassete com o choro de Francis Hime e a letra que ele colocou.

Assim, de forma bem-humorada, Chico conta a rotina do Brasil, em que se joga futebol, tem samba, choro e rock’n roll, mas que a coisa no Brasil está preta, restando então, as alternativas de fumar, de beber e  de se amar pra esquecer um pouquinho as coisas tristes ue aconteciam por aqui. 

Como não dá pra fazer uma visita, a tarifa do telefone “não tem graça” e o correio “anda arisco”, Chico acaba fazendo uma canção histórica, narrada assim no livro organizado por Wagner Homem – História das canções”. A Cecília referida na obra é a esposa de Augusto, Cecília Boal… A Marieta, é Marieta Severo, então casada com Chico. Augusto Boal faleceu em 2009. 

O teatrólogo Augusto Boal, exilado em Portugal, vivia se queixando de que  os amigos não mandavam notícias do Brasil. Na ocasião, Chico estava tentando  fazer a letra para uma música romântica, mas não conseguia avançar. 

Pediu a  Francis Hime um chorinho — e, utilizando como refrão “a coisa aqui tá preta”,  atualizou a correspondência e informou não só o amigo, mas todos os  brasileiros, sobre a situação do país. 

Em depoimento para o livro Chico  Buarque do Brasil, organizado por Rinaldo de Fernandes, Boal descreve a  emoção de ouvir a homenagem pela primeira vez:  

 Foi assim, tranquilo e a gosto, que me lembrei do dia em que estávamos  almoçando bacalhau à Braz — com Paulo Freire, sua esposa e sua  equipe, Darcy Ribeiro e outros amigos exilados — na casa onde  morávamos Cecília, eu e nossos filhos, em Lisboa, no Campo Pequeno —  onde ainda se humilham touros com bandeirolas coloridas espetadas no  sangue, sendo retirados da arena depois da faina, vivos, mas  envergonhados, por doze vacas corpulentas com guizos no pescoço! —, quando, na sobremesa, minha mãe visitante me disse que tinha trazido do Brasil uma carta do Chico.  Pusemos a carta-cassete na vitrola e, pela primeira vez, ouvimos “Meu caro amigo”, com Francis Hime ao piano. Falávamos tristezas, e ouvimos um canto da esperança.

 Chico resistia, aqui no Brasil, escrevendo “Apesar de você” e “Vai passar”; e nos ajudava a resistir, lá fora, cantando sua amizade. Sua  lírica era a mais pura poesia épica: seu caro amigo eram todos os nossos  amigos, e todos os nossos amigos eram seus.

No trecho acima da carta conta um pedaço da letra que não entrou na música definitiva que falava “Meu caro amigo eu sei que é triste a situação/ sei que a saudade está danada/ mas se você quiser a minha opinião/você não está perdendo nada”

Boal conta, no link abaixo, como foi:

“Estava o Darcy Ribeiro, na minha casa, em Portugal, estava o Paulo Freire com uma boa parte da equipe dele. Estavamos todos almoçando lá, e minha mãe falou: “olha, eu esqueci de te avisar que eu trouxe uma carta do Chico”. Porque eu tinha escrito para o Chico umas três, quatro cartas e ele não tinha respondido. Aí eu falei “então tá bem, me dá que depois eu vou ler ” Aí a mãe falou “põe na vitrola” e eu falei “como vai colocar a carta do Chico na vitrola?” Ela me deu uma cassetezinha nós pusemos na vitrola e era “Meu caro amigo” cantada por ele com o Francisa Hime no Piano, só tinha isso, o piano e ele cantando, e ós tomamos um susto especialmente minha mulher a Cecília que foi a primeira argentina a entrar na música popular brasileira porque tem uma horaque ele fala assim “A Marieta manda um beijo para os seus Um beijo na família, na Cecília e nas crianças”. Foi uma emoção muito grande porque eu estava exilado há muitos anos já, e o exilado quando ele recebe uma carta, mesmo escrita à mão, não precisa ser gravada com cantor e compositores tão bons quanto esse dois, é muito importante, a solidariedade de quem fica é fundamental pra quem vai embora”

https://fb.watch/hiW3CEa_PZ/

Abaixo, a letra definitiva

Meu caro amigo, me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando que também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo, eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo, eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita careta pra engolir a transação
Que a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que, também, sem um carinho
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo, eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se me permitem, vou tentar lhe remeter
Notícias frescas nesse disco

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo o pessoal
Adeus!

Fontes: HOMEM, Wagner. Histórias de Canções: Chico Buarque. São Paulo: Leya Brasil, 2009.

Vida e Obra

Dez razões para admirar Gal Costa

 Existem muitas razões para admirar Gal Costa. E tantas outras para considerá-la a maior cantora do Brasil. Gal poderia, ao longo de sua vida, ter se conformado com sua voz, que não é uma “mera voz”, como ela reconheceu recentemente numa entrevista dada juntamente com Caetano Veloso a Jô Soares. Já foi chamada, justamente por isso, de “João Gilberto de saias”.

Mas Gal Costa foi além. Como disse na sua entrevista no Roda Viva, em 1995: “Quem conhece a minha história sabe que eu sou ousada e que eu faço essas coisas. Eu sei que elas têm um preço, mas eu encaro”.

E ela, no decorrer da sua história arriscou, e arriscou bastante, e justamente por sua capacidade de arriscar e não se conformar com sua voz fenomenal que a coloca no patamar mais alto de qualquer lista de grandes cantoras do Brasil. 

Faço aqui uma lista de dez momentos e razões para considerar Gal genial. 

1 – Divino Maravilhoso. Quando Gal apresentou a canção “Divino Maravilhoso”, em novembro de 1968, no 4º Festival de música Brasileira, da TV Record, todos se surporeenderam: ela, considerada um João Gilberto de saias, por sua voz suave, Gal cantou a música com um cabelo estilo black power, com um enorme colar de espelhos no pescoço comportando-se de maneira agressiva e explorando os agudos, num estilo totalmente chocante e anti-bossa nova. Entre aplausos e vaias,  a música ficou em 3º lugar no festival. 

2 – FA-TAL. Gal a Todo vapor. Um marco na carreira de Gal. Gravado a partir de uma turnê de shows entre 1971 e 1972. Com um repertório que passava por Roberto Carlos e Caetano Veloso, ao estrondoso lançamento de Pérola Negra, de Luiz Melodia, e Vapor Barato, de Jards Macalé e Waly Salomão,  Com passagens de samba-de-roda, Jorge Ben, Ismael Silva, Geraldo Pereira e Luiz Gonzaga,  é overdadeiro disco solo tropicalista de Gal, que, novamente, não teve medo de arriscar.

3 – Índia. Em 1973, no auge da ditadura militar, Gal arrisca-se mais uma vez. A capa do disco contém a foto em close da região do umbigo às coxas de Gal, que veste somente uma pequena tanga vermelha.  Na contracapa, duas fotos de Gal fantasiada como índia, com os seios a mostra. O resultado foi o disco ser um dos censurados do ano, tendo sido vendido nas lojas coberto por um invólucro preto. E a própria gravação de Índia, uma versão em português da guarânia paraguaia “Índia”, clássico sertanejo gravado originalmente pela dupla Cascatinha e Inhana, mostra que ela não tinha medo de flertar com o chamado “brega”, numa época de patrulhamento ideológico musical.  

4 – Folhetim. Wagner Homem conta, no livro que escreveu sobre as canções de Chico, que a  música “Folhetim”,  foi composta entre 1977/78 para a peça “Ópera do Malandro”.  Mas Chico disse que a música tinha a cara de Gal. E quando ela canta: “Se acaso me quiseres, sou destas mulheres que só dizem sim“, parece que ela se veste no eu-lírico da canção, ela se transforma naquela mulher que na manhã seguinte, vira a página do folhetim. Gravado no disco “Água Viva”, de 1978. 

5 –Tom, Caymmi, Ary, Chico, Caetano. Ao mesmo tempo em que se arrisca, Gal consegue reeternizar clássicos gravando discos com canções de grandes compositores. Foi com Caymmi (1976), Ary Barroso (1980) Tom Jobim (1999), Chico e Caetano (1995). Algumas músicas parecem ter sido feitas para Gal gravar. Talvez seja dela a versão definitiva de Aquarela do Brasil…

6 –O Convite a Elis Regina. Diziam que gal e Elis eram rivais. O que Gal fez:  convidou Elis para seu especial da série Grandes Nomes, e para quem se lembra foi um dos melhores momentos da televisão, Elis cantava de olhos fechados,  não conseguia encarar os olhares carinhosos de Gal. 

7. Brasil. No show O sorriso do Gato de Alice, idos de 1993/94, Durante a música Brasil (Brasil, mostra a tua cara / Quero ver quem paga pra gente ficar assim), de Cazuza, Gal, que cantava com algo que parecia um pijama, abriu a blusa e cantou com os seios à mostra. Foi praticamente capa de todos os jornais do Brasil. Vieram inúmeras críticas, piadas; alguns, mais moralistas, indignados; outros, fãs de Gal, aturdidos.

8. Autotune autoerótico. Já consagrada, conseguiu explorar os limites de sua voz em Autotune Autoerótico,sem medo de brincar com música eletrônica. 

9. Um dia de domingo. No show ao vivo do álbum Recanto, ela consegue cantar “um dia de domingo”, primeiro, com sua voz; em seguida, com a voz de Tim Maia. Imitando os trejeitos de Tim Maia. Não é para qualquer um. 

10 – Sua voz. Não se trata de uma mera voz. Cada um desses itens mereceria uma postagem por si só. Alguns já viraram, outros virão. Mas a voz de Gal Costa é única e inconfundível. Quando ela canta, não há dúvida de que se trata dela. Pela voz e por muito mais. 

domingo 21 abril 2013 13:52 , em Listas

O Mestre-sala dos Mares (João Bosco/Aldir Blanc). Homenagem ao Almirante Negro, João Cândido

Algumas músicas se tornam mais interessantes quando se descobre a história por trás da canção. As musas, as inspirações, as circunstâncias em que uma música surgiu podem torná-la mais bonita. É o caso, sem sombra de dúvida, da canção “O mestre-sala dos mares“, de João Bosco e Aldir Blanc, em 1975, em homenagem ao marinheiro João Cândido, conhecido como “O Almirante Negro“, que liderou a “Revolta da Chibata”, em 1910. 

Para quem não sabe, a Revolta da Chibata foi um movimento idealizado por Francisco Dias Martins, o “Mão Negra” e os cabos Gregório e Avelino, e depois liderado pelo cabo da Marinha João Cândido, o “Almirante Negro”,  semi-analfabeto, que se insurgia contra os desmandos na marinha: o descontentamento com os baixos soldos, a alimentação de má qualidade e, principalmente, os humilhantes castigos corporais (chibatadas), que tinham sido reativados pela Marinha como forma de manter a disciplina a bordo.Por isso a revolta, iniciada em novembro de 1910, ficou conhecida como Revolta da Chibata.

Os marinheiros assumiram o comando de navios, ameaçando bombardear o Rio de Janeiro, inclusive o Palácio do Governo, caso os castigos corporais não fossem suprimidos. Em Princípio, o governo de Hermes da Fonseca cedeu. Foram aprovadas  medidas que acabam com as chibatadas, bem como  um projeto que anistia os amotinados. 

Mas a anistia não durou dois dias. Em 28 de novembro, os marinheiros foram surpreendidos pela publicação do decreto número 8400, que autorizava demissões, por exclusão, dos praças do Corpo de Marinheiros Nacionais “cuja permanência se torne inconveniente à disciplina“. O Governo traiu os revoltosos, que foram presos, perseguidos, e encaminhado para uma prisão subterrânea na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Quase todos morreram sufocados, pois a cela era subterrânea, sem ventilação e estava cheia de cal. Apenas João Cândido sobreviveu, juntamente com o soldano Naval João Avelino. João Cândido foi perseguido, considerado louco e morreu aos 89 anos, em 1969, quase no anonimato, como vendedor de peixes.

João Cândido

No auge da ditadura militar, João Bosco e Aldir Blanc fizeram uma música em homenagem ao “Almirante Negro”. Numa entrevista, Aldir Blanc afirmou:  

“Tivemos diversos problemas com a censura. Ouvimos ameaças veladas de que a Marinha não toleraria loas e um marinheiro que quebrou a hierarquia e matou oficiais, etc. Fomos várias vezes censurados, apesar das mudanças que fazíamos, tentando não mutilar o que considerávamos as idéias principais da letra. Minha última ida ao Departamento de Censura, então funcionando no Palácio do Catete, me marcou profundamente. Um sujeito, bancando o durão, (…) mãos na cintura, eu sentado numa cadeira e ele de pé, com a coronha da arma no coldre há uns três centímetros do meu nariz. Aí, um outro, bancando o “bonzinho”, disse mais ou menos o seguinte:

 – Vocês não então entendendo… Estão trocando as palavras como revolta, sangue, etc. e não é aí que a coisa tá pegando…

– Eu, claro, perguntei educadamente se ele poderia me esclarecer melhor. E, como se tivesse levado um “telefone” nos tímpanos, ouvi, estarrecido a resposta, em voz mais baixa, gutural, cheia de mistério, como quem dá uma dica perigosa:

– O problema é essa história de negro, negro, negro…”

Decidimos dar uma espécie de saculejo surrealista na letra para confundir, metemos baleias, polacas, regatas e trocamos o título para o poético e resplandecente “O Mestre-Sala dos Mares”, saindo da insistência dos títulos com Almirante Negro, Navegante Negro, etc. O artifício funcionou bem e a música fez um grande sucesso nas vozes de Elis Regina e João Bosco. Tem até hoje dezenas de regravações e foi tema do enredo “Um herói, uma canção, um enredo – Noite do Navegante Negro”, da Escola de Samba União da Ilha, em 1985.

Noutra ocasião, Aldir Blanc disse:

O João [Bosco] no início da carreira era da [gravadora] RCA. Havia um funcionário lá, muito malandro, que levava de presente dezenas de LPs para aqueles caras da censura. Um dia, ele encosta na gente e diz assim: “Eles estão pedindo a tua ida lá pra falar sobre ‘Almirante Negro'”.

Aí eu fui ao Palácio do Catete, para onde tinha se mudado a censura, procurei o setor.

Vi uma coisa cômica. Logo na entrada, tinha três escrivaninhas iguais, com três sujeitos já bem idosos, de cabelo branco. Aí eu sentei na primeira escrivaninha, onde mandaram eu sentar, o cara me fez algumas perguntas e disse: “Passa para a segunda escrivaninha”.

O cara me fez exatamente as mesmas perguntas e disse: “Passa para a terceira escrivaninha”.

Outra vez a mesma merda, e o cara falou “pode entrar”. Ou seja, aquilo era um tremendo cabide para policial aposentado ou qualquer coisa assim. Eu entro -aí é que eu acho um negócio revoltante-, vem um cara de paletó e gravata, com o paletó aberto com o coldre aparecendo, andando de um lado para o outro. A coronha do revólver só faltava passar no meu nariz.

João Bosco e Aldir Blanc

O cara de repente diz para mim assim: “Mas, então… Vocês estão errando o foco. Vocês estão mudando a letra, insistindo, insistindo e o problema é ó…”. E esfregava o dedo na pele do braço. Eu não entendi. “Toda hora esse troço na letra aí, o negro isso, o negro aquilo.”

Isso me deu um mal-estar tremendo. E eu fui salvo por um escândalo. Um cara na sala ao lado começa a gritar que tinham que matar o Ney Matogrosso. Porque ele tinha entrado em casa e encontrado um neto dançando com uns panos imitando o Ney Matogrosso.

Eu nunca consegui saber se aquilo era verdade ou se era um processo de intimidação para sobrar para mim, porque era meio teatral demais, meio armado demais.

Aí o cara volta, fica parado assim, abre o paletó, coloca a coronha quase dentro da minha narina e diz: “Acho que deu para entender, né, cara? Esse negócio do negro tá pegando!”. Aí eu saio de lá zonzo, tomo uma cerveja a um quilômetro dali, falo com o João sobre esse troço e a gente transforma em “O Mestre-Sala dos Mares”.​

A música, para ser aprovada pela censura, sofreu várias modificações, que podem ser vistas na tabela abaixo:

Fonte: http://www.cefetsp.br/edu/eso/patricia/revoltachibata.html; http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/canhoes-chibata-433714.shtml

https://www.folhape.com.br/diversao/diversao/musica/2020/06/01/NWS,142441,71,581,DIVERSAO,2330-ALDIR-BLANC-ENTREVISTA-COMPOSITOR-LEMBRA-COMO-VERTEU-HISTORIAS-REAIS-CANCOES.aspx

quinta 15 setembro 2011 06:21 , em MPB

“Como fosse um par, que nessa valsa triste…” A história de Bandolins, de Oswaldo Montenegro

Foi em 1979 que Oswaldo Montenegro gravou “Bandolins”, música sobre uma moça que dança sozinha, como um par…

A música foi inspirada, ao que consta, na cunhada de Zé Alexandre, amigo do cantor, que era uma bailarina que tinha um namorado também bailarino. O casal, contudo, teve que se separar, pois o namorado foi morar na França, e a bailarina, por ser menor, não pôde acompanhá-lo, pois a família da moça não permitiu. Oswaldo diz que, na música, tentou retratar “esta moça dançando sozinha”

A história é retratada por Zuza Homem de Mello e Jairo Severiano, no segundo volume do livro “A canção no tempo” 

Bandolins” foi um presente de aniversário que Oswaldo Montenegro ofereceu a uma amiga bailarina. A intenção era reanimá-la, pois na ocasião a moça estava inconformada por seu namorado ter viajado para a França, enquanto ela, menor de idade, fora impedida de acompanhá-lo.

Daí o imaginário ‘pas de deux’ narrado na letra, que ela dança sozinha: “Como se fosse um par / que nessa valsa triste se desenvolvesse / ao som dos bandolins / e como não e por que não dizer / (…) / ela valsando só na madrugada / se julgando amada / ao som dos bandolins…”

Oswaldo estava mesmo a ponto de desistir da carreira, quando surgiu a oportunidade de inscrever “Bandolins” no Festival 79 de Música Popular da TV Tupi. Na realidade, ele não se sentia muito esperançoso de um bom resultado. 

Foi nesse estado emocional que Oswaldo pisou o palco do Anhembi, em São Paulo, para mostrar sua valsa, ao lado do amigo José Alexandre. Mas, para sua surpresa, a reação da platéia ao ouvir “Bandolins” foi altamente positiva, tendo a canção conquistado o terceiro lugar e projetado Oswaldo bem mais até do que os dois concorrentes que chegaram à sua frente. Então, além de um compacto inteiro, a Warner deu- lhe o segundo elepê e sua carreira deslanchou.

 (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).

Oswaldo Montenegro, no vídeo acima, conta:

“Bailarina: ela namorava um bailarino que foi dançar na França e ela não pôde ir, ela perdeu o partner e o namorado ao mesmo tempo, e eu fiz para ela como presente de aniversário. Por isso que a música fala de uma mulher que está se julgando amada e dançando um ‘pas de deux’ quando na verdade ela está sozinha, ela está louca achando que está acompanhada, é o retrato dela… foi um presente para ela….”

Como fosse um par que
Nessa valsa triste
Se desenvolvesse
Ao som dos bandolins

E como não,
E por que não dizer
Que o mundo respirava mais
Se ela apertava assim?
Seu colo como
Se não fosse um tempo
Em que já fosse impróprio
Se dançar assim

Ela teimou e enfrentou
O mundo
Se rodopiando ao som
Dos bandolins

Como fosse um lar
Seu corpo a valsa triste
Iluminava e a noite
Caminhava assim

E como um par
O vento e a madrugada
Iluminavam a fada
Do meu botequim

Valsando como valsa
Uma criança
Que entra na roda
A noite tá no fim

Ela valsando
Só na madrugada
Se julgando amada
Ao som dos bandolins…