Beatriz. A musa que mudou de nome na composição de Chico Buarque

O médico de câmara da imperatriz Tereza – Frederico Knieps resolveu que seu filho também fosse médico, mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes, com ela se casou, fundando a dinastia de circo Knieps de que tanto se tem ocupado a imprensa.”

Com estas palavras começa “O Grande Circo Místico”, poema surrealista de Jorge de Lima, escrito em 1938, e publicado no livro “A Túnica Inconsútil”.

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O poema é inspirado na história do Circo Knie. Em 1803, Friedrich (1784-1850), filho do médico da Imperatriz Maria Teresa da Áustria, abandonou seus estudos médicos e entrou em um circo para fundar sua própria trupe em 1806. Em 1919, a dinastia se transforma no “Circo nacional suíço dos irmãos Knie”.

Jorge de Lima, no singular poema de uma estrofe e 45 versos, mistura realidade com ficção e conta a trajetória de Frederic Knie (que no poema vira Knieps) que abandona a corte e a medicina, apaixonando-se por Agnes, uma equilibrista e começa a dinastia do “Grande Circo Místico” .

Resultado de imagem para jorge de lima o grande circo místicoJorge de Lima

Feito o Poema, o Ballet Guaíra, do Paraná, em 1982, encomendou a Edu Lobo e a Chico Buarque a trilha musical para um espetáculo para o mesmo nome. E aí vem o impasse sobre o tema da equilibrista.

Em história de canções, Wagner Homem conta um pouco da origem da música:

Edu Lobo revela que estavam ambos em sua casa quando sugeriu a Chico algumas ideias para o que seria a canção “Na carreira”: uma canção que fechasse o espetáculo, que era um negócio assim do público com os artistas… aquela coisa que o público tem… será que

não sei o quê, será que… coisas maldosas no meio… será que aquela moça, será que aquele cara… será que… 

Imediatamente Chico se levantou, dizendo que iria para casa fazer a letra da valsa, que estava encalacrada. Pegando o mote do “será que”, terminou a letra de uma das mais belas canções da música popular brasileira.

No poema de Jorge de Lima, a personagem chamava-se Agnes e era equilibrista. Apesar de achar esse nome bonito, a letra não saía. Chico decidiu trocar o nome e a profissão, e, passados alguns dias, surgiu “Beatriz”, uma homenagem à musa de Dante Alighieri.

No video abaixo, depois da canção, Chico fala um pouco sobre a mudança de nome

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Assim, a equilibrista Agnes virou a atriz Beatriz.

Numa entrevista, Chico falou um pouco sobre a composição:

Chico – E só tem graça aceitar uma encomenda quando você pode ser infiel ao que foi encomendado, quando você pode tomar certas liberdades. Quando eu estava fazendo as letras para as músicas de Edu Lobo, no balé O grande circo místico, havia um tema para a equilibrista que eu não conseguia solucionar. No poema de Jorge de Lima, a equilibrista se chamava Agnes, que aliás é um belo nome, mas a letra não saía. Então troquei Agnes por Beatriz, transformei a equilibrista em atriz e coloquei-a no sétimo céu, em homenagem à Beatrice Portinari, de Dante. Beatriz carregando minhas obsessões…”

Zuza Homem de Mello e Jairo Severiano contam também um pouco dessa valsa:

“No repertório composto, com relevantes arranjos do maestro Chiquinho de Morais, destacou-se a valsa “Beatriz“, uma metáfora da vida de atriz, também surrealista e de excepcional qualidade: “Olha / será que é uma estrela / será que é mentira / será que é comédia / será que é divina / a vida da atriz…

De interpretação difícil, em razão de sua extensão vocal, dos intervalos melódicos e das modulações, “Beatriz” ganhou uma gravação definitiva de Milton Nascimento, que afir-ma: “‘Beatriz‘ é minha.” Edu fez a música em tempo relativamente curto, com “a certeza de que ia ficar legal”, ao contrário de Chico, que demorou para completar a letra, sendo a composição uma das últimas do bailado a ser concluída.

Sem jamais ter entrado em paradas de sucesso, “Beatriz” acumulou prestígio ao longo do tempo, impondo-se por sua beleza como um clássico da moderna música brasileira. Do começo ao fim, sua partitura tem um desenvolvimento encantador, no mesmo nível de criação dos grandes compositores de qualquer época ou país. No formato A-A-B-A, a melodia de A parte de uma célula (“será que ela é moça”), aproveitada cinco vezes em movimento harmônico ascendente, com pequenas alterações, destacando-se os acidentes na última, sobre as sílabas “rosto”, do verso “o rosto da atriz”.

Tempos depois de a música gravada, Edu e Chico descobriram uma coincidência: a nota mais grave da canção cai na palavra “chão” e a mais aguda na palavra “céu”.

O poema:

O GRANDE CIRCO MÍSTICO

Jorge de Lima

O médico de câmara da imperatriz Tereza – Frederico Knieps resolveu que seu filho também fosse médico, mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes, com ela se casou, fundando a dinastia de circo Knieps de que tanto se tem ocupado a imprensa.

Charlote, filha de Frederico se casou com o clown, de que nasceram Marie e Oto. E Oto se casou com Lily Braun a grande deslocadora que tinha no ventre um santo tatuado.

A filha de Lily Braun – a tatuada no ventre quis entrar para um convento, mas Oto Frederico Knieps não atendeu, e Margarete continuou a dinastia do circo de que tanto se tem ocupado a imprensa.

Então, Margarete tatuou o corpo sofrendo muito por amor de Deus, pois gravou em sua pele rósea a Via-Sacra do Senhor dos Passos. E nenhum tigre a ofendeu jamais; e o leão Nero que já havia comido dois ventríloquos, quando ela entrava nua pela jaula adentro, chorava como um recém-nascido. Seu esposo – o trapezista Ludwig – nunca mais a pôde amar, pois as gravuras sagradas afastavam a pele dela e o desejo dele. 

Então, o boxeur Rudolf que era ateu e era homem fera derrubou Margarete e a violou. Quando acabou, o ateu se converteu, morreu.

Margarete pariu duas meninas que são o prodígio do Grande Circo Knieps. Mas o maior milagre são as suas virgindades em que os banqueiros e os homens de monóculo têm esbarrado; são as suas levitações que a platéia pensa ser truque; é a sua pureza em que ninguém acredita; são as suas mágicas em que o simples dizem que há o diabo; mas as crianças crêem nelas, são seus fiéis, seus amigos, seus devotos.

Maria e Helene se apresentam nuas, dançam no arame e deslocam de tal forma os membros que parece que os membros não são delas. A platéia bisa coxas, bisa seios, bisa sovacos. Marie e Helene se repartem todas, se distribuem pelos homens cínicos, mas ninguém vê as almas que elas conservam puras. E quando atiram os membros para a visão dos homens, atiram as almas para a visão de Deus.

Com a verdadeira história do grande circo Knieps muito pouco se tem ocupado a imprensa.

A música:

Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz

Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida

Fontes:

HOMEM, Wagner. Chico Buarque: História de Canções, Leya, 2009

SEVERIANO, Jaitro; MELLO, Zuza Homem de: A canção no Tempo: 85 anos de Música Brasileira Vol. 2, 1ª edição, 1997, editora 34

QUADROS, DEISILY.  Em Cena, o grande teatro do mundo. Faculdade de Letras da Universidade Federal do Paraná. Dissertação de Mestrado. Curitiba-PR, 2008

https://mulherescantadas.wordpress.com/2011/11/06/a-equilibrista-que-virou-atriz/

https://jeocaz.wordpress.com/2009/05/26/o-grande-circo-mistico-do-poema-ao-album/

Entrevista para a Revista Nossa América, 1989

Beware of Young Girls. De Dory Previn para Mia Farrow. Uma não-homenagem

 

Dory Previn não é exatamente uma cantora muito conhecida. Nascida em 1925, Dory casou-se em 1959 com André Previn, fazendo com ele uma parceria de sucesso. Eles compuseram para os filmes de Hollywood diversas canções, chegando, inclusive, a ganhar duas indicações ao Oscar de Melhor Canção Original.

Ocorre que um episódio da sua vida acabou sendo inspiração para sua música mais conhecida, gravada em 1970: Beware of Young Girls, uma espécie de desabafo e aviso.

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A canção teve como inspiração a atriz Mia Farrow. Conforme relatam Frank Hopkinson e  Michael Heatley, no livro “Músicas & Musas – A verdadeira história por trás de 50 clássicos pop“, no ano de 1968 André Previn, marido de Dory, passou a ser regente da Orquestra Sinfônica de Londres. Nessa época, ele começou a ter um affair  com Mia Farrow, que tinha 23 anos (Dory tinha 43 em 1968). Mia era ex-mulher de Frank Sinatra.

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Mia Farrow

Mia engravidou de Andre Previn, e a descoberta da gravidez por Dory, no início de 1969, levou ao fim do seu casamento com André. Como consequência, Dory teve um sério colapso, a ponto de ter sido internada e recebido  terapia eletroconvulsiva.

Quando se recuperou do trauma e voltou a trabalhar, Dory descobriu que suas composições estavam contribuindo para sua terapia e se tornando mais introspectivas. Um dos primeiros produtos de sua autoanálise foi “Beware of Young Girls”, de 1970. O arranjo musical e a letra possuem uma leveza de toque através do qual jorra seu mais amargo sentimento de traição“.

 

Quem presta atenção na letra percebe a amargura explícita de Dory, que se viu traída pelo marido, que engravidara uma mulher 20 anos mais jovem. A letra narra Mia como uma mulher traiçoeira, que se aproveita da confiança e da amizade de Dory para usurpar-lhe o marido. Em diversas passagens, as advertências:

Cuidado com as jovens que chegam à sua porta melancólicas e pálidas, com 24 anos trazendo margaridas com suas mãos delicadas

Muitas vezes elas anseiam para chorar num casamento e dançar em um túmulo

Quando ela olhou  minha cama desfeita, ela admirava minha cama desfeita

As referências a como Mia Farrow entrou na sua casa, como ela foi “amiga” de Dory, à dor que sentiu e ao vaticínio de que um dia, essa jovem de 24 anos iria deixar o seu amado estão impregnadas na canção.

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O fato é que André Previn e  Mia Farrow acabaram casando-se, tiveram  seis filhos, entre naturais e adotivos, e mantiveram boas relações depois que se divorciaram em 1979. Em 1980, Farrow começou a sair com o diretor de cinema Woody Allen, apenas nove anos mais velho que ela.

Ironicamente, o casamento de Mia Farrow com Woody Allen desmoronou publicamente em 1992, quando Farrow descobriu que Allen tinha um caso com Soon-Yi Previn, uma das filhas adotivas dela e de André, 35 anos mais jovem que Allen.

“Em 1997, Woody e Soon-Yi se casaram. Mia se recusou a voltar a ver Soon-Yi, e naquele mesmo ano publicou uma autobiografia na qual, com muito atraso, pediu desculpas a Dory. Dory voltou a trabalhar com André em 1997, a primeira vez desde 1967, em uma peça de 17 minutos para orquestra e soprano intitulada The Magic Number.”

Ela parecia, afinal, estar em paz consigo mesma. “O mundo vasculhou a minha vida, – conhece todos os meus segredos. Estou aqui para isso.”

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E, como tinha feito as pazes com Mia, foi indagada em 2008 se a traidora tinha escutado “Beware of Young Girls”. “Com o ego que tem? É claro que sim. Provavelmente emoldurou o disco e pendurou no banheiro!”

Uma canção muito triste, confessional, e várias histórias tristes que a seguiram… Dory Previn morreu em 15 de fevereiro de 2012.

A letra:

Beware
Of young girls
Who come to the door
Wistful and pale
Of twenty and four
Delivering daisies
With delicate hands

Beware
Of young girls
Too often they crave
To cry
At a wedding
And dance
On a grave

She was my friend
My friend
My friend
She was invited to my house
Oh yes
She was
And though she knew
My love was true
And
No ordinary thing
She admired
My wedding ring
She admired
My wedding ring

She was my friend
My friend
My friend
She sent us little silver gifts
Oh yes
She did
Oh what a rare
And happy pair
She
Inevitably said
As she glanced
At my unmade bed
She admired
My unmade bed
My bed

Beware
Of young girls
Who come to the door
Wistful and pale
Of twenty and four
Delivering daisies
With delicate hands
Beware
Of young girls
To often they crave
To cry
At a wedding
And dance
On a grave
She was my friend
My friend
My friend
I thought her motives were sincere
Oh yes
I did
Ah but this lass
It came to pass
Had
A dark and different plan
She admired
My own sweet man
She admired
My own sweet man

We were friends
Oh yes
We were
And she just took him from my life
Oh yes
She did
So young and vain
She brought me pain
But
I’m wise enough to say
She will leave him
One thoughtless day
She’ll just leave him
And go away
Oh yes

Beware
Of young girls
Who come to the door
Wistful and pale
Of twenty and four
Delivering daisies
With delicate hands

Beware
Of young girls
To often they crave
To cry
At a wedding
And dance
On a grave

Beware of young girls
Beware of young girls
Beware

Dory PrevinMia Farrow

segunda 25 junho 2012 02:30 , em Mulheres e suas canções

Neide Candolina

No disco Circuladô, em 1991, Caetano fez uma canção homenageando uma mulher “preta, linda e chique” , dotada de características peculiares, dona de um carro como fruto de seu trabalho de professora, e que nunca furou o sinal.

A canção contrasta a beleza e a elegância da mulher com a “suja” Salvador, e a referência a uma expressão de baianês, que é “brau”, derivativo de “brown”, que significa algo de baixo nível, de certo modo racista, para referir-se a um lugar onde se encontram pessoas pobres e de baixo nível. Caetano subverte a expressão “brown” para mostrar a beleza, a nobreza e a elegância dessa mulher,  que na verdade são duas:

A primeira é Neide Santos, chef do restaurante Africano Yorubá, no Rio de Janeiro, que Caetano conheceu quando ela era bem jovem, por intermédio de Antonio Risério

Neide é referência no Rio, quando se trata das delícias da comida baiana

A segunda foi sua professora de português, Candolina Rosa de Carvalho Cerqueira, Professora primária aos 18 anos, pela Escola Normal da Bahia, graduou-se em Línguas neolatinas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFBA, em 1949.

Em 1950, casou-se com Francisco de Morais Cerqueira, com quem teve cinco filhos. Francisco morre prematuramente, deixando a esposa viúva aos trinta e oito anos de idade, com os filhos eram pequenos. Foi mestra de Língua Portuguesa para várias gerações de baianos, em tradicionais colégios de Salvador – Colégio Central da Bahia, Colégio Severino Vieira, Colégio Marista – e permaneceu na memória de seus alunos. Morreu em 1973, aos 51 anos, vítima de um câncer de mama. Ela nomeia a escola da  rede estadual de ensino da Bahia, no bairro de Pau Miúdo.

Da mistura das duas nasceu Neide Candolina, a música que homenageia essas duas belas mulheres. Caetano conta, em “sobre as letras”, a história:

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“Neide é uma mistura de duas pessoas pretas da Bahia. Uma é Neide, minha amiga, que hoje em dia tem um restaurante no Rio de Janeiro chamado Iorubá. Eu a conheci quando ela tinha dezoito anos. Quem me apresentou foi um amigo, Antonio Risério, que é poeta e ensaista. Ele disse: “Você tem que conhecer a Neide e o pessoal dela, é uma gente maravilhosa, vamos ao Zanzibar! Eu disse a ela que a gente ia descer lá hoje”. Então, descemos onde ela morava, embaixo do restaurante que pertencia à família dela. E, quando chegamos, ela estava nua em pelo! Linda! Perfeitamente linda! Estava ouvindo um disco do Djavan. Ela me falou: “Você gosta do Djavan? Você quer um pouquinho de coca-cola?”. Assim, totalmente social. Conversava, cruzava as pernas, pegava as coisas, mostrava revistas, comentava, mudava a faixa do disco, nua, elegantíssima, social, sem qualquer escândalo. Ela tinha ficado nua em casa porque estava calor em Salvador, e não tinha certeza se Risério ia mesmo lá naquele dia. Mas também não quis se vestir quando chegamos, não se assustou. A outra pessoa que entrou na composição de Neide Candolina foi minha professora de português, a mais importante de todas, Dona Candolina. Então eu misturei o nome das duas e criei uma personagem negra, baiana, moderna.

 

O mais interessante é que aparece a palavra brown aqui, que é uma palavra que, na Bahia, era usada de modo pejorativo. Nos anos 70, 80, dizia-se: “está muito brown isso aqui; a praia está muito brown”, porque tinha muito preto, era muito baixo nivel, uma coisa cafona e pobre. Os pretos se chamavam de brown por causa de James Brown. Por isso que Carlinhos Brown é Carlinhos Brown, Mano Brown é Mano Brown; tudo vem de James Brown.

E como os pretos se chamavam de brown uns aos outros, a gíria pegou e a classe mádia “branca” começou a usar a palavra brown como quem diz “cafona” na Itália.

 

Preta chique, essa preta é bem linda

Essa preta é muito fina

Essa preta é toda glória do brau

Preta preta, essa preta é correta

Essa preta é mesmo preta

É democrata social racial

Ela é modal

Tem um Gol que ela mesma comprou

Com o dinheiro que juntou

Ensinando português no Central

Salvador, isso é só Salvador

Sua suja Salvador

E ela nunca furou um sinal

Isso é legal

E eu e eu e eu sem ela

Nobreza brau, nobreza brau

Preta sã, ela é filha de Iansã

Ela é muito cidadã

Ela tem trabalho e tem carnaval

Elegante, ela é muito elegante

Ela é superelegante

Roupa Europa e pixaim Senegal

Transcendental

Liberdade, bairro da Liberdade

Palavra da liberdade

Ela é Neide Candolina total

E a cidade, a ba¡a da cidade

A porcaria da cidade

Tem que reverter o quadro atual

Pra lhe ser igual

E eu e eu e eu sem ela

Nobreza brau, nobreza brau

 

 

[Caetano Veloso, Sobre as letras, Editora Schwarcz, São Paulo, 2003]

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Candolina_Rosa_de_Carvalho_Cerqueira

As mulheres e suas canções – Lígia

Lígia é uma das mais belas composições de Tom Jobim. Eu a conheci (a música, não a musa) no disco Sinal Fechado, que Chico Buarque gravou em 1974 interpretando outros cantores, devido à dificuldade de aprovação de suas músicas pela censura federal, na época da ditadura

No entanto, a letra que foi gravada por Chico Buarque tem alguns “toques”, distintos da versão original, composta em 1972. Nas duas versões, há o relato de uma história que não aconteceu, uma “não-história”, na primeira versão, o eu-lírico nunca ligou porque “sabia” e “jamais ousaria”; na segunda, ligou e foi engano, esquecendo no piano as bobagens que iria dizer

Na primeira versão, o sujeito diz que não se apaixonou, mas fatalmente que sentiria tanta dor  “pra depois te perder”. Na que foi gravada por Chico, confessa-se a paixão, mas que se revela uma ilusão, decorrentes de mentiras de amor…  A primeira versão fala de ilusão; a segunda, de desilusão.

Na última estrofe das duas versões, a rendição. As letras são diferentes, mas ambas dizem sim aos olhos castanhos/morenos que metem “mais medo que um raio de sol”.

A título de curiosidade, na revista Maria Claire 16 de novembro de 2000, achou-se a musa das canções. Segue o link para a matéria, com o trecho transcrito abaixo:

http://marieclaire.globo.com/edic/ed116/rep_inspiracao2.htm

 
“Os olhos verdes da carioca Lygia Marina de Moraes são morenos na letra de “Lígia”. Um disfarce da identidade da musa e da atração de Tom Jobim por ela. Tom e Lygia, professora de pré-primário de uma das filhas do compositor, se conheceram em 1968, no bar Veloso, em Ipanema. Nunca houve nada entre os dois, mas aquele encontro daria origem ao samba-canção gravado por Chico Buarque no LP “Sinal Fechado”, em 1974. “O Tom vivia de olho nela”, diz o jornalista Ruy Castro, que registrou o episódio no livro “Ela é Carioca” (Cia. das Letras).

Por muitos anos Tom negou que Lygia fosse sua musa, em respeito ao amigo Fernando Sabino, marido dela na época. Só em 1994, quando o casal se separou, ele admitiu a inspiração aos amigos. Hoje, aos 54 anos, Lygia mora sozinha e dirige o departamento cultural da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Ela recorda com orgulho os detalhes de seu caso jamais consumado com Tom Jobim.

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Lygia Marina de Moraes “Conheci o Tom em uma tarde chuvosa. O bar Veloso estava vazio, era junho e fazia frio. Eu e uma amiga, Cecília, nos sentamos na varanda e vimos o Tom conversando com Paulo Góes [fotógrafo]. Os dois acabaram se sentando na nossa mesa. Quando contei ao Tom que era professora da sua filha Beth, ele teve um ataque de riso e disse: ‘É a primeira vez que paquera vira reunião de pais e mestres!’. E eu babando: imagine, em 68, Tom era um dos homens mais lindos do Brasil.

Ele tinha que dar uma entrevista a Clarice Lispector para a ‘Manchete’, e convidou a mim e a Cecília para ir com ele. Fomos no fusquinha azul-claro do Tom. Eu usava uma saia de lã e um suéter de cashmere. Ao abrir a porta, Clarice fez cara de mau humor. Tom, abraçado comigo e com Cecília, disse: ‘Trouxe minhas amigas’. Ela ficou mais furiosa quando pediu a Tom que fizesse um poema para ela, como Vinícius [de Moraes] teria feito em entrevista anterior, e ele disse: ‘Não sou poeta, se tivesse um violão…’.

Mas aí pegou um bloco de papel-jornal e escreveu um poema para mim, que guardo até hoje: ‘Teus olhos verdes são maiores que o mar/ Se um dia eu fosse tão forte quanto você/ Eu te desprezaria e viveria no espaço/ Ou talvez então eu te amasse/ Ai que saudades me dá/ Da vida que eu nunca tive’, e assinou: A.C.J.

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Saindo de lá, Tom me levou em casa. Nos despedimos no carro, com um beijinho no rosto. Fiquei nervosíssima, mas parou ali. Tom era casado… Aquela carona foi nosso único encontro a sós. A música fala de tudo o que não aconteceu: o cinema, o passeio na praia… Depois nos encontramos muitas vezes, mas sempre em grupo. Logo me casei com o cineasta Fernando Amaral e entrei para a turma. Vivi o auge de Ipanema.

Após quatro anos de casada e um filho, me separei. Depois me casei com o escritor Fernando Sabino. Em 1973, acho que Tom não sabia que eu estava casada com ele, e ligou para o Fernando pedindo meu telefone. Meu marido fez uma sacanagem: deu um número errado. Em seguida, ligou para o telefone que tinha dado e avisou: ‘O Tom Jobim vai ligar aí procurando uma Lígia, mas o telefone é tal’, e deu outro número errado. Os amigos ficaram sabendo dessa história, inclusive o Tom. Talvez daí tenha surgido a frase na música que fala do telefonema que foi engano.

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Estava sozinha em casa quando ouvi no rádio o Chico cantando ‘Lígia’, pela primeira vez. Fui correndo comprar o disco. Na hora, me vi na letra. Ser homenageada já é maravilhoso, ainda mais pelo Tom, com uma música linda e sofisticada… É uma glória. Claro que a música rendeu comentários e Fernando ficou uma fera. Durante os 19 anos em que fui casada, Tom evitou o tema. Estivemos juntos em vários lugares, tipo réveillon na casa de Jorge Amado, eu com Fernando e Tom com Ana, sua segunda mulher. Mas ninguém falava nisso.

Um dia, Tom me encontrou por acaso na Cobal [sacolão e ponto de encontro] e falou: ‘Está chegando minha musa!’. Foi a primeira vez que admitiu para mim. Até hoje, em cada boteco que entro tocam ‘Lígia’. Faz parte do meu show. Fiquei imortal. Tenho quase todas as gravações de ‘Lígia’. Existe até uma versão do João Gilberto em que, ao contrário da oficial, o romance acontece e Tom até se casa comigo. As pessoas me cobram o fato de nunca ter acontecido nada entre a gente. Mas será que não foi melhor ter ficado essa fantasia? Talvez tivesse de ser essa a história: eu virar musa, entrar em um restaurante e me lembrar do Tom, cheio de charme”.

 

L Í G I A

1a. versão (João Gilberto)

Eu nunca sonhei com você
Nunca fui ao cinema
Não gosto de samba
Não vou a Ipanema
Não gosto de chuva
Nem gosto de sol
Eu nunca te telefonei
Para que se eu sabia
Eu jamais tentei
E jamais ousaria
As bobagens de amor
Que aprendi com você
Não, Lígia, Lígia

Sair com você de mãos dadas
Na tarde serena
Um chope gelado
Num bar de Ipanema
Andar pela praia até o Leblon
Eu nunca me apaixonei
Eu jamais poderia
Casar com você
Fatalmente eu iria
Sofrer tanta dor
Pra no fim te perder
Lígia, Lígia.

Você se aproxima de mim
Com esses modos estranhos
E eu digo que sim
Mas seus olhos castanhos
Me metem mais medo
Que um raio de sol
Lígia, Lígia.

2a. versão, com alguns 
toques de Chico BuarqueEu nunca sonhei com você
Nunca fui ao cinema
Não gosto de samba
Não vou a Ipanema
Não gosto de chuva
Nem gosto de sol
E quando eu lhe telefonei
Desliguei, foi engano
O seu nome eu não sei
Esqueci no piano
As bobagens de amor
Que eu iria dizer
Não, Ligia, LigiaEu nunca quis tê-la ao meu lado
Num fim de semana
Um chope gelado
Em Copacabana
Andar pela praia até o Leblon
E quando eu me apaixonei
Não passou de ilusão
O seu nome rasguei
Fiz um samba-canção
Das mentiras de amor
Que aprendi com você
Ligia, Ligia

E quando você me envolver
Nos seus braços serenos
Eu vou me render
Mas seus olhos morenos
Me metem mais medo
Que um raio de sol
Ligia, Ligia

 

 

 

quinta 20 maio 2010 07:17 , em Mulheres e suas canções

Na rua, na chuva, na fazenda…

Quando se pensa em Hyldon, a sua canção mais conhecida é “Na rua, na chuva na fazenda”, quando se percebe o contraste entre a melancolia da primeira parte, em tons menores , com a segunda parte, em que o eu-lírico fala da felicidade de se ter alguém que estivesse sempre com você, em qualquer lugar, seja na rua, na chuva, na fazenda, ou mesmo numa casinha de sapê.

A musa dessa canção era uma mineira, chamada Gioconda, que Hyldon conheceu, ainda adolescente, na Bahia, mais precisamente em Madre de Deus, onde a mãe de Hyldon morava.

 Gioconda era de Juiz de Fora. Depois de Gioconda voltar pra sua cidade, Hyldon se empenhou em descobrir o telefone do hotel do pai de Gioconda, em Juiz de Fora, para tentar prosseguir com ela a intensa paixão de veraneio. E falava com ela constantemente.

E a paixão continuava, e Hyldon, já compositor e morando no Rio de Janeiro, comprou um carro com o primeiro dinheiro que ganhava com direitos autorais,  e ia ver Gioconda, caindo na estrada, sempre que possível, para matar as saudades da moça, em Juiz de Fora.

Hyldon conta esse fato numa entrevista no youtube:

Gioconda, minha mulher odeia ela, nem conhece ela, mas odeia…, mas a Gioconda eu conheci na Bahia com 16 anos, e a gente mantinha uma relação, eu ia de vez em quando a Juiz de Fora, que era a cidade dela, ela era mineira, e a gente se conheceu numa ilha, na Bahia, uma ilha afrodisíaca, chamada Madre de Deus, minha mãe morava lá, ela foi numa excursão, a gente acabou se conhecendo, eu me apaixonei de primeira, era tipo assim um amor romântico, uma coisa pura, a gente se falava no telefone, ela tinha telefone o pai dela tinha um hotel, eu ia lá, o primeiro dinheiro que eu ganhei com direito autoral eu comprei o carro e fui ver a  Gioconda.

No carnaval de 1971, Hyldon alugou uma casa com os amigos em Itaipava, município de Itapemirim.

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Só que Gioconda não foi com Hyldon. Ela foi passar o carnaval na fazenda com os pais, enquanto Hyldon, apaixonado, ficou naquele carnaval chuvoso, em Itaipava, querendo tocar violão e não querendo ficar com ninguém. Ficou curtindo a saudade de Gioconda:

Era assim, era um carnaval  eu estava com os amigos, passando o carnaval lá, a gente alugou uma casa,  uma aldeia mesmo, e no meio da praça, não era bem uma praça, era um espaço, tinha uma casa de sapê, um coreto, e estava chovendo muito naquele carnaval e eu queria ficar tocando violão e tinha uma cidade perto, onde tinha umas gatinhas,tinha uns bailes de carnaval, e a Gioconda foi passar o carnaval na fazenda com os pais, e o pessoal ficava encarnando em mim, ‘poxa, você não vai pegar uma mulher não, cheia de mulher, cheia de mineira’, e eu dizia: ‘tô apaixonado’…

Algum tempo depois, já no Rio de Janeiro, em Ipanema, Hyldon compôs a música, segundo ele próprio, em “5 minutos”, pois a música estava na sua cabeça. E ali, os elementos daquele carnava. A rua, a chuva, a fazenda onde estava Gioconda, e a casinha de sapê onde ficava o coreto…

Casinha de Sapê | Coisas de Soninha

E daí o grande sucesso de Hyldon, cantada e lembrada até hoje, para a musa Gioconda…

Hyldon fez essa música em 5 minutos, em Ipanema

http://brasileiros.com.br/2014/04/os-fundamentos-do-samba-soul-segundo-hyldon/

http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/10/679117-na+rua+na+chuva+e+na+fazenda++a+casinha+de+sape+era+em+itaipava.html

Esperando Aviões – Vander Lee (para sua mulher Regina|)

Há duas semanas, Vander Lee morreu surpreendente e repentinamente. Seu estilo romântico, suas canções à flor da pele, em carne viva, deixaram um legado. Mesmo as suas canções mais suaves possuem por trás delas uma carga dramática.

Uma de suas músicas mais conhecida é  “Esperando Aviões”, que foi composta para sua mulher, Regina. Certa feita, Vander Lee disse como teria sido feita a música:

Fiz esperando aviões para minha mulher. Tava em Montes Claros assim meio sozinho, cheguei de avião e vendo aquela pista naquele deserto, no norte de Minas, seco, pouca vegetação, aquele cerrado… Me deu uma saudade danada da minha mulher. De noite no hotel, aquela imagem ficou na minha cabeça.. Me soou poetico aquela pista vazia esperando aviões… E aí queria falar dessa saudade, da distância,de sexo e ai as imagens vão se formando e entrando coisas que não são veridicas… Me lembro de ter ligado pra ela as 4 da manha e tocado..ela quase morreu do coração e chorou a noite toda, nem dormiu mais.. (Vander Lee)

 

Meus olhos te viram triste
Olhando pro infinito
Tentando ouvir o som do próprio grito
E o louco que ainda me resta
Só quis te levar pra festa
Você me amou de um jeito tão aflito
Que eu queria poder te dizer sem palavras
Eu queria poder te cantar sem canções
Eu queria viver morrendo em sua teia
Seu sangue correndo em minha veia
Seu cheiro morando em meus pulmões
Cada dia que passo sem sua presença
Sou um presidiário cumprindo sentença
Sou um velho diário perdido na areia
Esperando que você me leia
Sou pista vazia esperando aviões
Sou o lamento no canto da sereia
Esperando o naufrágio das embarcações

 

Quem lê a letra de esperando aviões pode pensar que o eu-lírico está num estado de tristeza, de saudade, mas de uma saudade amarga, de ter encontrado uma pessoa triste, aflita, “tentando ouvir o som de um próprio grito”, em que o amor e o sexo, representados de modo aflito, parecem ser uma verdadeira fuga…

No entanto, Vander Lee, em entrevista a Ruy Godinho, no livro “Então, foi assim? Vol. 3”, dá á canção uma carga sexual bem mais forte…

Pois é, essa música é bacana porque ela tem uma história. Eu estava indo de avião para Montes Claros [MG] fazer um show e me lembro da paisagem, da pista vazia, cercada por uns montinhos verdes, pequenas árvores. Era uma época seca, em volta tinham aqueles montes claros, aquele clima de Cerradão do Norte de Minas. Aquilo visto de longe me lembrou um órgão genital. Começou na brincadeira, tirei uma foto e tal. Parecia um paraíso, Aquela imagem, o avião descendo, pra mim foi mais pornográfica ainda, né?  Então fiquei com essa imagem na cabeça. À noite, no hotel, depois do show, na madrugada, veio o santo, o cavaleiro veio. E me pediu emprestado essa imagem ‘Pô, faça alguma coisa com isso’. E eu fiz”, revela.

O eu-lírico procura, através do canto “incantável” e do dizer “indizível” aquele sentimento e necessidade de plenitude que existem entre casais por determinados momentos (que jamais duram para sempre, ou, aliás, são para sempre, mais ainda assim, momentos), e por isso a necessidade de ver o sangue do ser amado correndo nas veias, o cheiro percorrendo os pulmões, mas, que ao final, se vê perdido e solitário sem o seu amor. o diário perdido cheio de história para serem lidas, e o mote da canção: a pista vazia esperando aviões, pois são os aviões que dão sentido à pista, assim como o ser amado acaba conferindo sentido ao amante, numa metáfora tipicamente idealizadora e romântica do século XIX.

Da inspiração sexual veio a canção, como Vander Lee arrematou: “A canção não é de distância, é de penetração” 

“Eu estava meio assim com a minha mulher, mais ou menos. Aí eu quis falar pra ela. E fiz a música pra ela, tentando pegar no traço o nosso encontro. Foi isso. E a imagem da pista vazia, esperando aviões. Pra mim é puro sexo, é quase uma mulher esperando um homem. O próprio lamento no canto da sereia, esperando o naufrágio das embarcações, pra mim é sexo também. As pessoas leem mitologia, tem gente que acha que tem tudo ali, mas pra mim é puro sexo. Só Freud explica isso, né? As pessoas sempre pensam que é uma música de distância. E ela é de penetração. O assunto do refrão é todo penetração: Sou um velho diário perdido na areia/ esperando que você me leia.. Para mim eu vejo uma mulher nua, me esperando: Eu sou uma pista vazia esperando aviões … É pura sensualidade. As pessoas veem mais do que eu digo, na verdade. Eu fui fazendo, tecendo imagens de amor, do encontro amoroso com a mulher e, ao mesmo tempo, a música parece extremamente triste. Parece que o cara vai morrer de amor. Mas é o encontro, não o desencontra”, desvenda.

Fontes: osvanderloucos.blogspot.com/…/sobre-esperando-avies.html ”

Godinho, RUY. “Então, foi assim?”. Vol. 3 Abravideo.

 

Sá Marina. A história do maior sucesso de Simonal

Quando Wilson Simonal gravou “Sá Marina”, em 1968, todo mundo imaginou aquela mulher que descia a rua da ladeira, com sua saia branca costumeira, e que cheirava a flor de laranjeira…

Blog de musicaemprosa : Música em Prosa, Sá Marina.

Essa canção, uma letra de Tibério Gaspar para uma música de Antonio Adolfo, relata uma paixão de Tibério por sua professora no interior do Rio de Janeiro, quando ele tinha 8 anos.

A história é contada no volume 1 do livro “Então, foi assim” de Ruy Godinho, sobre a professora que morava na cidade de Anta-RJ . Segue aqui …

Blog de musicaemprosa : Música em Prosa, Sá Marina.

“Na cidade morava uma professora chamada Brasilina, uma mulher loura, bonita, desejada pelos homens e odiada pelas mulheres. Ela morava na Rua da Ladeira (…) E quando ela saía de casa descendo a rua, os pudores se reviravam. Enquanto os homens babavam, as mulheres cuspiam na calçada, batendo janelas.(…)

‘Eu amava essa mulher’, afirma um saudoso Tibério. ‘Uma vez engendrei um plano audacioso. Eu tinha uns oito anos. Aproveitando o fato de minha mãe ser amiga dela, pedi que me levasse junto quando fosse visitá-la. E assim aconteceu após alguns dias. Minha mãe chamou-me e fomos pra casa de Brasilina. Chegando lá, pus em prática o meu plano de ‘assédio sexual’. Propositalmente esqueci um pente no sofá da sala na hora de ir embora. Minha intenção era voltar à noitinha para resgatá-lo. Tudo certo. Fiz tudo como planejara. à noite dei uma escorregada até a casa da professora e….

Tibério, tímido, não teve coragem. 

Ficou plantado na porta. 

O pente ficou lá, esquecido. 

Um belo dia, Brasilina foi embora. Resolveu morar em Niterói, e a vida de Anta voltou a ter a monotonia de sempre…

Foi assim que Brasilina inspirou Tibério a fazer a letra da canção, só mudando o nome da musa para Sá Marina, que era mais musical…

Conta Tibério ainda sobre a canção…

Interessante é que anos mais tarde, depois que a música fez sucesso, eu fui procurado pelo programa de Flavio Cavalcanti. O programa dele tinha o quadro “Os compositores e suas musas”. daí ele me chamou para falar sobre Sá Marina. Contei que não sabia com precisão onde morava. sabia apenas que ela havia se mudado para Niterói. 

A produção do programa foi atrás de Brasilina. (…)Ela falou que conhecia a música, que tinha adorado tudo que estava sendo falado, mas que não queria ir ao programa, não queria que tirassem fotografias e que nem a filmassem. “Quero que Tiberinho continue a ter a mesma ideia de mim como eu era antigamente. Agora estou velha e não quero que ele me veja assim…”

E assim surgiu um dos maiores, se não o maior sucesso de Simonal… e a canção teve mais de 300 gravações… E ainda dá para imaginar a moça descendo a rua da ladeira, provocando rebuliço naquela cidade do interior…

Descendo a rua da ladeira
Só quem viu, que pode contar
Cheirando a flôr de laranjeira
Sá Marina vem prá dançar…

De saia branca costumeira
Gira ao sol, que parou prá olhar
Com seu jeitinho tão faceira
Fez o povo inteiro cantar…

Roda pela vida afora
E põe pra fora esta alegria
Dança que amanhece o dia
Pra se cantar
Gira, que essa gente aflita
Se agita e segue no seu passo
Mostra toda essa poesia do olhar
Huuuuuuummmm!…

Deixando versos na partida
E só cantigas prá se cantar
Naquela tarde de domingo
Fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar…

Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!

Oh!
Deixando versos na partida
E só cantigas prá se cantar
Naquela tarde de domingo
Fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar…

Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!

E fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar…

Wilson Simonal – Sa Marina / Cai, Cai (Vinyl) - Discogs

Descendo a rua da ladeira
Só quem viu, que pode contar
Cheirando a flôr de laranjeira
Sá Marina vem prá dançar…

De saia branca costumeira
Gira ao sol, que parou prá olhar
Com seu jeitinho tão faceira
Fez o povo inteiro cantar…

Roda pela vida afora
E põe prá fora esta alegria
Dança que amanhece o dia
Prá se cantar
Gira, que essa gente aflita
Se agita e segue no seu passo
Mostra toda essa poesia do olhar
Huuuuuuummmm!…

Deixando versos na partida
E só cantigas prá se cantar
Naquela tarde de domingo
Fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar…

Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!

Oh!
Deixando versos na partida
E só cantigas prá se cantar
Naquela tarde de domingo
Fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar…

Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!

E fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar…