Paulo Cesar Pinheiro
Vez ou outra, passeando pelos diversos caminhos musicais, acabo me encontrando com as canções de Paulo César Pinheiro, e ele tem uma dimensão maior do que aparenta ser para a grande imprensa. Ele tem diversas canções que parecem pérolas, e já passaram de 1000 composições gravadas… para se ter apenas uma ideia, ele é parceiro de de Pixinguinha João Nogueira, Baden Powell, Joyce, Tom Jobim, D. Ivone Lara, Lenine, apenas para citar alguns.
E para fazer justiça foi lançado o livro, pela Editora LeYa, “Histórias das minhas canções”, em que conta a história de 65 canções…. escolhi aqui, como um símbolo, trazer a história da bela canção canto das três raças, gravado por Clara Nunes:
CANTO DAS TRÊS RAÇAS
Conversávamos, certa vez, eu e Mauro, sobre samba-enredo. Sua estrutura melódica, sua cadência, seu desenvolvimento de acordo com o tema proposto, seu tamanho, seus cantos de refrão. Ele era, particularmente, fã de Silas de Oliveira, a quem considerava o maior compositor desse gênero, de todos os tempos. Foi seu amigo. Acompanhava sua trajetória. Papo vai, papo vem, resolvemos compor algum que guardasse essas características tradicionais. Ali mesmo iniciamos nosso esboço musical.
Com o rascunho sonoro adiantado fui para casa devanear, buscar o motivo, procurar uma história conveniente ao que se tinha imaginado. Lembrei da formação racial do Brasil especialmente da minha genética índia e européia por parte de mãe, e negra do meu lado paterno. As três raças fundamentais desse país mestiço. Veio-me à mente o soneto “Canto Brasileiro”, que deu nome ao meu primeiro livro publicado. Era isso. O canto triste nascido dessa miscigenação. O aperto de saudade do branco colonizador, o banzo africano e a dolência nativa, “Um soluçar de dor” foi a expressão que me brotou imediatamente, e dessa frase parti pro poema. Fui ajeitando a melodia aqui e ali em função da letra.

Depois de terminado dei por falta do que julgava ser o principal, o miolo, a célula: o canto de lamento. Na verdade, era o mais difícil, era a marca, o carimbo, a identificação do samba. Fiz vários antes do definitivo. Cada vez que ia cantar, saía de um jeito. Quando Clara entrou em estúdio pra gravar, sentei com o Maestro Gaya, que faria o arranjo, pra passar a melodia corretamente. Belíssima a harmonização criada por ele, mas na hora do estribilho surgia á dúvida. Era sempre um lamento diferente o que eu entoava.
– Define o canto, Paulinho – dizia Gaya.
De repente, influenciado por acordes que ele sequenciava ao piano, a melodia veio por inteiro. O Gaya gostou, fixou na minha cabeça com um solo e fechou a tampa.
Paulo Cesar Pinheiro e Clara Nunes
Propus ao Carlinhos Maracanã esse tema pra Portela. Só que escola de samba é outro papo. É problema. É guerra. Não se chega sugerindo um samba e pronto. Tem todo um processo complicado que envolve ego, grana, disputa, prestígio interno. Na minha ingenuidade imaginei que magnífico desfile poderia ser pra azul e branco. Sonho, apenas. Desisti logo. Até hoje, porém, ainda visualizo esse cortejo na Passarela do Samba.
Ninguém ouviu
Um soluçar de dor
No canto do Brasil
Um lamento triste
Sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro
E de lá cantou
Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
Onde se refugiou
Fora a luta dos Inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou
E de guerra em paz
De paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor
ô, ô, ô, ô, ô, ô
ô, ô, ô, ô, ô, ô
ô, ô, ô, ô, ô, ô
ô, ô, ô, ô, ô, ô
E ecoa noite e dia
É ensurdecedor
Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador
Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas
Como um soluçar de dor
domingo 01 agosto 2010 11:54 , em Samba





