Festival da MPB em 1981. Vaias para a vencedora (Lucinha Lins) e aplausos para Guilherme Arantes

Eu não era nascido, mas já me contaram, e eu pude assistir depois a tremenda e estrepitosa vaia que a linda canção Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim, recebeu ao ser anunciada como vencedora do III Festival Internacional da Canção da Rede Globo, em 1968. O Público, na ocasião, defendia a música “Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré (Caminhando e cantando e seguindo a canção… até hoje uma das primeiras músicas que se aprende em aulas de violão).

Mas pude presenciar, ainda criança, outra vaia para uma música vencedora, desta vez no MPB-81, um Festival de canções que a Globo passou a reeditar a partir de 1980. Em 1981, havia belas músicas; uma delas cativou o público: Guilherme Arantes e a canção “Planeta água”.  Lembro bem que o público cantava quase que hipnotizado a Música de Guilherme Arantes, enquanto Purpurina, uma composição do gaúcho Jerônimo Jardim cantada por Lucinha Lins, foi recebida com frieza pelo público, certo que a vencedora seria “Planeta Água”.

Depois da apresentação de todas as músicas (lembro que havia também “Perdidos na Selva”, da Gang 90 e Absurdetes, “Estrelas”,  de Oswaldo Montenegro (O vencedor do Festival do ano anterior, com “Agonia”), Mordomia, com Almir Guineto (que acabou ficando em terceiro lugar no concurso).

No entanto, na hora da divulgação do resultado, uma surpresa: “Planeta Água” fora classificada em segundo lugar. Quando Guilherme Arantes entrou para cantar a música, o público, manifestamente decepcionado, cantou a música a todos pulmões, e cantava “É campeão, é campeão”.

Lucinha

 

Falta de sorte da vencedora… Quando Christiane Torloni anunciou a vencedora, “purpurina”, uma vaia de 10, 15 minutos que não permitiu que Lucinha Lins cantasse. Seu então marido, Ivan Lins, estava com ela no palco, mas seria impossível cantar com qualidade com uma reação tão exagerada do Público. O público protestava, vaiava, xingava, atirava ventarolas de papelão na cantora.

Dava para perceber que ela estava com lágrimas nos olhos e voz embargada, mas manteve a pose.

No http://bravonline.abril.com.br, consta uma declaração de Lucinha à Revista Veja, em 23 de setembro de 1981: “As vaias não afetaram nem minha vida profissional, nem pessoal. Sou uma mulher feliz. E não costumo carregar traumas pela vida“.

Emílio Pacheco, no seu blog, diz que “Purpurina”, desde as eliminatórias, já impressionava os jurados como a melhor música, fazendo alguns deles quebrar o protocolo e aplaudir antes do tempo. Afirma também que ela foi muito bem recebida pelo público do Brasil, especialmente no Gigantinho, em Porto Alegre, quando Lucinha Lins chamou o compositor para cantar a música junto com ela (Como se não fosse esse o comportamento esperado do público gaúcho, quando o vencedor de um festival fora um conterrâneo).

guilherme

 O certo é que “Purpurina” sempre será lembrada como a sombra de “Planeta Água”, a segunda colocada de 1981. Guilherme Arantes seguiu uma bem-sucedida carreira de cantor e compositor. Lucinha Lins firmou-se mais como atriz, e Jerônimo Jardim diz no seu próprio sítio:

 “Decepções. Afastamento da música. Volta à publicidade. Depois à advocacia. Docência na Universidade de Rio Grande. Literatura infantil. Cinco livros. Três encenados. Concurso para servidor do Tribunal Regional do Trabalho. Três novos discos, produzidos por Ayrton dos Anjos, o produtor de quase toda a carreira”

 Anos depois, numa entrevista, afirmou Lucinha Lins:

 “Não desejo uma vaia para ninguém. É muito duro, triste, você fica com esse som na cabeça durante dias. É uma rejeição muito grande. Mas foi ótimo porque aconteceu uma catarse no Maracanãzinho e isso fez com que as pessoas tivessem interesse em saber como eu estava”

 O episódio não foi esquecido por Guilherme Arantes, que narra em seu site:

 
Em 1981 a expectativa do público não foi correspondida pelo júri de 138 pessoas que deu a vitória a Purpurina, composição do gaúcho Jerônimo Jardim, defendida por Lucinha Lins. Planeta Água de Guilherme Arantes, mesmo classificada em segundo lugar foi o grande sucesso do festival “MPB-Shell-81” e teve grande execução nas rádios de todo o Brasil.

Guilherme Arantes era a grande expectativa da noite no Maracanãzinho. Foi recebido com muitos aplausos e, mesmo antes de cantar, já eram ouvidos os gritos de “já ganhou”. O refrão final “terra, planeta água” foi repetido em coro diversas vezes. Até Lucinha Lins reagiu quando foi cotada para melhor intérprete do festival. E quando foi defender a música Purpurina, durante 15 minutos foi fortemente vaiada pelas quase 30 mil pessoas presentes que atiravam uma chuva de bugigangas, bolinhas de papel e falavam palavrões quando anunciaram o resultado. Fizeram Lucinha ser obrigada a se esconder atrás do microfone e, posteriormente a se afastar da música por um certo tempo. Ao mesmo tempo em que não aceitando a classificação, o público e a maioria dos concorrentes gritavam “é campeão”. A terceira colocação ficou com Mordomia, defendida por Almir Guineto e o Grupo Exporta Samba.

 

 

Lucinha Lins – ”Hoje é fácil lembrar o episódio Purpurina, mas, naquele momento, eu não tinha a menor consciência do que estava acontecendo. Não sentia nada, fiquei completamente anestesiada. Foi uma catarse, as pessoas enlouqueceram. No dia seguinte, eu tinha manchas pelo corpo todo porque o público me atirava aqueles abanadores e, no final das contas, parecia que eu tinha sido desenhada com caneta azul. Quando vejo esse teipe é constrangedor, minha cara aparece toda retorcida”, lembra Lucinha, que, mais tarde, ouviu de Augusto César Vanucci, produtor do festival, que nem os jurados acreditavam na vitória de Purpurina, o que gerou duas recontagens de votos. ”Tenho paixão por aquela música, mas admito que foi uma zebra. Sei que o problema não era comigo. Nunca duvidei do meu talento.”

Este texto foi publicado em março de 2010 no http://www.musicaemprosa.musicblog.com.br

 

 

Na ocasião, Emílio Pacheco,  me mandou uma mensagem:

“Explicando melhor: as eliminatórias do MPB-81 eram fechadas ao grande público. Havia uma plateia, mas praticamente toda de jurados. Sabia-se exatamente quem estava ali. Aplaudir na metade significaria abrir voto, além de configurar tentativa de favorecimento. Então o normal era todos aplaudirem burocraticamente no final. Mas quando Lucinha Lins apresentou “Purpurina”, a plateia de jurados não se conteve. Quando ela chegou naquele “larauê…”, todos irromperam num entusiasmado e espontâneo aplauso. Não deu pra segurar. Por isso eu acho que a vitória foi justa, embora “Purpurina” não fosse música para empolgar um Maracanãzinho lotado. E Lucinha Lins decolou como intérprete, sim. Talvez não tão popular quanto Guilherme Arantes, mas teve uma bem sucedida carreira”

 

 

Fontes: http://emiliopacheco.blogspot.com/2008/05/lembranas-do-mpb-shell-81.html;http://www.jeronimojardim.com/http://www.guilhermearantes.net/carreira.htm

15 comentários sobre “Festival da MPB em 1981. Vaias para a vencedora (Lucinha Lins) e aplausos para Guilherme Arantes

  1. Sempre existiu corrupção. A vitória estava sob encomenda. Purpurina não tinha nem condições de ser classificada nas eliminatórias. Como deve estar a consciência daqueles responsáveis dessa falcatrua?

    Curtir

    • certamente estão bem, para doer a consciência precisa-se ter consciência, o verdadeiro campeão sabemos que foi Guilherme Arantes, a carreira dos dois mostra quem é maior

      Curtir

  2. Eu estava lá e testemunhei o maracananzinho, balançando literalmente ao som de Terra planeta Água.
    Prá mim e os 30 mil Guilherme Arantes sempre foi o campeão.
    …naquela época não sabia como era o Brasil.

    Curtir

    • Verdade.O importante é que desde aquela época nossas mentes já estavam abertas pra diferenciar.Infeliz nesse país só se ganha na base da falcatrua,mas O poeta Guilherme Arantes ganhou honestamente uma visão do público no que tange CARÁTER.Palmas pra ele que continua fazendo sucesso, músicas espetaculares,e segue sem maculas.

      Curtir

    • que privilégio, fantástico!
      escrevi o seguinte texto sobre aquele dia que vi pela TV:
      Festival Shell da MPB 1981 – Uma injustiça que fez muito bem para a carreira de Guilherme Arantes.
      Lembro muito bem deste festival, um termo muito usado no futebol foi repetido várias vezes, “foi um roubo”, Planeta Água era uma obra de arte, fantástica até hoje, ficou claro que a empresa petrolífera patrocinadora do festival não iria querer uma música tão “ecologicamente correta” (antes mesmo da moda da ecologia ou do “eco-terrorismo” rsrs) como vencedora, por outro lado, Lucinha Lins era um “rostinho bonito”, esposa de Ivan Lins, ambos Globais, seria mais uma coincidência ??? acho que não sei… rsrs
      Naquele dia o provo aclamou a linda música de Guilherme Arantes, tal como em 1978, onde o Brasil foi o Campeão Moral da Copa do Mundo “arranjada” para los hermanos, Guilherme foi aclamado pelo público como Campeão Moral do Festival de Shell MPB de 1981.
      Eu tinha apenas 13 anos rsrs, fiquei indignado, mas sabia que estava vivendo um período de transformação na música nacional e internacional, que viriam muitas coisas boas pela frente.
      O verdadeiro talento foi comprovado pela história de um dos maiores “Hit Makers” da música brasileira e sua infindável lista de sucessos, alguns eu lembro na lista abaixo:
      – Cheia de Charme
      – Meu Mundo e Nada Mais
      – Coisas do Brasil
      – Fã Número 1
      – Deixa Chover
      – Mania de Possuir
      – Marina no Ar
      – Lindo Balão Azul
      – Ouro
      etc etc etc…

      Curtir

  3. Festival cara de pau será que eles estavam achando o público com cara de idiota? Horrivel a musica Purpurina e linda a musica Planeta Água houve alguma tramóia ali não é possível em cada 100 pessoas que escutarem as duas musicas eu duvido que 5 achem a musica Purpurina mais bonita ou na letra ou na musica o juri estava orientado já.

    Curtir

  4. Assisti a este festival e eu não tinha dúvidas que o vencedor seria PLANETA ÁGUA. Daquela vez não houve a desculpa, de um maestro que era jurado, que a canção não seria uma música bem feita. Quando SABIÁ venceu PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES, um maestro que era jurado, deu a desculpa que SABIÁ tinha 40 acordes e a música de VANDRÉ, apenas 3. O público não julga isso. Isso é coisa de maestros, críticos musicais, etc. A música de VANDRÉ virou hino e SABIÁ, praticamente desapareceu. PLANETA ÁGUA é cantada até hoje e nos shows, a platéia canta junto com GUILHERME ARANTES. Quando o BONI (JOSÉ BONIFÁCIO SOBRINHO) descobriu que PURPURINA tinha ganhado foi até AUGUSTO CÉSAR VANUCCI e gritou: “COLOCAMOS 138 JURADOS para que uma merda dessa não voltasse a acontecer…E você deixa acontecer, de novo?”
    ,

    Curtir

  5. Nesse festival a globo deu uma cariocada utilizando um termo carioca (Bairrista), jamais daria o 1º lugar a um Paulistano, Guilherme Arantes. Como Planeta Água não ganhou; o 1º lugar foi vaiado intensamente. Mostrou-se assim a incompetência da globo para esse tipo de evento.

    Curtir

    • Assisti a este festival e fiquei pasmo quando apontaram PURPURINA como a vencedora. Mas passado o susto, entendi perfeitamente como deram o prêmio para SABIÁ, enquanto a platéia e o Brasil pedia PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES. O crítico musical acha que entende mais que o cidadão comum. Na verdade, entende mesmo, porque vive disso. Mas menosprezar o gosto e opinião do público, é burrice. Li um comentário aí em cima falando sobre a reação de AUGUSTO CÉSAR VANUCCI, quando deram o resultado. A questão é que deram corda para o JÚRI, colocando-o como SOBERANO na escolha da vencedora. E isso é muito perigoso. Alguém da GLOBO, talvez o próprio VANUCCI deveria meter o dedo na cara dos jurados e dizer que eles estavam errados. O tempo mostrou que o JURI cometeu um erro grosseiro, como no caso da música de VANDRÉ. SABIÁ é uma música linda, composição de dois ícnones da MPB, CHICO BUARQUE e ANTONIO CARLOS JOBIM e cantada pelo QUARTETO EM CY. Mas não era para ganhar festival nenhum, tanto que praticamente desapareceu e é desconhecida da maioria dos brasileiros. Já a música de VANDRÉ é cantada verso a verso pela maioria das platéias país afora. PLANETA ÁGUA é uma das músicas mais lindas da MPB. Antológica, perfeita, imortal. Uma obra genial do GUILHERME ARANTES. Todo mundo conhece e é quase uma unanimidade. Já PURPURINA se perdeu no tempo e a própria LUCINHA LINS, coitada, ao vencer o festival que nem ela acreditava, quando foi cantar a música contemplada, era tanta vaia que ela não conseguia ouvir a orquestra que a acompanhava. GUILHERME ARANTES continua por aí, trabalhando, fazendo shows, cantando. LUCINHA LINS praticamente aposentou, isolou-se, sumiu das telenovelas, shows e caiu no ostracismo.

      Curtir

Deixar mensagem para ANDRÉ LUIZ BIANCHI ARANTES Cancelar resposta