Todas as mulheres da canção “Sandra”, de Gilberto Gil

1976 foi um ano marcante na vida de Gilberto Gil. Durante uma turnê dos Doces Bárbaros a Florianópolis, ele foi flagrado com uma pequena quantidade de maconha, o suficiente para que fosse preso e processado pelo uso da droga.

em 15 de julho de 1976, Gilberto Gil foi condenado a 1 ano de prisão, tendo sua pena substituída por internação no Instituto Psiquiátrico São José, em Florianópolis, que durou 4 dias, depois com a transferência para a Clínica Psiquiátrica Botafogo, no Rio de Janeiro, onde passou mais um mês.

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Na clínica, ele compôs uma bela canção, “Sandra”, uma homenagem às mulheres com quem conviveu naquele período, até uma homenagem final à sua esposa na época, Sandra Gadelha.

Gil conta, no seu livro “Todas as Letras” quem era cada uma destas mulheres da canção, até a existência de uma outra “Sandra”, que justifica o título. Nas palavras de Gil:

Em 94, eu estava dando uma entrevista coletiva em Curitiba, quando uma moça entrou e disse: ‘Não se lembra de mim?’ Eu fiquei olhando, olhando, e ela então gritou: ‘Andréia na estréia!’ E eu: ‘Claro!’ Andréia era a menina que eu tinha conhecido, em 76, na passagem do show dos Doces Bárbaros pela cidade (antes de seguirmos para Florianópolis, onde eu fui preso por porte de maconha e posto em tratamento ambulatorial numa clínica, episódio em que a canção é baseada). Tínhamos ficado juntos na ocasião, e ela que me levou a um armarinho para comprar as fitas com que me enlaçou os cabelos trançados. Desde então nunca mais tínhamos nos reencontrado.”

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“Todas as meninas mencionadas em Sandra foram personagens daqueles dias que eu vivi entre Curitiba e Florianópolis.

a) Maria Aparecida, Maria Sebastiana e Maria de Lourdes me atenderam no hospício durante o internamento imposto pela justiça enquanto eu aguardava o julgamento. A de Lourdes me falava a toda hora: ‘Você vai fazer uma música pra mim, não vai?’ ‘Vou’.

b) Carmensita: essa – foi interessantíssimo -, logo que eu cheguei, ela veio e me disse, baixinho: ‘Seja bem-vindo’.

c) Lair era uma menina de fora, uma fã que foi lá me visitar.

d) Salete era de lá: ‘Meu café é muito ralo’, me falou. ‘É exatamente como eu gosto, chafé’, respondi.

e) Cíntia: também de Curitiba, como Andréia. Quando passamos pela cidade, me levou ao sítio dela uma tarde; foi quem me deu uma boina rosa com a qual eu compareceria ao julgamento mais adiante, em Florianópolis, e com a qual eu apareço no filme Os Doces Bárbaros.

f) Ana: ficou minha amiga até hoje; de Florianópolis.

g)  Dulcina, que era a mais calada, a mais recatada de todas na clínica, a mais mansa – era como uma freira -, foi a única que um dia veio e me deu um beijo na boca.

“Sandra, citada no final da letra, era minha mulher, que preferiu não ir a Florianópolis e com a qual eu associei a ideia do hexagrama da torre, tirado no I Ching, um dos meus livros de cabeceira naquele período: a que tomava conta de tudo; onde eu estivesse, o seu olhar espiritual me acompanharia; seu ente se espraiaria, estendendo-se por todas as mulheres com quem eu convivesse. A ela as mulheres citadas na letra remetiam por representarem o feminino, a minha sustentação naquele momento.

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“Mas o que ninguém sabe, e que não se revela de nenhuma maneira na canção – o seu lado oculto -, é que há duas Sandras, a que é mencionada no fim e a do título, que não se refere à Sandra com quem eu era casado, mas a uma menina linda, maravilhosa, também chamada Sandra, que tietava o Caetano em Curitiba, amiga da Andréia – que me tietava.”

Eu admiro a ideia de como a referência à Sandra, quase mística, quase um símbolo, que mesmo longe serve de alicerce e de referência…

Imagem relacionada

Sandra
Gilberto Gil

Maria Aparecida, porque apareceu na vida
Maria Sebastiana, porque Deus fez tão bonita
Maria de Lourdes
Porque me pediu uma canção pra ela

Carmensita, porque ela sussurou: “Seja bem-vindo”
(No meu ouvido)
Na primeira noite quando nós chegamos no hospício
E Lair, Lair
Porque quis me ver e foi lá no hospício

Salete fez chafé, que é um chá de café que eu gosto
E naquela semana tomar chafé foi um vício
Andréia na estréia
No segundo dia, meus laços de fita

Cintia, porque, embora choque, rosa é cor bonita
E Ana, porque parece uma cigana da ilha
Dulcina, porque
É santa, é uma santa e me beijou na boca

Azul, porque azul é cor, e cor é feminina
Eu sou tão inseguro porque o muro é muito alto
E pra dar o salto
Me amarro na torre no alto da montanha

Amarradão na torre dá pra ir pro mundo inteiro
E onde quer que eu vá no mundo, vejo a minha torre
É só balançar
Que a corda me leva de volta pra ela:
Oh, Sandra

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© Gege Edições / Preta Music (EUA & Canadá)

Ficha técnica da faixa:
voz e violão – Gilberto Gil
baixo – Moacyr Albuquerque
violão de aço – Perinho Santana
flauta – Jorginho
flauta – Celso
bateria – Paulinho Braga
percussão – Djalma
piano – Cidinho
coro – Ronaldo Boys
sax-soprano – Mauro Senise

Fontes: Gilberto Gil. Todas as Letras. Org. Carlos  Rennó,

10 comentários sobre “Todas as mulheres da canção “Sandra”, de Gilberto Gil

  1. interessante que sempre gostei dessa música que sempre me pareceu uma homenagem às mulheres citadas. Agora que eu li a história da música contada por Gil, fiquei mas apaixonado pela música que na verdade trata-se de uma narrativa de um acontecimento. Muito legal saber.

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  2. Grande Gil, transformando limão.o momento que passou no hospício, em limonada, essa verdadeira obra de arte, uma pintura, onde expressa suas emoções, sua história e sua cultura.

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  3. Vi há alguns anos atrás, uma reportagem que mostrava a história, e algumas mulheres dessa bela canção. Só mesmo um gênio do quilate do Gil, seria capaz de produzir uma obra prima como essa, em um momento tão conturbado da sua vida pessoal. Gil poeta e compositor insuperável, um Gigante da MPB.💫✨🌟👏👏👏👏👏👏👏👏👏

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  4. Para nós que vivemos aquela época tão conturbada da nossa história, é um privilégio estar ainda, na presença de artistas verdadeiros como o Gil. Eu tive o prazer de estar junto dele por várias vezes nos Filhos de Gandhi, o afoxé do carnaval de Salvador. Pude ver a simplicidade, ali, desfilando no chão, junto com todos os demais, do Pelourinho ao Campo Grande e retornando já à noite. Saber das histórias por detrás das suas músicas nos faz admirar cada vez mais esse personagem que nasceu na Bahia mas, ganhou o mundo.

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