“Olhos negros, cruéis tentadores…”

 

Pouca gente sabe, mas a letra de uma das mais famosas músicas de carnaval da Bahia não foi escrita por um baiano. “Chão da praça” tem a música de Moraes Moreira (baiano de Ituaçu), mas a letra é de um cearense, Fausto Nilo. Moraes Moreira, no seu livro “Sonhos Elétricos” (Azougue Editorial), conta como foi a composição desta música:

 

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“Liguei para Fausto, dizendo que tinha uma ideia para uma nova música. Ele me disse do outro lado que também tinha uma nova letra, então marcamos o encontro. Para a nossa alegria e espanto, música e letra foram se encaixando de maneira tal que, dentro de pouco tempo, já tínhamos pronto um frevo de quatro partes que até nos pareceu grande, mas diante da fluência que se dava entre elas deixamos rolar e tudo aconteceu. Era na verdade uma grande homenagem à praça do Poeta, que já vinha sendo referenciada também por outros artistas.”

O toque oriental que havia na composição foi realçado no arranjo e principalmente pela guitarra baiana de Armandinho que detonava o som. Foi assim, misturando oriente e ocidente, dor e prazer, pranto e alegria, que balançamos literalmente o “Chão da Praça”.

 

Fausto Nilo, numa entrevista, contou como ele, anônimo, foi atrás de sua própria música no carnaval:

 “Cheguei a Salvador na sexta-feira de carnaval, fiquei no hotel São Bento, perto da praça Castro Alves. Meu quarto era de frente para a rua. Eu estava sonhando que estava na Bahia com um carnaval qualquer passando com a minha música. Quando acordei, era realidade. Saí de chinelo e bermuda, era uma caminhonetezinha do subúrbio, com alto-falantes. Fui atrás da minha música”.

 A música Chão da Praça é um dos hinos do carnaval da Bahia. Certamente daqui a 50 anos ainda as pessoas vão vibrar na Bahia quando alguém entoar “Olhos negros, cruéis, tentadores, das multidões sem cantor”…

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Há uma série de referências. Primeiro, às “multidões sem cantor”, quando não havia cantores nos trios elétricos (e vindo ser Moraes Moreira o primeiro deles). A referência a um passado de baile de fantasias (eu era menino, beduíno), e as relações entre a dor que balança e a dança que substitui a dor, “porque já todo pranto rolou”.

Fred de Goes afirma em seu livro “O país do carnaval elétrico”, que as “multidões em cantor” seriam uma homenagem a Orlando Silva, também conhecido como cantor das multidões, falecido em 1978.

Moraes já disse que seu propósito era fazer músicas de carnaval daquelas que se cantam para sempre, como as marchinhas dos dois primeiros terços do século passado. Ele conseguiu. A letra de chão da praça entoa, como diz Moraes, Oriente e Ocidente, dor e prazer, e a grande sensação de ver a praça tremer…

Fontes: MOREIRA, Moraes. Sonhos Elétricos, Saalvador: Azougue Editorial, 2010

http://www.revistaforum.com.br/noticias/2011/01/17/os_dois_lados_do_espelho/

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