Certamente o amor é a maior inspiração para as canções. Mas nem sempre o amor por uma mulher ou por um homem. Há muitas canções feitas para os filhos que chegaram, ou para aqueles que vão chegar. Se fala muito sobre a expectativa da maternidade, a gravidez… mas se fala muito menos da paternidade, o pai que amiúde é colocado (ou às vezes ele mesmo se coloca) como coadjuvante no processo de criação de um filho.
Resolvi então pesquisar músicas feitas de pais para seus filhos, como uma forma de traduzir o sentimento que a paternidade manifesta. Trata-se de uma lista de homenagens aos filhos, nesse dia dos pais que chega… Através das homenagens aos filhos, homenageio aos pais.
Acalanto (de Dorival Caymmi para Nana Caymmi) “Dorme, anjo, papai vai te ninar“
Dorival e Nana Caymmi
2. Boas Vindas (de Caetano Veloso para Zeca) “Lhe damos as boas vindas, venha conhecer a vida“
Caetano e Zeca Veloso
3. Espatódea (de Nando Reis para Zoé) “Não sei se o mundo é bom, mas esle está melhor, desde que você chegou”
Nando Reis e Zoé
4. Ao que vai chegar (de Toquinho para Pedro)“Vai onde a aurora mora e acorda um lindo dia, colhe a mais bela flor que alguém já viu nascer”
5. Imã (de Ednardo para Gabriel)“Com um pé pisando no tempo e o outro no espaço,e molha a sequidão do meu rosto de pedra”
Ednardo e sua filha Joana
6. Hora do banho (de Jair Oliveira para Isabela)“É, lá na banheira, é sempre a maior brincadeira, enquanto o papai me segura, mamãe me lava com doçura e me faz relaxar”
Jair Oliveira e Isabela
7. Meu filho que deus te proteja (de Paulo Sérgio para Rodrigo)“Quero ver você feliz, meu filhinho,que é tudo o que eu quis”
Paulo Sérgio e Rodrigo
8. Manuel, o audaz (de Toninho Horta para Manuel)“E no ar livre, corpo livre, aprender ou mais tentar”
Manuel e Toninho Horta
9. Davilicença (de Moraes Moreira para Davi)“O tom é dó maior menino segue o tino, o tino destino, destino do som”
10. Ararinha (de Carlinhos Brown para Clara)“Ela é minha cara, ela e jóia rara, ela é linda, ararinha é o meu amor”
Percebe-se, nas letras, a admiração, a ternura, a felicidade de se ter um filho, ou que já veio, ou que vai chegar, a alegria do filho descobrindo o mundo, o narcisismo de ver o filho seguindo seus caminhos, a esperança da chegada do filho que vai nascer, ou até o medo de que nada de mal lhe aconteça. Enfim, são cações de amor…
No filme “O homem que matou o facínora” estrelado por John Wayne e dirigido por John Ford, há uma frase que se tornou clássica: “quando o fato fica maior que a lenda publique a lenda“.
Jardim da fantasia, de Paulinho Pedra Azul, gravada em 1973, é uma das canções em que, vez ou outra, escuto uma versão de que se tornou muitas vezes maior do que sua verdadeira história. Reza a lenda que Paulinho compôs a música para sua ex-noiva, que teria morrido num acidente.
Ainda segundo a lenda, a imagem derradeira que o compositor teria de sua noiva era na ocasião do acidente, com sangue escorrendo no canto de sua boca. Como não seria deste modo que ele gostaria de preservar a lembrança, ele compôs a música para ela.
Logo, no trecho que diz “tua boca pingava mel”, era uma referência ao sangue que escorria da boca.
Em outro momento, quando a letra trata Outra de voar para o céu azul e pela estrada do além em busca da amada, em cujo lugar ele não sabia onde estava, então pergunta “onde estará meu bem?”.
Paulinho Pedra Azul esclarece, no livro “Então, foi assim?”, de Ruy Godinho a verdadeira história da canção e como a lenda o persegue (ah, e a letra também não tem nenhuma relação com o pássaro bem-te-vi) :
“Jardim da Fantasia foi uma das primeira músicas que eu compus. Eu tinha uns 17 anos, por aí… Eu me separei de minha primeira namorada. Ela estava com 12 anos quando nós começamos a namorar e eu tinha uns 15 anos. Depois nós nos separamos porque eu tive que mudar para Vitória, Espírito Santo, para a casa de um tio meu, para estudar o colegial. E nessa viagem de Pedra Azul para Valadares [MG] e de lá pegando o trem para Vitória, eu comecei a compor essa música, Jardim da Fantasia, que apelidaram carinhosamente de “bem-te-vi”. E o bem te vi da música, realmente, não tem nada a ver com passarinho. É eu vi você andar por um jardim em flor…” explica Paulinho, sem dó nem piedade do imaginário coletivo.
E então ele explica de onde vem a lenda:
“E a partir daí começaram a inventar algumas histórias. Disseram que eu tinha feito essa música para uma namorada minha que tinha morrido. E essa música não tem nada de morte, só de vida. Por exemplo: por um jardim em flor… falaram que era o cemitério. E tua boca pingava mel diziam que era sangue pingando da boca de minha noiva. E a música foi feita apenas para uma separação, para dois adolescentes que tiveram dois anos de namoro e se separaram”, diverte-se Paulinho com a criatividade das pessoas”.
A musa ainda hoje está viva. Casou-se com um amigo de Paulinho, teve filhos maravilhosos e são felizes em Pedra Azul, garante ele.
“Essa música tem muita história. Eu tive um show numa cidade chamada Pouso Alegre, no Sul de Minas. Terminei o Show e eu costumo trocar de blusa suada para depois ir autografar os discos.
Aí teve um cara que incomodou demais. Ele estava empurrando, chorando e o deixaram entrar no camarim. O cara entrou e me abraçou. Eu pensei: ‘ Pô, esse cara deve ter adorado o show’.
Aí, ele falou: ‘Eu passei pelo mesmo problema que você passou. Eu também tive uma noiva que morreu’.
Eu dei um tempo, o abracei, e acariciei e lhe disse: ‘Olha, se minha música fez você lembrar de sua noiva que morreu, tudo bem e tal. Mas eu não tive noiva e nesse música ninguém morreu’.
Ele tornou a me apertar e disse: ‘Eu sei que você não gosta de tocar no assunto’. Aí, eu falei: ‘Não tem jeito’!
E não para por aí. Outro episódio muito engraçado aconteceu no interior de Minas Gerais. (…) Um belo dia, uma professora de determinada escola escolheu Jardim da Fantasia para ser interpretada pelas crianças. E ligou convidando Paulinho para ir até lá, que as crianças queriam fazer uma homenagem a ele.
“Eu disse: ‘ Vou com o maior prazer’. Cheguei à escola e ela falou que iriam abrir uma porta e teria uma surpresa para mim. Um pátio enorme, a porta se abriu e eu entrei. O que eu vi? Umas cento e cinquenta crianças, cada uma com um bem-te-vizinho nos dedinhos, levantando e descendo, cantando: ‘Bem-te-vi, bem-te-vi, andar por um jardim em flor’…
Eu achei aquilo maravilhoso. Mas por outro lado aquilo me incomodou e eu falei para a professora: ‘Olha, está tudo lindo, maravilhoso, mas o bem te vi aí da música não é do passarinho, não. É o mesmo que eu te olhei, bem que eu vi você andar por um jardim em flor’…
A professora se assustou e me falou quase em pânico: ‘PelamordeDeus! Jamais revele isso para essas crianças! Há três meses que elas estão recortando os bem-te-vis só pra cantar pra você!”
Paulinho Pedra Azul gravou Jardim da Fantasia, no primeiro LP dele, homônimo(1982).
Pensar que o autor do primeiro grande sucesso de Carmen Miranda foi Joubert de Carvalho já parece imporovável. Joubert não era compositor de marchinhas carnavalescas, tanto que a sua segunda música mais conhecida, é “Maringá”, música que, inclusive, deu origem à cidade paranaense de mesmo nome.
Joubert de Carvalho
A composição mais conhecida de Joubert, no entanto, ficou conhecida não pelo seu título original “Pra você gostar de mim”, mas como o simples e indefectífel “Taí”, de 1930. Ainda hoje, mais de 80 anos após a primeira gravação, se alguém lançar a primeira palavra da canção, “Taí“, vem imediatamente “eu fiz tudo pra você gostar de mim/ai meu deus não faz assim comigo não/você tem, você tem que me dar seu coração“
E Taí foi feito sob encomenda para Carmen Miranda. Segundo relata Ruy Castro, na biografia que escreveu sobre a cantora(Cia das Letras, 2005), Joubert passava pela rua quando o Sr. Abreu, gerente da loja “A Melodia”, o chamara com o intuito de fazê-lo ouvir um disco que acabara de sair. A canção era “Triste Jandaia”, da então desconhecida Carmen Miranda. Depois de tocar o disco várias vezes, não é que a própria Carmen, em pessoa, aparece na loja? Quando Abreu exclama: “Taí a nova cantora!”.
Apresentados, Joubert falou de seu interesse em compor algo para Carmen, que prontamente lhe deu o endereço.
Joubert saiu da loja com uma palavra – “Taí” – e uma melodia na cabeça. Menos de 24 horas depois, com a partitura debaixo do braço, tocou a campainha de Carmen na travessa do comércio.
Nas palavras do próprio Joubert, no vídeo que acompanha esta postagem:
Eu passava pela Rua do ouvidor ali tinha uma casa de música e melodias e o gerente da casa chamou-me e disse Joubert venha ouvir uma cantora nova aqui; ele botou então um disco da Carmen, eu não sabia quem era, eu notei que havia presença no disco, e eu disse:
– Olha, Abreu eu gostaria de fazer uma música para essa cantora, ela interpreta miuito bem.
– Ué, isso é fácil!
– Onde é que ela mora?
– Ela costuma vir aqui de vez em quando, mas eu falo ela deixa o endereço.
De repente ele (Abreu) disse assim:
– Taí, ó, ela tai chegando.
Eu não sei, aquele tai ficou na minha cabeça e no dia seguinte eu levava para ela a música…
Carmen Miranda
Relata Ruy Castro, no seu livro, que Carmen a aprendeu a música prontamente, e, quando Joubert tentou orientar sua interpretação, ela disse, com um brilho no olhar:
“Não precisa me ensinar, não, que na hora da bossa, eu entro com a boçalidade.”
E, captando um certo choque no rosto do educado Joubert, logo se corrigiu:
“Desculpe, mas eu sou assim mesmo, meio desabrida!”
Tudo isso ocorreu no começo de 1930, e a música Taí tornou-se não apenas um grande sucesso daquele ano, mas também do carnaval seguinte. Foi a música que tornou Carmen Miranda conhecida nacionalmente. O resto é história.
Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim
Oh! meu bem, não faz assim comigo não!
Você tem, você tem que me dar seu coração!
Meu amor, não posso esquecer
Se dá alegria faz também sofrer
A minha vida foi sempre assim
Só chorando as mágoas que não têm fim
Essa história de gostar de alguém
já é mania que as pessoas têm
Se me ajudasse Nosso Senhor
eu não pensaria mais no amor
Músicas sobre a copa do mundo costrumam ser datadas. Eles fazem referências a fetos e circunstâncias muito particulares que se vinculam emocionalmente ao evento. Foi assim com “Pra frente Brasil”, na copa de 70, ou “Sangue, suingue, cintura”, na copa de 1982.
Em certa medida, “Balé da Bola”, uma homenagem de Gilberto Gil à Copa de 1998, não deixa de ser uma música datada. Mas linda. Uma música que faz inúmeras referências, mágicas, gregárias e antropológicas sobre a experiência de estar perto de um gramado de futebol.
Gil faz a referência aos olhos, que então se voltavam para a França, em que o início da Copa do Mundo representa à felicidade, ao amor, e ao ardor de torcer por sua seleção.
Em “Todas as letras”, Gil conta um pouquinho da história, pois ele faria apresentações na Europa durante o verão Europeu, e estaria na França durante a Copa de 1998:
“Eu escrevi “Balé da bola” por causa da Copa, poucos meses antes da competição, e a gravei pouco antes de viajar para Europa, para cantá-la ali. O show era aberto com ela. Engaçado: do ponto de vista da qualificação da canção, do seu estar dentro e fora do tempo, foi interessante que o Brasil não tenha ganho essa Copa – porque ela não era uma daquelas músicas de torcida brasileira (era, mas ao mesmo tempo não era…)”.
Mas não é só uma partida de futebol. Os magos e bailarinos do futebol transformam as dores e os dramas da vida no “Balé da Bola”. E a cada gol marcado, é possível reviver a ancestral tradição da China, dos Astecas, da Grécia, da França medieval, dos homens correndo em torno de uma bola.
Gil coloca em cada lance de uma Copa do Mundo como um pequeno pedaço da humanidade preservado, sendo a bola um símbolo desejado, querido, que faz cada um dos admiradores do “ludopédio” um torcedor, e cada jogador que um dia pisou o campoi de uma copa do mundo encontra aqui o seu olimpo.
É uma música sobre a copa de 1998. Mas continua sendo um lindo samba sobre o futebol como atividade humana. Logo depois da Copa, Gil contou:
Aí, no dia da seguinte à final, nós estávamos já em Madri, onde faríamos um show, e na hora da passagem de som os músicos perguntaram: “Mas como é que vamos abrir o show?”. “Mas é claro que vamos abrir com ela, qual é o problema? Qual é o problema?”, eu disse. “É uma música sobre o futebol, imagina”. Porque ela foi feita a propósito da Copa da França – o que incluía todas as seleções.
E, nesse sentido, era interessantíssimo que a França tivesse sido campeã… Porque era ali, em Paris, e porque o samba tinha essa coisa de “Pelé e Platini”, porque era um ballet…
Tenho paixão por essa música. Por ser meu primeiro samba-enredo, fazendo uma viagem extraordinária por toda coisa do futebol. E também pelo seu lado musical, pela fluidez do samba, junto com a letra
Quando meu olhar beijar Paris
Terei mais amor
Serei mais feliz
Sentirei no ar a emoção, no ar o ardor
Meu coração de torcedor
Esperou tanto tempo por esta ocasião
Que um dia o menestrel sonhou
Magos da bola na Cidade Luz
Fazem milagres, transmutações
Dores e horrores que a vida produz
São transformados no balé da bola
Suor e sangue no balé da bola
Crime e castigo no balé da bola
Quando a seleção marcar um gol
Serão séculos
E mais séculos
Desde que na velha China, no velho Japão
Jogava-se com um balão
E na antiga Grécia ou na França medieval
Praticava-se o futebol
Quando a seleção marcar um gol
Serão séculos
E mais séculos
Transcorridos desde que os astecas e os tupis
Conforme a voz da lenda diz
Pelejavam com a lua-bola e o balão-sol
Num jogo de viver feliz
E hoje a bola rola mais perfeita
Esfera mágica, elevação
Nos pés dos ídolos deste planeta
Tem seu momento de consagração
A bola símbolo da perfeição
Tem seu momento de consagração
Quem lembrar Pelé ou Platini
Sabe o que se comemora aqui
Tantos que eu vi, tantos que eu não vi não (bis)
Todos tem aqui seu panteão
Quando me perguntaram certa vez sobre músicas de separação, as duas que me apareceram foram de Chico: “Eu te amo” e “Trocando em miúdos”. Duas músicas belíssimas, pungentes, contém frases como “se confundimos tanto as nossas pernas, diz com que pernas eu hei de partir”, na primeira, ou “não vou lhe cobrar pelo seu estrago, meu peito tão dilacerado”, na segunda. Mas há um outro lado da moeda. Um desatar de um casamento não como mágoa ou desamor, mas como um amor que muda…
Ainda criança, ouvia “Drão”, de Gil, e a música não me dizia nada. “Drão” foi o apelido dado por Maria Bethânia para Sandra Gadelha, que, na época da composição da música, estava se separando de Gilberto Gil. A música continua universal. Hoje, percebo ser uma das mais belas músicas de separação já escritas. Escrita para desmentir a história que a separação é o fim do amor e o começo de desamor, mas de um amor que se transforma e se eterniza.
Por isso mesmo, quis juntar, numa música de separação, os depoimentos de Gil e de Sandra sobre a música e a época. E agradecer aos dois por serem musa e artista de uma das mais belas canções de Gil:
Gilberto Gil, no disco “Todas as letras” (Cia das Letras, 2000), diz:
“Sua criação apresentou altos graus de dificuldades porque ela lidava com um assunto denso – o amor e o desamor, o rompimento, o final de um casamento; porque era uma canção para Sandra [apelido de de Drão – daí o título de música] – e para mim. ‘como é que eu vou passar tantas coisas numa canção só?’, eu me perguntava.”
Gil e Sandra no Exílio
Sandra Gadelha, como inspiradora da canção, conta a história de como Gil lhe mostrou a música, numa reportagem da revista Marie Claire:
“Desde meus 14 anos, todo mundo em Salvador me chamava de Drão. Fui criada com Gal [Costa], morávamos na mesma rua. Sou irmã de Dedé, primeira mulher de Caetano. Nossa rua era o ponto de encontro da turma da Tropicália. Fui ao primeiro casamento de Gil. Depois conheci Nana Caymmi, sua segunda mulher. Nosso amor nasceu dessa amizade. Quando ele se separou de Nana, nos encontramos em um aniversário de Caetano, em São Paulo, e ele me pediu textualmente: ‘Quer me namorar?’. Já tinha pedido outras vezes, mas eu levava na brincadeira. Dessa vez aceitei.
Engraçado que Gil mesmo não me chamava de Drão. Antes havia feito a música ‘Sandra’. Já ‘Drão’ marcou mais. Estávamos separados havia poucos dias quando ele fez a canção. Ele tinha saído de casa, eu fiquei com as crianças. Um dia passou lá e me mostrou a letra. Achei belíssima. Mas era uma fase tumultuada, não prestei muita atenção. No dia seguinte ele voltou com o violão e cantou. Foi um momento de muita emoção para os dois.
Nos separamos de comum acordo. O amor tinha de ser transformado em outra coisa. E a música fala exatamente dessa mudança, de um tipo de amor que vive, morre e renasce de outra maneira. Nosso amor nunca morreu, até hoje somos muito amigos. Com o passar do tempo a música foi me emocionando mais, fui refletindo sobre a letra. A poesia é um deslumbre, está ali nossa história, a cama de tatame, que adorávamos.
No começo do casamento moramos um tempo com Dedé e Caetano, em Salvador, e dormíamos em tatame. Durante o exílio, em Londres, tivemos de dormir em cama normal. Mas, no Brasil, só tirei o tatame quando engravidei da Preta e o médico me proibiu, pela dificuldade em me levantar. A primeira vez em que ouvi ‘Drão’ depois que Pedro, nosso filho, morreu [num acidente de carro em 1990, aos 19 anos] foi quando me emocionei mais. Com a morte dele a música passou a me tocar profundamente, acho que por causa da parte: ‘Os meninos são todos sãos’. Mas é uma música que ficou sendo de todos, mexe com todo mundo.
Soube que a Preta, nossa filha, chora muito quando ouve ‘Drão’. Eu não sabia disso, e percebi que a separação deve ter sido marcante para meus filhos também. As pessoas me dizem que é a melhor música do Gil. Djavan gravou, Caetano também. Fui ao show de Caetano e ele não conseguia cantar essa música porque se emocionava: de repente, todo mundo começou a chorar e a olhar para mim, me emocionei também. E, engraçado, Caetano é o único dos nossos amigos que me chama de Drinha.“
Vale a pena escutar.
Primeiramente, Gil faz um paralelo entre Drão e o grão, oamor que é a semente que tem que morrer para germinar, fazendo referência à semeadura, e ao neologismo “caminhadura”, que faz referência à dura caminhada de uma relação.
Em seguida, Gil exorta ao não sofrimento, e que o amor transcende e se estende, e no final há um jogo de palavras entre o amor que é “vão”, mas que ao mesmo tempo é sólido como um monolito (estrutura geológica a partir de uma só rocha).
Por fim, Gil faz referência aos filhos sãos, assume os pecados, mas não pede perdão, já que não há o que perdoar, e que assim é o amor que morre nasce trigo, vive e morre pão.
P.S. Eu podia aqui divagar sobre o “catar feijão”de João Cabral de Melo Neto no processo criativo e falar sobre o elemento confessional na criação artística. Mas isso fica para outra viagem…
Algumas músicas se tornam mais interessantes quando se descobre a história por trás da canção. As musas, as inspirações, as circunstâncias em que uma música surgiu podem torná-la mais bonita. É o caso, sem sombra de dúvida, da canção “O mestre-sala dos mares“, de João Bosco e Aldir Blanc, em 1975, em homenagem ao marinheiro João Cândido, conhecido como “O Almirante Negro“, que liderou a “Revolta da Chibata”, em 1910.
Olhem abaixo uma entrevista com João Cândido… que disse ter participado de um movimento de salvação pública.
Para quem não sabe, a Revolta da Chibata foi um movimento idealizado por Francisco Dias Martins, o “Mão Negra” e os cabos Gregório e Avelino, e depois liderado pelo cabo da Marinha João Cândido, o “Almirante negro”, semi-analfabeto, que se insurgia contra os desmandos na marinha: o descontentamento com os baixos soldos, a alimentação de má qualidade e, principalmente, os humilhantes castigos corporais (chibatadas), que tinham sido reativados pela Marinha como forma de manter a disciplina a bordo.Por isso a revolta, iniciada em novembro de 1910, ficou conhecida como Revolta da Chibata.
Os marinheiros assumiram o comando de navios, ameaçando bombardear o Rio de Janeiro, inclusive o Palácio do Governo, caso os castigos corporais não fossem suprimidos. Em Princípio, o governo de Hermes da Fonseca cedeu. Foram aprovadas medidas que acabam com as chibatadas, bem como um projeto que anistia os amotinados.
“Mas a anistia não durou dois dias. Em 28 de novembro, os marinheiros foram surpreendidos pela publicação do decreto número 8400, que autorizava demissões, por exclusão, dos praças do Corpo de Marinheiros Nacionais “cuja permanência se torne inconveniente à disciplina“. O Governo traiu os revoltosos, que foram presos, perseguidos, e encaminhado para uma prisão subterrânea na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Quase todos morreram sufocados, pois a cela era subterrânea, sem ventilação e estava cheia de cal. Apenas João Cândido sobreviveu, juntamente com o soldado Naval João Avelino. João Cândido foi perseguido, considerado louco e morreu aos 89 anos, em 1969, quase no anonimato, como vendedor de peixes.
João Cândido
No auge da ditadura militar, João Bosco e Aldir Blanc fizeram uma música em homenagem ao “Almirante Negro”. Numa entrevista, Aldir Blanc afirmou:
“Tivemos diversos problemas com a censura. Ouvimos ameaças veladas de que a Marinha não toleraria loas e um marinheiro que quebrou a hierarquia e matou oficiais, etc. Fomos várias vezes censurados, apesar das mudanças que fazíamos, tentando não mutilar o que considerávamos as idéias principais da letra. Minha última ida ao Departamento de Censura, então funcionando no Palácio do Catete, me marcou profundamente. Um sujeito, bancando o durão, (…) mãos na cintura, eu sentado numa cadeira e ele de pé, com a coronha da arma no coldre há uns três centímetros do meu nariz. Aí, um outro, bancando o “bonzinho”, disse mais ou menos o seguinte:
– Vocês não então entendendo… Estão trocando as palavras como revolta, sangue, etc. e não é aí que a coisa tá pegando…
– Eu, claro, perguntei educadamente se ele poderia me esclarecer melhor. E, como se tivesse levado um “telefone” nos tímpanos, ouvi, estarrecido a resposta, em voz mais baixa, gutural, cheia de mistério, como quem dá uma dica perigosa:
– O problema é essa história de negro, negro, negro…”
Decidimos dar uma espécie de saculejo surrealista na letra para confundir, metemos baleias, polacas, regatas e trocamos o título para o poético e resplandecente “O Mestre-Sala dos Mares”, saindo da insistência dos títulos com Almirante Negro, Navegante Negro, etc. O artifício funcionou bem e a música fez um grande sucesso nas vozes de Elis Regina e João Bosco. Tem até hoje dezenas de regravações e foi tema do enredo “Um herói, uma canção, um enredo – Noite do Navegante Negro”, da Escola de Samba União da Ilha, em 1985.
Letra original: As palavras em vermelho foram censuradas, substituídas pelas que estão em azul
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo marinheiro (feiticeiro)
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o almirante (navegante) negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao navegar (acenar) pelo mar com seu bloco de fragatas (na alegria das regatas)
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas dos negros pelas pontas das chibatas (santos entre cantos e chibatas)
Inundando o coração de toda tripulação (do pessoal do porão)
Que a exemplo do marinheiro (feiticeiro) gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o almirante negro (navegante negro)
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo
Se o caso é chorar, uma bela música de Tom Zé, na verdade, é uma colagem de plágios. O próprio Tom Zé conta a história numa entrevista:
— Aliás, essa música é toda plágio. É até bom aproveitar a oportunidade para contar pra vocês o lado avesso da história. Essa música fez sucesso, foi primeiro lugar na parada de sucesso no Brasil durante meia dúzia de semanas, durante um ano quase inteiro, em 1973, e essa música é toda plágio. A ideia de fazer uma canção toda plágio nasceu por causa de uma canção anterior, de que as pessoas de minha idade também se lembram, que é aquela valsinha que dizia assim:
Passo a passo, braço a braço
Um sorriso, um silêncio
Sete horas, oito dias
Dezenove, vim te ver
— Essa música ganhou num festival da Hebe Camargo o primeiro lugar. E aí saiu no Estadinho [Jornal da Tarde, irmão mais novo do Estadão] na seção “O Leitor Escreve”, tava escrito lá: “A música de Tom Zé ´Silêncio de Nós Dois´ é plágio do Garcia Lorca na página tal qual…”. Eu disse, vala-me Nossa Senhora, corremo lá pra casa, pegamos o Garcia Lorca, fomos lá na página e hum… tinha lá também a palavra moita. Então tudo bem.
Mas eu falei assim, puxa!, é uma ótima ideia fazer uma canção que seja toda plágio. Comecei a pensar no assunto e me lembrei dessa harmonia , que é do Estudo número 2, do Chopin. Vocês já conhecem ela em outra música brasileira, a mesma coisa também, só a batida é diferente [trata-se de ´Insensatez´, do Tom Jobim. ]
A harmonia é a mesma. Então, peguei essa harmonia e botei… A forma, eu me lembrei que Antonio Carlos e Jocafi, naquele tempo davam as regras do mercado nacional com aquele tipo de coisa: a primeira parte menor [harmonicamente falando], com a sintaxe da língua portuguesa mais ou menos estranha, pra ficar parecendo uma coisa tipo luz de boate, assim simbolicamente, metaforicamente, num precisava dizer nada, bastava ter uma dorzinha e tal, e amor por aqui, amor por acolá, então eu comecei a construir essa estrutura, que não quer dizer absolutamente nada, prestem atenção:
Se o caso é chorar, te faço chorar
Se o caso é sofrer, eu posso morrer de amor
Vestir toda minha dor, no seu traje mais azul
Restando aos meus olhos o dilema de rir ou chorar
— No fim, eu tinha chegado a botar assim: “…Deixando meus olhos vazados de tanto chorar”.
A minha mulher disse: “Assim, também não, assim é esculhambação, ninguém vai te levar a sério. Olhos vazados de tanto chorar? Que diabo, você é louco? Tenha paciência…”. Aí mudei a letra e Perna, meu parceiro [Antonio Perna Fróes, pianista baiano ], tava aqui em São Paulo e me deu a ideia da segunda parte; Ele disse: “Tem uma música dos Beatles –dos Beatles, não, dos Rolling Stones, uma imitação dos Beatles daquele tempo – que fala um negócio mais ou menos assim, deixa sangrar meu peito, um negócio assim, aí ele deu a ideia:
Amor, deixei sangrar meu peito
Pra tanta dor, ninguém dá jeito
Amor, deixei sangrar meu jeito
Pra tanta dor, ninguém tem peito
Se o caso é chorar…
— Agora, a segunda parte é uma colagem, não tem nenhuma palavra minha. Tudo música dos outros, vejam se vocês descobrem, eu juntei músicas de sucessos dos outros:
(cantando)
Hoje quem paga sou eu (um tango de Nelson Gonçalves) , o remorso talvez (Lupicínio Rodrigues)
As estrelas do céu também refletem na cama
De noite na lama (Inversão de Caetano), no fundo do copo (Ary Barroso)
Rever os amigos (Adelino Moreira e Jair Amorim), me acompanha o meu violão (Nelson Gonçalves)
Amor deixei sangrar meu peito…
Em abril de 2018 o Brasil perdeu D. Ivone Lara, uma das grandes referências do samba. Vinda de uma família muito vinculada à música, ela se viu orfã de pai aos 03 (três) anos e de mãe aos 16 (dezesseis)
Teve que lutar para firmar-se como mulher compositora. Foi a primeira mulher a ser da ala de compositores de uma grande escola de samba do Rio de Janeiro, a Império Serrano, em 1965, com o samba “Os cinco bailes da história do Rio”. Só veio a lançar seu primeiro disco em 1974 (ela nasceu em 1921), quando se aposentou das atividades como funcionária pública.
Em sua biografia escrita por Mila Burns (2009), ela revela sua relação com a música desde pequena.
“Fiquei emancipada por minha conta mesmo. Minha mãe morreu e ninguém ficou tomando conta de mim. Com idade de doze anos, eu que resolvia tudo, me guiava. Vou dizer uma coisa: foi muito bom, porque me fez ser como sou hoje. Tudo o que eu fiz a partir daí foi por decisão própria (…) Lembranças tristes às vezes vêm, mas eu sou guerreira;”
Um dos seus maiores sucessos, e a música que a consagrou foi gravada em 1978, em parceria com Delcio Carvalho, cuja história é contada por Ruy Godinho, no livro “Então, foi assim?”
Dona Ivone Lara e Delcio de Carvalho
Mila Burns afirma que D. Ivone não passava um dia sem cantarolar a melodia. Aquelas notas não saíam da cabeça, ela as repetia dia e noite. “Chamamos o amigo e disse: “Tenho essa melodia, e queria que você fizesse letra, mas queria que você tivesse alguma coisa a ver com sonho, porque até sonhando eu canto essa música. Foi numa época de muita tristeza, e só a música trazia inspiração mesmo. O Délcio fazia letras tristes, porque olhava para mim e sabia o que estava querendo dizer com as melodias que eu escrevia”.
“Sonho meu tem uma história interessante”, confiava Délcio. “Era meio-dia, o dia estava chuvoso e eu fui pra casa de D. Ivone, em Inhaúma. Eu estava com um negócio de mano meu, tio meu, vai buscar quem mora longe, que é muito usado no candomblé. E na época, estava sendo muito divulgada a campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita de presos políticos brasileiros, que estavam exilados em outros países. Aí eu saquei intuitivamente sonho meu, sonho meu, vai buscar quem mora longe, sonho meu… Quer dizer, já botei o sonho como um substantivo, uma pessoa, uma entidade palpável. E dali eu continuei vai matar essa saudade, sonho meu/com a sua liberdade, sonho meu…Naquele dia mesmo”
João Bosco e Aldir Blanc também sonhavam naquela época com a volta do irmão Henfil, com tanta gente que partiu num rabo de foguete…
“A Rosinha de Valença estava produzindo um show com a D. Ivone Lara e o MPB, num lugar chamado Carinhoso, em Ipanema. E lá pelas tantas, ela perguntou: “Você não tem uma música? Eu vou fazer uma produção para a Maria Bethânia e preciso de uma música pra eu botar no disco’. Aí a D. Ivone cantou Sonho Meu. Dias depois, houve uma festa na casa da atriz Zeny Pereira e foi todo mundo lá. Era tempo chuvoso, D. Ivone Lara cantou Sonho Meu, a Maria Bethânia estava lá, aprendeu e na noite seguinte colocou no disco, junta dela estava a Gal Costa que participou da gravação. Foi uma maluquice, uma doideira. Em quinze dias a música estava estourada no Brasil todo”, conta Délcio com entusiasmo.
A música acabou sendo um dos hinos que foram cantados como inspiração para a volta dos exilados políticos que vieram com a Lei de Anisitia, em 1979.
As músicas de pai para filho fazem um capítulo à parte na história da música.Tais músicas tratam de um amor que a gente só sabe que existe quando tem um filho. Por isso as mensagens para os filhos são tenras, cheias de amor e esperança.
Uma dessas canções é Ao que vai chegar, composição de Toquinho e Mutibho, em 1984, João Carlos Pecci e Wagner Homem contam em Toquinho: História das canções (Leya, 2010), A ORIGEM DESSA MÚSICA:
“Em 1984, Toquinho queria muito receber Pedro, o filho que estava para nascer, com um tema musical. Mas a ideia não vinha provavelmente devido à ansiedade de ser pai pela primeira vez. Percebendo a dificuldade do parceiro, Mutinho, durante uma viagem de trem para Milão, deu a Toquinho um gravador com uma fita cassete dizendo: ‘escuta, é a música do Pedro’. Ele ouviu, fez uma cara de felicidade e falou: ‘Estava faltando isso em minha vida!’ E depois fez a letra. E assim o parceiro transformou-se também em parteiro musical”
A música, na primeira parte, associa o filho que vai chegar como uma luz, uma energia… a letra fala de sol, brilhar, luz, clareia, acende, aurora, enfim, referências constantes à luminosidade que o filho traz para a sua vida.
Na segunda parte, fala-se das coisas boas desejadas ao filho: o brilho da paixão, a fé, a paz, e uma casinha onde se possa ser feliz… quando se conhece a história da canção, ela se torna mais bela e comovente…
Toquinho conta também a história da música, que foi tema de abertura da novela Livre Para Voar, da Rede Globo:
“Ao que vai chegar é uma música muito importante para mim . É uma festa, uma festa utópica, é claro, preparada para essa pessoa especialíssima, para a qual temos um tipo de amor dentro da gente que só sabemos e sentimos quando temos um filho. E antes disso, nem sabemos que esse amor existe. Quando vem essa criança e começamos a conviver com ela, a gente pensa: ‘puxa, eu podia amar tanto e não sabia`… Então, essa música é um pouco isso, a descoberta desse amor que eu tenho dentro de mim e que só aflorou com a presença desse ser estranho que passei a gostar tanto, que é meu filho Pedro”.
A letra:
Voa, coração
A minha força te conduz
Que o sol de um novo amor em breve vai brilhar
Vara a escuridão, vai onde a noite esconde a luz
Clareia seu caminho e acende seu olhar
Vai onde a aurora mora e acorda um lindo dia
Colhe a mais bela flor que alguém já viu nascer
E não esqueça de trazer força e magia,
O sonho e a fantasia, e a alegria de viver
Voa, coração
Que ele não deve demorar
E tanta coisa a mais quero lhe oferecer
O brilho da paixão, pede a uma estrela pra emprestar
E traga junto a fé num novo amanhecer
Convida as luas cheia, minguante e crescente
E de onde se planta a paz,
Da paz quero a raiz
E uma casinha lá onde mora o sol poente
Pra finalmente a gente simplesmente ser feliz
Quando Roberto Carlos surgiu no cenário musical, ele inspirou-se explicitamente em João Gilberto, como já tive oportunidade de tratar aqui. Mas ele não encontrou muito respaldo da “turma” da Bossa Nova (Bôscoli, Menescal & Cia), por ser considerado uma espécie de “João Gilberto dos Pobres”, ou seja, uma imitação de João.
Mas logo que Roberto Carlos despontou como líder da Jovem Guarda, a história se inverteu. Na segunda metade década de 60, ele era a síntese do sucesso da música jovem e popular. Nada mais natural do que surgirem história sobre imitadores de Roberto Carlos.
Um dos mais famosos ditos “imitadores” de Roberto Carlos foi Paulo Sérgio. Capixaba da cidade de Alegre, próximo a Cachoeiro do Itapemirim (cidade natal de Roberto), sua carreira começou quando um amigo dele convidado para realizar testes na gravadora Caravelle, do empresário Renato Gaetani. Paulo Sérgio era alfaiate, mas tocava violão. Na oportunidade, ele acompanharia o amigo ao violão. Ocorre que, durante o teste, descobriram que Paulo Sérgio também cantava e, após tocar algumas canções, ficaram impressionados. O timbre de voz era muito parecidos com Roberto Carlos.
Foi lançado Logo, lançaram o primeiro disco de Paulo Sérgio, um compacto simples, que continha as músicas “Benzinho” e “Lagartinha”. O sucesso de Paulo Sérgio aconteceu em todo Brasil.
Em 1968, Paulo Sérgio estourou nacionalmente com a música “Última canção”‘, que vendeu mais de 300 mil cópias. Segundo Paulo Cesar de Araújo, no seu livro “Eu não sou cachorro não” Paulo Sérgio surgia com o mesmo sorriso tímido, os mesmos olhos tristes, o mesmo estilo musical e o mesmo timbre vocal de Roberto Carlos ― o que levava a imprensa da época a afirmar que ‘ouvir a voz de um ou de outro, praticamente não faz diferença. Paulo Sérgio é uma espécie de outro Roberto Carlos’ (ARAÚJO, 2015 p. 27)
No video abaixo, a semelhança é evidente:
Um prato cheio para a imprensa, que passou a explorar uma suposta inimizade entre os dois, como se vê:
A CBS, que, como uma espécie de resposta a Paulo Sérgio, lançou no final de 1968 o LP O Inimitável, uma espécie de resposta para reafirmar o caráter único de Roberto.
Paulo César de Araújo ainda disse que Paulo Sérgio teria operado a garganta para que se livrasse da pecha.
“Eu operei a garganta para ver se minha voz ficava diferente da voz de Roberto Carlos e não adiantou. Estou desesperado, já não aguento mais ouvir todo mundo dizendo que eu imito o Brasa” (ARAÚJO, 2015 p. 30).
Consta que, em Em 1973, Paulo Sérgio e Roberto Carlos se encontraram num show beneficente no Hospital das Clínicas em São Paulo, quando ambos fizeram questão de esclarecer que a inimizade entre os dois eram apenas boatos.
O fato é que a pecha de imitador incomodou Paulo Sérgio por anos, tanto que, em1980, pouco antes de morrer, Paulo Sérgio falou sobre a polêmica:
“Muita gente se preocupa em saber se eu imito ou não o grande ídolo Roberto Carlos, de quem sou fã. Não me preocupo em imitar Roberto Carlos, porque cada um de nós deve realmente adquirir sua própria personalidade e só o tempo pode dizer. Deus me deu esta voz e colocou diante do público através do disco, nesta hora. Todos criam uma dúvida sobre minha carreira artística e assim a coisa vai passando. Tomara Deus que eu um dia possa provar a todos e convencer que meu ideal é enviar uma mensagem de paz de muito otimismo e amor. Minhas músicas são assim, um pouco carinhosas, todos podem notar. Se o Roberto Carlos teve o direito de subir e ser o fenômeno que realmente o é, que diferença tem entre ele como ser humano e eu que também sou filho de Deus? Sei perfeitamente que o próprio Roberto Carlos não está nem se preocupando com os falatórios. Quem iria falar de um cachorro morto numa estrada? Ninguém….”
O fato é que Paulo Sérgio Morreu em 1980, precocemente, e sua pecha de suposto “imitador” de Roberto o acompanhou durante toda sua vida..