Um dos maiores desafios da ciência é buscar a descoberta do chamado “elo perdido”, isto é, encontrar vestígios daquele que representou a transição entre primatas e a primeira linhagem do Homem…

Quando se conta a história do carnaval da Bahia, faz-se referência inicial ao nascimento do trio elétrico e aos frevos pernambucanos que eram eletrificados por Dodô e Osmar; conta-se também a influência de Orlando Tapajós e a Caetanave. Mas existe a busca do “elo perdido” entre a música do trio e a música afro… qual seria a música que traria essa primeira fusão entre afro e trio elétrico?
Nesse caso, não é muito difícil de encontrá-lo, e suas raízes estão numa música de Moraes Moreira, e letra de Antonio Risério: Assim Pintou Moçambique.

Moraes Moreira, no seu livro “Sonhos Elétricos”, conta um pouquinho da história da canção, nascida no ano de 1979:
“Naquele verão eu estava de férias com toda família em Salvador. Aluguei uma casa no alto de Amaralina, que apesar de simples era aconchegante e podíamos ali receber os amigos. Risério era um dos mais assíduos frequentadores.
O nosso dia era cheio. Na parte da manhã, a praia; a tarde era dedicada à música e à noite íamos todos para os ensaios dos blocos. O Badauê, um dos nossos preferidos, se consagrava como a grande sensação do momento. Era maravilhoso constatar como aquelas entidades já iam tomando seus lugares, exibindo com toda força e beleza sua cultura, a sua música, a sua dança, enfim, reafirmando as suas verdadeiras raízes ancestrais.
Queríamos, de alguma maneira, incorporar aqueles elementos à nossa poesia, à nossa música. Em suas letras, Risério foi fazendo isso com grande sabedoria, enquanto eu, por outro lado, buscava enlouquecido traduzir musicalmente esse sentimento, tocando sem parar por horas e horas a fio. Foi assim que um dia me peguei fazendo uma batida diferente. Era uma coisa tão nova que tive medo de perdê-la. Tratei então de repetindo-a e para todos que chegavam mostrava feliz: ‘Olha o que achei! Olha o que achei!’. Tive certeza que aquela levada era uma síntese, uma mistura da música branca do trio Elétrico com a música preta dos blocos afro da Bahia.”
Antonio Risério, no seu livro Carnaval Ijexá, de 1981, relata a importância da canção Assim Pintou Moçambique…
“Foi Moraes Moreira o responsável pela introdução do ijexá no trio elétrico, com a música “Assim Pintou Moçambique”(Moraes-Risério). O que Moraes fez, em “Moçambique”, foi descobrir um caminho rítmico, uma batida que, estilizando o ijexá, pôde transportá-lo para as cordas do ovation.
E ele tinha perfeita consciência da novidade do lance, muito bem esclarecida, aliás, por Caetano Veloso: “Esse toque de violão de Moraes Moreira, de ijexá. O modo como ele estilizou o ijexá pro violão e fez essas composições, que agora o Armandinho está fazendo com “Zanzibar”, eu acho isso um acontecimento importante na transa de música popular no Brasil. (…) Eu me impressiono muito, eu adoro essas coisas, o jeito de Moreira puxar doxé-cum-xé, doxé-cum-xé. Ele faz lindo, aquilo é lindo… quando ele toca essas músicas, ‘Moçambique’no ano passado aqui, quando ele começou a fazer esse tipo de ritmo no violão, eu disse: ‘porra, foi descoberto todo um continente’, entendeu?, que é óbvio, mas é o ovo de Colombo. Sempre o importante é o óbvio, né?”

Enfim, o som dos afoxés chegou em cima do trio. E a música e o carnaval da Bahia jamais foram os mesmos. Em entrevista concedida à Ana Maria Baiana e publicada no Jornal O Globo, Moraes tratou desta nova linha ritmica:
“Foi uma coisa meio por acaso, que veio da observação constante do carnaval baiano, que sempre me interessou. Você vê que no carnaval da Bahia convivem lado a lado as mais diversas formas musicais: tem trio elétrico, que é frevo e marcha, tem afoxé, que é a coisa africana mais profunda, tem todo tipo de samba…Aí um dia, nesse carnaval agora, eu me peguei fazendo uma batida no violão, que era assim, meio trio elétrico, meio candomblé, uma espécie de síntese de sons do carnaval da Bahia. E eu vi, inclusive, que isso era uma coisa tão fácil e natural em mim que topdas as minhas músicas poderiam ser cantadas desse jeito…
O fato é que a mistura dos tambores e o som trieletrizado foi ganhando força na década de 80, e o resto é história…
sábado 24 setembro 2011 16:33 , em Carnaval