Gilberto Gil, por duas vezes, chegou a definir o que é tiete… Ao prefaciar o livro “O país do carnaval elétrico, de Fred de Goes, afirma: “Tiete é uma macaca de auditório emancipada. leva um papo com você na praia, está perto e não tem aquela histeria diante do ídolo inalcançável”
No entanto, a sua melhor versão veio como música., na “Marcha da Tietagem”, gravada por Gilberto Gil, As Frenéticas e o Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar:
Tiete é uma espécie de admirador
Atrás de um bocadinho só do seu amor
Afins de estar pertinho, afins do seu calor
A música homenageia o/a tiete, que segundo o dicionário é um fã, um admirador.
Poucos sabem, na verdade, que a “Tiete” é um neologismo criado pelo grupo de dança e teatro Dzi Croquettes, que se apresentava vestindo roupas consideradas femininas, utilizando muita maquiagem e purpurina, e que durou de 1972 a 1976.

Rosemary LOBERT, no trabalho que desenvolveu sobre os Dzi Croquettes em 2010 (A Palavra Mágica: a vida cotidiana dos Dzi Croquettes), dedica um capítulo aos tietes…
De acordo com os integrantes do grupo , Duse Nacaratti, amiga de um deles, teria utilizado o nome de uma colega para definir aqueles “que estão sempre ali para ajudar, para dar um jeitinho, mas no fundo não fazem nada e só atrapalham a gente” (p.173).
O termo foi amplamente utilizado pelos Dzi Croquettes e, em boa parte graças à repercussão da mídia, foi conhecido e empregado de maneira mais ampla. A descrição do termo explicita o seu caráter dicotômico, podendo representar algo negativo (a intromissão), quanto positivo (admiração). Através desta dupla dimensão, Lobert passa à descrição das formas de classificar os tietes, quem eram eles e que tipo de relação se estabelecia entre as partes.
“Os tietes eram em sua maioria jovens que se identificavam com a proposta do grupo e que passaram a acompanhar suas atividades no palco e na vida. Nos espetáculos, os tietes poderiam ser facilmente identificados pelo vestuário inspirado na indumentária dos artistas, pela familiaridade com a peça e pela participação nas cenas. De acordo com Lobert, em cada espetáculo havia de 15 a 20 tietes.
Eles acabavam participando da cotidiana do grupo, praticando pequenas gentilezas, buscando remédios, lanches, resolvendo pendências; atuando em apoio ao espetáculo, colaboravam no financiamento, na maquiagem, retocavam os cenários.
No entanto, os tietes às vezes eram inconvenientes quando impunham presença ostensiva nos ensaios, intrometiam-se em questões internas ao grupo e exigiam vantagens.
Assim como os músicos alimentam as fantasias dos tietes, os tietes alimentam também a existência dos músicos. É um tipo especial de público, que conhece às vezes mais a história do artista do que ele mesmo. Mas não há tantas músicas assim homenageando esse tipo especial de admirador.
E a expressão veio com a Marcha da Tietagem, com uma letra curta, simples e alegre, que fala do tiete admirador, que quer um pouquinho, um pedacinho do ídolo, de se sentir próximo do artista e esta proximidade é que faz o tiete especial (quando, na verdade, se o tiete soubesse que muitas vezes o artista se torna especial port causa de sua existência).
A música segue dizendo que o tiete segue o ídolo como um vassalo, um discípulo, um seguidor, “Pro mato, pro motel, de moto ou de metrô”, e que é bom viver a história platônica da tietagem, de um amor inatingível, mas que sonha ascender para “alcançar o nível do paladar” do artista. Que muitas vezes prova…
Hoje eu sou o seu tiete
Às suas ordens, ao seu inteiro dispor
De imediato aonde você for eu vou
No ato, no ato
Pro mato, pro motel, de moto ou de metrô
Tititititi
Como é bom tietar
Seu amor inatingível
Tititititi
E se você deixar
Eu farei todo o possível
Pra alcançar o nível do seu paladar
E a palavra se incorporou de vez na década de 80, quando o Chiclete com Banana gravou “Tiete do Chiclete”, também conhecida como “Maluquete 2”, em que se cantava
“Maluquete, de quem você é Tiete? Eu Sou, sou tiete do Chiclete”
Fontes:
LOBERT, Rosemary. 2010. A Palavra Mágica: a vida cotidiana dos Dzi Croquettes. Campinas: Editora Unicamp. 296p.
Paula Lacerda Doutoranda em Antropologia Social – Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil. lacerdapaula@gmail.com
De Goes, Fred, O brasil do carnaval elétrico