Fevereiros… um documentário sobre Bethania, Mangueira,Música e Sincretismo…

Maria Bethânia é uma destas cantoras singulares. Cantora cujo estilo é admirado por outras cantoras, difícil de ser comparado. E o documentário “Fevereiros”, de Marcio Debellian, aborda uma destas peculiaridades, fazendo uma ponte entre o desfile da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, em 2016, e as festas populares e religiosas entre janeiro e fevereiro em Santo Amaro.

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Bethânia, no logo no início, diz que as coisas mais importantes para ela acontecem no mês de fevereiro, entoando os versos da canção de Dona Edith do Prato (1916-2009) “trabalhei o ano inteiro na estiva de São Paulo só pra passar fevereiro em Santo Amaro”. 

A partir de então, o documentário relata dois “fevereiros”: o da escola de samba, campeã com o desfile em homenagem a Bethânia, no ano de 2016, e a festa da Purificação, que ocorre dia 1º de fevereiro em Santo Amaro.

A história, relatada no modelo de entrevista com imagens de arquivo, desvela a religiosidade e o sincretismo de Bethânia, em que a devoção à Nossa Senhora transita de forma harmônica com o fato de ser filha de Iansã. O sincretismo é tratado de uma forma bonita, em que convivem bem o cerimonial católico e a ancestralidade das heranças africana e indígena (faz referência tanto ao candomblé africano quanto ao candomblé de caboclo).

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E o retrato da tradição de fevereiro em Santo Amaro, com seu sincretismo, vai ser a inspiração do desfile da Mangueira. O documentário retrata a preparação da Escola, o samba enredo, as alegorias, as baianas, ao mesmo tempo em que conta a história de Bethânia em Santo Amaro, as tradições, a fé católica, e o interesse pelos orixás.

Leandro Vieira, carnavalesco da Mangueira, ressalta a importância de representar o Brasil mestiço, lembrando como a religiosidade popular foi perseguida.

E fica claro que foi nos terreiros da Bahia o samba de roda nasceu, e logo em seguida migrou para o Rio, com o fim da escravidão, o que já tratamos aqui  .

“Só podia ter sido aquela apoteose na avenida, porque era o centenário do samba e celebrar Bethânia era colocar o povo no desfile.

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 O filme conta com depoimentos de Maria Bethânia, Caetano Veloso, Chico Buarque, Leandro Vieira (carnavalesco da Mangueira), Luiz Antonio Simas (historiador), Mabel Velloso (poeta e irmã de Bethânia e Caetano) e Squel Jorgea (porta-bandeira da Mangueira).

E, nos momentos simples que o documentário ganha em beleza. Na casa de Santo Amaro, no Barracão da Mangueira, nas ruas de Santo Amaro, cantando com Chico Buarque (num dos momentos divertidos do documentário), na igreja, junto à Mãe Menininha, e na Sapucaí, em que Bethânia disse não querer se fantasiar de nada. Foi dela mesma…

É contada a história de como o povo negro de Santo Amaro comemora, desde 1889, o fim da escravidão, e por trás da música e da religiosidade o documentário é uma voz de de resistência – do samba, das religiões afro –  que se personifica em Maria Bethânia, que, citando Mãe Menininha, diz, que quanto mais se dá, mais se tem, pois se trata de uma fonte, de um manancial que nunca seca.

30 anos da morte de Raul. A crônica de Marcelo Moreira

No dia 21 de agosto de 1989 completam-se  30 anos da morte de Raul Seixas. Um artista que se notabilizou por carregar o estandarte do rock nos anos 70 e 80, sendo o pioneiro de um gênero em que tinha poucos concorrentes de peso na década de 70. Raul não era grande músico, mas era um grande letrista, e embora fosse roqueiro, brincava com outros ritmos.

Suas letras, seus bordões, sua postura iconoclasta se tornaram um símbolo.

É certo que, por vezes, após a sua morte, suas palavras foram messianizadas por determinadas pessoas que passaram a repetir os refrões de suas letras como se fossem mantras religiosos.

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Mas não se pode, pela postura de alguns fãs, descaracterizar a obra do artista.

Falo disso porque, há 5 anos, perto da ocasião dos 25 anos da morte de Raul,  li um artigo de Marcelo Moreira, no blog Combate Rock,que me pareceu ter uma certa má vontade com Raul Seixas, e uma visão relativamente simplista da música brasileira nos anos 70 (por exemplo, considera a MPB engessada e o Tropicalismo como uma “farsa de pseudointelectualismo barato”)

No artigo, em síntese, ele resume o sucesso de Raul Seixas quase que exclusivamente à falta de concorrentes. Analisa a obra de Raul como razoável do ponto de vista musical (o que é verdade), mas ignora sua qualidade como letrista, sua habilidade em misturar rock com ritmos regionais.

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Reconhece o legado, reconhece o seu caráter transgressor, mas procura, na verdade, atingir, por intermédio de Raul, um certo público universitário que se apropria de alguns refrões adaptáveis de sua música, e que grita “Toca Raul” em apresentações de outros conjuntos musicais.

É uma análise fria, em certos momentos verdadeira; em outros, revela uma má vontade com uma obra que claramente o blogueiro não gosta. Foi massacrado nos comentários pelos fãs de Raul (não poderia ser diferente), mas acho que não merece tanto. Não foi o objetivo aprofundar-se em sutilezas na obra do artista.

Assim, a obra do artista foi examinada a partir do seu legado, e não o contrário.

Mas vale o debate.

http://combaterock.blogosfera.uol.com.br/2014/08/05/25-anos-da-morte-de-raul-seixas-um-artista-reduzido-a-um-bordao/

25 anos da morte de Raul Seixas: um artista reduzido a um bordão

A essência do rock nacional pode ser resumida apenas a um bordão. Ou melhor, o artista que simboliza o rock brasileiro ficou reduzido a um bordão. Por uma dessas injustiças históricas que às vezes abalroam um mito, o famigerado e inacreditável “Toca Rauuuuullll” que se ouve em bares e em shows, em tom de chacota, a cada dia se torna mais forte, a ponto de, em alguns momentos, suplantar a importância de Raul Seixas, que morreu há 25 anos em São Paulo. Não há como negar: a chatice do bordão, tornando-o insuportável e pejorativo, colou no artista de uma forma desagradável. Raul Seixas não merecia isso.

A coisa é tão complicada que, dependendo da situação, o pedido de “Toca Raul” provoca brigas e confusões, como narrei anos atrás o que ocorreu em um bar na região de Campinas, quando um bêbado encheu tanto a paciência da banda que estava no palco que provocou uma briga generalizada.

O mito superou a realidade? O bordão faz justiça à carreira do cantor baiano? Na verdade, isso tudo faz alguma diferença? Amado a ponto de ser considerado messias por uns, e contestado por outros, considerado um artista superestimado e superdimensionado por outros, Raul Seixas conseguiu o que só roqueiros ingleses e americanos obtiveram: tornou-se um símbolo de um gênero musical no Brasil.

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Não é possível falar de rock por aqui sem lembrar de Raul, tamanha a a sua onipresença – para o bem e para o mal. Diante da fragilidade do gênero musical no Brasil, em especial nos anos 60 e 70, e da falta de verdadeiros concorrentes à altura, ficou fácil para o cantor baiano tomar conta de tudo – só Rita Lee era capaz de rivalizar com ele.

Mutantes e Secos & Molhados? Não tiveram metade do carisma e da presença artística do cantor baiano. Falta de competência da concorrência? Pode ser, mas isso não era problema de Raul, que teve os seus méritos para aglutinar a cativar a aura mítica de messias e de gênio, ainda que não o fosse. Em terra arrasada, qualquer vestígio de competência é um grande impulso para o estrelato eterno.

Culpa de Raul? Sim, por ter demonstrado competência e e inteligência em um mercado que quase nunca soube entender o que era rock, o seu poder e o seu significado. Mesmo a aproximação frequente com artistas da MPB não foi suficiente para nublar a postura e a imagem que ele assumiu para si: a do roqueiro esperto, malandro, inteligente, astuto e ousado, com pitadas de maluquice beleza.

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Sua relevância pode ser medida pela escolha de Bruce Springsteen quando tocou no Brasil no ano passado: o cantor e guitarrista norte-americano, em cada país onde tocou em sua turnê mundial, abria os shows com uma música importante de um artista importante do país local. Nos shows de São Paulo e no Rock in Rio 2013, abriu suas apresentações com “Sociedade Alternativa”, um hit de Raul Seixas.

Ninguém melhor do que ele fez isso no Brasil, e nada mais justo do que Raulzito se tornar sinônimo de rock nacional no Brasil – para o bem e para o mal, seja pelo pioneirismo , seja pela esperteza ou mesmo inteligência mercadológica. Esses méritos são indiscutíveis, mesmo que tenha dado origem a um messianismo insuportável e a uma deificação injustificável.

Legado incontestável, obra nem tanto

Músico razoável e cantor nem tanto, Raul Seixas teve o grande mérito de cair de cabeça no rock and roll primeiro do que todo mundo neste país tropical e de avançar até onde nenhum artista brasileiro na época ousou.

Seixas era radical e culto, tinha estofo para se mostrar contestador sem ser revolucionário. Tinha jeito e coragem (ou inconsequência) para ser provocador como Chico Buarque foi em algumas de suas letras.

Se os Secos & Molhados chocavam e posavam de transgressores por conta das maquiagens e posturas de palco, Seixas e seu jeitão de hippie deslocado mostrava que ia muito mais além na transgressão com o mergulho fundo no rock e nos aditivos ilícitos – em vários momentos ao lado do amigo doidão e letrista ocasional Paulo Coelho.

O problema é que Raul Seixas foi o único a fazer isso, a fazer rock realmente em uma era dominada por uma música popular supostamente de protesto mas que pouco ou nada serviu de alento, ao menos culturalmente.

Era a mesma MPB engessada de sempre, calcada na canção e no samba, com ecos da bossa nova encardida e plagiada do jazz norte-americano e na farsa do Tropicalismo, envolto em pseudo-intelectualismo barato.

Raul foi muito mais além do que qualquer um em sua época, e tem méritos por isso. Se é que existiu alguma forma de transgressão nos anos 70, época de chumbo do regime militar, essa transgressão era Raul Seixas.

E o músico baiano teve a sorte grande de ter sido o único a fazer isso de forma tão intensa, e usou o rock, o melhor instrumento para esse tipo de transgressão (ou suposta transgressão). E grande parte de sua fama decorre justamente disso, da falta de concorrentes à altura.

Por conta disso, o mito Raul Seixas – artista radical, maldito, marginal – se sobrepõe à real qualidade de sua obra musical, que nunca passou de mediada. Sua melhor música é no máximo razoável. Ok, nunca foi a ambição dele, em termos musicais, de ser inovador, ambicioso ou ousado em demasia. Inovação não era com ele, e isso fica claro em sua obra.

O trabalho do cantor baiano, que  foi executivo de gravadora no começo dos aos 70, é milhões de vezes superior ao de qualquer artista que achava que fazia rock na época, como Secos & Molhados e os Mutantes, mas ainda assim não passava de razoável.

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Suas músicas se tornaram trilha sonora da contracultura e de certa pseudointelectualidade de esquerda por ser palatável e adaptável aos lugares comuns dos discursinhos chatos e vazios de estudantes equivocados.

Também era a trilha sonora perfeita para ambientes pseudopolíticos infectos, como centros acadêmicos de faculdades – a maioria de quinta de categoria – e botecos de pinga nas proximidades das mesmas faculdades. E, com certeza, 85% dessa gente que se apropriou da obra de Raulzito ignorava por completo o significado das letras – e, dependendo da música, acho que até o próprio autor desconhecia.

Ainda que a importância da obra de Raul Seixas seja incontestável, assim como sua figura como símbolo máximo/sinônimo do rock brasileiro, em termos musicais não para constatar: é artista superestimado e cujo mito é muito maior do que a qualidade de sua obra. E o mito ainda tem mais força do que se imagina, pois ainda é capaz de impregnar duas gerações após a sua morte com “sua mensagem”.

Não creio que era esse o destino que o músico baiano imaginava para o seu legado: quase ser suplantado por um bordão e virar trilha sonora de gente equivocada e com pouca bagagem intelectual de um lado; de outro, de se tornar sinônimo de chatice e inconveniência com o bordão “Toca Raul!”.

Ele merecia isso? Eu achava que sim, por conta da chatice de muitas de suas músicas. Mudei de ideia: reavaliando, ele não merecia passar por isso, justamente porque, goste-se ou não (e eu não gosto que seja assim, a a vida é assim), ele se tornou sinônimo de rock brasileiro. Jamais poderia ter sido reduzido a um bordão. Quem sabe não seja por isso, entre tantas outras coisas, que o rock nacional tenha mergulhado em tamanho ostracismo?

Quando Rod Stewart foi acusado de plagiar Jorge Bejnjor

 

Às vezes nos deparamos com que certos artistas brasileiros façam versões, se inspirem  ou copiem descaradamente músicas ou trechos de músicas estrangeiras. Mas, vez por outra, percebemos situações constrangedoras que envolvem também artistas estrangeiros copiando artistas nacionais.

Um caso que ganhou repercussão mundial foi a acusação de que Rod Stewart teria, na sua canção “Do you think I’m sexy?”, copiado acintosamente o conhecido refrão do “tê-tê-teteretê” de Taj Mahal. É certo que boa parte da composição foi creditada ao baterista de Rod, Carmine Appice.

 

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Carmine, num depoimento que consta do sítio digital http://www.songfacts.com, passou ao largo da discussão:

“Estávamos no estúdio e Miss You, dos Rolling Stones, era sucesso na época. Rod sempre foi um cara que costumava ouvir o que acontecia ao redor dele. Estava sempre de olho nas paradas musicais, ouvindo tudo, e era fã dos Rolling Stones. Então, quando eles lançaram Miss You, o som discoteca era a sensação do momento. Rod queria gravar uma espécie de canção com influência da disco music, algo mais ou menos como Miss You, mas que não fosse tão disco como Gloria Gaynor”.

Carmine continua: “Ele sempre nos falava, ‘quero uma canção desse jeito’ ou ‘quero uma canção daquele jeito’. Fui para casa e bolei uma melodia. Apresentei ao Rod através de um amigo, Duane Hitchings, um compositor que tinha um pequeno estúdio. Fomos para o estúdio dele com as baterias e teclados e ele deu uma lapidada na melodia. Entregamos ao Rod um demo dos versos e a estrofe e Rod criou o refrão. Tocamos repetidas vezes com a banda antes de acertarmos os arranjos com Tom Dowd” (lendário produtor musical).

Acontece que, em 1978, seis anos após o lançamento de Taj mahal, sai Blondes Have More Fun, nono disco de Rod Stewart. O álbum marcou a passagem definitiva do artista para o mundo do pop/disco e vendeu mais de 14 milhões de cópias no mundo todo, puxado pelo sucesso de faixas como a divertida “Da Ya Think I’m Sexy”e seu refrão contagiante.

Ocorre que a parte da canção (que foi um dos maiores sucessos de Rod Stewart, chegando a figurar na lista das 500 maiores canções da Revista Rolling Stones) era manifestamente uma cópia do refrão de Taj Mahal, de um disco gravado por Jorge Ben em 1972. É só reparar a sequência harmônica e melódica. O assunto foi reportagem no Fantástico de fevereiro de 1979, e se discutia um processo que Jorge Ben moveria contra Rod Stewart.

Na sua autobiografia, Rod Stewart confessou:

Só para complicar as coisas, o músico brasileiro Jorge Ben Jor apontou a semelhança da melodia do refrão com uma canção dele, de 1972, chamada ‘Taj Mahal’. E reivindicou direitos autorais.

Levantei a mão imediatamente. Tinha como me defender.

Não que eu tivesse me levantado no estúdio e dito: ‘Aqui, já sei, vamos usar aquela melodia do Taj Mahal como o refrão e pronto, acabou. O autor mora no Brasil, nunca vai descobrir’.

Mas por acaso eu tinha passado o Carnaval no Rio em 1978, com Elton [John] e Freddie Mercury, e lá duas coisas significativas aconteceram:

1. Desenvolvi uma breve e impossível paixão por uma atriz de cinema lésbica, que não me deixava chegar perto dela;

2. Eu tinha escutado várias vezes, por toda parte, ‘Taj Mahal’, de Jorge Ben Jor. Ela fora relançada naquele ano, e evidentemente a melodia ficou registrada na minha memória e ressurgiu quando eu tentava encontrar uma frase que ajustasse aos acordes. Plágio inconsciente, pura e simplesmente. Cedi os direitos e mais uma vez imaginei se por acaso “Da ya think I’m sexy?’ não seria um tato amaldiçoada.”

 

Para livrar-se dessa situação (até porque o disco que continha a canção, Blondes Have More Fun, já vendera mais de 4 milhões de cópias), Rod Stewart terminou cedendo os direitos autorais da canção à UNICEF, o que fez com que Jorge Ben não tivesse recebido nada pela cópia da canção….

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Fontes:

Stewart, Rod. Autobiografia. Globo, 2013

http://fantastico.globo.com/platb/fantastico30anosatras/tag/plagio/

http://danielcouri.blogspot.com.br/2011/08/o-que-rod-stewart-e-jorge-benjor-tem-em.html

http://www.songfacts.com/detail.php?id=1306

https://omusicologo.wordpress.com/2012/09/04/originais-originados-jorge-ben-x-rod-stewart-taj-mahal-da-ya-think-im-sexy/

domingo 21 outubro 2012 18:32 , em Polêmicas

Negro Gato

“Negro Gato” foi um dos sucessos de Roberto Carlos da primeira fase da Jovem Guarda, e que durante algum tempo, virou um tabu no repertório de Roberto, haja vista que, por conta do seu TOC, ele, por mais de 30 anos deixou a música fora do seu repertório, voltando a cantá-la somente em 2013, isto é, 47 anos após a sua gravação original, em 1966.
A música é uma versão  da música “Three Cool Cats”, da dupla Jerry Leiber e Mike Stoller. Foi originalmente lançada pelo The Coasters em 1958. (Uma curiosidade é que a música foi gravada pelos Beatles para sua audição na Decca Records no dia de Ano Novo em 1962 em Londres, e que seria lançada apenas muitos anos depois, já que os Beatles jamais assinaram contrato com a Decca) .
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No Brasil, a versão foi composta por Getúlio Côrtes e tem uma séria de conotações distintas. Se a versão original remonta a “três gatos legais” (three cool cats) que andam de carro, dançando e atrás de algumas garotas (“chicks”), a história criada por Côrtes termina remetendo a questões de desigualdade e racismo, embora não fosse esta a intenção original do compositor
Getúlio Côrtes, o compositor da versão, conheceu a turma de Roberto e Erasmo Carlos em um programa de rádio em 1961. Embora roqueiro de primeira hora, fã de Elvis Presley e Little Richard, ele gostava de outros gêneros, tanto assim que dublava na ocasião uma gravação de Sammy Davis Jr.
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Numa Entrevista, Getúlio disse:

Antes disso, eu compunha mais no amadorismo. Fui me infiltrando na antiga CBS e, na época, o Renato estava gravando lá. Estavam faltando músicas e falei: “Renato, será que você pode ouvir isso aqui, sem compromisso?”. Era Negro gato.

P- A música foi gravada por ele antes do Roberto, então?

Foi, sim. Ele ouviu, falou: “Pô, legal, é uma faixa diferente, vou gravar”. Alguns músicos da banda não ficaram contentes, não… Teve gente que falou: “Pô, a gente tá gravando Menina linda e você vai querer botar Negro gato?”. Mas ele gostou. Na mesma época o Roberto ouviu ‘Pega ladrão’ e gravou.

Assim, em 1966, Getúlio fez uma música para o disco de Roberto Carlos, na época, no auge por conta do programa “Jovem Guarda”. A música era “O Gênio”, um rock bem-humorado e ingênuo.  Erasmo e Evandro Ribeiro, diretor artístico da CBS, também sugeriram que ele gravasse ‘Negro Gato’, que já havia sido gravada por Renato e Seus Blue Caps.
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A música preserva o estilo brincalhão de Getúlio, carioca de Madureira. Consta que, após o fim da Jovem Guarda, Getúlio praticamente parou de compor. No entanto, “negro Gato ficou marcada como um de seus maiores sucessos.
Muitos identificaram na canção uma espécie de protesto relacionado com discriminação, mas a história da canção é mais simples. Conta Getúlio numa entrevista ao Jornal do Commércio:
Construí um anexo no quintal da minha casa, em Madureira. Ficava lá, fazendo minhas coisas, e tinha um gato que não parava da me perturbar. Eu tacava pedra nele, ameaçava matar, e nada. O bicho lá, me olhando. Terminei me inspirando nele para fazer uma música. Não pensei que fosse gravar porque gato preto dá azar. Renato dos Blue Caps, ouviu e disse que iria gravar. Naquele tempo o conjunto tinha Erasmo Carlos como Crooner. A música serviria mais como enchimento de linguiça do disco do conjunto. Roberto Carlos, depois de gravar algumas músicas minhas, disse que iria gravar o negro gato do jeito dele”

 

Noutra entrevista, ele conta:

Negro gato era um gato que ficava miando perto da sua casa, não? Como surgiu essa música? O gato tem uma história… Eu morava em Madureira numa casa e não tinha acesso a disco, não tinha toca-disco, não tinha nada. Não dava para cantar as vitórias, tinha que cantar as derrotas, não é mesmo? (rindo). O meu quarto tinha um teto de zinco e ficava lá um gato preto andando em cima do teto e miando. Cara, já imaginou gato andando em cima de teto de zinco, a barulheira que é? E isso toda madrugada. Duas horas da manhã, ele tava lá enchendo meu saco. Eu tacava pedra, não adiantava nada. Só que um dia ele ficou me olhando no escuro, aqueles dois olhos me olhando no escuro. E me pus no lugar dele: pô, todo mundo diz que o bicho dá azar, machuca o gato. Aí fiz uma música em homenagem a ele.

O gato preto te deu sorte, então. Deu mesmo! O Luiz Melodia, quando foi gravar a música, me falou: “Pô, que legal que você fez uma música contra o racismo, a música tem essa conotação, etc”. Nem era nada disso, a música era pra um gato mesmo.

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Outra curiosidade, que diz respeito às superstições de Roberto, foi a mudança da letra, para tirar a palavra “azar”

CE – Roberto mudava muito as suas músicas?
GC – A única música em que ele fez modificações foi “Negro gato”. Havia uma frase que dizia “…e nessa minha vida sempre dei azar”. Roberto a mudou para “…essa minha vida é mesmo de amargar”. Fora isso, que eu me lembre, ele não mexeu em nenhuma outra. Eu o conhecia muito e sabia exatamente as palavras que ele gostava e qual era o seu estilo de cantar.

A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34

Getúlio Côrtes chega hoje aos 80 anos, lançando primeiro álbum solo

Getúlio Côrtes: “O Roberto Carlos me ajudou bastante”

http://www.gumarc.com/entrgetuliocortesmo1998.html

 

 

 

 

 

Incidente em Miami em 1969 – The Doors

Há muitos rumores sobre a morte de Jim Morrison, da icônica banda The Doors, ocorrida em Paris, em 3 de julho de 1971. Mas há quem atribua o começo da morte de Jim Morrison a um episódio ocorrido dois anos antes, em 1º de março de 1969, que ficou conhecido como o “incidente em Miami”

Naquela noite, a banda iria se apresentar no Miami Dinner Key Auditorium, cuja capacidade estimada (e legalmente permitida) era de 7.000. Estima-se que entre 12 e 15000 pessoas estavam lá . Não havia ar condicionado e o publico estava louco. Estava bastante calor lá dentro e as cadeiras tinham sido removidas para o promotor aumentar a quantidade de espetadores.

 

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Ray Manzarek, tecladista da banda, disse numa entrevista em 1998 na Fresh air:

Estávamos em Miami. Muito quente, todo mundo suado. O local era um pântano, um buraco – um tipo horrível de lugar, um hangar de hidroavião – e 14 mil pessoas estão lotadas lá, e estão suadas“,

O show começou com atraso, haja vista que Morrison perdera algumas conexões aéreas naquele dia. Ele estava atrasado para o show por mais de uma hora, e para variar ele estava completamente bêbado, tendo bebido o dia inteiro.

A multidão começa a ouvir tão esperado começo de “Back door man”, mas Jim parece cantar absorto, ele não parece muito interessado no caos de fãs em delírio. Jim mal consegue lembrar as suas letras, interrompe as músicas pelo meio.

Morrison começa a se dirigir à multidão com frases como “ame-me, não posso fazer isso sem o seu amor, me dê um pouco de amor”. Começa com “Five to one”, mas durante o solo de Krieger, Jim solta um “Vocês são um bando de idiotas”. (min 3:30 do vídeo) e então continua nessa direção, dizendo que o público é um escravo , que em resposta começa a ficar chateado.

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Ele continua dizendo que ele não incita uma revolução, um evento, mas pede apenas que se amem, se divirtam juntos, enquanto a banda tenta detê-lo atacando “Touch me”, que depois de apenas dois versos vem novamente interrompido por Jim, que não consegue acompanhar a música e fica com raiva.

A banda tenta novamente tocar, mas nada. Em seguida, Jim continua com ““Love me two times” e “When the music’s over”, mas no intervalo central da peça Jim reinicia com diálogos com o público, incitações contínuas ao amor da multidão e contando a história de sua vida desde o nascimento até depois.

Com o vocalista agora fora de controle, a banda ataca “Light my fire”, dentro do qual ele continua com um  sermão. Durante tudo isso, também havia espaço para um fã lavar Morrison com champanhe, fazendo com que ele tirasse a camisa.

O manager dos Doors lembra: O show foi bizarro, coisa de circo, havia um tipo a carregar uma ovelha nos braços e as pessoas pareciam selvagens.“.

Vince Treanor disse: “Alguém saltou para o palco e despejou champanhe no Jim então ele tirou a camisa, estava todo molhado. ‘Vamos ver um pouco de pele, vamos ficar nus.’ disse ele, e a audiência começou a despir-se. Uma coisa levou à outra.

 

A partir daqui, versões são conflitantes: há quem diga que:

a) Jim incita à nudez,

b) usa a camisa para se cobrir na virilha;

c) faz movimentos estranhos com a mão por trás;

d) pergunta à plateia se queriam ver o seu pênis

e) fez uma simulação de “sexo oral”  sobre os joelhos na frente de Krieger durante um solo.

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No dia seguinte, talvez prevendo as complicações que viriam a seguir, a banda entrou em férias e saiu dos Estados Unidos.

Em 5 de março já havia um mandado de prisão para Morrison por exibição indecente e obscenidade. Com isso, um a um, os shows de uma enorme turnê pelos Estados Unidos foram cancelados até que esta, por completo, teve o mesmo destino.

 

Em novembro de 1969, Jim compareceu à polícia e se declarou  inocente, seguindo-se uma longa querela judicial, cheia de depoimentos controversos de ambas as partes. Apenas em setembro de 1970, Jim foi considerado culpado, sendo condenado por atentado ao pudor e a trabalhos forçados por seis meses, além do pagamento de multa. Os advogados de Jim recorreram da sentença e ele foi libertado após pagar uma fiança de US$ 50.000.

 

Segundo Sérgio Pereira Couto, após o incidente em Miami,

“A única aparição do grupo foi num especial da rede de TV PBS, em que apresentam algumas canções do álbum seguinte, The Soft Parade. Com isso, a aparência de Morrison mudou completamente: do visual definido pelos jornalistas como o de “um jovem Adônis” ele apareceu em cena com uma barba densa, gordo, usando óculos de aviador e um pesado
casaco marrom.

Quando o quinto álbum, Morrison Hotel, ficou pronto, tanto a banda quanto o próprio Morrison já se achavam exauridos pelo enorme prejuízo financeiro da turnê cancelada e pelo fantasma de Miami que rondava seus negócios sem parar. Um cansativo julgamento aconteceu e o cantor foi acusado de profanidade e exposição indecente. O veredicto foi contestado e o processo ainda corria quando Morrison morreu.

Apenas em 2010 a Justiça da Flórida admitiu que não havia provas suficientes para condenar Jim Morrison, cantor do Doors, pelos crimes pelos quais fora acusado.

O incidente e suas consequências mandaram Morrison e o grupo para uma pirueta que terminou com a morte de Morriso.

O que Jim queria? Segundo Manzarek,

 “E Jim viu o The Living Theatre [um grupo de teatro que experimentou quebrar a quarta coluna e confrontar o público] e ele vai fazer a sua versão do The Living Theatre. Ele vai mostrar a essas pessoas da Flórida o que é o xamanismo psicodélico da West Coast.” 

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https://whiplash.net/materias/news_856/120358-doors.html

https://www.npr.org/2010/12/10/131960761/what-really-happened-at-the-doors-1969-concert

https://www.miaminewtimes.com/news/i-was-there-the-doors-miami-concert-was-a-mythic-ripoff-6556283

4 momentos controversos de Jim Morrison

Couto, Sérgio Pereira. Segredos e Lendas do Rock. São Paulo, Universo dos Livros, 2008

João e Maria (Chico Buarque) Lirismo ou crítica social?

 

Uma canção, quando feita e lançada, muitas vezes não pertence mais a seu autor, tamanhas as interpretações, os significados e as distorções que surgem a partir delas. Uma das referências mais interessantes é a famosa canção “João e Maria”, com letra de Chico Buarque para uma melodia de Sivuca, feita em 1944.

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A letra, muitos conhecem:

Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava o rock para as matinês
Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país
Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido
Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?

Como curioso que sou, fui buscar diversas interpretações da canção que achei por aqui ou por acolá na Internet. Olha algumas frases que eu encontrei:

1) Acho que o eu-lirico da canção é na verdade a instituição Forças Armadas brasileiras. Considerando que a música é de 47 (logo pós 2a Guerra) e a letra só foi escrita em 77 (como está no site do Chico Buarque) o autor primeiro tenta construir uma certa evolução cronológica da atuação dos militares (o que tem a ver com o tema de canção infantil, como se este estivesse tentando resgatar a infância das Forças Armadas e dos ouvintes a lembrar das impressões da época).

2) No texto, há uma apologia ao anarquismo proposto por Nietzche(um Estado sem Governo, já que se podia ser ao mesmo tempo bedel,juiz, herói,guerreiro,artista e a mulher princesa, plebeia e meretriz-andava nua pelo meu pais-); há também uma ligação do anarquismo ao Comunismo, já que a vitoria sobre os alemaes na segunda guerra, pode afirmar a hegemonia soviética e dividir o mundo entre as duas potencias mundiais

3) Na realidade, Chico fala de uma pessoa amada mas ele não tem essa intenção. A real intenção dele é falar da Liberdade que ele tanto queria, ou seja, da luta contra a ditadura militar.

4) O Chico se apropria da linguagem infantil para criticar governos autoritários.”Agora” eu “era” é assim que crianças fantasiam em suas brincadeiras nas quais enfrentam situações com grandes vilões e saem vencedoras.Quando vencem, logo inventam outro vilão para destruir. Chico tinha o nazismo, na Alemanha e a ditadura no Brasil. Faz referencia ao “dedos duros” (bedel, que eram infiltrados nas universidades para vigiar ações subversivas de prof. ou alunos e os juízes que eram grandes servidores da ditadura, nem todos, é lógico).Chico sonha com leis que pare com a censura, proibições em geral, que faz o povo infeliz e com medo.

Por mais que tentem estabelecer uma visão de crítica social na bela canção, Chico descartou esta interpretação, contida no livro “História das canções”

“Cada música tem uma história. Eu tenho uma parceria com o Sivuca que é engraçada. Ele fez a música, que ficou se chamando João e Maria. Ele mandou uma fita com uma música que ele compôs em 1944, por aí. Eu falei: “Mas isso foi quando eu nasci.” A música tinha a minha idade. Quando eu fui fazer, a letra me remeteu obrigatoriamente pra um tem a infantil. A letra saiu com cara de música infantil porque, simplesmente, na fitinha ele dizia: “Fiz essa música em 47.” Aí pensei: “Mas eu criança…” e me levou pra aquilo. Cada parceria é uma história. Cada parceiro é uma história.”

E, na mesma obra, consta um adendo:

 “Como qualquer artista, Chico não tem as chaves de sua criação. Quando fez a letra de João e Maria, de Sivuca, por exemplo, não entendeu o que ele mesmo tinha querido dizer com o verso “e o meu cavalo só falava inglês”; levou o enigma a Francis Hime, que arriscou: “Eu acho que é um cavalo muito educado.”

 

Sivuca, numa entrevista em 1986 dada da Moacir Oliveira, tratou da canção:

 

 A história de João e Maria é interessante porque foi uma música que eu fiz em 1947, em Recife. Eu não tocava daquele jeito que o Chico toca na nova versão. Eu tocava bem pesado, melodiosa, bem romântica para acordar as garotinhas (risos).

Aí quando eu mostrei a música, ele disse:
 –  Vou fazer uma letra para esta música que é muito linda. Fez.
Quando ele me mostrou a letra eu disse: O que é que eu posso dizer…
Ele colocou tudo no passado. (Agora eu era herói e o meu cavalo só falava inglês..)
Porque quando ele tinha três anos, só falava assim exatamente desse jeito. Então aproveitou o gancho e colocou a vivência dele. E saiu uma das melhores letras que o Chico já fez.

 

A música, de um belo lirismo, trata de uma história de amor desfeito a partir de uma narrativa de faz-de-conta, semelhante a uma história contada por crianças “Agora eu era herói”, a mistura de tempos verbais, em que a fantasia de hoje se refere a um tempo passado, a uma fantasia, do herói, do rei, do juiz que, na iminência da fuga da pessoa amada, contenta-se em ser o brinquedo, o peão, o bicho preferido.

 

E o faz de conta, pra lá do quintal, faz com que o eu-lírico sinta-se perdido com a ausência da personagem que faz parte da sua fantasia.

Chico fez esta letra logo após fazer a versão brasileira do musical italiano “os Saltimbancos”, uma história para crianças, mas com muita crítica social.  A primeira gravação coube a Nara Leão, num dueto com o próprio Chico Buarque

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Não parece constituir arte engajada ou crítica social. Mas vá saber….

 

http://portrasdaletra.blogspot.com/2008/11/joo-e-maria.html

Zuza Homem de Mello e Jairo Severiano,  85 anos de Música Brasileira Vol. 2, 1ª edição, 1997, editora 34

Chico Buarque: História de Canções. Wagner Homem. ed. Leya

http://blogln.ning.com/profiles/blogs/dia-do-compositorsivuca-fala

 

 

quarta 03 abril 2013 03:06 , em MPB

Meu primeiro show de João Gilberto

João Gilberto falece no dia 06 de julho de 2019, aos 88 anos, deixando um legado musical que poucos artistas no mundo conseguem:  verdadeiro pai da bossa nova, com sua inigualável batida de violão, que inspirou artistas não só do Brasil, mas do mundo.

Se tivemos Caetano, Gil, Chico, Edu Lobo, Elism, Gal, Bethania, Moraes Moreira, muito se deve ao violão de João.  

Em 1999 eu fui pela primeira vez a um show de João Gilberto. Na época, ele tinha causado o maior estardalhaço com as reclamações e a língua dada para o público no Credicard Hall, poucos meses antes.

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João Gilberto no Credicard Hall

João chegou com seu estilo de sempre, terno, seu violão, que ele afinava a cada canção. Brincou, inicialmente, como o “ar refrigerado”, dizendo ele queria cantar mais, mas que o “ar refrigerado” não deixava, fazendo até piadas com isso.

Antes de começar a música, ele fazia troça daqueles que diziam que ele era chato por afinar o violão a toda hora. Chegou a perguntar: já viram uma orquestra?  Os músicos afinam os instrumentos a todo tempo.

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E começou a desfilar suas canções de sempre, a bossa nova e os sambas que marcaram sua vida… Desafinado, Estate, Pra que discutir com madame, Fotografia, Isaura, até que uma mulher, na plateia, pediu, dengosamente que João fosse tocar “Joux-Joux et Balangandãs”, de Lamartine Babo. No momento em que ele estava começando a música, Faltou energia no Teatro. Foram momentos engraçados. João, sentado no seu banquinho, o teatro escuro, e alguém do público gritou: “João, não vá embora, pelo amor de Deus”… para risada geral. 

 Enfim, voltando a luz e cantada, enfim, Joux Joux et balangandãs, João começou a tocar Eu sei que vou te amar, e, no meio da música, diminuiu sua voz, para que a plateia presente cantasse ao som de seu violão. 

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Num certo momento do show, uma cena engraçada, inusitada, uma barata apareceu ao microfone, para o susto de João e risadas da plateia. A essa altura, metade do teatro já estava de pé, muitos fora de seus lugares querendo ficar mais próximos de João, e cada um deles pedia uma música, e João cantando, como se fora uma roda de violão particular com o maior violonista que eu já vi pessoalmente.

 Depois de mais de duas horas, entre coros, falta de energia e muita música, João encerrou cantando, a (meu) pedido, a música “Falsa Baiana“, de Geraldo Pereira, e foi aplaudido entusiasticamente… 

 Quem não era fã, tornou-se. Quem já era, viu um sonho… Dez anos depois ele voltaria para o Teatro Castro Alves, numa segunda exibição…

 

domingo 25 julho 2010 01:35 , em Bossa Nova

 

“Ainda é cedo, amor….” Cartola canta para sua filha em “O mundo é um moinho”

Pungente: essa pode ser a definição que se pode dar à bela canção O mundo é um moinho, da autoria de Cartola. Reza a lenda que o compositor teria feito a canção para a sua filha, quando ele descobrira que ela se tornara prostituta.

Mas a verdade não é exatamente assim.

Primeiro, a pessoa homenageada, Creusa Cartola, fora adotada pelo compositor quando ela tinha 5 anos de idade, após a morte de sua mãe biológica. Creuza é filha biológica de Rosa do Espírito Santo e Agenor Francisco dos Santos. Estes eram amigos de Cartola e Deolinda (então esposa de Cartola), sendo esta última madrinha de batismo da menina. Quando Rosa, a mãe, faleceu em 1932, Creuza tinha apenas cinco anos, e Deolinda e Cartola, juntos há sete anos naquela época, ficaram com ela.

Segundo relato da filha mais velha de Creusa, Irinéa dos Santos, Cartola compôs essa música quando Creusa era adolescente, e com a curiosidade normal de uma jovem de 16 anos por namoros. Não há qualquer registro de que Creuza se tornara prostituta

Na verdade, Creusa tornou-se cantora.  Artista precoce, ela começou a cantar aos 14 anos, acompanhando Geraldo Pereira, outro grande compositor de Mangueira, em apresentações na Rádio Nacional, nas quais também cantava músicas de Cartola, que a levava e ensaiava., teve uma carreira discreta

Na época, pode-se imaginar que então fosse normal dizer quer alguém caiu na prostituição apenas por interessar-se por homens, e daí certamente deve ter surgido a lenda… Mas isto jamais fora dito por cartola em lugar algum.

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A letra é realmente bonita, se inicia justamente com a referência a ser cedo… a personagem com quem o eu-lírico dialoga é jovem e inexperiente, não conhece nada da vida e anuncia sua partida, e ela é advertida de que segue um caminho sem rumo…

Na segunda estrofe, o eu-lírico tenta convencê-la (embora tenha consciência e até resignação de que não terá êxito) de que ao sair ela vai se perder, a vida vai se perder, sua própria identidade vai-se embora…

E, nesse momento, na terceira estrofe, vem a parte mais aguda, que compara o mundo a um moinho, que tritura sonhos e pulveriza ilusões… é uma imagem, um vaticínio de desesperança, como que a vida fosse sepultar as ilusões daquela que se despede, e que tem por trás o apelo implícito para que ela volte, ou melhor, para que ela não vá…

Repare-se, porém, que a letra fala em reduzir teus sonho, “tão mesquinho” e não mesquinhos. Isto muda completamente o sentido. O mundo é que é mesquinho, e não os sonhos…  

Por fim, ele alerta para as desilusões amorosas… “preste atenção querida”, a advertência de um pai que ama a filha, é como se a moça fosse cair na vida… e em vez de abrir-se ao amor, abre-se ao cinismo, e a busca, esta descoberta do suposto e dito falso “amor” seria um caminho que a personagem estaria cavando para a própria derrocada…

Mais que uma advertência, é um pedido desesperado para que ela permaneça… e a canção assim entrou para a história..

 

http://almanaquenilomoraes.blogspot.com/2017/04/duas-versoes-para-mesma-estrofe.html

http://dicionariompb.com.br/creusa/biografia

http://www.horadopovo.com.br/2013/12Dez/3210-06-12-2013/P8/pag8a.htm

Genival Lacerda – “LP” O senador do Rojão (1968) – Texto da contracapa

Genival Lacerda fez nasceu em 1931. Em campina Grande, na Paraíba. E faleceu em 2021. É um daqueles cantores inconfundíveis, dono de um estilo de forró escrachado, bem humorado, cheios de duplo sentido que parecem inocentes diante de algumas pseudomúsicas nas quais se abre mão de trocadilhos e tudo é explícito…

Sucessos como Severina Xique-Xique, Caldo de Mocotó, Radinho de Pilha (Ela deu o Rádio), Galeguim dos Zóio Azul, entre outros, colocam Genival Lacerda no panteão do forró.

E, pesquisando aqui em acolá, encontrei um disco de Genival Lacerda, gravado em 1968, chamado “O Senador do Rojão”. Nesse disco, achei muito interessante o texto da contracapa, que segue abaixo:

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Bahia: berço da cultura musical típica do Brasil. Presentes incontestáveis foram trazidos pelas “pratas negras” (mulheres de pele preta e dentes de marfim), como também, pelo couro cor de azeviche – homens de pele preta, nossos irmãos dos pântanos africanos. 

Lundus, pontos, cocos, etc. acalentaram nossos primeiros patrícios num período de quase trezentos anos. Mucamas, babás, cantarolavam e balançavam as redes de ouro branco, no ritmo de sua música nativa. O bebê dormia… e dormiu para despertar séculos após, com sua música metramorfoseada.

O batuque rude do negro transformou-se. Hoje, no século XX – baião, forró, arrasta-pé, não passam de reminiscências exatas daquela música gostosa. O maestro, o compositor, o intérprete, a trouxeram para outros moldes de uma outra civilização.

GENIVAL LACERDA.  O “Rei do Munganga” puro cantor desse gênero que bem transmite com excentricidade, além de ser o criador de uma série de passos e trejeitos, formando com isso um todo harmônico e agradável, é um artista ímpar na beleza de representar. Num bate-coxa, num alvoroso ( sic – o texto original tem ‘alvoroço’ escrito assim mesmo, com “s” em vez de “‘ç”) de pernas, num sestro de todo corpo, Genival objeta sua força mental no ângulo da coreografia absolutamente original. Por isso, tornou-se o espelho de quase todos os artistas do Gênero. Dançar coco, é Genival; Baião, é Genival; Forró, é Genival. Dizer o que ele faz não é possível. É preciso assisti-lo. Ver e ouvir o excepcional astro, é um momento de terapia.

E é por isso mesmo que a Chantecler o contratou. Em suas mãos, a chapa musical de o rei da munganga GENIVAL LACERDA 

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 O texto é curioso, primeiro, por fazer uma referência à Bahia, já que Genival é paraibano de Campina Grande (embora Genival homenageie a Bahia em diversas músicas, como Bahia de todos os nomes, Alô, Bahia e Fiquei na Bahia). Segundo, por fazer uma associação do Forró com a música negra (relação que existe, mas que tem também influxos da música indígena, portuguesa e até holandesa), e por fazer uma quase justificativa da contratação de Genival, que somente se tornaria conhecido nacionalmente em 1975, com a música “Severina Xique-Xique“. Por isso, ele, chamado de Rei da Munganga (que significa gestos ou trejeitos excêntricos, uma expressão nordestina).

Um elo de tudo isso pode ser a referência ao coco, um ritmo que tem parentesco tanto com o samba-de-roda como com o forró, e que deita raízes também africanas e indígenas.  Uma pérola, quando Genival tinha apenas 27 anos…

Mentiras sinceras me interessam… Por trás da canção “Maior Abandonado”, de Cazuza/Frejat, no auge do Barão Vermelho

“Maior abandonado” é uma das músicas mais significativas do Barão Vermelho . Composta em 1984, a música retrata, à primeira vista, uma pessoa maior “que está solta no mundo, precisa da proteção do governo e não tem” (Cazuza, Preciso dizer que te amo, Org. Lucinha Araújo, Globo, 2001).

 

No entanto, a letra é mais do que isso. Para além de uma espécie de denúncia sobre os maiores abandonados, que se interessam pelas “migalhas dormidas do teu pão“, das “raspas e restos“, a canção retrata em certa medida um abandono afetivo quando chega a maioridade, e, com ela, a responsabilidade.

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Cazuza e Frejat já trataram disso, no  livro organizado por Lucinha Araújo:

 

Cazuza: “É também aquele que está vivendo o trauma dos 18 anos.É quando você fica mais carente, porque sabe que está ficando mais velho e ainda não é muito safo (…) ‘mentiras sinceras me interessam’ , um verso da letra, é uma discreta e candente referência ao estertor da carência afetiva. parece um cara, às cinco horas da madrugada, andando pelas ruas, sozinho, atrás de uma mulher. E que dali saia um grande amor. O amor da sua vida. Pura ilusão  

  Frejat: “quase todos somos ´maiores abandonados’ no sentido afetivo, nessa de querer ficar com qualquer pessoa, só para não ficarmos sozinhos. Porque 99,9% da população é, ou já foi, algum dia, maior abandonado” 

 

A letra, então, transita pelas duas questões: o abandono material e o abandono afetivo. O primeiro deles é retratado nas raspas e nos restos, nas migalhas do pão; o segundo, nas “mentiras sinceras”, nas “porções de ilusão”  de alguém que está absolutamente carente do ponto de vista afetivo.

 

Assim, pode-se dizer que o maior abandonado é uma canção sobre carência. Primeiramente, carência daquele que está perdido e sozinho no mundo, sem nenhum amparo material. E também carência afetiva. O eu-lírico aceita qualquer coisa do outro, como um cachorro faminto que aceita qualquer coisa do seu dono. O maior abandonado, nesta visão, seria quase como um vira-lata querendo ser adotado, material ou afetivamente.

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Assim, a letra usa a imagem de alguém sozinho, carente, pedindo a proteção do outro. E a utilização de elementos de humor, em que em vez que o ato de pedir a mão tem um duplo sentido: como um pedido de casamento, pelo ato do noivo pedir a mão da noiva, mas também usando aquele ditado popular “você dá a mão, mas te pedem o braço”. O eu-lírico assume que, ao pedir a mão, quer mais do que isso. A utilização do advérbio “pouquinho” indica a submissão, mas o desejo de alguém que está perdido e quer um norte… (“me leve para qualquer lado”)

Numa entrevista a Danilo Gentilli, Frejat relatou uma discussão com Cazuza sobre um verso que acabou sendo excluído:

 

 

Segundo Frejat, havia um verso que ele considerava muito agressivo: “eu tô baixando o calção por qualquer trocado” . Frejat achava que a letra estava completa.  Cazuza acusou Frejat de ser careta, ao que este ponderou que não era questão de caretice, mas que este verso iria limitar a quantidade de pessoas que iriam se identificar com a música. Cazuza teria concordado, contrariado

 

Fonte: ARAÚJO, L. Preciso dizer que te amo: todas as letras do poeta. Rio de Janeiro: Globo, 2001, p-78