Marisas Monte e Cassia Eller são as maiores cantoras de sua geração. A década de 90 não seria a mesma se não houvesse o contraste entre a suave voz de soprano de Marisa, e o rascante timbre vocal de Cassia. Me deparei então com dois textos de Arnaldo Antunes, um para cada cantora, ambos encontrados em “Música Popular Brasileira”, de Mário Luiz Thompson, editora Bem Te Vi, São Paulo, 2001″. Vale a pena ver o trecho para cada uma delas:
A relação musical de Arnaldo Antunes com Cassia, do ponto de vista das músicas gravadas, é escassa. Cassia Eller Gravou “Socorro”, música de Arnaldo Antunes para um poema de Alice Ruiz, em 1994.
Cássia Eller Arnaldo Antunes 2001 O rugido do mar. A rocha. A lambida da fera. A guitarra. O raio surdo antes do trovão. A faísca que escapa do fio. Tudo ali no canto de Cássia Eller. A brasa do cigarro brilhando na tragada, com a intensidade do que não dura, como a nota; sílaba. Tudo sob controle sobre descontrole sob controle. Sua voz parece um corpo material, de carne e osso e músculo e sexo. Um corpo opaco, massa compacta de graves e agudos soando juntos como um soco, um trago, uma onda de éter na cabeça.
Com Marisa Monte a relação é muito mais próxima. Além de formarem os Tribalistas, junto de Carlinhos Brown, a primeira música gravada por Marisa Monte no seu primeiro álbum é “Comida”, parceria de Arnaldo, Sérgio Britto e Marcelo Frommer, na época dos Titãs. E Arnaldo acompanha a trajetória Musical de Marisa, com duas músicas em “Mais”, três músicas em “Verde Anil Amarelo Cor de Rosa e Carvão” (duas em parcerias coma própria Marisa), parceria que se repete em “Memórias, Crônicas e Declarações de Amor“. “Infinito Particular”, “Universo ao meu redor” “O que você quer saber de verdade”
Marisa Monte Arnaldo Antunes 2001
Marisa Monte expressa uma consciência impressionante do que está cantando, quando canta. Como se dissesse ao máximo aquilo que a canção está dizendo. Seu canto é esclarecedor. Revela significados ocultos nas palavras. E essa é para mim sua maior qualidade, como é para mim a maior e mais rara qualidade de uma intérprete. A inflexão certa, a intenção justa, o timbre adequado. A pronúncia, a duração, o gesto. Tudo ali parece trabalhar junto e com muita naturalidade para carregar ainda mais de sentidos as canções. E essa consciência se expande inevitavelmente ao som, à banda, ao repertório, aos arranjos e, principalmente, às composições próprias, de algumas das quais eu me orgulho em ser seu parceiro.
Como pode isso emocionar assim?
Interessante reparar que as referências a Marisa são prosa, enquanto Cassia é poesia. Enquanto Arnaldo destaca a capacidade de Marisa esclarecer ao cantar, ressalta a capacidade de Cassia emocionar. O preciso e o impreciso. Vale o registro.
Há muitas análise e especulações sobre como foi composta a composição “Chão de Giz”, que integra o primeiro álbum de Zé Ramalho (1978). A canção, imagética e cheia de metáforas, revela um relacionamentos que o artista teve, muito jovem, com uma mulher mais velha, casada, que fazia parte da chamada “alta sociedade” de João Pessoa.
Em entrevistas, Zé Ramalho apenas revela esta condição, sem contar detalhes sobre a história que viveu. O que resta são as inúmeras análises que se faz da letra da canção.
Na letra, o eu-lírico se despede de uma relação, que possivelmente ocorreu ou atravessou um carnaval. Inegavelmente, revela uma frustração por uma relação não correspondida
Há relatos, que constavam no próprio site do artista que ele se apaixonou por esta mulher, casada com uma pessoa influente da sociedade, e que não estaria disposta a abandonar sua posição por aquela relação adolescente.
Diz-se, também, que Zé Ramalho ficou arrasado por meses, e chegou a mudar de bairro, pois morava próximo a ela. E, nesse período de sofrimento, compôs a canção.
Zé Ramalho, recentemente, numa entrevista, disse que em nenhuma música dele contém a frase “eu te amo”. esta frase é dita por outros caminhos. E ele, nesta canção, relata a experiência do desamor, ou melhor, do amor que se desfez.
E assim ele relata, no chão de giz, efêmero, frágil, dissipável, no qual as lembranças e devaneios daquela relação que se finda o torturam…
E as imagens daquela mulher, recortadas em folhas de jornais, seriam guardadas “no pano de guardar confetes’, ou seja, ficarão nas memórias e nos restos daquele carnaval.
E por mais que ele tente lutar, usando toadas as suas armas (“balas de canhão”), existe o Grão-Vizir, o marido. Mais do que a referência à posição, há uma referência à vilania, associada certamente a Kara Mustafá, um famoso grão-vizir otomano que é associado á ganância e à vilania. O Grão Vizir é o antagonista, e, em certa medida, o vencedor deste jogo de amor
E, numa manifestação de um certo despeito, ele diz ser o colibri que pode polinizar outras violetas velhas, assim como ela, e, diante da impotência, faz referência à loucura (camisa de força) e aos desejo (camisa de vênus) reunidas numa mesma pessoa.
E ele se resigna, pois não quer com ela apenas o cigarro efêmero do pós- sexo, nem o beijo passageiro. E por isso, nocauteado, vai embora, pois não quer, como um escravo, ficar acorrentado no calcanhar da pessoa, como uma forma de subordinação.
E na juventude dele, ele relata algo um tanto edipiano neste amor pela mulher mais velha (“Freud Explica”), e que a história acabou, o carnaval dele com ela acabou, e ele está indo embora.
Resta claro que a despedida, diante do contexto, é a única opção.
Depois de algum tempo com o livro, resolvi ler “Minha fama de mau”, biografia de Erasmo Carlos. Na verdade, o livro é uma coleção de histórias, que revela muito do personagem Erasmo Esteves, que mais adiante resolveu adotar o nome artístico Erasmo Carlos, numa dupla homenagem ao seu “amigo de fé” Roberto Carlos, e ao seu chefe Carlos Imperial.
Interessante é que o livro tem o título “Minha Fama de Mau”, título de uma canção da parceria Roberto/Erasmo, mas que, na verdade, de “mau” mesmo, não revela nada. No máximo as zoações que ele fazia quando adolescente em relação ao “Careca” que namorava uma garota que ele desejava, no bairro da Tijuca, no rio de Janeiro.
Erasmo, no livro, não fala mal literalmente de ninguém, e arranja um jeito de contar uma história/homenagem em relação a pessoas importantes na MPB. Estão lá João Gilberto (de quem se declara fã incondicional, junto com Elvis Presley), jorge Benjor, Tim Maia (que o ensinou a tocar violão), Wanderleia, Caetano, Gal, Chico Buarque, entre tantos outros. Não falta, claro, um capítulo inteiro do livro para contar de sua relação com Roberto Carlos, uma amizade que, segundo ele, ficou estremecida apenas uma vez.
Erasmo por Erasmo é alguém fissurado em mulheres, carros e rock’n roll. Conta por alto sua aventuras com mulheres, conta sua rotina louca na época da Jovem Guarda, os conselhos de Carlos Imperial, sua vida de casado com Narinha nos anos 70/80, em que ele meio que aderiu a uma vida mais hippie, As famosas vaias que recebeu dos metaleiros no Rock in Rio em 1985.
Escrito de maneira leve e positiva, o livro agrada a quem lê e passa ao largo claramente de questões polêmicas, como questões relativas a álcool, drogas, a acusação de corrupção de menores nos anos 60, e tangencia, bem superficialmente, o suicídio de sua ex-mulher, Narinha, após alguns anos de separação.
No mais, é um livro que se lê rapidamente, em que Erasmo é um cara boa praça, parceiro, de bem com a vida e namorador. Vale como o registro de uma época, como uma leve coleção de histórias de vida.
Poucos sentiram tão fortemente o peso da ditadura militar como Geraldo Vandré. E a maior responsável por isso foi sua canção “Pra não dizer que não falei de flores”, ou “Caminhando”, apresentada no III Festival Internacional da Canção, no dia 29 de setembro de 1968. A canção ficou em segundo lugar (perdeu para Sabiá, de Chico e Tom Jobim, que receberam a maior vaia de suas vidas), mas foi cantada e recantada pelo público e chamada como a “Marselhesa Brasileira”.
O certo é que, após o sucesso estrondoso de “Caminhando”, um verdadeiro hino contra a ditadura, a vida de Vandré tornou-se um martírio. Para se ter uma ideia, Zuenir Ventura faz uma referência a um artigo revoltado de um General, publicado no Jornal do Brasil em 06 de outubro de 1968, com o militar dizendo que a final do Festival da canção contemplara 3 injustiças:
1. Do Júri, ao colocar a música em segundo lugar, desconsiderando a “pobreza” da letra com seus gerúndios e rimas terminadas em “ão”, sem falar da canção em dois acordes.
2. Do público, que vaiou “Sabiá”
3. De Geraldo Vandré, que se insurgira contra “soldados armados”. Mas neste caso o general dizia que apenas essa terceira injustiça poderia ser reparada.
Vandré
No Jornal Estado de São Paulo de 05/08/1995, consta que Geraldo Vandré teria rompido com o Trio Marayá, que cantou com ele no Festival da Canção de 1968, e montou um novo grupo para acompanhá-lo numa turnê: o Quarteto Livre, do qual Geraldo Azevedo fazia parte do grupo.
Antes mesmo da canção “Caminhando” ser proibida oficialmente no dia 23 de outubro de 68, os discos já eram apreendidos, e Vandré vivia na paranoia de ser preso. Medo que se intensificou na sexta feira 13 de dezembro de 1968, quando veio o AI-5, uma das passagens mais vergonhosas da nossa história, que fechava o congresso, suprimia garantias individuais (como o habeas corpus) e fazia com que a ditadura mostrasse sua faze mais horrenda.
Vandré é advogado, e sabia dos riscos que corria, passou a esconder-se, viver na clandestinidade, mesmo sem saber se ele seria preso ou não, e, como relata Dalva Silveira, no seu livro “Geraldo Vandré: A vida não se resume em festivais (FT Editora), ele passou a planejar a fuga para um autoexílio.
Mas, antes de fugir do Brasil, Vandré passou um tempo escondido com ajuda da viúva de Guimarães Rosa.
No período em que estava foragido, uma das pessoas que tinha acesso a Geraldo Vandré era Geraldo Azevedo, que compunha o “Quarteto livre”, banda que o acompanhara na turnê do Show “pra não dizer que não falei de flores”, cujo título, censurado, passou a ser “Socorro – a poesia está matando o povo”.
Geraldo Azevedo
Geraldo Azevedo disse que, para ver Vandré, tinha que se comportar “como um militante de organização clandestina; entrava num carro, mudava para outro, fazia tudo para despistar pessoas da repressão que pudessem estar me seguindo para, por meu intermédio, chegar a Vandré”
Nesse clima compuseram em parceria, Vandré e Azevedo, a “Canção da Despedida”, cuja letra é absolutamente clara e explícita.
O eu-lírico anuncia sua despedida do seu amor, anunciando, todavia, seu futuro retorno. Afirma não poder ficar tendo em vista que um Rei mal coroado (que vem a ser, obviamente o governo militar) não deseja o amor em seu reinado.
No entanto, ao mesmo tempo em que se despede, anuncia a morte do “rei” velho e cansado, ao mesmo tempo em que anuncia a permanência do amor de hoje.
Obviamente, a música foi censurada. Numa entrevista para o site (www.abarriguda.org.br), Geraldo Azevedo conta:
“Eu fui censurado várias vezes, teve uma canção minha que foi censurada até a ditadura acabar, que foi uma musica que eu fiz com Geraldo Vandré, a Canção da Despedida, foi muito censurada, insistimos, cheguei a colocá-la muitas vezes com nomes diferentes, mas não passava não!“
Geraldo Vandré, todavia, numa entrevista a Ricardo Anísio em 2004, afirmou:
“RA – Mas o Geraldo Azevedo também tem uma estória. Você disse que ele nunca foi seu parceiro em “Canção da Despedida”. Confirma isso?
GV – Claro que confirmo. Eu nunca tive parceiro nessa canção, a escrevi sozinho e ela está gravada no disco que fiz na França (“Das Terras de Bemvirá) mas quando foi lançado no Brasil veio sem essa faixa, não sei porquê, se foi por censura ou algo que o valha. A verdade é que depois que a marca Vandré virou um mito monstruoso apareceram parcerias que eu nunca fiz”.
O fato é que em 16 de julho de 1973 Vandré retornara ao Brasil. Ficara incomunicável nos quartéis do exército. Ao sair, disse que sua canção teria sido injustamente apropriada por grupos políticos e que dali para a frente só faria canções de ‘amor e paz’.
O artista Geraldo Vandré “morreu” ao voltar do exílio, restando apenas o advogado Geraldo Pedrosa de Araújo Dias. A ponto de que, quando Elba Ramalho foi gravar a “Canção da Despedida”, após sua liberação pela censura no fim da década de 70, Vandré não quis autorizar a sua execução, só o fazendo quando seu nome foi retirado dos créditos.
Mas parece que era realmente uma despedida. Geraldo vandré nunca mais retornou… Ele jamais gravara esta canção.
Canção da despedida – segunda do disco 2. Créditos Geraldo Azevedo/Geraldo
Geraldo Azevedo conta que, com a abertura política, disse que a “Canção da Despedida”, seguidamente censurada, poderia ser gravada. Aí ele procurou Vandré. Nas palavras de Geraldo Azevedo:
” Minha conversa com Vandré foi difícil; ele não queria que a música não fosse gravada. resolvi que seria. Elba registrou-a em um belo disco, em 1980. (Só que, nos créditos, apareceram como autores Geraldo Azevedo e Geraldo – sem o sobrenome). Em 1985, Geraldo Azevedo colocou a autoria completa, pois soube que Geraldo Vandré se incomodara por não ter seu nome registrado integralmente.
Fontes: Silveira, Dalva, Geraldo Vandré: A vida não se resume em festivais (FT Editora)
O trecho acima citado vem da música “Conto de Areia”, composição de Romildo Bastos e Toninho Nascimento que se tornou um fenomenal sucesso na voz de Clara Nunes, em 1974. É um belíssimo samba de roda tipicamente baiano (embora Romildo seja pernambucano, e Toninho, paraense), que remete às velhas canções de Caymmi, da história do pescador que foi ao mar pescar e que nunca volta (me veio a referência à velha frase de Caymmi: “A jangada voltou só…“)
A música tem uma letra longa, cuja inspiração Toninho revelou a Vagner Fernandes, no livro Clara Nunes: Guerreira da Utopia (Ediouro, 2007):
“Eu a compus a partir de uma conversa com um amigo-vizinho baiano, que contava casos que havia vivido na Bahia. Um deles era a história da mulher cujo marido foi pescar e nunca mais voltou. Ela enlouqueceu e passou a andar pelas areias da praia dia e noite em busca do amado. me inspirei nessa história e fiz a letra”
Acho a música impressionante, como também é a letra que impulsionou um fenômeno de vendas. Carro chefe do álbum “Alvorecer”, a música ajudou Clara Nunes a vender mais de 350 mil cópias do disco, em 1974, um absoluto recorde para a época, quando se tinha a cultura de que “mulher não vende disco.
O samba é contado do fim para o começo… “è água no mar, é maré cheia“, quando a morena (não se sabe se é lenda ou se é verdade) carrega consigo e nos seus olhos morenos moilhados de mar toda a tristeza da Bahia. Ela se enfeita na praia, na noite, com lua… enche seu peito de tristeza e promessas… e dança…
Faz promessas porque seu amor se fez de canoeiro, e o vento arrastou o veleiro, de modo que Iemanjá levou consigo seu amor (um pouco a partir da história da lenda das sereias)…
No fim, o ser amado (o canoeiro) se despede da moça, diz para ela não esperá-lo porque ele já vai embora, voltar para o reino de Iemanjá, sua senhora, e a recomenda a não olhar mais para os veleiros, porque ele não vai voltar. Afinal, “foi beira mar quem chamou”
Toninho também conta que a letra original era “É lua no mar, é maré cheia”. Quando Romildo foi mostrar a melodia, cantava “é água no mar, é maré cheia”. Todas as vezes que se encontravam, Romildo cantava “É água no mar”, em vez de “É lua no mar”. Toninho explicava para Romildo a relação da lua com o mar, da gravidade, que a lua influenciava nas marés… mas Romildo sempre cantava “é água no mar”. Toninho dizia que o que tem no mar é água, mas, de tanto ver Romildo “errar”, acabou ficando o verso “É água no mar”…
Romildo
Em entrevista à TVT, Toninho ouviu a história de um vizinho de sua sogra, que tocava violão, que contou uma história da Bahia, e que tinha uma louca, que andava pelas praias de Amaralina, catando conchas, e a molecada namorava aquela louca. E o baiano foi namorar esta mulher louca, que morava num casebre sobre uma duna. E o baiano se espantou que no casebre da louca não havia móveis, nem cama, nem cadeira, apenas montinhos de conchas que ela catava pelas praias, que ela depositava no piso do casebre. Conta a história que a louca, quanto mais jovem, vivia com um pescador, o qual foi pro mar e nunca mais voltou. E por conta disso, a louca passou a catar conchas na praia
Toninho ficou emocionado com a história. Ficou com a história na cabeça, e transformou em versos, e deu para Romildo musicar.
É uma música triste, cantada numa versão definitiva por Clara Nunes.
Uma curiosidade é que Adelzon Alves, companheiro e produtor de Clara, na época, parecia ter implicado com a música. Toninho, no mesmo depoimento a Wagner Fernandes, disse que Romildo chegou na cara-de-pau e mostrou a canção a Clara, mas Adelzon teria implicado com partes da letra. Uma delas, a letra original dizia “Era um peito só, cheio de promessa e ebó“, que acabou sendo substituída por “Era um peito só, cheio de promessa era só”. Outra parte, era o verso “E leva pro meio das águas brancas de Iemanjá” , quando Adelzon teria implicado com a expressão “brancas”, que acabou excluída da letra.
Romildo, no entanto, em entrevista no youtube, conta que mostrou a música para Adelzon, que ficou empolgado com a canção, e pediu para Romildo mostrar outras músicas…
Toninho
A letra da canção:
É água no mar, é maré cheia ô mareia ô, mareia É água no mar…
Contam que toda tristeza Que tem na Bahia Nasceu de uns olhos morenos Molhados de mar. Não sei se é conto de areia Ou se é fantasia Que a luz da candeia alumia Pra gente contar. Um dia morena enfeitada De rosas e rendas Abriu seu sorriso moça E pediu pra dançar. A noite emprestou as estrelas Bordadas de prata E as águas de Amaralina Eram gotas de luar.
Era um peito só Cheio de promessa era só Era um peito só cheio de promessa (2x)
Quem foi que mandou O seu amor Se fazer de canoeiro O vento que rola das palmas Arrasta o veleiro E leva pro meio das águas de Iemanjá E o mestre valente vagueia Olhando pra areia sem poder chegar Adeus, amor
Adeus, meu amor Não me espera Porque eu já vou me embora Pro reino que esconde os tesouros De minha senhora Desfia colares de conchas Pra vida passar E deixa de olhar pros veleiros Adeus meu amor eu não vou mais voltar
Foi beira mar, foi beira mar que chamou Foi beira mar ê, foi beira (2x)
No dia 17 de março se comemora o aniversário de Elis Regina. Nascida em 1945, ela fez história nos anos 60/70, partindo dos festivais da canção, do programa O Fino da Bossa, que compartilhava com Jair Rodrigues, para se tornar uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos.
Nelson Motta e Elis Regina
Uma das pessoas que acompanhou de perto a trajetória de Elis foi Nelson Motta. Eu li duas vezes o livro Noites Tropicais, escrito por ele . Na primeira, pude ter certeza que ele é apaixonado por música, e por boa música. Na segunda, ficou mais evidente que ele ama a música, e também como ele fora apaixonado por Elis Regina. Quando falo apaixonado, não me refiro apenas à mulher, mas à cantora, à diva, à música…
Ele conta com entusiasmo cada pedaço da vida de Elis que pôde acompanhar. Começa quando Elis era uma adolescente na década de 60, sobre a influência que Lennie Dale exerceu no seu jeito de cantar. Merece destaque o tempo que passaram juntos, o breve romance e o repentino rompimento. E, por óbvio, não tem como não ficar melancólico quando ele relata o impacto da morte de Elis Regina. É um relato de uma perda pessoal, mais do que uma perda artística… Confesso que foi um dos capítulos do livro que parava e sentia cada palavra ali escrita.
Muitos anos depois da morte de Elis, Nelson Motta fez uma homenagem à sua amiga e musa, que está no se blog: (www.sintoniafina.uol.com.br). A saudade de um sentimento atual…Segue abaixo:
Feliz Aniversário, Elis!
Querida, Parabéns! Você, como eu, como quase todos nós da turma, já é uma sexagenária! Se bem que alguns estão mais para sexygenários … (RS ) Edu, Chico, Caetano, Gil, Milton, Ivan, João Bosco, Aldir, todos estão pensando com carinho e gratidão em você, que lhes deu as primeiras oportunidades de mostrar sua arte, que deu brilho, cor e profundidade a suas músicas e letras, que deu visibilidade a seus sons e suas palavras. Depois que você foi, durante muito tempo repeti com sucesso a piada: ” Já repararam como a cada nova cantora que aparece a Elis está cantando melhor ? ” Claro, com Cássia Eller e Marisa Monte a piada perdeu a graça. Mas você seguiu melhorando a cada vez que se ouve, as modas e os modismos passam, e seu estilo, seu repertório, seus arranjos não só permanecem como crescem com o tempo. E Maria Rita? Que presente mais maravilhoso você deu a seus fãs com Maria Rita! E que melhor herança uma mãe cantora pode deixar para uma filha que a sua voz? E que voz! Com o tempo, Maria Rita encontrará seu próprio estilo de usá-la, que certamente será muito diferente do seu, mas a voz, a inconfundível voz de timbre cristalino e caloroso, esta seguirá pelo tempo, pela garganta de sua filha. Olha, essa história de vocês duas sempre me comove, é bem sentimental. E sensacional. Maria Rita, mesmo com essa voz e essa musicalidade toda, nunca havia pensado em cantar até os 25 anos. Que surpresa, hein? Fico imaginando você ouvindo Maria Rita com as lágrimas rolando sobre seu sorriso escancarado clássico, que te fechava os olhos, me cotucando com o cotovelo e cochichando, ” Putaquepariu! Como canta essa garota! ( separando bem as sílabas, sem se dar conta de quem ofendia com sua euforia ) Pu-ta-que-pariu! ” ( rs ) Muitas saudades, muitos beijos do amigo e fã N.
O verão de 1984/85 mudou a história da música brasileira. Foi quando surgiu aquilo que se chamava, na época, de fricote, de deboche, de ti-ti-ti, e que na década seguinte passou a se chamar de axé.
Mas a consolidação veio em 1986. A Banda Mel soltava seu “Faraó”, e quase que por acaso, Gerônimo acabou fazendo ecoar um grito, que desde a década de 70 o Ilê Aiyê já soltava como bloco afro no carnaval da Bahia: “Eu sou negão”.
A música surgiu de um improviso de Gerônimo, na barraca de Juvená em Itapuã, para os congressistas da convenção de uma gravadora que acontecia em Salvador. Na hora da apresentação, Gerônimo improvisou e criou uma cena-dialógo entre o cantor de trio elétrico e o cantor de um bloco afro no Carnaval da Bahia, que faz referência à presença dos negros na Bahia. Sobretudo no carnaval da Bahia, e vem a sua picardia….
O eu-lírico é um cantor de bloco afro em cima de um carro de som… O Ilê Aiyê é uma evidente inspiração.
E o recado é bem dado na parte conversada da canção:
“E aí chegaram os negros com toda sua beleza, com toda sua cultura, com sua tradição, com toda sua religião, tentada, motivada a ser mutilada pelos heróis brancos da história, e estamos aqui, eles sobreviveram”.
E a partir daí há o conflito sugerido entre as duas grandes forças do carnaval da Bahia: os blocos afro e o trio elétrico (vale lembrar que na década de 80 havia uma queixa dos blocos afro que diziam ter os piores horários para desfilar se comparados com os blocos de trio, questão que remonta ao século XIX…).
Aparece na música o trio elétrico, com sua música que invade e ocupa todo o espaço… e aí vem o diálogo, em que há o contraste do discurso meio óbvio do cantor do trio e a resposta de afirmação do cantor do bloco afro… e vem daquelas frases típicas… “é nenhuma, rapaz, aqui é boca de zero-nove!”
“No bum bum bum do seu tambor, e o negão vai cantando assim, pega a Rua Chile desce a ladeira, tá na praça Castro Alves, fazendo seu deboche, transando o corpo, e o negão assume o microfone e na beirada da multidão em cima do caminhão ele fala:
“- Alô rapaziada do bloco esse é o nosso bloco afro vamos curtir agora o nosso som, a nossa levada que é a nossa cultura e segura comigo, eu sou negão, eu sou negão meu coração é a Liberdade/ sou do Curuzu, Ilê, igualdade nagô essa é a minha verdade”.
E de repente aparece ao longe um carro todo iluminado é um trio elétrico.
“-Que é isso meu irmão? Venha devagar, calma, segura essa ai”.
E o cara do trio lá de cima olha:
“-Legal massa, pessoal do bloco afro é uma beleza estar aqui com vocês, vamos levar o som”
E o negão lá de baixo falando. “-Qual é meu irmão, é nenhuma rapaz, aqui é boca de zero nove, é o suíngue da gente, vá, pegue seu caminhão e siga seu caminho que a gente vai seguindo o nosso, e na levada, eu sou negão, meu coração é a Liberdade, eu sou negão, eu sou negão”
A baianidade da música é manifesta e evidente. E o refrão: “Eu sou negão, meu coração, é a liberdade”, de uma simplicidade e de uma beleza, cantado pelo branco, preto e mulato Gerônimo, viria a ser um eco de assunção da Bahia como negra. “Igualdade na cor – essa é a nossa verdade”…
O radialista Baby Santiago, diretor artístico da rádio Itaparica FM, havia gravado o improviso de Gerônimo com pouco mais de 6 minutos de duração.Baby Santiago”executou com exclusividade essa fita na rádio, o que a fez passar, em questão de duas horas, do quinto para o segundo lugar na audiência local, criando uma situação inusitada, na qual os ouvintes ligavam e manifestavam o desejo de ouvir a composição, enquanto os demais radialistas, surpresos, queriam obter cópia da gravação”.
E de repente a maioria dos baianos, sobretudo aqueles do Recôncavo, viram em si mesmo e na sua terra uma negritude que ultrapassa a cor da pela. A negritude da cultura que perpassa cada esquina da Bahia, na música, na culinária, na linguagem, no carnaval, e os blocos afro são o símbolo dessa manifestação.
A música foi o maior sucesso e virou tema de dissertações e teses. Em depoimento a Marcos Joel de Melo Santos, Gerônimo disse:
E eu quase preto e quase branco, eu senti essa discriminação, talvez com desprezo. Eu estava num momento em que eu não significava nada, para totalmente nada, eu não era nada. Eu não era nem um rádio ligado, eu tava tocando pra a parede, foi então que aí me veio a inspiração, num improviso, e aí eu gritei: – “Eu sou negão!”
O refrão de Gerônimo mudou a forma de se compreender a expressão “negão”. De pejorativa a orgulhosa, passou a definoir a identidade do negro baiano. E não apenas do negro.
Toquinho e Jorge Ben Jor se tornaram amigos, no final da década de 60. A razão que os aproximou foi o fato de que Toquinho tinha uma namorada – Carolina – cuja prima começou a namorar Jorge Ben Jor.
Toquinho relata: “Eu tinha uma namorada, a Carolina. E o Jorge Benjor começou a namorar a prima dela”, conta Toquinho. “Saíamos pela madrugada, íamos com frequência ao Patachou, um restaurante da rua Augusta, tocava-se violão, era muito agradável. Criou-se então uma amizade maior entre mim e o Jorge.
Na casa dessa minha namorada, a Carolina, nós ficávamos comendo pão de queijo e tocando violão. Um dia ele me mostrou um tema musical, e fizemos uma música, que foi Que maravilha.
Jorge Ben Jor fez a primeira parte: “Lá fora está chovendo/ Mas assim mesmo eu vou correndo/ Só pra ver o meu amor./ Ela vem toda de branco/ toda molhada e despenteada/ Que maravilha, que coisa linda que é o meu amor”.
eles desenvolveram o restante do tema, e Toquinho fez a segunda parte: “Por entre bancários, automóveis, ruas e avenidas/ Milhões de buzinas tocando sem cessar/ Ela vem chegando de branco, meiga e muito tímida/ Com a chuva molhando seu corpo que eu vou abraçar./ E a gente no meio da rua, do mundo, no meio da chuva/ A girar, que maravilha, a girar, que maravilha”.
Jorge Benjor, numa entrevista em 1972, também falou sobre a canção:
Que maravilha, uma homenagem a uma moça, que eu não conheci, mas eu vi aquela moça tão linda, de branco, embaixo de uma chuva, linda e despenteada, ela parecia tão pura… e daí nasceu a música, e eu encontrei meu amigo mais conhecido como Camaleão, meu amigo Toquinho, e aí nós concluímos a música”
A música, como de costume na época, foi inscrita para um dos festivais da canção da TV Tupi, Feira da Música Popular Brasileira. O desejo era que Gal cantasse a canção, mas ela não tinha disponibilidade de tempo… Assim, ambos apresentaram a música, que ficou em primeiro lugar naquele festival (empatada com “Nada de Novo, de Paulinho da Viola) e foi gravada pelos dois a num compacto compacto que trazia no lado B outra parceria dos dois, Carolina, Carol bela (em homenagem à namorada de Toquinho).
A música tornou-se um sucesso, o primeiro sucesso de Toquinho, que relata: .
“Gravamos “Que maravilha” e foi realmente a primeira música minha que fez um grande sucesso. Entrou nas paradas, foi muito tocada no rádio, as pessoas cantavam na rua. Do outro lado do disco tinha Carolina, Carol bela, uma canção também feita por nós. O Jorge Benjor é uma pessoa muito especial, meu amigo até hoje. Tem uma marcante força intuitiva, rítmica e poética”[1]
A música é imagética, narra um encontro na chuva, em que o eu-lírico vai correndo ver a pessoa amada, de branco, molhada e despenteada, que dá a sensação daquele amor descontraído, leve, em que dá vontade de se ver na chuva….
Nos versos seguintes, de Toquinho, completa o cenário urbano, entre bancários, móveis e avenidas, e o casal, alheio a tudo, prestes a se abraçar, e a girar na chuva. Este instante, o instante em que antecede o abraço seguido de um rodopio na chuva, confere uma leveza que justifica o sucesso da canção…
Havia algum tempo em que eu não fazia postagens com listas….
George Harrison talvez seja o Beatle que teve a carreira musical mais rica depois que deixou a banda. Sendo o mais jovem do grupo, ele não tinha muito espaço para compor no inicio da banda, tanto que sua primeira canção a entrar num álbum dos Beatles foi Don’t bother me, já no disco With the Beatles, só gravando a segunda no disco Sgt. Pepper Lonely Hearts Club Band.
Há muitas canções que fizeram historia, mas quero aqui registrar dez belas canções de George da época dos Beatles…
1 Don’t Bother Me – With the Beatles (A primeira a ser gravada)