O Trecho é de uma música cantada por Ednardo (composição Ednardo/Climério), cujo título é “Enquanto eu engomo a calça”.
A música parece uma pequena história cantada enquanto o eu lírico engoma sua calça. Cantar parece como algo necessário à sobrevivência… afinal, o autor diz que cantar parece com “não morrer”. Não diz que cantar é viver, mas sim uma forma de permanecer vivo.
Em seguida, se faz a referência a um “voar maneiro”, que não foi ensinado pelo passarinho, mas pelo pelo olhar do seu amor….
Mas, ao final, há um lamento da vida de artista, que perde um amor para a distância (São Paulo), e o outro amor, pela segurança (representada pelo dentista).
O interessante é que a canção, pelo que consta, foi feita em menos de 5 minutos, quando Climério estava passando férias na casa de Ednardo, enquanto Rosane (esposa de Ednardo) estava passando (engomando) a calça que estava amassada.
A história é contada no volume 2 do livro de Ruy Godinho, “Então, foi assim?”

Conta Ednardo:
Em 1978 eu estava passando férias em Fortaleza e convidei o Climério para ficar uns dias junto com a gente. Ele foi e ficou hospedado na minha casa. Coincidiu do Dominguinhos estar fazendo shows na região (…) E coincidiu também que o apartamento em que ele morava era na frente do meu”
E nós pegamos uma aposta naqueles 20 dias de férias para ver quem fazia mais músicas.
Ednardo
No final de um destes dias, Ednardo convidou Climério para tomar uma cervejinhas .
“A gente ia saindo, a Rosane, minha mulher, disse assim: ‘Ednardo tua calça está toda amassada. Parece que saiu de dentro de uma garrafa. Deixa eu engomar aqui’ -que lá no Nordeste o povo diz engomar para o ato de passar a roupa. Ai eu concordei e permiti que ela engomasse’
Enquanto Rosane engomava a calça, Ednardo afirma que transcorreu o seguinte diálogo.
– Climério, não repare não, mas enquanto engoma a calça vamos fazer mais uma música’?
-Mas uma bem curtinha, fácil de cantar:
-Por que cantar’? ‘
-Por que cantar? Porque parece com não morrer, igual a não se esquecer que a vida é que tem razão: ‘
‘Aí, pronto. A música saiu em dois e meio a três minutos. Foi uma das músicas mais rápidas que eu já vi, em melodia e letra. Até o arranjo a gente já pensou na hora. Foi assim que nasceu’:

“Tinha um piano na sala, um violão e ali mesmo a gente fez. Essa é a história que eu lembro” conta Climério
Climério Ferreira
Ednardo, todavia, narra a inclusão da parte final da letra, que só foi introduzida depois.
“‘Tem um trechinho dela que a gente não tinha feito na hora. Eu achei a música muito curta. E como eu estava lendo o livro Bar do Pedro e Outras Canções, e eu encontrei esta pérola: ‘ah, mas como é triste vida de artista, depois de perder Vilma pra São Paulo, perder Maria Helena prum dentista. Incluí e gravei sem o Climério saber. Ele já tinha viajado. Quando eu lancei o disco, já em 1979, eu mandei para ele, que ficou surpreso. “Mas rapaz, você botou outra coisa aqui ? Pois e, mas é sua também.

Em entrevista ao site farofafa, em setembro de 2021, Climério contou de onde vem Vilma e Maria Helena:
“Não tinha esses versos na canção original. Ednardo acrescentou para me fazer uma surpresa. Quando eu trabalhava no INPE fiz uma canção chamada “Baderna” – na verdade, uma brincadeira com a despedida dos amigos de projeto. Vilma era a gerente do projeto e, muito competente que era, foi contratada pela editora Abril, indo, portanto pra São Paulo; e, no mesmo tempo, Maria Helena – uma das produtoras de rádio do nosso projeto – casou-se com o dentista que nos atendia em São José dos Campos. Sentindo que o nosso projeto estava sendo desmontado com a saída das pessoas, fiz ‘Baderna’”:
“Baderna” (Climério Ferreira)
Foi a maior baderna
Quando Vilma foi embora
A vida perdeu a perna
A saudade deu o fora
Apagou-se o riso largo
Na boca de quem sorria
E eu fui tomar um trago
No mesmo dia
Ai, pobre de nós
Nós que só vivemos de ilusão
Que temos que ouvir rádio sem voz
E sem imagem assistir televisão
Ah, mas como é triste
Essa nossa vida de artista
Depois de perder Vilma pra São Paulo
Perder Maria Helena prum dentista.
E assim surgiu um clássico da MPB, que continua a ser cantada … afinal, cantar parece com não morrer….
Arrepare não
Pois enquanto engomo a calça eu vou lhe cantar
Uma história bem curtinha fácil de contar
Porque cantar parece com não morrer
É igual a não se esquecer
Que a vida é que tem razão
Porque cantar parece com não morrer
É igual a não se esquecer
Que a vida é que tem razão
Esse voar maneiro foi ninguém que me ensinou
Não foi passarinho
Foi olhar do meu amor
Me arrepiou todinho quando olhou meu coração
Ai, mas como é triste
Essa nossa vida de artista
Depois de perder Vilma pra São Paulo
Perdi Maria Helena pro dentista
domingo 15 agosto 2010 05:44 , em MPB
Fontes:
GODINHO, Ruy. Então, foi assim? vol. 2. Abravideo, 2010
Haja riqueza nessa nossa MPB. E haja bençãos e prosperidade para arqueólogos musicais como você!
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Abraços, Ban!!!!
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